Solução para Guerra Fiscal do ISS
Ives Gandra da Silva Martins*
A guerra fiscal contaminou os municípios brasileiros. Redução de alíquotas e de base de cálculo tem sido utilizada como instrumento de luta, ainda que de forma flagrantemente inconstitucional.
Hoje, três tipos de municípios reivindicam a arrecadação do ISS. Em primeiro lugar, os municípios onde ocorre a produção dos serviços; em segundo lugar, os municípios onde os serviços são disponibilizados ao tomador dos mesmos e em terceiro lugar os municípios-corsários, promotores da guerra fiscal, os quais reivindicam a receita do ISS, por hospedagem de empresas prestadoras de serviços fictícios.
A guerra fiscal do ISS surgiu a partir da interpretação dada ao termo “local do estabelecimento prestador” dos serviços, tornando-o equivalente a “local de sede da empresa”.
Neste sentido, vários municípios passaram a oferecer alíquotas reduzidas ou redução de base de cálculo para as sociedades, que se “instalassem” em seus respectivos territórios e passassem a lá recolher o ISS.
A disputa pelo ISS fez surgir duas situações. Uma primeira, de manifesta inconstitucionalidade, ocorre no caso dos municípios que, mesmo após a promulgação da Emenda Constitucional 37/02 (que estabeleceu piso de 2% para o ISS), oferecem alíquotas nominais inferiores àquele patamar ou reduzem a base de cálculo, com o fito de atrair contribuintes.
A segunda situação é uma fraude evidente. Empresas passaram a instalar-se “no papel” em tais paraísos fiscais, mantendo neles apenas sede de fachada (uma caixa postal ou um endereço formal).
Mesmo com os esclarecimentos da Lei Complementar 116/03, a guerra fiscal continua a todo vapor. O município de São Paulo, por exemplo, passou a exigir, através da lei 14042/05, que prestadores de serviços que emitam notas fiscais autorizadas por outros municípios se cadastrem e comprovem que seu “estabelecimento prestador” situa-se fora da capital. Caso a comprovação não seja satisfatória, o tomador de serviços torna-se responsável pela retenção na fonte do ISS.
Tal lei vem sendo questionada na Justiça. Independentemente do resultado final, todos sairão perdendo.
As empresas prestadoras, que tiverem ISS retido, poderão ser cobradas novamente no município onde estejam formalmente instaladas. Ademais, os municípios passarão a sofrer de grande insegurança quanto ao recolhimento do ISS.
Inevitavelmente, haverá retaliações.
Em resumo, da forma como a situação do ISS está delineada, os conflitos em breve se tornarão um dos maiores focos de contenciosos tributários do país, com prejuízos evidentes para todos.
A solução para o problema seria seguir a tendência em direção ao princípio do destino, ou seja, considerar-se que o imposto é devido no local do estabelecimento do tomador do serviço (do consumidor). Nesse caso, mesmo que a sede administrativa, ou o endereço formal, de uma empresa prestadora de serviços esteja em outro município, o recolhimento do ISS se daria no município onde ocorre o consumo.
Hoje, a regra é o regime da incidência no estabelecimento prestador e a exceção (art. 3º da L.C. 116) a tributação no destino. Alterar-se-ia o princípio e a regra seria a tributação no destino e a exceção no estabelecimento prestador, com enumeração na lei destas hipóteses de imposição.
Esta medida oferece algumas vantagens.
Primeiramente, eliminaria as dúvidas e incertezas oriundas das diferentes interpretações sobre o local de recolhimento do tributo. Ocorreria normalmente no local do estabelecimento do tomador, onde o serviço tivesse sido concretamente disponibilizado.
Em segundo lugar, permitiria alterar o regime de arrecadação do tributo, tornando a retenção na fonte uma obrigação do tomador do serviço, que o recolheria no município de funcionamento de seu estabelecimento. Tal substituição tributária já ocorre com o imposto de renda, com as contribuições previdenciárias e com o próprio ISS na construção civil.
Em terceiro lugar, tal procedimento simplificaria a legislação, além de automatizar e uniformizar os procedimentos de recolhimento do tributo.
Finalmente, a solução aqui proposta eliminaria a presença dos municípios-corsários e criaria uma situação de maior justiça social, eliminando-se a guerra fiscal e apenas se admitindo hipóteses expressas (numerus clausus) para a incidência na origem. Uma situação aceitável do ponto de vista de equidade e simplificação do sistema.
* Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: www.gandramartins.adv.br
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