Direito Empresarial

O Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) como Modalidade de Título Crédito Ligada a Políticas Creditícias

 

 

THE CERTIFICATE OF REAL ESTATE RECEIVABLES AS SECURITY CONECTED TO CREDIT POLICIES

 

Resumo: Os títulos de crédito não vêm sendo mais utilizados apenas para as finalidades de mobilização e circulação de crédito, mas também com a função de captação de recursos no mercado financeiro e no de capitais. Nesse contexto, surgem os certificados de recebíveis imobiliários, a saber, títulos de crédito oriundos de uma operação de financiamento de bens de raiz, com a constituição de crédito em benefício de agente financiador, para fins de negociação futura e consequente canalização recursos para o setor de imóveis.

 

Palavras chave: certificado de recebíveis imobiliários; captação de recursos monetários; políticas de crédito.

Abstract: The securities no longer are being used only for the purposes of mobilization and circulation of credit, but also for the function of raising funds in the financial and capital markets. In this context, there are the certificate of real estate receivables, namely, securities arising from a financing operation of real estate, with the creation of credit in favor of financing agent, for the purpose of future negotiations and consequent channeling resources to the real estate business.

 

Key words: certificates of real estate receivables; fundraising money; credit policies.

 


                                                                                        

 

 

 

 

 

 

 

 

Sumário: 1. Introdução; 2. Evolução dos títulos de crédito e surgimento da forma escritural; 3. Importância dos títulos de crédito na efetivação de políticas creditícias de massa; 4. Noções gerais a respeito do certificado de recebíveis imobiliários; 5. Certificado de recebíveis imobiliários e políticas de crédito; 6. Conclusão.

 

 

 

 

 

 

 

 


  1. INTRODUÇÃO

 

A polêmica ligada ao financiamento de imóveis habitacionais é uma questão bastante complexa que demanda investigação pormenorizada, sobretudo em tempos hodiernos nos quais o Estado se esforça no intuito de atrair investimentos do setor privado para o da construção civil.

Sérgio Iglesias Nunes de Souza[1] alega que o problema relacionado à moradia tem sido objeto de questionamentos tanto no campo jurídico-econômico quanto no sociopolítico. Declara ainda que “a análise temática se dá em diversos ramos da ciência, pelo fato de a moradia ser uma necessidade do homem tão essencial como a vida, sendo condição sine qua non para uma existência humana digna”.

Em verdade, o direito à moradia, há muito classificado como um direito humano por parte da doutrina devido à sua previsão no artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos do Homem[2], foi reconhecido como direito fundamental social pela Constituição da República[3], em seu artigo 6º, caput, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 26/2000[4].

Nesse contexto, em 1997, ainda no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, de modo bem oportuno, foi introduzido no Brasil um novo regime de financiamento de imóveis por intermédio da Lei nº 9.514[5], a qual criou o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI).

Em termos gerais, a aludida lei federal disciplinou especialmente o procedimento de securitização de créditos imobiliários, e instituiu o regime fiduciário sobre tais créditos e estabeleceu garantias nas operações de financiamento, com o intuito de favorecer, de forma precípua, o desenvolvimento do mercado dos chamados bens de raiz, facilitando, assim, a aquisição da casa própria.

Cabe advertir que essa modalidade de financiamento, obviamente, não se confunde com a comum, adotada pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH) regulado pela Lei nº 4.830/1964[6], em virtude, basicamente, de duas inovações, a saber, possibilidade de se constituir alienação fiduciária quanto aos créditos decorrentes do financiamento, e de se transferir ou ceder tais créditos às companhias de capitalização.

 

2.    EVOLUÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO E SURGIMENTO DA FORMA ESCRITURAL

 

Arnaldo Rizzardo[7] explica que a origem etimológica da palavra “crédito” encontra raiz no verbo latino credere, o qual significa crer ou acreditar. A partir daí, tem-se o creditum que consiste no produto oriundo daquilo que se crê ou acredita com absoluta confiança. Ele afirma ainda que:

 

O direito firmado em um documento, em vista de suas qualidades de certeza, merece credibilidade ou confiança. Reveste-se de certeza, exatidão, confiabilidade, reduzindo ao máximo a insegurança no seu cumprimento.

O crédito, pois, é resultado de dois elementos: o subjetivo e o objetivo. O primeiro está na confiança. Na segurança que a pessoa sente em face de uma prestação a ser cumprida – confia em receber o bem ou o valor. O segundo é o próprio bem da vida ou a riqueza que está inserida na obrigação. Tais os elementos que elevam a probabilidade de cumprimento.

O crédito revela confiança e certeza na probabilidade de solvência da pessoa que o reconheceu[8].

 

O título de crédito, portanto, decorreu exatamente do surgimento do crédito, sendo documento criado por lei para representar uma determinada relação creditícia, de maneira a conter determinados requisitos que lhe imprimem idoneidade.

Nessa linha de raciocínio e de acordo com Jean Carlos Fernandes[9], tais títulos constituem grande contribuição ao Direito Comercial, atualmente denominado Empresarial devido à adoção da teoria da empresa pelo Código Civil de 2002[10]. A razão da existência desses títulos consiste, essencialmente, na mobilização e na circulação de riquezas.

Nota-se, assim, que a economia hodierna é fundamentalmente creditícia, tendo em vista que os títulos de crédito são aptos a dotar de segurança jurídica e facilidade a transmissão dos direitos neles contidos. O seu êxito no universo dos negócios é evidente, especialmente em se tratando de atividade bancária.

E para que o mercado de crédito funcione de forma eficiente, é preciso que o legislador e os juristas viabilizem a célere e segura execução de garantias, notadamente aquelas constituídas por bens móveis, ou seja, por títulos de créditos e próprios direitos creditícios que expressam.

Destarte, com a evolução dos meios tecnológicos, o Direito Cambiário necessitou modificar alguns princípios básicos que lhe serviam de alicerce, a fim de acolher a demanda dos novos tempos.

É cediço que a teoria clássica dos títulos de crédito consagra os princípios da cartularidade, literalidade, abstração e autonomia. Dentre tais princípio, é preciso elucidar que o da cartularidade:

 

Refere-se à sua materialização, que se dá numa cártula, e se manifesta num pequeno escrito ou num documento escrito de tamanho médio.

O título de crédito necessariamente deve estar representado por um documento, um papel, no qual deverão estar inseridos todos os requisitos para que resulte válido. Tal documento (cártula) é o instrumento indispensável para o exercício do direito de crédito nele contido[11].

 

Todavia, com o passar do tempo, restou nítido que os títulos cartulares, isto é, aqueles emitidos em suporte físico, não têm mais a aptidão de atender às negociações feitas por meio eletrônico.

E, ao se perceber que a circulação creditícia exclusivamente pela forma cartular não mais teria o condão de socorrer os negócios em massa, o legislador vê a necessidade em se buscar uma alternativa à obrigatoriedade de a declaração obrigacional constituidora do título de crédito ser feita em documento escrito e corpóreo. Nesse contexto, surge a ideia de título de crédito escritural.

Dentre esses títulos de crédito chamados escriturais, é possível destacar a Letra Financeira (LF), a Letra de Arrendamento Mercantil (LAM), a Letra de Crédito Imobiliário (LCI), a Cédula de Crédito Imobiliário (CCI), o Certificado de Cédulas de Crédito Bancário (CCCA), o Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA), a Cédula de Produto Rural (CPR), o Conhecimento de Depósito Agropecuário (CDA), o Warrant Agropecuário (WA), a Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA) e, por óbvio, o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI).

Esses títulos são normalmente nominativos, podendo ser transferidos mediante anotações em sistemas de registro e liquidação, como, por exemplo, a Central de Custódia e Liquidação Financeira de Títulos (CETIP) e o Sistema Especial de Liquidação e Custódia (SELIC).

Nesse diapasão, Jean Carlos Fernandes aduz que:

 

Os avanços da informática e a crescente desmaterialização das atividades bancárias, principalmente, trouxeram a circulação do crédito na forma escritural, não mais corporificado em um cártula.

(…)

A teoria clássica dos títulos, aparelhada e desenvolvida a partir da cártula, não mais atende a totalidade dos reclamos das novas atividades empresariais fomentadas por políticas de crédito instrumentalizadas pelos títulos escriturais, dotados, por força de lei, de natureza cambiária[12].

 

Dessa forma, o aludido autor propõe uma releitura e readequação dos princípios cambiários, em particular o da cartularidade, com o escopo de aplicá-los indiscriminadamente aos títulos de crédito cartulares e não cartulares, denominados escriturais. Ele sugere a adoção do princípio da documentabilidade que melhor se aperfeiçoa aos títulos de créditos escriturais e em nada prejudica os cartulares. E arremata alegando que:

 

Tratando-se, assim, de título de crédito cartular (letra de câmbio, nota promissória, cheque, cédula de crédito bancário, entre outros), a apresentação física do título é indispensável para o exercício do direito nele materializado (documentabilidade-cartular).

Por outro lado, sendo um título de crédito escritural e nominativo os registros eletrônicos (documentabilidade-escritural) ou a apresentação de certidão expedida pela instituição registradora (CETIP, por exemplo) alicerçam o exercício do direito cambiário. Principalmente em sede de processo de execução (…)[13].

 

É certo que o princípio da cartularidade não foi extinto, pois permanece sendo aplicável aos títulos cartulares, passando somente a ser readaptado como princípio da documentabilidade, cartular ou eletrônica.

 

  1. IMPORTÂNCIA DOS TÍTULOS DE CRÉDITO PARA A EFETIVAÇÃO DE POLÍTICAS CREDITÍCIAS DE MASSA

 

Com o já noticiado surgimento da forma escritural de emissão, percebeu-se que esses títulos não mais são utilizados apenas para as finalidades de mobilização e circulação de crédito, mas também com a função de captação de recursos no mercado financeiro e no de capitais.

Conforme Arnaldo Rizzardo[14], dentro da perspectiva da classificação dos títulos de crédito quanto à finalidade, é possível identificar três categorias distintas. Na primeira, existe apenas o escopo de negociação em que o emitente institui o título para efetuar pagamento ou receber valores por sua transferência, como no caso da letra de câmbio, da nota promissória e do cheque. Já na segunda, os títulos são constituídos para representar um direito real sobre certa mercadoria, como na hipótese de conhecimento de transporte e conhecimento de depósito. Por derradeiro, na terceira, o fim visado é a obtenção de recursos monetários, com a negociação com o público em geral.

Na terceira classe, há ainda uma subdivisão, na qual o crédito pode ser classificado como produtivo ou para consumo. O produtivo é destinado à criação de novos bens agrícolas, mobiliário e imobiliário, consistindo em investimento para formação de sociedade desses ramos, bem como para fornecimento de capital e trabalho. O para consumo, por sua feita, serve para gastos imediatos de subsistência na satisfação de necessidade particular de cada indivíduo.

Nesse diapasão, Jean Carlos Fernandes expõe que:

 

A mobilização e circulação de riquezas são funções que os títulos de crédito continuam atendendo, porém, desprovidos, em grande parte, de cartularidade e mais voltados para a captação de recursos, tanto no mercado financeiro, sob a fiscalização do Banco Central do Brasil, quanto no mercado de capitais regulado pela Comissão de Valores Mobiliários.

O surgimento de novos títulos de crédito mostra bem esse ciclo evolutivo que caminha para a desincorporação ou desmaterialização total dos direitos então cartulares, na substituição do título papel por anotações informatizadas em registros de entidades encarregadas de sua custódia e negociação eletrônica, como, por exemplo, a Cetip S. A. – Mercados Organizados, sociedade anônima de capital aberto, integradora do mercado financeiro, que oferece serviços de registro, central depositária, negociação e liquidação de ativos e títulos de crédito, entre eles, o Certificado de Recebíveis Imobiliários, o Conhecimento de Depósito Agropecuário, o Warrant Agropecuário, o Certificado de Direito Creditórios do Agronegócio, a Letra de Crédito do Agronegócio, o Certificado de Recebíveis do Agronegócio, a Letra de Arrendamento Mercantil e a Letra Financeira[15].

 

Assim, é preciso aclarar que todos esses títulos escriturais acima mencionados estarão sempre ligados a uma determinada política de crédito, sendo eminentemente causais. A título de esclarecimento, por título causal entende-se aquele que advém de uma causa ou negócio específico, permitindo-se a investigação de sua origem ou o contrato que ordenou a sua emissão[16].

Notadamente no que concerne aos investimentos imobiliários, Flauzilino Araújo dos Santos elucida que:

 

A dinâmica e a modernização da economia fizeram aparecer, no mercado nacional, outras modalidades de investimentos imobiliários que se propõem a atrair e captar recursos dentro e fora do País, em substituição aos métodos tradicionais de circulação inter vivos dessa riqueza via transferência da propriedade imóvel.

(…)

A ampliação do portfólio de investimentos imobiliários passou a ganhar força a partir da década de 90, com um objetivo comum, adotado em todos os instrumentos que veremos a seguir: acesso ao mercado de capitais[17].

 

O investimento imobiliário feito por intermédio do mercado financeiro exige essencialmente a participação de uma instituição financeira, a qual deve intermediar os interesses dos eventuais investidores e tomadores, de forma a transformar em indireta a relação existente entre eles.

Essa intermediação produz benefícios para ambas partes envolvidas, na medida em que torna possível ao tomador a obtenção de recursos, sem a necessária e imediata identificação do investidor. Por outro lado, o investidor tem segurança quanto ao regresso do capital aplicado, independentemente da capacidade de pagamento do tomador. Dessa forma, está presente o exercício de uma atividade de gerenciamento de riscos, investimentos e aplicações.

Superadas questões propedêuticas, adentra-se, então, ao assunto principal do presente estudo, qual seja, o título de crédito escritural denominado Certificado de Recebíveis Imobiliários.

 

  1. NOÇÕES GERAIS A RESPEITO DO CERTIFICADO DE RECEBÍVEIS IMOBILIÁRIOS

 

A respeito dos aspectos institucionais e das principais características do SFI, José Maria Aragão[18] aduz tratar-se da iniciativa mais ambiciosa no sentido de buscar mecanismos para dinamizar a participação do setor privado no financiamento de imóveis, notadamente habitacionais.

De acordo com Arnaldo Rizzardo[19], o novo sistema funciona por meio de determinado mecanismo de securitização no qual uma instituição financia a simples aquisição ou construção de um bem de raiz ou, até mesmo, um grande empreendimento imobiliário, ficando com um crédito consistente no valor do próprio financiamento, somado a encargos. A mesma instituição financeira pode alienar tal crédito, especialmente se de longo prazo, a uma companhia securitizadora, não financeira, a qual tem a faculdade de dividi-lo em títulos com lastro ou garantia no imóvel financiado, inserindo-os no mercado.

Em outras palavras, a referida companhia não está obrigada a esperar o recebimento do direito creditório, mediante o pagamento das prestações por quem contraiu o financiamento, podendo fragmentá-lo em valores mobiliários denominados de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), a fim de comercializá-los nos mercados financeiro e de capitais. Os prováveis investidores, que vierem a adquirir tais títulos, terão a possibilidade de negociá-los novamente ou mesmo executar o imóvel que deu origem à sua emissão.

Em síntese, a securitização é uma ferramenta usada no mercado financeiro, com a finalidade de transmutar ativos sem liquidez em títulos mobiliários líquidos. É uma prática financeira na qual são reunidas diversas modalidades de ativos financeiros, em particular títulos de crédito, transformando-os em títulos negociáveis no mercado de capitais. Nada mais é, portanto, do que a conversão de dívidas em investimentos.

É cediço que outros veículos podem ser usados para securitizar o crédito advindo de operações de financiamento de imóveis residenciais ou mesmo comerciais. Contudo, conforme restará comprovado mais adiante, a utilização do CRI tem se mostrado extremamente atraente a investidores do setor.

José Maria Aragão[20] relata que a securitização de créditos hipotecários é vista como o principal meio de dinamização do mercado imobiliário brasileiro, desde a entrada em operação plena do novo sistema. Acrescenta que, mantidas as condições econômicas atuais, pode haver ainda um maior favorecimento, na proporção em que as taxas de juros se aproximem dos padrões internacionais, consolidando-se, destarte, a retomada do crescimento da economia pátria.

Para ele, um dos principais benefícios na adoção da securitização imobiliária é agilizar o giro dos ativos das instituições financeiras, permitindo que estas alavanquem suas operações, de modo a impactar positivamente a oferta de imóveis e empregos.

Por outro lado, para aqueles credores que não sejam bancos, como incorporadoras, o novo regime serve como uma alternativa de mobilização de recursos mais vantajosa, quando comparada a empréstimos bancários, além de acarretar uma diminuição do risco de suas carteiras creditícias.

Ultrapassadas questões preambulares sobre a securitização, tem-se que, no que concerne ao conceito e à natureza jurídica do CRI, a própria Lei nº 9.514, em seu artigo 6º, encarregou-se de esclarecê-los. Confira-se:

 

Art. 6º O Certificado de Recebíveis Imobiliários – CRI é título de crédito nominativo, de livre negociação, lastreado em créditos imobiliários e constitui promessa de pagamento em dinheiro.

Parágrafo único. O CRI é de emissão exclusiva das companhias securitizadoras[21].

 

Como o seu próprio nome denota, recebível é algo que se pode auferir ou embolsar. No âmbito financeiro, é considerado recebível tudo aquilo que gera fluxo de dinheiro, abrangendo, obviamente, os títulos de crédito. No segmento imobiliário, os recebíveis podem consistir em parcelas de imóvel vendido com alienação fiduciária na esfera do SFI, ou mesmo em prestações mensais de um contrato de locação de imóvel, seja ele residencial, comercial ou industrial, no chamado built-to-suit.

É de se notar, então, que essa espécie de título surgirá em meio a uma operação de financiamento de bens imóveis, com a constituição de crédito em benefício do agente financiador, devendo a sua emissão corresponder à proporção de direitos creditícios adquiridos. Arnaldo Rizzardo sintetiza o procedimento da seguinte forma:

 

(…) com o financiamento, forma-se um crédito. E para negociá-lo, angariando, assim, novas aplicações, dito crédito do banco é fracionado e vendido em parcelas ou na sua globalidade para as sociedades de securitização. Ou seja, os créditos do agente financiador, garantidos pela alienação fiduciária ou outra garantia, poderão ser cedidos a uma companhia securitizadora de crédito imobiliário. Adquirindo esta companhia os créditos junto aos bancos, gabarita-se a transferi-los a terceiros, através de títulos, que serão vendidos, com remuneração, e resgatáveis segundo os prazos convencionados[22].

 

No que concerne aos sujeitos envolvidos na operação em comento, tem-se que as instituições financeiras podem estar constituídas sob a forma de caixas econômicas, bancos comerciais, bancos de investimento, bancos com carteira de crédito imobiliário, sociedades de crédito imobiliário, associações de poupança e empréstimo, companhias hipotecárias e demais entidades que, a critério do Conselho Monetário Nacional (CMN), venham ser admitidas a atuar no âmbito do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI). Logo, estão excluídas as cooperativas habitacionais e companhias de habitação popular (COHABs).

Em contrapartida, as já mencionadas companhias securitizadoras de créditos imobiliários deverão ser instituídas sob a forma de sociedade anônima não financeira e registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Suas atividades terão de ser revestidas de duas modalidades básicas, quais sejam, a aquisição e securitização de tais créditos, ou a emissão e colocação de CRIs no mercado financeiro e, por meio deste, no de capitais.

Os créditos, que vierem a ser adquiridos e empregados como lastro aos títulos por elas eventualmente emitidos, poderão ser colocados sob o regime fiduciário, com características próprias dos negócios fiduciários em geral. É de se perceber, dessa feita, que o legislador infraconstitucional se esforçou bastante no sentido de propiciar a segurança e a efetividade do novo sistema.

Frisa-se que o SFI não depende de fundos públicos de mobilização de recursos para o crédito imobiliário, baseando-se em recursos da poupança voluntária angariada por meio das instituições acima enumeradas. A remuneração destas instituições se dá mediante pagamento de taxas mercadológicas, sendo adotados instrumentos jurídicos que ofereçam aos poupadores e investidores alternativas de aplicação financeira em condições de competitividade às já existentes.

Enfim, manifesta-se evidente o cumprimento da função social por parte dos agentes financeiros ao viabilizarem a emissão e a circulação desses títulos de crédito que, por sua vez, permitem a canalização de capitais privados de longo prazo, captando novos investimentos, com os quais se incrementará a indústria da construção civil.

 

  1. CERTIFICADO DE RECEBÍVEIS IMOBILIÁRIOS E POLÍTICAS DE CRÉDITO

 

Como é sabido, o déficit habitacional brasileiro é assustador. As atuais políticas habitacionais não conseguem atender ao crescimento demográfico do número de famílias. A ausência de moradia digna prejudica a convivência familiar, a educação, o saneamento básico e a suade, de maneira a favorecer somente a criminalidade. Apenas os créditos imobiliários e os subsídios advindos do Governo são capazes de resolver o problema.

É necessário desenvolver políticas habitacionais adequadas à realidade social do Brasil e voltadas para atração de investidores particulares, como componente indispensável a uma política de estratégica de desenvolvimento econômico e social para o país. Para tanto, deve haver regulação, estímulo e fiscalização nos sistemas de crédito habitacional.

Como visto, os investimentos em imóveis já não se baseiam somente pelo negócio jurídico regular de compra e venda. O dinamismo e a modernização da economia levaram à criação de novas espécies de investimentos em bens de raiz, com feições mais atrativas, aptas a angariar recursos decorrentes de capital nacional e estrangeiro.

Nesse cenário, é possível afirmar que a securitização de créditos imobiliários é uma relevante opção de financiamento para o ramo em questão, em todos os seus segmentos, quais sejam, produção, residencial, comercial e industrial.

A respeito, Flauzilino Araújo dos Santos esclarece que:

 

Disciplinada no bojo do novo Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), a partir da edição da Lei 9.514/1997, a securitização de créditos imobiliários se reveste de mais uma alternativa de investimento com objetivo de aprofundar a aproximação do mercado imobiliário com o mercado de capitais, bem como desenvolver o Sistema Financeiro Habitacional. Em contraposição ao ainda vigente Sistema Financeiro da Habitação (SFH), procurou-se criar condições para o surgimento de ações mais sujeitas às forças de mercado e menos regulamentadas. Tratou-se, portanto, de colocar o Brasil em consonância com as melhores práticas mundiais no tocante ao setor de crédito imobiliário[23].

 

Dessa maneira, observa-se que a emissão de CRIs vem sendo muito estimulada e utilizada para a captação de recursos de longo prazo com custo competitivo, diversificação de fontes de financiamento e eficiência fiscal. E a tendência é que a sua negociação aumente mais ainda, permitindo, desse modo, crescentes investimentos no setor de imóveis, e a consequente amenização ou mesmo resolução do problema relacionado à falta de moradias no Brasil.

 

  1. CONCLUSÃO

 

Por todo o exposto, foi possível averiguar que o Direito Cambiário é ramo extremamente importante do Direito Comercial, atualmente chamado de Empresarial, tendo em vista que os títulos de crédito promovem a mobilização e a circulação de riquezas.

A economia hodierna é essencialmente creditícia, pelo fato de tais títulos serem aptos a dotar de segurança jurídica e facilidade a transmissão dos direitos neles contidos.

Entrementes, com o avanço dos meios tecnológicos, o Direito Cambiário se viu obrigado a adaptar princípios clássicos, em especial o da cartularidade, a fim de atender a demanda dos novos tempos que culminou na criação dos títulos escriturais.

Dentre esses títulos escriturais, mereceu destaque o Certificado de Recebíveis Imobiliários, cuja emissão é feita em meio a uma operação de financiamento de bens imóveis, com a constituição de crédito em benefício do agente financiador, devendo a sua emissão corresponder à proporção de direitos creditícios adquiridos.

Com o crescente déficit habitacional e a ineficiência das atuais políticas habitacionais, sustentou-se que os créditos imobiliários e os subsídios advindos do Governo são os únicos mecanismos capazes de resolver o problema.

Evidenciou-se necessário o desenvolvimento de políticas habitacionais adequadas à realidade social do Brasil e voltadas para atração de investidores particulares, em particular com o incentivo à emissão dos CRIs, como componente indispensável a uma política de estratégica de desenvolvimento econômico e social para o país.


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SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Direito à Moradia e de Habitação: Análise comparativa e suas implicações teóricas e práticas com os direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

 

 

* Débora Catizane de Oliveira; advogada; Pós-Graduações pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC) e Faculdades Integradas de Jacarepaguá (FIJ-RJ); Mestranda pela Faculdade de Direito Milton Campos (FDMC); Currículo Lattes: <http://lattes.cnpq.br/5927185168283908>.

 



[1] SOUZA, Sérgio Iglesias Nunes de. Direito à Moradia e de Habitação: Análise comparativa e suas implicações teóricas e práticas com os direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 27.

[2] ONU. Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948. Paris: Assembleia Geral das Nações Unidas, 1948.

[3] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988 . Brasília: Senado Federal, 1988.

[4] BRASÍLIA. Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000. Altera a redação do artigo 6º da Constituição Federal. Diário Oficial da União. Brasília: Câmara dos Deputados e Senado Federal, 2000.

[5] BRASIL. Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 24 nov. 1997.

[6] BRASIL. Lei nº 4.380, de 21 de agosto de 1964. Institui a correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, o sistema financeiro para aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 11 set. 1964.

[7] RIZZARDO, Arnaldo. Títulos de Crédito: Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. 1. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 4-5.

[8] Idem.

[9] FERNANDES, Jean Carlos. Teoria Contemporânea dos Títulos de Crédito: Imperativos principiológicos sob a ótica das teorias pós-positivistas. 1. ed. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012, p. 10.

[10] BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília, 11 jan. 2002.

[11] RIZZARDO, op. cit., p. 15.

[12] FERNANDES, op. cit., p. 7-8.

[13] FERNANDES, op. cit., p. 40.

[14] RIZZARDO, op. cit., p. 27-28.

[15] FERNANDES, op. cit., p. 52.

[16] RIZZARDO, op. cit., p. 33.

[17] SANTOS, Flauzilino Araújo dos. Condomínios e Incorporações no Registro de Imóveis: Teoria e Prática. 1. ed. São Paulo: Editora Mirante, 2012, p. 322.

[18] ARAGÃO, José Maria. Sistema Financeiro da Habitação: Uma análise sócio-jurídica da gênese, desenvolvimento e crise do sistema. 2. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2001, p. 486.

[19] RIZZARDO, op. cit., p. 316.

[20] ARAGÃO, op. cit., p. 516.

[21] BRASIL. Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 24 nov. 1997.

[22] RIZZARDO, op. cit., p. 317.

[23] SANTOS, op. cit., p. 323.

Como citar e referenciar este artigo:
OLIVEIRA, Débora Catizane de. O Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) como Modalidade de Título Crédito Ligada a Políticas Creditícias. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/empresarial/o-certificado-de-recebiveis-imobiliarios-cri-como-modalidade-de-titulo-credito-ligada-a-politicas-crediticias/ Acesso em: 28 mar. 2024