Processo Civil

A competência sob a égide constitucional

A competência sob a égide constitucional

 

Thiago André Marques Vieira*

 

 

SUMÁRIO: 1. Da necessidade da existência do Poder Judiciário – 2. Competência, as Justiças Especializadas, Justiça Federal e a Justiça Estadual – 2.1 As Justiças Especializadas – 2.2 A competência da Justiça Federal – 2.2.1 A competência suplementar da Justiça Federal – 2.3 A Justiça Estadual e a competência residual – 3. Da competência dos Tribunais Superiores – 4. Considerações Finais: Breve análise da competência sob o aspecto constitucional – 5. Referências Bibliográficas.

 

RESUMO: Definir competência e demonstrar em breves palavras a estrutura do Poder Judiciário. Estrutura esta organizada a partir do texto constitucional, que visando um melhor exercício da jurisdição distribuiu em competências a resolução dos conflitos.

 

PALAVRAS CHAVE: competência – jurisdição – organização judiciária

 

 

1.       Da necessidade da existência do Poder Judiciário

 

Inúmeros são os conflitos sociais existentes e seguindo a evolução histórica do direito é impossível imaginar um Estado que não possua o Poder Judiciário, pois é através dele que são resolvidos os conflitos entres os indivíduos que não conseguem chegar a um consenso sem intervenção externa.

 

Portanto, os indivíduos provocam o Poder Judiciário para a resolução de seus conflitos pois é ele que possui jurisdição. MENEZES VIGLIAR explica deste modo o conceito de jurisdição: “Alguém deverá dizer, nos casos concretos, qual a vontade do ordenamento jurídico – em substituição à vontade das partes – e fazer valer essa vontade.”[1]

 

Ou seja, é por possuir jurisdição que o Estado pode intervir e solucionar os conflitos da melhor forma possível, buscando a paz social. Neste sentido, é o conceito de DINAMARCO, CINTRA e GRINOVER de jurisdição:

 

“… é uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça”.[2]

 

Assim, diante dos conceitos expostos resta claro que a jurisdição é o exercício do Poder Judiciário pelo Estado, já que é dele que emana a função de julgar os conflitos de interesses. Deste modo, torna-se evidente que a jurisdição é una a distribuição de competência surge para que o Estado exerça efetivamente a jurisdição.

 

 

2.       Competência, as Justiças Especializadas, Justiça Federal e a Justiça Estadual.

 

Como visto a jurisdição é única e para atender os diversos tipos de matéria em que os conflitos tratavam é que fez a distribuição do exercício da atividade jurisdicional em competências. Neste sentido, DINAMARCO, GRINOVER e CINTRA citando Liebman conceituam competência como: “a quantidade de jurisdição cujo exercício é atribuído a cada órgão ou grupo de órgãos”.[3]

 

Portanto, observa-se que a competência é uma parcela de responsabilidade que um órgão jurisdicional possui para resolver os conflitos. Neste mesmo liame preleciona MARINONI e ARENHART: “A competência, portanto, nada mais é do que uma parcela de jurisdição que deve ser efetivamente exercida por um órgão ou grupo de órgãos do Poder Judiciário”[4]

 

Diante disto, como é comum nas diversas nações não haver nenhum órgão jurisdicional competente para todas as demandas possíveis. Pautada nisto é que a Constituição Federal estabeleceu dois tipos de competência: em razão de matéria, criando as justiças especializadas e em razão da pessoa, para julgar os entes federais ou aqueles equiparados.

 

Sendo, destarte, que todas as demandas que não se encaixem nos critérios utilizados para determinar a competência em um desses órgãos jurisdicionais serão competência da dita justiça comum. Neste ponto, novamente, o constituinte criou a Justiça Federal que possui competência exclusiva para julgar conflitos onde em um dos pólos processuais encontra-se entes públicos federais.

 

Neste ponto, faz-se necessário trazer o conceito de competência de MENEZES VIGLIAR: “Competência é a possibilidade de o juiz, regularmente investido, atuar a jurisdição num dado caso concreto”.[5]

 

Concluindo, a competência analisada sob os aspectos demonstrados acima se dá em razão da matéria e em razão de um dos demandantes ser ente federal, podendo, desta forma, ser caracterizada como competência absoluta destes órgãos jurisdicionais.

 

 

2.1 As Justiças Especializadas

 

As Justiças chamadas de Especializadas são aquelas que tratam de matéria específica, e que por tal razão são de competência absoluta, e são aquelas previstas nos incisos IV, V e VI do art. 92 da Constituição Federal. Ou seja, são as Justiças do Trabalho, Eleitoral e Militar.

 

Dentro destas Justiças há algumas peculiaridades, como por exemplo, a Justiça do Trabalho não possui competência criminal alguma, já a Justiça Militar não possui competência de qualquer matéria civil.

 

Outra peculiaridade diz respeito a nomenclatura adotada para cada Justiça Especializada, pois todas elas são de âmbito federal, no entanto, apenas a Justiça que possui competência para julgar entes federais é que a chamada Justiça Federal.

 

Vale salientar que a independência das Justiças Especializadas é tamanha que utilizam os critérios de função e territorialidade para melhor exercer a jurisdição. Ou seja, todas possuem tribunais de segundo grau, bem como superiores, e todas se dividem por uma área geográfica.

 

Finalizando, observa-se que a determinação para a competência de alguma dessas justiças utiliza-se como critério a exclusão, ou seja, se a matéria não for de direito do trabalho, eleitoral ou militar a competência será, então, justiça comum.

 

 

2.2 A competência da Justiça Federal.

 

A competência da Justiça Federal, como dito anteriormente, é absoluta e em razão de privilégio dos entes federais. Ou seja, autarquias, empresas públicas, e outros entes federais quaisquer que sejam possuem o privilégio de serem julgados pela Justiça Federal.

 

Portanto, a Justiça Federal nada mais é do que a criação de um aparato jurisdicional pela União para julgar os conflitos os quais os entes federais sejam litigantes. Assim, para a determinação se a Justiça Federal é a competente para julgar uma certa demanda utiliza-se novamente o critério de exclusão. Assim, se nenhum dos litigantes for ente federal a competência é da Justiça comum Estadual.

 

Ante o exposto salienta-se que a Justiça Federal é também uma justiça comum, por tais razões é que para uma melhor distribuição de competência e maior celeridade processual é que se subdivide a competência nos mesmos critérios da justiça comum estadual: territorial, onde a competência é determinada por uma área geográfica; função, possuindo seções judiciárias de primeiro grau e tribunal de segundo grau; e o critério da matéria, onde as demandas são divididas conforme a matéria que tratam, tendo como exemplo na Subseção Judiciária de Florianópolis da Seção Judiciária de Santa Catarina o Tribunal Regional Federal da 4ª Região criou um juizado especifico para julgar causas previdenciárias em face do Instituto Nacional da Seguridade Social – INSS.

 

Ainda, vale lembrar que muito embora os Estados Federados sejam entes da União Federal, eles são julgados pela Justiça Estadual. Portanto, conclui-se que a Justiça Federal é a última peneira para saber se a demanda judicial é competência da Justiça Estadual ou não.

 

 

2.2.1 A competência suplementar da Justiça Federal

 

A respeito do exercício completo da competência da Justiça Federal vale fazer uma breve consideração. Destacando que como a organização da Justiça Federal de primeiro grau não consegue atingir a todos os municípios do país a Constituição Federal em seu art. 109, §3° dispõe que a Justiça Estadual pode exercer a competência da Justiça Federal.

 

Esta é a redação do dispositivo constitucional supra citado:

 

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

(…)

§ 3º – Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.[6]

 

Também dispõe da mesma maneira o art. 15 da Lei 5.010/66:

 

Art. 15. Nas Comarcas do interior onde não funcionar Vara da Justiça Federal (artigo 12), os Juízes Estaduais são competentes para processar e julgar:

I – os executivos fiscais da União e de suas autarquias, ajuizados contra devedores domiciliados nas respectivas Comarcas;

II – as vistorias e justificações destinadas a fazer prova perante a administração federal, centralizada ou autárquica, quando o requerente fôr domiciliado na Comarca;

III – os feitos ajuizados contra instituições previdenciárias por segurados ou beneficiários residentes na Comarca, que se referirem a benefícios de natureza pecuniária. [7]

 

Diante das disposições legais e constitucionais expostas se observa que a competência da Justiça Federal, chamada por alguns juristas de suplementar, não atinge toda sua plenitude. Isto devido não existir uma seção judiciária da Justiça Federal em cada município do país.

 

Portanto, para dar efetividade plena do princípio constitucional de acesso a justiça a todos é que se transfere a competência da Justiça Federal para a Justiça Estadual nos casos previstos acima. Ressalta-se, ainda, que esta extensão da competência da Justiça Estadual em causas que seriam da Justiça Federal é uma via de mão dupla que é tanto bom para os cidadãos que pretendem pleitear em face da União, bem como a União pode exigir de forma mais eficaz seus tributos.

 

Por fim, vale dar uma pincelada que praticamente após 20 anos da nova Constituição Federal é ultrajante o Estado não ter organizado a Justiça Federal de primeiro grau para que a mesma exerça sua competência plenamente, e, assim, deixar de utilizar a justiça estadual. Podendo, deste modo, dar maior celeridade aos processos de competência estadual, bem como diminuir a morosidade do judiciário inflado que ocorre nas Justiças Estaduais. Garantindo, neste sentido, uma maior efetividade do direito fundamental de que todos têm o direito de ter um processo, judicial ou administrativo, célere, vide art. 5°, LXXVIII, da Constituição Federal.

 

 

2.3 A Justiça Estadual e a competência residual

 

Após a análise das Justiças Especializadas, da Justiça Federal, faz-se necessário também tecer breves considerações a respeito da Justiça Estadual, que possui uma competência residual. Ou seja, caso a demanda não seja trabalhista, militar, ou eleitoral e não possua num pólo processual algum ente federal, esta será de competência da Justiça Estadual.

 

Portanto, compete a Justiça Estadual julgar a maior parte das demandas existentes. Ou seja, demandas de direito civil, tributário, empresarial, de família, criminal, entre outros. Diante de tal incumbência da Justiça Estadual, de ter que movimentar a maior parte dos processos judiciais, é que ela resolveu especializar cada vez mais as áreas de sua atuação. Assim, criaram-se juizados competentes para o direito de família, civil, criminal primeiramente.

 

Com a evolução do direito e o aumento no número de demandas foram sendo criados juizados cada vez mais específicos, como por exemplo a Unidade de Direito Bancário na Comarca da Capital do Estado de Santa Catarina, o Juizado responsável para julgar os crimes de Violência Doméstica e os três juizados de Delitos de Trânsito no Fórum Central da Comarca de Porto Alegre do Estado do Rio Grande do Sul, esta ainda a grande tendência da Justiça Estadual, isto com o objetivo de melhor atender e resolver os conflitos de interesses.

 

Assim, resta claro que compete as Justiças Estaduais julgar a maior parte das demandas, e que para melhor atender os cidadãos cabe as cortes estaduais organizar suas jurisdições da forma que lhe melhor convier. Sendo uma conseqüência natural a especialização cada vez maior dos juízos, sejam em razão da matéria ou do valor da causa.

 

 

3.       Da competência dos Tribunais Superiores

 

Os Tribunais Superiores, muito embora possuam competência sobre todo o território nacional, não são competentes para julgar todos os processos existentes no país. Portanto, os Tribunais Superiores são responsáveis apenas para julgar certos processos com certas qualidades. Qualidades essa que pode ser por matéria, prerrogativa de foro e funcional, que é o principal motivo para a existência dos Tribunais Superiores.

 

A primeira dessas qualidades é a questão material, ou seja, as Justiças especializadas possuem Tribunais Superiores. Assim, Tribunal Superior do Trabalho – TST, julgará os recursos das causas trabalhistas; o Superior Tribunal Militar – STM, julgará apenas as militares; bem como o Tribunal Superior Eleitoral – TSE julgará as questões eleitorais.

 

Já os dois principais Tribunais Superiores da União, o Supremo Tribunal Federal – STF e o Superior Tribunal de Justiça – STJ, além de possuírem a competência de julgar as pessoas que possuem prerrogativas de foro, possuem restrições de sua competência sob o critério material. Ao primeiro compete julgar todas as questões que por ventura venham ferir princípios constitucionais, ou seja, lhe compete fazer o controle de constitucionalidade, seja difuso ou concreto. Compete ao STF, ainda, julgar os conflitos de competência que possam existir entre as justiças. Já o segundo possui competência para julgar qualquer demanda que venha contrariar lei federal.

 

Por fim, conclui-se então mesmo no tocante aos Tribunais que possuem competência territorial em toda a nação, eles não são competentes para qualquer tipo de causa. Isto ocorre para dar maior celeridade aos processos e para melhor se administrar e organizar a justiça no país, não existindo, portanto, em todo o território nacional um órgão jurisdicional se quer que possa julgar qualquer tipo de causa.

 

 

4.       Considerações Finais – Breve análise da competência sob o aspecto constitucional.

 

A Constituição Federal ao organizar a estrutura judiciária levou em consideração todos os critérios anteriormente citados no presente trabalho, matéria – criando justiças especializadas; prerrogativa de foro – criando a Justiça Federal e dando como competência originária ao STF e ao STJ para julgar pessoas que ocupam determinados cargos da administração pública; e funcional – criando os Tribunais Superiores para julgarem processos em fase recursal. Restando, desta maneira, à Justiça Estadual toda competência residual, seja de matéria, seja para aqueles que não possuem prerrogativa de foro, ou pelo critério funcional.

 

Tais divisões foram realizadas pela Constituição para que se desse efetividade aos próprios princípios processuais que a Carta Magna traz em seu texto, como por exemplo o da celeridade processual, do acesso a justiça a todos, do duplo grau de jurisdição entre outros. Em relação ao critério de prerrogativa de foro para certos administradores públicos a Constituição apenas salvaguardou a figura das autoridades, para que estas sejam julgadas por cortes, presumidamente, que possuam um maior conhecimento jurídico, tendo por intuito evitar decisões equivocadas, bem como para não comprometer a administração do país.

 

Concluindo, como bem explicitou o texto, é dever do Estado julgar todos os conflitos de interesses, exatamente por isso que é ele o único que possui jurisdição, que como já visto é única e impossível dividi-la. Assim, para melhor exercer a jurisdição é que o Estado a distribuiu em competências, de todos os tipos anteriormente vistos, organizando concretamente, desde a Carta Fundamental, o Poder Judiciário.

 

 

5.       Referências Bibliográficas

 

MENEZES VIGLIAR, João Marcelo – Notas elementares sobre competência;

 

DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo – Teoria Geral do Processo, 23ª edição, editora Malheiros, 2007;

 

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz – Curso de Processo Civil, vol. 2 – Processo de Conhecimento, 6ª edição, editora Revista dos Tribunais, 2007;

 

MORAES, Alexandre de – Direito Constitucional, 20ª edição, editora Atlas, 2006;

 

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;

 

Lei Federal n° 5.010 de 30 de maio de 1966.

 

* Acadêmico de Direito da UFSC

 

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[1] MENEZES VIGLIAR, João Marcelo – Notas elementares sobre competência, pg 2.

[2] DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo – Teoria Geral do Processo, 23ª edição, editora Malheiros, 2007, pg 145.

[3] DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA, Antônio Carlos de Araújo – Teoria Geral do Processo, 23ª edição, editora Malheiros, 2007, pg 246.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz – Curso de Processo Civil, vol. 2 – Processo de Conhecimento, 6ª edição, editora Revista dos Tribunais, 2007, pg 37.

[5] MENEZES VIGLIAR, João Marcelo – Notas elementares sobre competência, pg 16

[6] Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988

[7] Lei Federal 5.010 de 30 de maio de 1966, dispõe sobre a organização da Justiça Federal de 1° grau.

Como citar e referenciar este artigo:
VIEIRA, Thiago André Marques. A competência sob a égide constitucional. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/acomp/ Acesso em: 20 abr. 2024