Processo Civil

A atuação do advogado como mediador ou conciliador: como interpretar o art. 167, § 5º do CPC?

Gabriell Jorge Monteiro Azevedo[1]

Nathalia Teixeira Feitosa Curvina[2]

RESUMO

A mediação e a conciliação são meios alternativos para a resolução de conflitos, para que não seja necessária uma demanda judicial. De tal modo, as partes podem resolver controvérsias com a ajuda de um terceiro imparcial. Contudo, o entendimento é divergente quanto a possibilidade de um advogado que atua como mediador ou conciliador também poder atuar no exercício de sua profissão. Este artigo tem o objetivo de esclarecer o posicionamento doutrinário e jurisprudencial, a partir da interpretação do art. 167, § 5º do Código de Processo Civil, que vem sendo bem rígida, impedindo o advogado de atuar em processos em um determinado juízo. Para tanto, será utilizado o método de pesquisa bibliográfica, de maneira qualitativa, com o estudo de livros, artigos científicos, legislação e jurisprudências. Assim, nota-se a importância de sopesar a intepretação que vem sendo construída do artigo supracitado, pois gera malefícios ao advogado, sendo mister que ele seja impedido de atuar apenas nas causas em que atua como mediador.

Palavras-chave: Mediação. Conciliação. Advogado. Código de Processo Civil.

ABSTRACT

Mediation and conciliation are alternative means of resolving conflicts, so that a lawsuit is not required. In this way, the parties can resolve disputes with the help of an impartial third party. However, the understanding is divergent as to whether a lawyer acting as mediator or conciliator can also act in the exercise of his profession. This article aims to clarify the doctrinal and jurisprudential positioning, based on the interpretation of art. 167, § 5 of the Code of Civil Procedure, which has been very rigid, preventing the lawyer from acting in lawsuits in a court. To do so, the method of bibliographic research will be used, in a qualitative way, with the study of books, scientific articles, legislation and jurisprudence. Thus, the importance of weighing up the interpretation that is being constructed of the article is noted, since it generates harm to the lawyer, being necessary that he be prevented from acting only in the causes in which he acts as mediator.

Keywords: Mediation. Conciliation. Lawyer. Code of Civil Procedure.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo pretende demonstrar a inteligência do art. 167, §5º do Novo Código de Processo Civil, que apresenta vedação aos conciliadores e mediadores, se também forem advogados, de exercer a advocacia nos mesmos juízos onde desempenham suas funções, à luz do ordenamento jurídico brasileiro.

A norma em análise, a priori, pretende demonstrar zelo pela conduta ética e lisura dos sujeitos processuais, de modo a evitar favorecimentos e influências ilegítimas por parte dos advogados que poderiam, por funcionar como auxiliar do juízo em outro momento, encontrar maiores facilidades em sua atividade advocatícia.

Por outro lado, convém observar os limites e a o alcance do dispositivo em comento, de modo a refletir se tal restrição é proporcional ao pleno exercício da advocacia, isto é, se o impedimento total de patrocinar causas no mesmo juízo é de fato legítima ou desnecessária a ponto de inviabilizar a liberdade profissional.

Ademais, é necessário apresentar os entendimentos acerca do tema por parte dos tribunais, em especial a Corte Suprema, no intuito de verificar como o Poder Judiciário exerce a aplicação do dispositivo, bem como a aferição de sua compatibilidade com o ordenamento jurídico.

Os tempos atuais demandam conflitos das mais variadas formas e naturezas, e um eventual enfraquecimento demasiado de um meio de solução de conflito, por restrições ao exercício profissional de uma atividade necessária a este meio, não está em consonância com a busca constante pela pacificação social.

2 A MEDIAÇÃO E A CONCILIAÇÃO

Com o desenvolvimento da sociedade, as relações entre as pessoas tornam-se cada vez mais complexas, demandando diferentes necessidades e, consequentemente, cada vez mais conflitos se formam. A via de solução desses conflitos por meio exclusivamente estatal, isto é, pela jurisdição, não consegue atender efetivamente todas as necessidades.

Em razão disso, tornou-se necessário o desenvolvimento de técnicas de solução de conflitos que possam funcionar paralelamente ao estado, igualmente efetivas e dotadas de legitimidade. Dentre essas alternativas está a chamada autocomposição. Fredie Didier apresenta sua definição (2016, p. 167):

É a forma de solução do conflito pelo consentimento espontâneo de um dos contendores em sacrificar o interesse próprio, no todo ou em parte, em favor do interesse alheio. É a solução altruísta do litígio. Considerada, atualmente, como legítimo meio alternativo de pacificação social.

Essa forma de solução de conflito, de iniciativa e resolução pelas próprias partes conflitantes, consagrando, portanto, a liberdade e a autonomia da vontade, é gênero que apresenta as duas espécies pertinentes ao presente trabalho: a mediação e a conciliação.

Estas, por sua vez, são apresentadas por Didier da seguinte forma (2016, p. 273): Mediação e conciliação são formas de solução de conflito pelas quais um terceiro intervém em um processo negocial, com a função de auxiliar as partes a chegar à autocomposição. Ao terceiro não cabe resolver o problema, como acontece na arbitragem: o mediador/conciliador exerce um papel de catalisador da solução negocial do conflito. Trata-se de exemplos de autocomposição, com a participação de um terceiro.

Mediação e conciliação, portanto, são formas de autocomposição onde existe a presença de um terceiro facilitador da negociação entre as partes, de forma que estas possam, negociando suas pretensões, dirigir-se a um ponto em comum que permita a resolução do conflito.

No que diz respeito às suas diferenças, a atuação do terceiro que auxilia na realização do acordo é o que caracteriza e permite diferenciar a mediação e a conciliação. Este, de acordo com Didier (2016, p. 274), “tem uma participação mais ativa no processo de negociação, podendo, inclusive, sugerir soluções para o litígio. A técnica da conciliação é mais indicada para os casos em que não havia vínculo anterior entre os envolvidos.”

A mediação, por sua vez, ocorre em situações mais complexas, onde há maior tensão no conflito entre as partes, geralmente em razão de algum tipo de vínculo anterior. Novamente, Fredie Didier esclarece que, neste caso, cabe ao mediador:

[…] servir como veículo de comunicação entre os interessados, um facilitador do diálogo entre eles, auxiliando-os a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam identificar, por si mesmos, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. Na técnica da mediação, o mediador não propõe soluções aos interessados. Ela é por isso mais indicada nos casos em que exista uma relação anterior e permanente entre os interessados, como nos casos de conflitos societários e familiares. A mediação será exitosa quando os envolvidos conseguirem construir a solução negociada do conflito. (2019, p. 275).

Esta diferenciação apontada pela melhor doutrina, é ratificada pelo legislador, pois no Novo CPC houve o cuidado de diferenciar e apontar preferência por uma ou outra forma, a depender do caso. No Capítulo III, Seção V, que trata dos auxiliares da justiça, mais especificamente dos conciliadores e mediadores judiciais, o art. 165, §§ 2º e 3º apontam que:

Art. 165.

§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. (BRASIL, 2015). 

Portanto, a participação de um mediador ou conciliador vai depender das circunstâncias do caso concreto que está a demandar um acordo entre as partes. Notadamente a existência de relação anterior entre as pessoas envolvidas e o próprio bem jurídico pretendido, como nos casos de direito de família e direito societário.

Para atuar como mediador é necessário ter graduação há, no mínimo 2 anos, independentemente da área, de acordo com o art. 11 da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015). Já para ser conciliador não há a mesma exigência, podendo exercer essa atividade antes de concluir a graduação, sendo necessário apenas uma capacitação para tal atividade.

Além disso, o mediador e o conciliador devem participar de um curso de capacitação, que são ofertados pelos Tribunais de Justiça ou por entidades habilitadas pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), conforme disposição tanto na Lei de Mediação e no CPC, como traz a Resolução n. 125/2010 do CNJ, que tem um parâmetro curricular do curso no seu Anexo I.

Dessa forma, o CNJ possui em seu site um portal com Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores (CCMJ), onde realiza as inscrições dos mediadores judiciais, conciliadores e das câmaras privadas. Assim, os Tribunais de Justiça podem utilizar desse cadastro para credenciar os mediadores e conciliadores de sua jurisdição, ou, podem ter um cadastro próprio.

O CNJ, além de regular os cursos de capacitação dos mediadores e conciliadores, possuem um Código de Ética para disciplinar sua atuação e o procedimento que deve ser adotado para resolução dos conflitos. Ainda, traz um rol de atribuições do próprio CNJ:

CAPÍTULO II

DAS ATRIBUIÇÕES DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA 

Art. 4º Compete ao Conselho Nacional de Justiça organizar programa com o objetivo de promover ações de incentivo à autocomposição de litígios e à pacificação social por meio da conciliação e da mediação.

Art. 5º O programa será implementado com a participação de rede constituída por todos os órgãos do Poder Judiciário e por entidades públicas e privadas parceiras, inclusive universidades e instituições de ensino.

Art. 6º Para desenvolvimento dessa rede, caberá ao CNJ:

I – estabelecer diretrizes para implementação da política pública de tratamento adequado de conflitos a serem observadas pelos Tribunais;

II – desenvolver conteúdo programático mínimo e ações voltadas à capacitação em métodos consensuais de solução de conflitos, para magistrados da Justiça Estadual e da Justiça Federal, servidores, mediadores, conciliadores e demais facilitadores da solução consensual de controvérsias, ressalvada a competência da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM;

II – desenvolver parâmetro curricular e ações voltadas à capacitação em métodos consensuais de solução de conflitos para servidores, mediadores, conciliadores e demais facilitadores da solução consensual de controvérsias, nos termos do art. 167, § 1°, do Novo Código de Processo Civil;

III – providenciar que as atividades relacionadas à conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de conflitos sejam consideradas nas promoções e remoções de magistrados pelo critério do merecimento;

IV – regulamentar, em código de ética, a atuação dos conciliadores, mediadores e demais facilitadores da solução consensual de controvérsias;

V – buscar a cooperação dos órgãos públicos competentes e das instituições públicas e privadas da área de ensino, para a criação de disciplinas que propiciem o surgimento da cultura da solução pacífica dos conflitos, bem como que, nas Escolas de Magistratura, haja módulo voltado aos métodos consensuais de solução de conflitos, no curso de iniciação funcional e no curso de aperfeiçoamento;

VI – estabelecer interlocução com a Ordem dos Advogados do Brasil, Defensorias Públicas, Procuradorias e Ministério Público, estimulando sua participação nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania e valorizando a atuação na prevenção dos litígios;

VII – realizar gestão junto às empresas, públicas e privadas, bem como junto às agências reguladoras de serviços públicos, a fim de implementar práticas autocompositivas e desenvolver acompanhamento estatístico, com a instituição de banco de dados para visualização de resultados, conferindo selo de qualidade;

VIII – atuar junto aos entes públicos e grandes litigantes de modo a estimular a autocomposição.

VIII – atuar junto aos entes públicos de modo a estimular a conciliação, em especial nas demandas que envolvam matérias sedimentadas pela jurisprudência;

IX – criar Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores visando interligar os cadastros dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, nos termos do art. 167 do Novo Código de Processo Civil combinado com o art. 12, § 1°, da Lei de Mediação; 

X – criar Sistema de Mediação e Conciliação Digital ou a distância para atuação pré-processual de conflitos e, havendo adesão formal de cada Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, para atuação em demandas em curso, nos termos do art. 334, § 7º, do Novo Código de Processo Civil e do art. 46 da Lei de Mediação; 

XI – criar parâmetros de remuneração de mediadores, nos termos do art. 169 do Novo Código de Processo Civil; 

XII – monitorar, inclusive por meio do Departamento de Pesquisas Judiciárias, a instalação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, o seu adequado funcionamento, a avaliação da capacitação e treinamento dos mediadores/conciliadores, orientando e dando apoio às localidades que estiverem enfrentando dificuldades na efetivação da política judiciária nacional instituída por esta Resolução. (CNJ, 2010, online).

Com essa regulamentação do CNJ, em conjunto com a Lei de Mediação e o CPC, é assegurado o papel qualificado que o mediador ou o conciliador exercem, sempre atuação com ética e imparcialidade. Com isso, os meios alternativos de resolução de conflitos se tornam adequados, sem que as partes sejam prejudicadas de alguma forma por não ter constituído uma demanda judicial.

3 O ADVOGADO COMO MEDIADOR/CONCILIADOR

A habilitação para ser mediador e/ou conciliador é essencial para garantir a imparcialidade e a qualificação daquela pessoa que irá auxiliar as partes a solucionarem sua controvérsia. Assim, uma das pessoas que possuem essa habilitação é o advogado, desde que cumpra todos os requisitos legais. Lessa (2016) informa ainda que:

Não basta apenas seguir as exigências do enunciado 125 do CNJ, o profissional advogado tem que estar atento aos Enunciados do FONAMEC (fórum nacional da mediação e conciliação), e ao código de ética dos advogados, especificamente no tocante a captação de clientela e a concorrência desleal por partes dos profissionais da área.

No entanto, o Código de Processo Civil, ao disciplinar matéria que trata sobre os mediadores e conciliadores, trouxe um impedimento para o advogado, por meio do art. 167, § 5º, que diz:

Art. 167. Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.

[…]

§ 5º Os conciliadores e mediadores judiciais cadastrados na forma do caput, se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que desempenhem suas funções. (BRASIL, 2002).

O objetivo do legislador foi prevenir a captação de clientela para o próprio advogado ou para outrem, além de coibir uma atuação antiética por parte do advogado, que poderia atuar com informações privilegiadas ou influências dentro daquele juízo. Assim entende 1ª Turma de Ética Profissional do TED da OAB de São Paulo:

ADVOGADOS CONCILIADORES E MEDIADORES NOS CENTROS JUDICIÁRIOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS E CIDADANIA – INCOMPATIBILIDADE E IMPEDIMENTO – INEXISTÊNCIA DA PRIMEIRA E EXISTÊNCIA DA SEGUNDA – IMPEDIMENTO PARA ATUAR COMO ADVOGADO PARA AS PARTES QUE ATENDEU COMO MEDIADOR E CONCILIADOR E NA VARA COM A QUAL COLABOROU NAQUELA CONDIÇÃO, SOB PENA DE CONFIGURAR CAPTAÇÃO DE CLIENTELA E CONCORRÊNCIA DESLEAL – NECESSIDADE DE SUJEIÇÃO À CLÁUSULA DE CONFIDENCIALIDADE – INEXISTÊNCIA, EM TESE, DE VIOLAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA E NOBREZA DA PROFISSÃO. Não se tratando de cargo ou função pública, mas de múnus especial, em colaboração com a tarefa de distribuição da justiça, não cria incompatibilidade, para seus colaboradores, com o exercício da advocacia, nos termos do que preceituam os artigos 28 e 30 do EOAB, c/c artigo 8º e §§ do Regulamento Geral. Existem Atividade que comunga os limites éticos que correspondem a impedimentos e sujeições. Motivos de impedimento e suspeição atribuídos aos juízes e serventuários da justiça (arts 134 e ss do CPC). Compromisso de imparcialidade, neutralidade e isenção, independência, competência e diligência e, acima de tudo, o compromisso de confidencialidade. Impedimento de atuar ou envolver-se com as partes e questões conhecidas em decorrência de sua atuação no setor como, também, perante a Vara onde funcionou como conciliador. Previne-se, com isto, a prática da captação de causas e clientes e a concorrência desleal conforme precedentes deste Tribunal: E-1.696/98, E-2.172/00, E-2.383/01, E-3.049/04, E-3.056/04, E-3.074/04, E-3153/05 e E-3.276/06. Proc. E-4.155/2012 – v. U., em 20/09/2012, do parecer e ementa da Rel. Dra. MARY GRUN – Rev. Dr. ZANON DE PAULA BARROS – Presidente Dr. CARLOS JOSÉ SANTOS DA SILVA. (…). (OAB/SP, 2015, online).

É mister destacar o Enunciado nº 47, do Fórum Nacional de Mediação e Conciliação (FONAMEC). Conforme entendimento do FONAMEC o art. 167, § 5º do CPC não se aplica a advogados que atuem como conciliador ou mediador nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSCs). Portanto, mesmo que o advogado seja conciliador ou mediador no CEJUSC, ele pode atuar em qualquer processo, inclusive no mesmo juízo, pois o Centro de Conciliação não tem natureza de órgão judicial.

Além desse impedimento, o advogado deve permanecer em “quarentena” após encerrar sua atuação como mediador ou conciliador, conforme o disposto no art. 172 do CPC: “O conciliador e o mediador ficam impedidos, pelo prazo de 1 (um) ano, contado do término da última audiência em que atuaram, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes.” (BRASIL, 2002).

Em processo administrativo, o Conselho Nacional de Justiça determinou a exclusão de um advogado do cadastro de conciliador de mediador por defender uma empresa do qual havia atuado anteriormente como conciliador numa ação com a mesma:

PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. RECURSO ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. Atuação de Advogado – que desempenhou anteriormente a função de conciliador do Juizado Especial – em processos distintos, mas da mesma empresa.

2. O CNJ não pode determinar o afastamento de advogado, tampouco declarar nulidades em processos judiciais ou determinar que o Juiz Coordenador anule atos processuais.

3. A Resolução n. 125/CNJ dispõe que o conciliador ou mediador fica absolutamente impedido de prestar serviços profissionais, de qualquer natureza, aos envolvidos em processo de conciliação/mediação sob sua condução, sob pena de exclusão do conciliador/mediador do respectivo cadastro e no impedimento para atuar nesta função em qualquer outro órgão do Poder Judiciário nacional.

4. Recurso Administrativo parcialmente provido para determinar apenas a exclusão do advogado do respectivo cadastro de conciliador e mediador do TJSP e declarar seu impedimento para atuar nesta função em qualquer outro órgão do Poder Judiciário Nacional. (CNJ, 2017, online. Grifo nosso).

Contudo, esses impedimentos trouxeram diversas críticas, sendo consideradas um malefício para o advogado. Para Fernanda Tartuce, essa restrição não poderia ser feita pelo CPC, pois a competência para regulamentar a atividade do advogado é da Ordem dos Advogados do Brasil, não cabendo tal papel a legislação comum. Ela afirma que “para vigorarem legitimamente as restrições à atuação do mediador da área jurídica será preciso haver regramento específico, já que à OAB foi reconhecida a prerrogativa de autorregulação.” (TARTUCE, 2018, p. 319).

A autora ainda afirma que o legislador prejudica a imagem do advogado, pois inverteu a principiologia da boa-fé, presumindo que o profissional irá agir de má-fé. Todo esse entrave gerado para o advogado acaba por desestimular sua atuação no meio alternativo de resolução de conflitos, conforme aponta a autora:

Como se percebe, tal tipo de entendimento gera desincentivo a que mediadores da área jurídica se cadastrem no tribunal – o que não é interessante nem recomendável por gerar a perda de pessoas de boa formação aptas a contribuir com esmero nos cenários consensuais em juízo. (TARTUCE, 2018, p. 321).

Ainda há juristas que entendem que a determinação do art. 167, § 5º do CPC foi revogada quando a Lei de Mediação entrou em vigor, tendo em vista que ela trouxe as disposições específicas a respeito dos conciliadores e mediadores. Então, por ser uma legislação especial, revoga a norma geral, retirando tal impedimento para os advogados.

Em entendimento semelhante, Mazzola aponta que o artigo em questão deve ser interpretado de forma equilibrada, para que o advogado não seja prejudicado em sua atuação profissional. Para ele, os advogados não são impedidos de atuarem nos juízos onde são conciliadores, pois a Lei de Mediação não trouxe qualquer impedimento ao advogado. Também exalta o caráter e a importância do advogado:

Além disso, como se sabe, o advogado é “indispensável à administração da Justiça” (artigo 133 da Constituição Federal) e tem o dever de atuar com honestidade, lealdade e boa-fé. Logo, sua ética não pode ser prequestionada. Ou seja, não se pode partir da premissa de que o advogado mediador usará o prestígio de sua função de auxiliar da Justiça (artigo 149 do novo CPC) para se beneficiar em demandas por ele patrocinadas. (MAZZOLA, 2015).

Em conseguinte, o autor afirma que não é possível que o advogado se beneficie de sua função, haja vista que o advogado certamente não terá convivência com o juiz da causa, pois o conciliador ou mediador não é escolhido pelo juiz e as audiências geralmente são realizadas no Centro de Conciliação. Por isso, não é cabível tal impedimento, sendo essencial que o advogado atue como mediador ou conciliador, pois além de seu conhecimento jurídico, “o advogado mediador normalmente tem conhecimento técnico da matéria em discussão, o que facilita o diálogo entre as partes e a própria construção do consenso.” (MAZZOLA, 2015).

4 CONCLUSÃO

A mediação e a conciliação são meios alternativos de resolução de conflito que previnem a alta concentração de processos na esfera judicial. Assim, as partes, com o auxílio de um terceiro, podem solucionar suas controvérsias de maneira amigável e benéfica para ambos. Nota-se que diferença entre a mediação e a conciliação está no modo de intervenção do terceiro durante a audiência.

Na mediação, as partes já tiveram um relacionamento anterior e o mediador tem o papel de restabelecer a comunicação entre eles, podendo propor soluções para a problemática vivenciada por eles. Já na conciliação, as partes não se conhecem e o conciliador deve apenas conduzir a audiência, sem nenhuma interferência para a resolução do conflito.

Quanto ao impedimento criado pelo CPC aos advogados, nota-se que o art. 167, § 5º não tem mais força no cenário atual, pois é acometido por uma série de erros do legislador. Primeiramente, não era competência do legislador geral regulamentar sobre a atividade advocatícia. Além do mais, o CPC traz uma presunção de má-fé por parte do advogado, prejudicando sua imagem e sua reputação.

Por fim, e mais importante, há o entendimento de que o dispositivo supracitado fora revogado tacitamente pela Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), pois ela traz uma seção para regular o papel do mediador, conforme a leitura dos arts. 4º ao 13 da lei supracitada. Assim, mesmo que não haja um entendimento consolidado nos tribunais, o advogado não é impedido de atuar no juízo onde atue como conciliador ou mediador, devendo, sempre, exercer sua profissão com ética e boa-fé.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública. Brasília, DF, jun. 2015. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13140.htm>. Acesso em 24 jun. 2019.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução Nº 125 de 29/11/2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Brasília, DF, nov. 2010. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=2579>. Acesso em 25 jun. 2019.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao direito processual civil. 18 – ed. – Salvador – Ed. Juspodivm, 2016.

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MAZZOLA, Marcelo. Impedimento de advogado deve se limitar à ação na qual ele é mediador. Consultor Jurídico, jul. 2015. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2015-jul-11/marcelo-mazzola-impedimento-mediacao-limitar-acao#top>. Acesso em 25 jun. 2019.

TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 4. ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO: 2018.



[1] Graduando do curso de Direito na Universidade Estadual do Maranhão.

[2] Graduanda do curso de Direito na Universidade Estadual do Maranhão.

Como citar e referenciar este artigo:
AZEVEDO, Gabriell Jorge Monteiro; CURVINA, Nathalia Teixeira Feitosa. A atuação do advogado como mediador ou conciliador: como interpretar o art. 167, § 5º do CPC?. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/a-atuacao-do-advogado-como-mediador-ou-conciliador-como-interpretar-o-art-167-s-5o-do-cpc/ Acesso em: 19 abr. 2024