RESUMO: A Lei nº 13.129/2015, ao reformar parcialmente a Lei nº 9.307/96, trouxe salutares alterações no que diz respeito à possibilidade de o árbitro (ou painel) proferir sentenças parciais, algo que já era comum na prática arbitral. Essa consagração legal, aliada à novel ação de complementação de sentença arbitral, prevista no artigo 33, § 4º da Lei nº 13.129/2015, motivou o presente artigo, especificamente no que se referem às consequências práticas daí advindas, hipóteses que não foram totalmente esgotadas pela alteração legislativa.
ABSTRACT: The Law nº 13.129/2015, to reform the Law nº 9,307/96, brought healthy changes with regard to the possibility of the arbitrator (or the panel) issue partial awards, something that was already common in practice. This legal consecration, as well as the new lawsuit to complete an arbitration award, referred to in article 33, paragraph 4 of the above mentioned Law nº 13.129/2015, motivated this article, specifically because of the practical consequences, hypotheses that have not been fully exhausted by the legislative amendment.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Sentença arbitral – 3. Requisitos da sentença arbitral – 3. Sentença arbitral parcial – 4. Sentença arbitral parcial. Da realidade prática à consagração legislativa. – 5. Invalidação/Desconstituição da sentença arbitral – 6. A complementação da sentença arbitral – 7. Conclusão
1. Introdução
O presente estudo objetiva rever alguns dos conceitos trazidos pela doutrina sobre as sentenças arbitrais para, com isso, analisar com maior profundidade as alterações trazidas pela Lei nº 13.129/2015 à anterior Lei nº 9.307/96 e suas consequências práticas.
Isso porque algumas alterações veiculadas pela Lei nº 13.129/2015 trouxeram dúvidas que até então inexistiam sobre temas que eram pacíficos na doutrina. Dentre essas novidades está a possibilidade de ajuizamento de ação de complementação da sentença arbitral e a faculdade, agora legal, de o árbitro (ou painel de árbitros) proferir sentenças parciais.
Essas novidades geram algumas dúvidas e, portanto, é imperioso partirmos de uma análise calcada no que já se produziu a respeito dos temas correlatos, pois é a partir da construção doutrinária e jurisprudencial das últimas duas décadas de vigência da Lei de Arbitragem que o intérprete poderá encontrar subsídios para compreender as novéis alterações.
Procuramos trazer aqui, portanto, alguns conceitos sobre a sentença arbitral que já estabelecidos na doutrina nacional para, com isso, tentar resolver as dificuldades de interpretação que a Lei nº 13.129/2015 impôs aos aplicadores do Direito, sobretudo ao trazer sensíveis alterações a respeito das decisões arbitrais, sejam elas parciais ou finais.
2. Sentença arbitral
Tem-se por sentença arbitral o pronunciamento do tribunal arbitral (ou do árbitro) que objetiva decidir o litígio para o qual foram chamados a decidir (ou para o qual foi chamado a decidir, no caso de árbitro único). É a sentença arbitral a prestação jurisdicional emanada do tribunal arbitral ou do árbitro sobre a disputa submetida ao seu julgamento, que pode ser parcial ou final.
Assim como a sentença judicial, a sentença arbitral pode, ou não, apreciar a integralidade do mérito da disputa. Também pode a sentença arbitral ser terminativa, vale dizer, poderá a sentença arbitral encerrar o procedimento, pondo fim à disputa.
Aqui é importante desmistificar aquela antiga ideia de direito processual civil, segundo a qual se afirmava que sentença era o ato que colocava fim ao processo, com ou sem julgamento do mérito. Essa conceituação não mais subsiste aos olhos da nova sistemática processual civil e, muito menos, em relação à arbitragem. Andou bem o Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015) ao sanar divergências ainda havidas no que se refere à conceituação das sentenças judiciais. Afigura-nos adequado ficar com o conceito, bem definido na doutrina, entre “sentenças terminativas” e “sentenças definitivas”, estas relacionadas ao artigo 487 do Novo Código, em que há resolução do mérito e, aquelas, as “terminativas” relacionadas no artigo 485 em que não há resolução do mérito.
O Novo Código de Processo Civil também emprestou da prática arbitral o conceito de sentença parcial de mérito, ou fatiamento do processo, conforme prevê o atual artigo 356 do Código, aplicável quando um ou mais dos pedidos se tornar incontroverso, ou já tiver em condições de imediato julgamento.
Pois bem, voltando ao regime da Lei de Arbitragem, não se olvida a redação do artigo 29 da Lei nº 9.307/96 ao dispor que, proferida a sentença, finda está a arbitragem. No entanto, conforme se verá neste trabalho, há casos em que a sentença arbitral, por ser parcial, não finda com o procedimento arbitral, mas tão-somente com aquela questão controvertida analisada na decisão.
Ora, muitas vezes as partes submetem aos árbitros inúmeras controvérsias e a atual Lei de Arbitragem, com as alterações trazidas pela Lei nº 13.129/15, permite aos árbitros “fatiar” as discussões, proferindo sentenças parciais sobre determinados temas para, então, prosseguir com a arbitragem quanto à parcela da discussão eventualmente remanescente, assim como o permite o Código de Processo Civil.
Quer se dizer aqui, neste primeiro momento, apenas que a sentença arbitral pode, ou não, ser terminativa do procedimento. Da mesma forma, poderá a sentença apreciar, ou não, o mérito da controvérsia. Não há apreciação do mérito, por exemplo, quando a sentença arbitral reconhece a inarbitrabilidade objetiva da matéria, o que levaria as partes à busca do Poder Judiciário para solucionar a referida controvérsia, que não poderia ser apreciada em arbitragem. LUIS ANTONIO SCAVONE JUNIOR acertadamente afirma que as sentenças arbitrais também podem ser classificadas em terminativas ou definitivas[1]:
“As sentenças arbitrais, assim como as judiciais, podem ser, portanto:
a) Terminativas, de conteúdo meramente processual, quando, por exemplo, reconhecem a invalidade do compromisso arbitral ou o impedimento ou suspeição sem que haja possibilidade de substituição do árbitro, porque assim foi convencionado.
b) Definitivas, aquelas que reconhecem o direito de uma das partes e podem ser, assim como as sentenças judiciais, condenatórias, constitutivas, ou declaratórias.”
Ao julgar o mérito da disputa, a sentença arbitral poderá ser (assim como a judicial) condenatória, constitutiva, ou declaratória. Da mesma forma, é possível que a sentença arbitral seja meramente homologatória (artigo 28, da Lei 9.307/96), em caso de acordo celebrado pelas partes durante o procedimento arbitral, emprestando-lhe eficácia executiva acaso houver o descumprimento das obrigações ali avençadas.
Terminativas ou definitivas devem as sentenças arbitrais, por expressa disposição da Lei de Arbitragem, conter determinados requisitos. Vejamos então quais são eles.
3. Requisitos da sentença arbitral.
Assim como a sentença judicial, as sentenças arbitrais devem necessariamente obedecer determinados requisitos previstos no artigo 26 da Lei nº 9.307/96, a saber:
“Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral:
I – o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio;
II – os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando-se, expressamente, se os árbitros julgaram por eqüidade;
III – o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e
IV – a data e o lugar em que foi proferida.
Parágrafo único. A sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros. Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato.”
De uma rápida leitura do artigo de lei acima transcrito se percebe grande similitude com o modelo adotado pelo Código de Processo Civil (art. 489 do CPC/2015), o que fortalece a já consagrada equiparação entre as decisões arbitrais e as judiciais. Não se nega, obviamente, que todas as decisões, sejam elas judiciais ou arbitrais, devem respeito ao preceito constitucional de motivação obrigatória das decisões, tal qual artigo 93, IX, da Constituição Federal e, justamente por isso que, tanto a Lei de Arbitragem quanto o Código de Processo Civil observam esse preceito.
O relatório da sentença deverá conter a definição exata dos pedidos formulados pelas partes, a fim de se definir a sua exata dimensão, pois é importante se verificar a submissão do decisum ao quanto foi requerido pelas na arbitragem, sempre lembrando que as partes podem fracionar suas controvérsias. Não deve causar espanto, é bom que se diga, que as partes podem até fracionar suas divergências para levar parte delas à mediação, ao Poder Judiciário e/ou à arbitragem.
O relatório é imprescindível, inclusive, para que as partes verifiquem a descrição de toda a controvérsia e os seus limites, justamente para que possam aferir, em cotejo com o comando da decisão, se tudo o quanto foi submetido à arbitragem fora ali contemplado e em qual amplitude, pois a sentença que se omitir em determinado ponto normalmente desafia pedido de esclarecimentos, a depender das regras adotadas pelas partes para o procedimento.
A persistir a omissão, mesmo após a formulação de pedido de esclarecimento, abre-se espaço para o ajuizamento de ação de complementação de sentença arbitral, outra novidade da Lei nº 13.129/2015, como se verá mais abaixo.
A motivação, requisito essencial da sentença, segue a tradição jurisdicional brasileira segundo a qual todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas. Referido preceito consta do artigo 93, IX da Constituição Federal e sua importância está diretamente relacionada à validade das decisões, na medida em que a fundamentação é um instrumento capaz de viabilizar o controle das decisões e assegurar o estado democrático de direito. Na arbitragem, a fundamentação da sentença possui igual importância, pois é a partir da fundamentação que as partes poderão verificar a existência de qualquer vício a ensejar pedido de esclarecimentos, ou, eventualmente, invalidação.
O dispositivo da sentença arbitral, tal qual informa o inciso III do artigo 26 da Lei de Arbitragem é a parte da decisão em que os árbitros resolverão as questões que lhes foram submetidas e na qual estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso. Aqui sobressaem os vícios comuns às sentenças judiciais, tais como decisão ultra, citra ou extra petita. É, pois, da análise do dispositivo vis a vis o relatório e fundamentação que as partes poderão averiguar a pertinência do comando jurisdicional, sua adequação e correspondência aos limites do pedido. Importante para o presente artigo a noção de decisão citra petita ou infra petita, sobretudo porque trataremos, a seguir, da ação de complementação de sentença arbitral.
Assim, valemo-nos da conceituação do Professor JOSÉ MANOEL DE ARRUDA ALVIM NETTO, processualista de escol, ao ensinar que[2]:
“Na medida em que existe um poder-dever da autoridade jurisdicional de responder ao pedido feito pela parte, não estará cumprido, totalmente, este poder-dever, se o juiz deixar de resolver, em parte, o que foi pedido, ainda que esse pedido se subdivida em itens.
A sentença que não aprecia todos os pedidos é infra petita, devendo, portanto, ser decretada a sua nulidade.
(…)
A sentença infra petita, portanto, em última análise, além de infringir o sentido dos arts. 128 e 458 citados, importará a própria denegação parcial da justiça, com o que, em certa medida, ofende também o art. 126.”
Com esses conceitos infere-se que cabe ao árbitro (ou ao tribunal arbitral) decidir a causa de acordo com os pedidos formulados, nem mais, nem menos, tampouco concedendo tutela diversa do pedido, mantendo, portanto, uma total correspondência entre o que fora pedido e o que se está a decidir. É imprescindível que se tenha, portanto, uma adequação entre aquilo que as partes submeteram à arbitragem e a decisão final do procedimento, sob pena de denegação de justiça e desprestígio desta forma de resolução de conflitos.
Outro requisito importante da sentença arbitral, trazido pelo artigo 26, III, da Lei de Arbitragem diz respeito à data e o lugar em que a decisão é proferida. Aqui, mais do que uma formalidade, há consequências práticas que decorrem diretamente deste requisito. Primeiro porque o dia lançado na sentença põe termo ao prazo exigido pela lei ou convencionado pelas partes, lembrando que as partes podem convencionar prazo diverso daquele estabelecido na Lei de Arbitragem.
O artigo 23, por exemplo, determina o prazo em que deve a sentença arbitral ser prolatada, seja aquele estipulado pelas partes na convenção de arbitragem, no termo, ou, na falta de estipulação, no prazo legal de 06 (seis) meses contados da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro. Tal determinação é importante não só para garantir a celeridade do procedimento e, portanto, a confiabilidade e o interesse na arbitragem, mas também para que não dê ensejo à ação de invalidação da sentença arbitral extemporânea (artigo 32, VII, da Lei de Arbitragem).
Um dos requisitos mais importantes é o local a ser indicado na decisão, na medida em que este identifica se a sentença é nacional/doméstica ou estrangeira (art. 34, parágrafo único da Lei de Arbitragem), o que influencia diretamente na execução forçada da decisão arbitral, tal como, por exemplo, se deve ou não se submeter ao procedimento de homologação no Superior Tribunal de Justiça. A esse respeito menciona CARLOS ALBERTO CARMONA[3]:
“A única diferença, em termos formais, é que a sentença proferida pelo árbitro deve conter – além daqueles requisitos do art. 458 do Código de Processo – também o lugar e a data em que a sentença é proferida. Isto apenas por uma exigência legal de qualificar a arbitragem como nacional ou estrangeira (se o laudo for proferido no Brasil, a arbitragem é nacional; se o laudo for proferido fora do território nacional, a arbitragem é estrangeira, pouco importando onde os atos foram realizados, e sim onde a sentença foi proferida, nos termos do art. 34 da Lei de Arbitragem). Importa frisar que o lugar em que a sentença arbitral foi proferida é relevante: se o laudo for produzido fora do território nacional, terá de ser homologado no STF para ter eficácia no país. Mostra-se assim mais um item que revela a flexibilidade permitida pela arbitragem: se a sentença arbitral for proferida em território nacional, ainda que todos os atos sejam praticados fora do território nacional, a arbitragem será brasileira e a respectiva sentença produzirá desde logo seus efeitos.”[4]
Além dos requisitos legais constantes do artigo 26 da Lei de Arbitragem convém destacar que a sentença arbitral deve necessariamente ser prolatada por escrito, isto é, deve ser materializada em documento escrito, necessário requisito formal, ainda que todo o procedimento arbitral seja oral (artigo 24 da Lei nº 9.307/96).
Fechamos esse breve capítulo sobre os requisitos necessários à sentença arbitral para que vejamos mais detidamente, agora, a alteração legislativa que tratou da prolação de sentenças parciais, seus aspectos e consequências práticas.
4 – Sentença arbitral parcial. Da realidade prática à consagração legislativa.
Muito se discutia sobre a possibilidade de os árbitros proferirem sentenças parciais, julgamentos por etapas, ou julgamentos fracionados. Essa possibilidade, bastante utilizada na prática, encontrava certa resistência por alguns operadores do Direito, notadamente porque o artigo 32, V, da Lei nº 9.307/96, em sua redação original, previa a possibilidade de ajuizamento de ação de invalidação da sentença arbitral acaso não fosse decidido todo o litígio submetido à arbitragem.
Esse inciso V do artigo 32 foi revogado pela Lei nº 13.129/15, de modo que, agora, não subsistem dúvidas sobre a possibilidade de julgamento por etapas, ou, como dizem alguns, prolação de sentenças parciais pelo árbitro, ou pelo tribunal arbitral, no caso de colegiado.
Apesar de haver algumas resistências, a prática já demonstrava a utilidade do fracionamento e, justamente por isso, as partes normalmente atribuíam essa faculdade aos árbitros já no termo de arbitragem, mesmo antes da alteração legislativa, evitando-se a produção de provas desnecessárias e o inútil alongamento da arbitragem, já que a celeridade é uma de suas mais importantes bandeiras. Dito de outra forma, a prolação de sentenças parciais já era uma habitualidade nas arbitragens nacionais, sendo certo que as partes normalmente conferiam aos árbitros essa possibilidade, em prol da celeridade do procedimento e de sua utilidade.
E a possibilidade de julgamento parcial da arbitragem é extremamente salutar ao instituto. Isso porque, diferentemente do que ocorre no processo judicial, a arbitragem não contém a chamada fase de liquidação da sentença (por artigos ou arbitramento, na sistemática do CPC anterior), por meio da qual, na maioria das vezes, se apura o efetivo quantum debeatur de um direito declarado (ou atribuído) à parte na fase de conhecimento da demanda judicial.
As partes e os advogados envolvidos em arbitragens se ressentiam dessa ausência e não eram raros os debates sobre o tema, que apresentava reais desafios na prática, sobretudo se as partes não estipulavam previamente a possibilidade de os árbitros fatiarem o julgamento da causa.
Eram inúmeros os exemplos trazidos pela comunidade arbitral a justificar a opção legislativa, aos quais podem ser somadas algumas hipóteses, ora trazidas: (i) verificação de responsabilidade/culpa em contratos comerciais, para só depois se apurar o quantum devido ou a extensão patrimonial dessa responsabilidade; (ii) disputa contratual sobre a possibilidade de discussão do equilíbrio econômico financeiro do contrato para, só depois, apurar qual o desequilíbrio percebido, atribuindo (ou não) determinados valores às partes como medida do desequilíbrio percebido; (iii) em disputa entre empresas, a discussão e julgamento sobre a possibilidade de se continuar o procedimento arbitral contra empresa em recuperação judicial e, somente após verificada essa possibilidade, continuar com a arbitral para julgamento da causa.
Assim, são vários os exemplos práticos de julgamento fracionado da arbitragem e que, por sua economicidade, louvam a revogação do inciso V do artigo 32 da Lei de Arbitragem. Andou bem o legislador, portanto, ao revogar o inciso acima mencionado já que o preconceito ao julgamento fracionado cedeu espaço às questões de utilidade de pertinência (economicidade) do procedimento arbitral.
FRANCISCO JOSÉ CAHALI, ao comentar o assunto, cita o exemplo de arbitragem em que se discutia contrato de representação comercial, na qual primeiro se decidiu sobre a legalidade ou não das alterações do contrato e ainda sobre eventual prescrição, para só então, delineado o objeto da condenação (an debeatur), seguir-se à perícia para apurar o quantum debeatur[5].
No entanto, a confirmação legal da possibilidade de prolação de sentenças parciais traz algumas dúvidas, pois há implicações práticas da utilização desta faculdade, tais como: a análise do cabimento e do prazo para ajuizamento de ação de desconstituição/anulação da sentença arbitral parcial; a análise do cabimento e do prazo para ação de complementação da decisão, na medida em que, se parcial é, tangencia e pretere outros aspectos da controvérsia submetida à arbitragem, deliberadamente ou não. Vejamos como ficam essas questões.
5 – Invalidação/Desconstituição da sentença arbitral
As causas de invalidação da sentença arbitral estão descritas no artigo 32, incisos I, II, III, IV, VI, VII e VIII da Lei de Arbitragem, nº 9.307 de 23 de setembro de 1996, com alterações da Lei nº 13.129/15.
De acordo com DONALDO ARMELIN “a ação anulatória seria o último instrumento utilizável pelas partes no litígio arbitral, para afastar as nulidades da sentença já prolatada”. As hipóteses do artigo 32, ainda de acordo com a opinião deste renomado professor, seriam numerus clausus, ou seja, é uma ação de âmbito restrito de cabimento, cuja admissibilidade exige um prévio exame de sua subsunção à hipótese legal autorizadora de seu ajuizamento (in Revista de Arbitragem e Mediação, ano 1, nº 01, janeiro – abril de 2014, Editora Revista dos Tribunais, pág.13).
No entanto, estamos com aqueles que vislumbram outras hipóteses além daquelas mencionadas no artigo 32 e que também possibilitariam o ajuizamento da ação de anulação (ou desconstituição, como preferem alguns autores) da sentença arbitral, tais como, por exemplo, se a sentença arbitral afrontar preceitos de ordem pública. Entendemos a preocupação do legislador, o zelo para que o Poder Judiciário não se transforme numa instância recursal para a qual desaguem as decisões arbitrais sempre que a parte vencida não se conformar com o quanto decidido. No entanto, ao meu ver, atribuir taxatividade aos incisos do artigo 32 seria conferir à sentença arbitral um status de imutabilidade superior ao da sentença judicial e da sentença arbitral estrangeira.
Ora, a sentença judicial pode ser rescindida com base em alegação de violação à ordem pública, por ofensa à coisa julgada (artigo 485, IV, do Código de Processo Civil) ou por ter sido fundada em prova falsa (art. 485, VI, CPC). Também a sentença arbitral estrangeira deixará de ser homologada e executada no Brasil se ferir a ordem pública nacional, de acordo com o artigo V da Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, Convenção de Nova York, integrada ao ordenamento jurídico nacional pelo Dec. 4.311 de 23.07.2002.
Assim, dentre muitos, filiamo-nos ao entendimento de PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON, RODRIGO BARIONI e ELIAS MARQUES DE MEDEIROS NETO quando afirmam que:
“A sentença arbitral, como ato de jurisdição, não pode ficar imune à desconstituição, quando venha a padecer de vício grave, como expressamente prevê o art. 32 da Lei nº 9.307/96. No entanto, tem-se que o referido dispositivo é insuficiente para proteger, de maneira adequada, todas as hipóteses em que há afronta à ordem pública e à legalidade.
Tendo em vista que a sentença arbitral possui, conforme visto, a mesma eficácia e força da sentença judicial (artigo 475 – N do Código de Processo Civil), mostra-se coerente o raciocínio de que hipóteses de proteção à ordem pública que justificam a ação rescisória, também podem servir de fundamento para a ação anulatória da sentença arbitral.
Afirmar que a ação anulatória da sentença arbitral apenas poderia ser ajuizada nas hipóteses expressamente previstas no artigo 32 da Lei n. 9.307/96, seria conferir à sentença arbitral um status de imutabilidade superior ao da sentença judicial. Esta conclusão, certamente, não corresponde ao desejo do legislador e não tem como se justificar diante de uma leitura constitucional do processo civil pátrio, notadamente quando envolvidos valores socialmente relevantes para a decisão judicial.” (in Ação Anulatória de sentença arbitral: hipóteses taxativas? Site Migalhas, 14.10.2014 http://www.fecema.org.br/arquivos/3839)
Desta forma, os incisos do artigo 32 da Lei nº 9.307/96 sintetizam alguns exemplos que poderiam embasar a ação de nulidade da decisão arbitral, mas admitimos a possibilidade, restrita, é bom que se diga, de haver hipóteses outras a ensejar a desconstituição da sentença arbitral, ainda que não previstas no mencionado artigo de lei.
Mas voltemos às hipóteses legais e, nesse sentido, temos que a sentença arbitral poderá ser desconstituída com base nos incisos I a VIII do artigo 32 da Lei de Arbitral, com as alterações trazidas pela Lei nº 13.129/2015.
O inciso VII do referido artigo menciona que a sentença arbitral será nula se proferida fora do prazo, respeitado o artigo 12, III, da Lei de Arbitragem, isto é, desde que a parte tenha notificado o árbitro ou o presidente do tribunal arbitral, concedendo-lhe dez dias para a prolação e apresentação da sentença arbitral.
Pois bem, sabe-se que o término do procedimento arbitral tem tempo certo, pois a agilidade é um aspecto muito caro ao instituto. O prazo final da arbitragem pode ser definido pelas partes (na convenção arbitral, no termo de arbitragem ou na adoção de regulamento da câmara arbitral), ou, no silêncio, pela disposição legal constante do artigo 23 da Lei de Arbitragem (6 meses contados da instituição da arbitragem ou da substituição de árbitro).
Penso que a desconstituição da sentença arbitral, ou sua nulidade, por ter sido extemporaneamente prolatada deve ser entendida com parcimônia. Assim, o juiz estatal, ao receber pedido de desconstituição de sentença arbitral proferida fora do prazo, deve, ao meu ver, dar às partes a oportunidade de se manifestar acerca da convalidação da sentença.
Não havendo convalidação, ou sendo ela impossível, o magistrado deve declarar nula a sentença arbitral, nos exatos termos do caput do artigo 32. Todavia, nula será a sentença, mas tal fato não invalida a convenção arbitral ou a manifestação de vontade das partes de submeterem suas controvérsias à arbitragem, razão pela qual não deverá o magistrado apreciar o mérito da controvérsia de direito material envolvido.
Dito de outra forma, a persistir a controvérsia a respeito do direito material, devem as partes recorrer novamente à arbitragem, se outra forma não for adotada para a solução do conflito. Digo outra forma porque não descarto a possibilidade de as partes, no gozo da autonomia da vontade, afastarem de comum acordo a convenção arbitral para que o próprio Poder Judiciário possa apreciar o mérito da demanda, desde que, obviamente, todas as partes envolvidas estejam de acordo com essa alteração.
No entanto, retornando a discussão para a arbitragem, poderá ser constituído novo tribunal arbitral, o que, aliás, me parece mais adequado, já que aquele não cumpriu seu encargo de entregar a decisão no prazo avençado e provavelmente não desfrutará mais da confiança das partes. No entanto, caso não haja comando expresso na decisão judicial, as partes têm liberdade para decidir e, dentro do princípio da autonomia da vontade, podem optar pelos mesmos árbitros, ou por árbitro único, é para tanto não identifico vedação legal ou judicial.
Vale notar, aliás, o que reza o §2º do artigo 33, de acordo com o qual “a sentença que julgar procedente o pedido declarará a nulidade da sentença arbitral, nos casos do art. 32, e determinará, se for o caso, que o árbitro ou o tribunal profira nova sentença arbitral”.
Na ação de invalidação com base no artigo 32, VII, da Lei de Arbitragem não nos parece adequada a condenação da parte contrária em honorários advocatícios acaso não haja pretensão resistida. No entanto, caso a parte contrária, citada para os termos da ação, apresente contestação e ofereça resistência ao pedido da parte autora, entendo que deverá ser condenada em honorários pela resistência aos termos do pedido inicial. Questão de destaque se revela sobre a necessidade (ou não) de os árbitros integrarem o polo passivo da lide, pois, a bem da verdade, deram ensejo à nulidade em que se funda a ação.
Ora, as partes têm o direito de obter um pronunciamento jurisdicional no prazo avençado, direito conferido pela lei ou pelo termo de arbitragem. Não se olvida que, na maioria dos casos, as partes escolhem a arbitragem pela expectativa de terem uma solução célere sobre o assunto. Assim, havendo lesão a direito, no caso, o direito à prestação jurisdicional no prazo avençado, penso ser razoável que os árbitros integrem o polo passivo da demanda, sobretudo se a demora é a eles imputável e, com muito maior razão ainda, se houver pedido de responsabilização por perdas e danos decorrentes da demora a eles atribuível.
6 – A Complementação da sentença arbitral
De acordo com o § 4º do artigo 33 da Lei de Arbitragem, “a parte interessada poderá ingressar em juízo para requerer a prolação de sentença arbitral complementar, se o árbitro não decidir todos os pedidos submetidos à arbitragem.”
Essa nova redação, trazida pela Lei nº 13.129/2015, trouxe algumas dúvidas aos operadores do Direito. Parece-nos, contudo, que não há motivo para desespero, até porque algumas das respostas podem ser indiretamente encontradas nos outros parágrafos do mesmo artigo 33 da Lei de Arbitragem.
Um primeiro comentário me parece importante, de maneira que fique claro que, apesar do ajuizamento da ação de complementação da sentença arbitral, não assumirá o Poder Judiciário jurisdição sobre a matéria de fundo da arbitragem. Ao Poder Judiciário competirá apenas um cotejo, uma confrontação objetiva entre o conjunto de pedidos das partes e a decisão arbitral. Verificada a inadequação, constatada a ausência de subsunção dos pedidos vis a vis e o que fora decidido pela sentença arbitral, consubstanciada estará a procedência do pedido autoral.
Uma interpretação sistemática da Lei de Arbitragem e individual do próprio artigo 33, no que tange ao órgão responsável pela complementação, permite concluir, com razoável tranquilidade, que o Poder Judiciário deverá determinar que o árbitro (ou tribunal) arbitral profira sentença arbitral complementar.
Assim, numa interpretação análoga com o comando do parágrafo 2º, do artigo 33, fica claro que o Poder Judiciário, assim como na ação declaratória de nulidade da sentença arbitral, deve determinar que o árbitro (ou tribunal) profira nova sentença arbitral, com a complementação da parcela preterida, se for o caso. E esse “se for o caso”, constante da literalidade do parágrafo 2° do artigo 33, deve ser entendido apenas para que subsista a autonomia de vontade das partes no que se refere à adoção da arbitragem, pois elas podem muito bem concordar com a complementação no Poder Judiciário, ou noutro meio de resolução do conflito naquela específica parte em que não fora resolvido.
Embora louvável o prestígio à autonomia da vontade das partes, no mais das vezes deverá ser mantido o árbitro (ou o painel) que prolatou a sentença anterior, não só porque já conhece a causa, mas também porque tal determinação importará na redução de custos de repetição, assim como honorários e demais taxas administrativas, caso tenha sido uma arbitragem institucional.
Também importa destacar a exclusão, pela Lei nº 13.129/2015, do inciso V do artigo 32 da Lei de Arbitragem, na sua redação original[6], hipótese em que era possível o ajuizamento de ação anulatória de sentença arbitral por julgamento citra petita.
Ou seja, agora, havendo julgamento citra petita, mesmo após a apresentação de pedido de esclarecimentos, não mais se sustenta o ajuizamento de ação de nulidade da sentença arbitral, mas sim e tão somente a ação de complementação dessa decisão arbitral, tal qual previsão do parágrafo 4º do artigo 33 da Lei de Arbitragem.
Pela própria dinâmica dos procedimentos e, agora, pela possibilidade legal de prolação de sentenças arbitrais parciais, parece-nos que o cotejo objetivo entre o que foi pedido e o que fora decidido deva ser feito tão somente com base na decisão final do procedimento, isto é, na sentença arbitral final.
O julgamento da arbitragem por etapas permite, como vimos, que o árbitro, ou o painel, possa postergar o julgamento de determinado pedido para uma próxima fase. É recomendável que, se assim o fizer, mencione na decisão arbitral parcial que aquela decisão é efetivamente parcial e que as matérias que não foram abordadas nesta decisão o serão no futuro, ou quando do julgamento final da arbitragem.
Evita-se, com isso, o desnecessário e equivocado ajuizamento de ações de complementação de sentenças arbitrais parciais a todo o momento em que as partes não virem decididos esses ou aqueles pedidos deduzidos na arbitragem.
Todas essas alterações são louváveis do ponto de vista prático, pelos motivos que tentamos demonstrar acima. Contudo, a Lei nº 13.129/2015 não menciona o prazo para ajuizamento dessa ação de complementação da sentença arbitral.
Embora a Lei de Arbitragem não diga, pensamos que também seria adequado respeitar o prazo previsto no § 1º do mesmo artigo 33, a saber, 90 (noventa) dias contados do recebimento da notificação da respectiva sentença, ou da decisão do pedido de esclarecimentos.
Outro ponto que não foi tratado no § 4º do artigo 33, mas que faz todo sentido, como condição de procedibilidade, isto é, como condição da ação de complementação, seria o fato de a parte autora ter apresentado pedido de esclarecimentos tendente a complementar a sentença arbitral ainda na arbitragem, pois se não o fez não me parece adequado que invoque o §4º para ajuizar demanda de complementação no Poder Judiciário (dormientibus non sucurrit jus).
A ação de complementação, via de regra, deve ser ajuizada apenas contra a parte que participou da arbitragem, e não contra o tribunal arbitral ou instituição na qual a arbitragem teve o seu desenrolar, a não ser que seja cumulada com pedido de responsabilização por perdas e danos em decorrência da omissão deliberada dos árbitros, pois não se olvida que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (artigo 186 do Código Civil).
Acaso procedente a ação de complementação, após passada em julgado, deverá o tribunal arbitral ou árbitro ser notificado para que proceda à complementação da sentença arbitral, nos limites da decisão judicial prolatada que, como vimos, deve se pautar no cotejo objetivo entre o que foi pedido pelas partes na arbitragem vias a vis o que fora entregue na sentença arbitral.
7 – Conclusão
Tentamos rever alguns dos conceitos trazidos pela doutrina sobre as sentenças arbitrais e, com isso, analisar as alterações trazidas pela Lei nº 13.129/2015 à anterior Lei nº 9.307/96. As modificações trazidas para os artigos 32 e 33 da Lei de Arbitragem podem colocar os advogados, árbitros ou juízes estatais frente a frente com novas hipóteses fáticas.
Previmos, neste artigo, algumas delas, tentando trazer soluções que se acomodem à legislação anterior e com o quanto já se produziu na doutrina e jurisprudência pátria. Nessa linha de raciocínio concluímos por louvar a iniciativa legislativa no que se refere à possibilidade de prolação de sentenças arbitrais parciais, algo que a prática já demonstrava ser saudável de há muito.
Também tentamos imaginar a nova ação de complementação de sentença arbitral e suas consequências, até mesmo o prazo para seu ajuizamento, uma vez que, ao menos em relação ao prazo, a lei silencia. A esse respeito vislumbramos, via de regra, não ser possível o ajuizamento de ação de complementação de sentença arbitral em face de sentenças parciais, devendo ser considerado, quando cabível, o mesmo prazo previsto no artigo 33 para ação declaratória de nulidade da sentença arbitral, vale dizer, 90 (noventa) dias após o recebimento da notificação da respectiva sentença, ou da decisão do pedido de esclarecimento.
Ajuizada a ação de complementação de sentença arbitral, acaso procedente e após passada em julgado a decisão, deverá o tribunal arbitral ou árbitro ser notificado para que proceda à complementação no que se refere à parcela faltante, nos exatos limites do pedido deduzido pelas partes.
MARCOS SERRA NETTO FIORAVANTI
Mestrando em Direito Civil e Arbitragem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Advogado especialista em Contratos Empresariais pela FGV/GVLAW, em Processo Civil (PUC/SP) e em Direito Tributário (PUC/SP).
[1] SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Manual de arbitragem. 4ª ed. São Paulo: RT, 2010. Pag. 151
[2] Alvim Netto, José Manoel de Arruda. Manual de direito processual civil. 13ª Edição. São Paulo: Ed. RT 2010, pag. 1105
[3] CARMONA, Carlos Alberto. O processo arbitral. Revista de Arbitragem e Mediação, ano I, n. 1, São Paulo, janeiro – abril. 2004. pag. 28/29
[4] Carmona faz referência à homologação pelo Supremo Tribunal Federal – STF, pois naquele tempo ainda era de atribuição do STF a homologação de sentenças arbitrais estrangeiras. Atualmente, como se sabe, compete ao Superior Tribunal de Justiça essa importante tarefa.
[5] CAHALI, Francisco José. Curso de arbitragem. 5ª ed. São Paulo: Ed. RT, 2015, pag. 335
[6] Artigo 32. É nula a sentença arbitral se:
V – não decidir todo o litígio submetido à arbitragem (Revogado pela Lei nº 13.129/2015).