Edição nº 5 – Ano I
Tenho-me debruçado sobre o PNDH-3, nos seus seis eixos diretores, 25 diretrizes com inúmeros objetivos estratégicos e 521 proposições.
Conheço alguns de seus inspiradores que, no passado, participaram comigo de debates em televisão e movimentos cívicos. Apesar de divergir de suas ideias – divergência, de rigor, sem possibilidade de conciliação imediata – respeito-os profundamente, pois, em toda a minha vida, sempre combati ideias e nunca pessoas.
Hoje, colocarei questão que me preocupa, na pretendida reformulação do sistema constitucional sobre as Forças Armadas e de segurança.
Pelo sistema atual, as Forças Armadas têm, nas polícias militares e estaduais, forças auxiliares, que poderão, em momento de crise, ser por elas comandadas, na manutenção da ordem.
Não sem razão, o artigo 142 da Constituição federal permite, se a lei e a ordem forem tisnadas por qualquer um dos três poderes, que as Forças Armadas sejam chamadas a restabelecêlas pelos poderes atingidos . E a Constituição é clara ao referirse à atuação para “garantia dos poderes constitucionais, e, por iniciativa de qualquer deles, da lei e da ordem”, como hipótese em que podem ser acionadas as forças militares.
Pelo novo PNDH-3 – apenas um plano programático, como o é o Decreto nº 7.037/09, que o veiculou –, as polícias deixam de ser forças auxiliares das Forças Armadas, passando a ser forças da reserva, mas não diretamente a elas subordinadas e sim a um Sistema Nacional de Segurança Pública orientada pela União.
Em outras palavras, criam-se dois regimes diferentes, autônomos e independentes, no máximo podendo as forças policiais ser forças de reserva das Forças Armadas, em caso de conflito externo. Deixam de ser forças auxiliares, e sua direção ficará a cargo de um sistema centralizado, o que fere a autonomia federativa dos estados, ao subordiná-los a um controle superior da União.
Teríamos, pois, de rigor – a não ser que os projetos de emenda constitucional a serem enviados apresentem outro modelo – dois sistemas armados distintos, ficando as Forças Armadas reduzidas ao combate de eventual inimigo externo, pois, nas crises internas, o Sistema Nacional de Segurança Pública – aliás, com um contingente de pessoas muito maior que o das Forças Armadas – terminará por agir, sob a direção da União. Calculase, hoje, que as forças policiais estaduais ultrapassem em três vezes os efetivos das Forças Armadas.
Não creio seja a melhor solução o enfraquecimento das Forças Armadas. A centralização fere, a meu ver, o pacto federativo das polícias estaduais, e a eliminação do papel de forças auxiliares das Forças Armadas, nos termos hoje colocados na lei suprema, é preocupante.
Acresce-se à mudança o fato de que o desarmamento – que foi derrotado em plebiscito – será imposto à população brasileira, com o que os riscos da hipervalorização do Sistema de Segurança Nacional, centralizado em mãos do poder central, poderá gerar intranquilidade institucional, mormente – não é o quadro atual, tenho certeza – se um presidente da República mais inclinado a seguir o modelo criado pela figura histriônica do semiditador Chávez, no futuro, fizer uso, pro domo sua, de seu poder sobre o Sistema Controlador das Unidades Federativas, neutralizando as Forças Armadas. De rigor, os membros das Forças Armadas têm uma preparação profissional acadêmica e militar mais demorada e abrangente do que as forças policiais.
A questão do PNDH-3 merece, pois, amplo debate, antes que venha a ser implantado pelo governo, com a edição de projetos de emenda constitucional e de lei. E um dos pontos a serem debatidos é o que acabo de apresentar
* Ives Gandra da Silva Martins, Advogado. Doutor em Direito. Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária.