Processo Civil

Exceção de Pré-Executividade

Exceção de Pré-Executividade

 

 

Moacir Leopoldo Haeser*

 

 

Quando do recebimento da petição inicial da execução, é da atividade saneadora do Juiz examinar se estão presentes seus requisitos, verificando da existência de título executivo hábil, da legitimidade ativa e passiva das partes exeqüente e executada, e da presença dos requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade do título. Sua ausência implica em indeferimento da inicial face à carência da execução.

 

Caso escape ao exame do magistrado a presença de vício que macule a execução e impeça a formação de uma relação processual válida, considerada a violência a que é submetido o executado pela realização dos atos executórios, no caso, injustos e ilegais, porquanto sem título hábil, tem admitido a doutrina e a jurisprudência a interposição de Exceção de pré-executividade a fim de que o devedor possa truncar essa execução ilegal, sem submeter-se à violência da constrição. Trata-se de saudável construção que os processualistas pátrios engendraram para propiciar ao coagido pela execução irregular resistir aos atos executórios, trazendo à apreciação do juízo as nulidades que maculam o procedimento executivo.

 

Nesse sentido a manifestação de alguns dos maiores processualistas pátrios, muitos dos quais abrilhantaram os Tribunais gaúchos:

 

Ensina PONTES DE MIRANDA:

 

“Uma vez que houve alegação que importa oposição de exceção pré-processual ou processual, o Juiz tem de examinar a espécie e o caso, para que não cometa a arbitrariedade de penhorar bens de quem não estava exposto à ação executiva’ (PONTES DE MIRANDA, “Dez Anos de Pareceres”, 1975, IV/138).

 

O mestre GALENO LACERDA ensina com sua objetividade e clareza habituais:

 

‘Quando, em face de uma situação concreta, a interpretação e a aplicação literal da lei conduzem ao absurdo, deve o Juiz buscar outra exegese, porque o ilogismo e a aberração jurídica jamais estiveram nas cogitações do legislador e na finalidade objetivada norma. Assim, se o atual CPC exige, no art. 737, I, a segurança prévia do juízo pela penhora, para admissibilidade dos embargos do executado, claro está que a regra pressupõe execução normal com obediência dos pressupostos da ação executória. Se esses pressupostos ou condições inexistem, ou ocorre grave suspeita em tal sentido, constituiria violência inominável impor-se injustamente ao executado o dano, às vezes irreparável, da penhora prévia, ou, o que é pior, denegar-lhe qualquer possibilidade de defesa se, acaso, não possuir bens penhoráveis suficientes. Se se aceitar tal absurdo, qualquer empresa ou pessoa de bem estará exposta à sanha de aventureiros. Basta que contra ela forjem um título falso, de alto valor, acima do patrimônio da vítima, para que Ihe tolham toda e qualquer oportunidade de defesa, pela insuficiência da penhora’ (Galeno Lacerda – Execução de Título Extrajudicial e Segurança do Juízo,Revista AJURIS, 23/7). )

 

O ilustre doutrinador e juiz ARAKEN DE ASSIS endossa a posição daqueles que sustentam não ser necessária a segurança do juízo para alegação da existência de vícios que impeçam o seguimento da execução:

 

“Os pressupostos de desenvolvimento válido e regular da relação processual submetem-se a um exame prévio de ofício pelo Juiz ao despachar a petição inicial (…).‘Em que pese a delibação de ofício, o devedor pode, desobrigado das exigências de aforamento dos embargos (art. 737, I e II, do CPC), após a citação, impugnar a deficiência. O Juiz mandará o credor emendar a inicial ou, silente este ou irreversível o vício, indeferirá a peça vestibular’ (Comentários, Lejur, 1985, IX/35-36).

 

“Os poderes de direção do processo assegurados ao Juiz pelo ordenamento processual autorizam a rápida extinção da execução viciada. Parece induvidoso que ao Juiz, como comandante do processo judicial, lícito será o indeferimento de qualquer medida que se revele descabida” (A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – Luiz Edmundo Appel Bojunga – Revista AJURIS, VOL.45, P.155 -).

 

Assim ensina Humberto Theodoro Júnior:

 

‘É verdade que o Juiz, na execução, não age mecanicamente como um simples cobrador a serviço do credor. Sendo a execução parte integrante da jurisdição, que corresponde ao poder dever de realizar concretamente a vontade da ordem jurídica através do processo para eliminar uma situação litigiosa, é claro que a atividade executiva jurisdicional está subordinada a pressupostos de legalidade e legitimidade. E, por conseguinte, antes de autorizar a agressão patrimonial contra o devedor, terá o Juiz de verificar a satisfação desses requisitos jurídicos, praticando uma cognição e fazendo acertamento sobre eles’ (Processo de Execução, 1983, p. 463).

 

“Dispõe o art. 618, I, do CPC, que é nula a execução se o título executivo não for líquido, certo e exigível. Na falta de um destes requisitos nem de título executivo se tratará. No entanto, muitas vezes, sentenças ilíquidas, ou de forma teratológica, liquidadas pelo ansioso credor, iniciam uma execução viciada. Demais matérias relativas àqueles pressupostos do processo de conhecimento, também comuns ao processo executivo, deverão ser conhecidas de ofício pelo Juiz e sobre elas não ocorrerá preclusão. No processo de execução, mesmo não sendo expressamente referido pela lei o momento a partir do qual elas deveriam ser alegadas, nada impede que sejam avaliadas pelo magistrado através de informação do executado. Algumas vezes, na inexistência da previsão legal da exceção de pré-executividade, alguns devedores, premidos por execução viciada, lançaram mão do mandado de segurança como no Mandado de Segurança n. 41.151 julgado pela 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, tendo sido Relator o Des. Oscar Gomes Nunes, cuja ementa restou assim redigida: ‘De decisão judicial insuscetível de ser atacada por recurso previsto nas leis processuais, ou modificada por via de correição, cabe mandado de segurança. Não tendo o devedor sido ouvido sobre o cálculo de liquidação, nem este sido homologado por sentença, a instauração da execução, com citação para pagar em 24 horas, sob pena de constrição judicial de bens, caracteriza ofensa a direito líquido e certo. Segurança concedida’ – TJRGS, 94/271-72 ( art.cit.Revista AJURIS, VOL.45, P.155).

 

A. MENDONÇA LIMA registra magistral lição que não deve ser esquecida:

 

‘A execução nula é um mal para o devedor, porque o perturba inutilmente, embora sem vantagem final para o credor, no momento em que a nulidade for declarada. Se é viciadamente movida, pode prejudicar o devedor, moral e economicamente, em seus negócios, inclusive sujeitando-o ao ônus de ter de embargar, se o Juiz, ex officio, não houver trancado o processo, indeferindo o pedido’ (Comentários, Forense, 1974, vol. Vl, Tomo Il. n. 1.485).

 

Preleciona o eminente advogado e professor Edmundo Appel Bojunga em seu excelente artigo publicado na REVISTA AJURIS, de onde transcrevemos algumas das citações doutrinárias:

 

“Assim, a alegação de nulidade, vícios pré-processuais e processuais que tornam ineficaz o título executivo, judicial ou extrajudicial, devem ser suscitados através da exceção de pré-executividade, antes mesmo ou após a citação do executado. A penhora e o depósito já são medidas executivas e não podem ser efetivadas quando não existir ou não for eficaz o título que embasa o processo executório. Devo perfilhar a posição adotada por Galeno Lacerda (op. Cit. p. 14) ao divergir de Pontes quanto ao momento do oferecimento da exceção. Como os pressupostos processuais devem ser observados e decretados de ofício pelo magistrado, a matéria não se subordina aos efeitos da preclusão, podendo a alegação através da exceção de pré-executividade ser oferecida desde o ajuizamento da ação executiva” ( “A EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE” – Luiz Edmundo Appel Bojunga – Revista AJURIS, VOL.45, P.155)

 

Essa orientação vem sendo acolhida nos Tribunais do País, desde o extinto Tribunal de Alçada, como no Tribunal de Justiça, já sacramentada pelo Superior Tribunal de Justiça:

 

Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul RECURSO: AGI NÚMERO: 197112626 DATA: 30/10/1997 ÓRGÃO: Segunda Câmara Cível RELATOR: Marco Aurélio dos Santos Caminha ORIGEM: Gravataí NOTA DE CREDITO COMERCIAL. EXECUÇÃO. exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. Títulos que não apresentam certeza e liquidez a primeira vista não ensejam processo de execução e sua argüição pode ser feita via exceção de pré-executividade. Nota de Credito Comercial, desacompanhada de histórico claro da divida, desde seu nascedouro não enseja processo de execução. Exceção de pré-executividade acolhida. Execução extinta. Agravo provido.

RECURSO : AGI NUMERO : 196035695 DATA : 16/05/1996 órgão : Quarta Câmara Cível RELATOR : Moacir Leopoldo Haeser ORIGEM : Porto Alegre exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. Cabe o oferecimento da exceção quando alegada ausência ou nulidade do titulo e da execução, sendo as condições da ação matéria apreciável de oficio pelo magistrado. Precedentes jurisprudenciais. AGRAVOS PROVIDOS.DECISÃO : Dado provimento. Unânime.

 

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO Grande do Sul – APELAÇÃO E REEXAME NECESSÁRIO Nº 70004046553, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, , RELATOR: DES. HENRIQUE OSVALDO POETA ROENICK, JULGADO EM 12/06/02) – exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. A DENOMINADA exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE, CONSTRUÇÃO PRETORIANA E NÃO PREVISTA EXPRESSAMENTE EM LEI, TEM CABIMENTO NAS HIPÓTESES EXCEPCIONALÍSSIMAS E RESTRITAS DE FLAGRANTE INEXISTÊNCIA OU NULIDADE DO TITULO EXECUTIVO, BEM ASSIM NAS hipóteses REFERENTES A FLAGRANTE FALTA DE PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E/OU CONDIÇÕES DA AÇÃO…(omissis) A VERBA HONORÁRIA E CONSEQÜÊNCIA DO DECAIMENTO, SENDO DEVIDA INCLUSIVE EM SEDE DE exceção DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. APELAÇÃO não PROVIDA. SENTENÇA CONFIRMADA EM REEXAME NECESSÁRIO.

 

Superior Tribunal de Justiça – AL(2002/0028587-1) DJM DATA:19/08/2002 PG:00181 Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR (1110) 16/05/2002 – QUARTA TURMA PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. HIGIDEZ DO TÍTULO DISCUTIDA EM EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXISTÊNCIA DE EMBARGOS DO DEVEDOR QUE NÃO DEBATERAM A QUESTÃO ESPECÍFICA. COISA JULGADA INEXISTENTE. PRESSUPOSTOS DE CONSTITUIÇÃO DA AÇÃO. MATÉRIA CONHECÍVEL DE OFÍCIO. CPC, ART. 267, IV C/C § 3º. I. Em se tratando de matéria conhecível de ofício, como é o caso da alegada falta de higidez do título cobrado, pode ela ser objeto de exceção de pré-executividade, ainda que não suscitada, antes, em sede de embargos à execução. Coisa julgada inexistente. II. Nulidade da decisão decretada, para que seja examinada, em 1ª instância, o mérito da exceção apresentada. III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.”

 

Embora se encontre, ainda, alguma resistência quanto à utilização da exceção, por não legalmente prevista, em favor da tese da necessidade de interposição de embargos, após seguro o juízo pela penhora, a verdade é que a criação doutrinária vem se impondo nos Tribunais, porquanto vê-se o juiz, constantemente, com situações tais em que a própria execução é uma violência contra o executado. Em muitas ocasiões os danos podem se tornar irreparáveis caso não se estanque de pronto, uma execução indevida, cuja falta de condições havia inicialmente escapado ao magistrado ou existia circunstância obstativa que não lhe era conhecida.

 

Sem título executivo líquido, certo e exigível não há possibilidade de execução válida. Trata-se de condição da própria execução, o que deve ser verificado de ofício Juiz quando do recebimento da petição inicial, indeferindo-a. Se for aceita uma execução nula, sem os requisitos legais, cabível a interposição de Exceção de pré-executividade, independentemente de penhora e embargos para fulminar essa execução indevida, que não fica submetida ao fenômeno da preclusão, podendo ser interposta a qualquer tempo, respondendo o exeqüente pelos ônus sucumbenciais em razão da necessidade do executado vir a juízo defender-se.

 

 

* Desembargador aposentado e advogado

 

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Como citar e referenciar este artigo:
HAESER, Moacir Leopoldo. Exceção de Pré-Executividade. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/processo-civil/excecao-de-pre-executividade/ Acesso em: 29 mar. 2024