A Multa de 10% do Art.475-J e os Juizados Especiais
Moacir Leopoldo Haeser*
A olhos vistos o legislador processual caminha no sentido da simplificação dos procedimentos, muitas vezes atingindo frontalmente alguns cânones cartorialistas, gerando naturais resistências.
Nunca fui contra os processualistas, que se dedicam a elucidar tão misterioso mister, dissecando os princípios científicos que norteiam o direito processual.
Sempre me preocupou, no entanto, em minha longa carreira de Juiz, houvesse necessidade de tantos compêndios sobre direito processual para explicar o que para mim deveria ser simples: o processo, mero instrumento para realização da justiça, deveria ser tão simples que prescindisse de tão complexas explicações, pois deve vencer a causa quem tem o melhor direito, não quem tem o melhor advogado.
Não deve o direito perder-se entre filigranas jurídicas, estratagemas processuais ou maior ou menor acuidade e conhecimento do advogado sobre os meandros processuais.
Muitas e muitas vezes lamentei ao ver a garimpagem de nulidades, o formalismo sepultando o direito e o soçobrar da justiça frente a uma mera nominação de ação proposta, quando, exaustivamente discutida a causa e identificado o direito, bastaria “dar a cada um o que é seu”.
No rumo dessas auspiciosas alterações, abreviando demorada execução da sentença e dando maior efetividade às decisões jurisdicionais,o art.475-J do Código de Processo Civil, introduzido pela Lei n° 11.232, prevê MULTA para o caso do devedor, condenado ao pagamento de valor já definido, não o efetuar no prazo de 15 dias. Trata-se de incentivo ao cumprimento espontâneo da condenação, evitando-se a sobrecarga do Poder Judiciário e a postergação do direito do credor, punição pela recalcitrância e efeito da sentença condenatória, ope legis.
O termo da contagem do prazo tem gerado alguma controvérsia na doutrina, porém aos poucos vai se assentando o melhor entendimento de que o prazo decorre automaticamente do trânsito em julgado.
Alguns tem defendido que corre da sentença ou do acórdão (Apelação Cível Nº 70017661646, 17ª Câmara Cível, TJRS) – o réu pode recorrer ou cumprir o julgado – se assumiu o risco de recorrer e o recurso foi improvido, incorre na multa – solução que não me parece a mais adequada.
Outros, que a multa exigiria o retorno dos autos ao Juízo de origem e a intimação pessoal do devedor (Agravo Interno, art. 557, CPC Nº 70018256347, Décima Segunda Câmara Cível, TJRS), não só do seu advogado, invocando-se as dificuldades práticas de emissão da guia de pagamento, a impossibilidade de impor-se ao procurador o ônus de cientificar o outorgante e a finalidade coercitiva da multa.
Penso, no entanto, que o legislador buscou dar efetividade à sentença, exigindo jurisdicionalmente o pagamento tão logo cesse a possibilidade de modificação do julgado, pelo trânsito em julgado ou estabelecido o valor a ser pago, se necessária liquidação. O cumprimento da condenação não é um interesse meramente privado do credor, mas uma exigência da jurisdição, uma decorrência da prestação jurisdicional, onde se incluem os princípios da dignidade, seriedade e efetividade da Jurisdição prestada, estas reafirmadas na possibilidade de advertência do Juiz ao devedor (art.599, 600 e 601, do CPC).
Assim, a multa de 10% sobre o valor do débito, estabelecida no art.475-J do Código de Processo Civil, incide automaticamente se o débito não for pago no prazo de quinze dias do trânsito em julgado da condenação, se líquida, dependente apenas de cálculo aritmético, ou fixada em liquidação, tese sufragada pelo STJ no Resp n° 954859, primeira manifestação do Tribunal sobre a questão.
A multa incide sobre o total do débito ou do saldo, quando houver pagamento parcial, e decorre do inadimplemento. Não tem cunho de direito material, mas legal. Sua incidência é ope legis e não depende de ato ou da vontade do juiz. Incide “de forma automática caso o devedor não efetue o pagamento no prazo concedido em lei” como manifesta o ex-Ministro Athos Gusmão Carneiro, em artigo na REVISTA AJURIS Nº 102, p.63, junho/2006.
“O descumprimento da obrigação reconhecida na sentença condenatória enseja, independente de pedido da parte credora, a incidência da penalidade prevista em lei. A medida não tem sua aplicação sujeita ao arbítrio do juiz, visto que a norma é taxativa ao impor a incidência da multa no caso de não pagamento, não sendo faculdade do magistrado aplicá-la, ou mesmo deliberar acerca do percentual a ser imposto”, como já afirmou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Agravo nº 70016938706,18ª câmara Cível, Relator Des. André Luiz Planella Villarinho).
Não há que aguardar o retorno dos autos, a intimação do advogado de que os autos retornaram ou a intimação pessoal do devedor para efetuar o pagamento, pois se exige deste que, espontaneamente, cumpra a condenação imposta pela Jurisdição à qual deve submeter-se.
Caso não tenha ocorrido o pagamento, a intimação do devedor ocorrerá, já com a multa, da penhora e avaliação, efetuadas por indicação do credor, na pessoa de seu advogado, ou pessoalmente, quando poderá impugnar o valor executado, seguindo-se a alienação.
Os problemas práticos de implantação de um novo sistema são normais e as dificuldades de pagamento devem ser solucionadas administrativamente, não devendo servir para desvirtuar a efetividade que o legislador buscou implantar.
Nesse sentido já agiu prontamente a Corregedoria-Geral da Justiça, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que baixou o Provimento n° 20/2006 disciplinando a questão e instruindo sobre a forma de realização do depósito.
Dessa forma, não deve servir de empeço ao pagamento espontâneo o fato de encontrarem-se os autos ainda no Tribunal, nem se exige a intimação pessoal do devedor para fluência do prazo, uma vez que a efetividade jurisdicional, como efeito da sentença, impõe o cumprimento da obrigação tão-logo se torne certo o valor da condenação.
Os mesmos princípios tem plena aplicação no Juizado especial Cível, pois as regras de Processo Civil aplicam-se supletivamente à Lei n° 9.099. Basta a leitura atenta dos seus arts.52 e 53.
O Código de Processo Civil, portanto, aplica-se supletivamente em tudo que não estiver expressamente excepcionado na regra especial, podendo ser facilmente notado que a Lei n° 9.099 andou à frente do Código de Processo e inovou em muitas matérias que agora estão definitivamente incorporadas ao caderno processual. Note-se que o espírito da lei é o mesmo do Código: agilizar a execução, evitar a repetição de atos, proporcionar o espontâneo e rápido cumprimento da sentença, dando efetividade à prestação jurisdicional, inclusive com a dispensa de nova citação, agilização da penhora e intimações na pessoa do procurador.
Observe-se, ainda, que a Lei Especial prevê expressamente a MULTA para as obrigações de natureza diversa (fazer,não fazer) e impõe, na de pagar, a obrigação de que seja efetuado imediatamente após o trânsito em julgado, referindo que “o vencido será instado a cumprir a sentença tão logo ocorra seu trânsito em julgado”.
Ora, o Código de Processo estabelece o prazo – 15 dias – e a conseqüência do não pagamento: MULTA DE 10%. A incidência é ope legis, independendo da vontade, de ato ou manifestação do julgador, tendo plena aplicação aos Juizados Especiais.
Essa questão já foi examinada e aprovada no Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE), que estudando as recentes alterações sofridas pelo Código de Processo Civil e os reflexos que têm apresentado no âmbito da Lei 9.099/95, editou vários enunciados, entre os quais se destaca:
Enunciado 97. O artigo 475-J do CPC – Lei 11.232/05 – aplica-se aos Juizados Especiais, ainda que o valor da multa somado ao da execução ultrapasse o valor de 40 salários mínimos.
Enunciado 105. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa, não o efetue no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado, independentemente de nova intimação, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de 10% (dez por cento).
O intérprete deve ler as modificações com novos olhos, pois há uma natural resistência às inovações, levando muitas vezes conceituados processualistas a esvaziar promissoras mudanças legislativas, com sua leitura viciada à luz de práticas superadas e que nada acrescentam ao objetivo agilizador adotado pelo legislador ou à efetividade da justiça tão arduamente buscada pelo prejudicado.
A multa de 10%, ora introduzida, deve ser tornada efetiva em todos os casos, acabando-se com o vício da postergação do cumprimento das decisões judiciais e com a condenável prática de utilizar-se do Poder Judiciário como meio de descumprir ou retardar o cumprimento de obrigações, no que é useiro e vezeiro o Poder Público e suas entidades.
Àquele que buscou o Poder Judiciário para socorrer-se da violação de seu direito não se oferece uma bela sentença para emoldurar num quadro, pois espera que o seu Juiz lhe alcance efetivamente o bem da vida que,com o processo judicial, busca alcançar.
* Desembargador aposentado e advogado
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