Processo Civil

A mediação como meio alternativo na resolução de conflitos: Uma abordagem da sua contribuição em prol do acesso à justiça

Dyhelle Christina Campos Mendes

RESUMO

Apesar da previsão constitucional da inafastabilidade da jurisdição, isso não induz ao acesso efetivo à justiça. Conforme será demonstrado, o número de demandas impostas ao Poder Judiciário só aumentam, impossibilitando a resolução das lides de forma célere e eficiente. Por conta disso, percebe-se que muitas demandas poderiam ser resolvidas através do diálogo, em que as partes, em muitos casos, mantinham relações interpessoais anteriores ao conflito, e devido a cultura litigante, recorre-se de imediato ao Poder Judiciário.Com isso, a mediação como meio consensual na resolução dos conflitos, torna-se um meio importante na busca por acordos, além de contribuir para que “desafogue” o Judiciário” diante das lides impostas.

1 INTRODUÇÃO

Sabe-se que o conflito é inerente a natureza humana. Viver em sociedade, propicia que ideias, opiniões, interesses sejam divergentes, podendo causar o caos.

Dito isso, o Estado foi criado para que organizasse a sociedade, com o intuito da manutenção da ordem social, atribuindo-se ao Poder Judiciário, a tutela jurisdicional, garantindo-se, assim, diante da Constituição, dos direitos e garantias fundamentais, o acesso à justiça, a sua inafastabilidade, como previsto no artigo 5º, XXXV da CF/88.

Com isso, as pessoas que sentirem seus direitos violados, podem recorrer ao Poder Judiciário, no qual as lides só aumentam. Em 2016, segundo dados do CNJ, justiça em números, ingressaram 29,4 milhões de processos, fora os casos que ainda esperam por julgamentos, logo, percebe-se que princípios como a celeridade, efetividade, encontram dificuldades para que sejam postos em prática.

Neste sentido, a problemática do presente artigo girará em torno de quais medidas, meios poder-se-á utilizar para contribuir na efetividade do acesso à justiça, como usando a mediação para que veja a possibilidade de acordos, não postergando demandas, as quais, muitas vezes o diálogo já resolveria.

2 AS FORMAS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Diante da sociedade pluralista, com pretensões, ideias divergentes, torna-se impossível não pensar em conflitos, os quais são inerentes à natureza humana. Partindo-se dessa premissa, durante a história da humanidade, percebe-se a utilização de meios para resolver pretensões contraditórias, as quais vão desde a autotutela à jurisdição.

A autotutela (autodefesa) consiste busca pela resolução dos seus conflitos através do uso das próprias forças, sendo hoje vedada, salvo com algumas exceções, como, em caso de guerra entre países, legítima defesa.

Tendo sido a primeira resposta encontrada pelo indivíduo para resolver suas controvérsias, a autotutela era considerada um instrumento precário e aleatório; por este prisma, ela não seria apta a garantir propriamente justiça, mas sim a vitória do mais forte, esperto ou ousado sobre o mais fraco ou tímido. (CINTRA et al., p.27, 2014)

A autocomposição, outra forma de resolução de conflitos, consiste num acordo de vontades, em que algumas ou ambas as partes cedem em algo para que haja a resolução do conflito. Pode ser através da desistência, submissão, transação.

Desistência (renúncia à pretensão); b) submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão); c) transação (concessões recíprocas). Todas essas soluções têm em comum a circunstância de serem parciais – no sentido de que dependem da vontade e da atividade de uma ou de ambas as partes envolvidas. (CINTRA et al., p.27, 2014)

Como meio autocompositivo, pode-se citar ainda a negociação (baseada em princípios, não precisa de uma terceira pessoa alheia ao conflito, o acordo é feito somente entre as partes); conciliação e mediação.

A conciliação, consiste na utilização de terceiro para resolução da controvérsia através do conciliador, cujo papel consiste em propor soluções, para que as pessoas vejam se aceitam ou não.

A mediação, é uma forma de resolução de conflitos, em que as partes não são vistas como adversárias, mas sim, chamadas de mediandos, tentando chegar a um resultado, solução, a qual não é imposta, mas sim, fruto de um acordo estabelecimento entre os mesmos, através de um consenso, sendo o papel do mediador consistente em auxiliar essa conversa, através de técnicas, como da escuta ativa, para que cheguem a um possível acordo, visando também, que haja a preservação de uma relação interpessoal existente anterior ao conflito. Uma observação importante, esse acordo homologado pelo juiz, assim como nas outras formas de autocomposição, tem caráter de tutela executiva judicial.

Segundo Carlos Eduardo de Vasconcelos (2008), a mediação possui modalidades, as quais são divididas, pautadas no acordo ou na relação, sendo a primeira, a própria conciliação; e a focada na relação à mediação em si.

Tratando da heterocomposição, consiste no auxílio de um terceiro, externo ao conflito para resolução do mesmo. Fernanda Tartuce (2017) menciona que se trata de “meio de soluções de conflitos em que um terceiro imparcial define a resposta com caráter impositivo em relação aos contendores”, consistindo na arbitragem e na jurisdição.

A arbitragem pode ser utilizada antes ou depois do conflito, em que o terceiro é imparcial, as partes detêm de maior autonomia tanto na escolha do mesmo, como em relação as regras aplicáveis, há facultatividade na eleição desse meio, porém, uma vez proferida a sentença, tem caráter de tutela judicial, tornando-se obrigatória, irrecorrível ao Judiciário.

A decisão sobre o conflito será proferida por uma pessoa de confiança, mas equidistante em relação às partes; o árbitro, embora desprovido de poder estatal (porquanto não integrante do quadro dos agentes públicos), profere decisão com força vinculativa. (TARTUCE, p.58.2018)

A respeito da jurisdição, refere-se a interferência estatal na busca da solução das controvérsias. Através do Poder Judiciário, as partes pleiteiam demandas, acionando o seu direito constitucional de acesso à justiça (direito fundamental), para que tenham seus conflitos decididos através de uma sentença homologada pelo juiz, devendo o Estado só intervir quando uma ou ambas as partes requererem, obedecendo-se assim, o princípio da inércia jurisdicional.

Diante de todo o exposto, percebe-se que todas as maneiras elencadas acima, são formas perquiridas pela sociedade na busca pelo acesso a seus direitos, e, tratando-se da atualidade, o Estado detém o monopólio da jurisdição, sendo o viés mais utilizado ao acesso à justiça.

O acesso à justiça é um direito previsto constitucionalmente, garantido diante dos direitos fundamentais, no artigo 5º, XXXV da CF/88, positivando-se o princípio da inafastabilidade da jurisdição.

A jurisdição é poder como capacidade estatal de decidir imperativamente, impondo decisões, em seu aspecto de função, expressa o dever de promover imperativamente, impondo decisões; em seu aspecto de função, expressa o dever de promover a pacificação dos conflitos interpessoais, realizando, pelo processo, o direito justo; como atividade, constitui o complexo de atos do juiz no processo, exercendo o poder e cumprindo a função atribuída pela lei.

(BOTELHO DE MESQUISTA, p.50, 2006 apud TARTUCE, p.64, 2018)

No entanto, importante salutar, que o acesso ao Poder Judiciário não induz a satisfação a tutela jurisdicional pretendida, devido ao grande número de demandas impostas, que, segundo informações do Conselho Nacional de Justiça, através do Justiça em números (2017):

O Poder Judiciário finalizou o ano de 2016 com 79,7 milhões de processos em tramitação, aguardando alguma solução definitiva. Desses, 13,1 milhões, ou seja, 16,4%, estavam suspensos ou sobrestados ou em arquivo provisório, aguardando alguma situação jurídica futura. Durante o ano de 2016, ingressaram 29,4 milhões de processos e foram baixados 29,4 milhões. Um crescimento em relação ao ano anterior na ordem de 5,6% e 2,7%, respectivamente. Mesmo tendo baixado praticamente o mesmo quantitativo ingressado, com Índice de Atendimento à Demanda na ordem de 100,3%, o estoque de processos cresceu em 2,7 milhões, ou seja, em 3,6%, e chegou ao final do ano de 2016 com 79,7 milhões de processos em tramitação aguardando alguma solução definitiva.

Com isso, é perceptível que princípios como da celeridade, efetividade da justiça, tornam-se questionáveis, devendo-se pensar em meios consensuais, alternativos de resolução das lides.

O próprio Poder Judiciário vem incentivando a busca por meios consensuais, isso, seja através de campanhas, conscientização, como exemplo mais nítido a Resolução 125/2010 do CNJ, o qual cria mecanismos de criação de políticas públicas para tratamento adequado nos conflitos de interesses, conforme expõe:

Artigo 1º, parágrafo único: Aos órgãos judiciários incumbe, nos termos do art. 334 do Novo Código de Processo Civil combinado com o art. 27 da Lei de Mediação, antes da solução adjudicada mediante sentença, oferecer outros mecanismos de soluções de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, bem assim prestar atendimento e orientação ao cidadão. (Redação dada pela Emenda nº 2, de 08.03.16)

Além disso, o CPC expõe diversos dispositivos incentivando a mediação e conciliação, como o artigo 149, informando o mediador ser auxiliar da justiça; art. 344 CPC, explanando acerca da designação da audiência de conciliação e mediação; além da criação da Lei de Mediação (Lei n.13.140/2015).

Com isso, é perceptível que vêm-se mudando as concepções de que somente pela via judiciária ter-se-á acesso à justiça, visto que,

a busca de soluções há de ser multifacetada; variadas mudanças haviam- e hão- de ser concebidas, especialmente considerando, além de modificações procedimentais na gestão de conflitos em juízo, a participação de leigos e meios variados de tratamento de controvérsias. (TARTUCE, p.84, 2018)

Mauro Cappelletti, ao tratar do tema do acesso à justiça, menciona que “a solução eficaz a para a questão do acesso à justiça há de ser plural, resultando da combinação de várias soluções integráveis entre si” (CAPPELLETTI, p.329, 1993 apud p.83, 2018).

Nesse viés, a mediação se torna um meio alternativo de resolução de conflitos importante, o qual, além de ser pautado em princípios como a celeridade, boa-fé, isonomia entre as partes, permite que as relações interpessoais sejam preservadas, pautando-se na empatia, na busca pela alteridade.

Fernanda Tartuce (p.366, 2018), menciona que o objetivo da mediação não é a “substituição da atuação jurisdicional clássica pelo exercício de tal atividade […] [mas sim], complementar a atividade de realização e distribuição de justiça com o fornecimento de uma adicional ferramenta de trabalho”. Ou seja, proporcionam-se meios mais céleres de composição no intuito da pacificação social, além da preservação de direitos, exercendo ambas as partes a cidadania, possibilitando-se mudanças de mentalidades, diante da cultura litigante, tendo em vista, que em muitas situações, o diálogo poderia ter evitado ou sanaria de forma mais rápida a pretensão resistida.

Será essencial haver mudança de mentalidade a abertura para novas possibilidades, para que as pessoas em conflito e os operadores do Direito estejam prontos para se orientar segundo as diretrizes da justiça consensual, atentando tanto para suas potencialidades como para os seus limites. (TARTUCE, p.367, 2018)

3 DO INCENTIVO A MEDIAÇÃO

Diante do número de demandas impostas ao Poder Judiciário, do princípio da inafastabilidade da jurisdição, percebe-se que a busca pela tutela jurisdicional pela via judiciária, não induz o acesso efetivo à justiça, a resolução da lide.

Com isso, o Conselho Nacional de Justiça, vem incentivando meios consensuais de resolução de conflitos, como a mediação, em prol da celeridade, e efetividade, tendo em vista que “o direito de acesso à justiça é o mecanismo essencial para garantir a efetiva proteção de todos os outros direitos”. (CAPPELLETTI, p.71 e ss., 1994 apud TARTUCE, p.82, 2018)

Ademais, a mediação torna-se importante como forma de manter as relações interpessoais, sendo incentivada seja pela Resolução nº 125/2010 do CNJ, Código de Processo Civil, além da própria Lei de Mediação (Lei n.13.140/2015).

4 CONCLUSÃO

Diante de todos os argumentos elencados, percebe-se que a mediação é uma alternativa na busca pela garantia do direito ao acesso à justiça, o qual garante a própria dignidade humana, além da preservação de demais direitos. Como visto, o Poder Judiciário não consegue resolver as demandas impostas de forma célere, eficiente, ficando mitigada a justiça de forma prática, com isso, os incentivos aos meios consensuais justificam-se, do ponto de vista da complementariedade, tendo em vista que, como diria Rui Barbosa (1921) “A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta”.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Novo Código de Processo Civil- Lei nº 13.105/15. 1. Ed. São Paulo: Atlas, 2015.

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 30ª edição. São Paulo: Malheiros, 2014.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Resolução n. 125, de 29 de novembro de 2010. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Diário da Justiça [do] Conselho Nacional de Justiça, Brasília, DF, n. 219, 1º dez. 2010, p. 1-14. Disponível em: < https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/1939/15958/2010_res0125_cnj.pdf?sequence=3&isAllowed=y>. Acesso em: 29 nov. 2017.

Justiça em Números 2017: ano-base 2016/Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2017.

TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis- 4.ed., ver., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO:2018.

VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2008.

Como citar e referenciar este artigo:
MENDES, Dyhelle Christina Campos. A mediação como meio alternativo na resolução de conflitos: Uma abordagem da sua contribuição em prol do acesso à justiça. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/a-mediacao-como-meio-alternativo-na-resolucao-de-conflitos-uma-abordagem-da-sua-contribuicao-em-prol-do-acesso-a-justica/ Acesso em: 29 mar. 2024