Processo Civil

Prescindir do Ministério Público Dá Nulidade

 

 

      Apesar de o art. 82 do CPC ser suficientemente claro no sentido de que compete ao Ministério Público intervir, nas causas em que há interesses de incapazes; naquelas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade, bem como nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte e até, que à parte compete pedir expressamente sua intimação, nada menos que, sob pena de nulidade do processo, (art. 84), não raro, nos deparamos com sentenças que decidiram o pedido prescindindo da intervenção do Parquet.

 

E ante a constatação de que não foi intimado e de que não interviu como lhe compete e é dever, o Ministério Público em cumprimento ao preceito constitucional que lhe recomenda agir, interpõe recursos que acabam por restar, apesar de conhecidos, desprovidos, por motivos tais como:

 

      EMENTA: CAUTELAR DE SEQÜESTRO, BENS SOB INVENTÁRIO. INTERESSE DE MENOR. MINISTÉRIO PÚBLICO, AUSÊNCIA DE NULIDADE. INVENTAIANTE. REMOÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. I – O decreto de nulidade motivado pela ausência do Ministério Público, em processo que é obrigatória sua intervenção, só se impõe quando houver prova de prejuízo, o que não ocorre, quando os menores são filhos da apelada e a sentença lhes foi favorável. II – Não havendo qualquer comprovação de dilapidação do espólio, não há porque atender pleito de seqüestro de semoventes, especialmente quando a denúncia de danos ao monte aponta para bens que foram autorizados a alienação para fazer face as despesas de interesse de todos os herdeiros, e o inventariante prestou contas devidas. (3ª Câmara Cível do TJ do Maranhão em 13/03/00).

 

Intervenção obrigatória x se houver prova de prejuízo.

 

De uma análise do acórdão supra, muitas contradições se evidenciam. Não olvida que a intervenção do MP é obrigatória, mas criou uma exceção para a regra que absolutamente no mesmo texto não leu, ou seja, de que tal intervenção só se justifica, “quando houver prejuízo”. Esta restrição que não está contemplada na lei, muito menos autoriza poder ser dito por antecipação da ocorrência ou previsão e consequentemente, como argüir falta de prova se a terceira pessoa, ainda que como custos legis e não parte, foi expurgada do contexto processual e só ela poderia propiciar citada prova no caso de se ter configurado sua ocorrência. Juiz julga sobre fatos comprovados e não por hipóteses.

 

O mesmo argumento socorre opor-se a este, de que a inventariante/apelada foi a própria mãe. A lei não exclui a intervenção ministerial em nenhuma hipótese, nem no caso em tese, impõe a intervenção em todos, em que se configura interesse de menores.

 

Suposição por suposição, repete-se, suposição por suposição, pode-se admitir que o Magistrado decidiu acelerar o feito em favor da mãe que teria encontrado um novo amor e carecia de desincumbir-se da partilha para contrair novas núpcias.

 

Da não ocorrência de prejuízo, trata-se da mãe.

 

No mínimo ainda, a decisão padece de clareza, pelo que, mediante boa hermenêutica constata-se que usou o verbo no presente: o que não ocorre, quando os menores são filhos da apelada. Ora é temerário ter sido dito que não ocorre, todos que militamos nos fóruns sabemos que afirmar “não ocorre” não pode ser dito. Todos os casos têm ao menos um ponto em comum, no caso é a condição materna, mas até afirmar que isto é pressuposto de certeza de que os filhos não foram lesados é temerário, e mais uma vez cabe ser lembrado que a previsão do CPC não prescreve relativo a paternidade/maternidade, mas à menoridade do detentor do direito.

 

Autorizada X Prestou contas

 

Não é suficiente. O Ministério Público não argüiria nulidade ou o que seja da alienação mencionada, se, antecipadamente, tivesse anuído com ela. No final, pretender que o mesmo aponha seu “nulla obsta” à aprovação da prestação de contas, pelos motivos expendidos nas decisões afrontadas, ai é rasgar a Constituição Federal que constitui três poderes independentes e harmônicos entre si, definindo-lhes as competências, mas também institui o Ministério Público como

 

            Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

 

O Ministério Público é essencial e não acessório à função jurisdicional do Estado/juiz que por sua vez, no caso, não é quem decide sobre a oportunidade ou menos de tal intervenção. Ainda que facultado pelo art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil a estar atento para as finalidades sociais as quais a lei se destina, o magistrado não está autorizado a inovar a lei, máxime, quando a mesma se revela claríssima e de fácil interpretação.

 

Decidir em tais termos afronta além dos dispositivos constitucionais e do CPC já citados, este outro também da adjetiva civil:

 

      Art. 246. É nulo o processo, quando o Ministério Público não for intimado a acompanhar o feito em que deva intervir.

 

      Parágrafo único. Se o processo tiver corrido, sem conhecimento do Ministério Público, o juiz o anulará a partir do momento em que o órgão devia ter sido intimado.

 

É forte, mas me ocorreu comparar: justificar o descumprimento da lei, pela inocorrência de prejuízo para a parte, equivale a perguntar: por que prender o meliante que saqueia um caminhão de víveres e o distribui entre os mais pobres, até porque o dono da carga é alguém que vendendo muito caro tudo que vendia enriqueceu e está consigo uma parcela do bolo que não lhe pertence. É só uma comparação…

 

O MP é o terceiro

 

Nos processos em que deve intervir, o Ministério Público equivale àquele terceiro cuja citação se impõe, quando um autor vai ao juiz, representante do Estado, dizer que um direito seu está em perigo e lhe pede pronunciar-se. Ainda que não na condição de réu ou demandado, mas de custos legis, sem o que a triangulação processual não se fecha. Não se fechando, pelo vazio que ali se faz, escoam todos os atos que resultam como se não tivessem sido executados, são nulos.

 

Conclusão:

 

A decisão que prescinde da participação do Ministério Público em processos que, seja pela Constituição como pela lei, está prevista sua intervenção é ilegal e inconstitucional.

 

Os argumentos que justificam tal afirmação não se enraízam nas motivações que são dadas para desconhecer até recursos no sentido, prejuízo ou não prejuízo, condição de pátrio poder ou congênere, mas pela natureza da Instituição, pelos fundamentos antigos e novos, constitucionais e legais que recomendam não prescindir de sua presença sob pena até de negar o estado democrático de direitos.

 

 

* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.

 

Como citar e referenciar este artigo:
DAHER, Marlusse Pestana. Prescindir do Ministério Público Dá Nulidade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/prescindir-do-ministerio-publico-da-nulidade/ Acesso em: 06 jul. 2025