Direito do Trabalho

Influência da natureza da relação de emprego sobre a produção de prova no processo trabalhista

Elvis Rossi da Silva

Advogado e Consultor Jurídico. Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela UCDB. Pós Graduado em Direito Tributário pelo IBET – Instituto Brasileiro Estudos Tributários.

RESUMO

O processo, embora ramo autônomo, não deve ser um fim em si mesmo, deve ser instrumento para a garantia dos direitos, instrumento da paz social. A aplicação das normas processuais deve seguir a racionalidade finalística do ordenamento jurídico (mormente os princípios constitucionais e objetivos da república), para a realização prática do direito, para o real acesso à justiça.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Processo. Prova.

INTRODUÇÃO

Até onde se pode considerar que, na processualística, o zelo pelas formas seja garantia, e onde começa a ser uma dogmática prejudicial ao acesso à justiça? Tem a relação de emprego natureza peculiar que exija tratamento mais cuidadoso na aplicação das formulas processuais? Há mecanismos ou normas capazes de direcionar o aplicador da lei num caminho dinâmico sobre o ônus da prova? São questões que necessitam, pela sua consequência prática, de respostas sem, contudo, ferir-se a segurança e o equilíbrio.

1. INFLUÊNCIA NATUREZA DA RELAÇÃO DE EMPREGO E A PRODUÇÃO DE PROVA NO PROCESSO TRABALHISTA

O processo, na seara trabalhista, de há muito deixou de ser tão simples como se quisera quando da composição da CLT na década de quarenta do século passado, mormente com a evolução das relações sociais, da tecnologia, a consequente evolução dos negócios jurídicos, a diversificação dos meios de prestação de trabalho, bem como a crescente e inegável realidade do assessoramento por profissionais do direito nas demandas judiciais; acrescente-se a isso o constantemente empréstimo de elementos externos do Processo Civil para concluir que a complexidade não é pouca.

Não se pode negar que o direito processual (não obstante sua natureza instrumental), ganhara vida própria como ramo do direito e, por isso, não rara vez, traz questões de complexidade que devem ser tratadas com elevado cuidado, mas justamente por isso, é que não se pode olvidar os objetivos do processo.

Eis então onde se encaixa o questório proposto no título. Quando se fala em relação jurídica trabalhista, não se fala unicamente num contrato, quer dizer, não está unicamente consubstanciada na coordenação de vontades das partes a criar uma obrigação, ela traz em si a complexidade de elementos outros que fazem parte dela, de forma que a relação seja complexa; são exemplos mais expressivos os econômicos, psíquicos, sociais (família, sociedade), físicos (a biologia do ser humano) etc.

De tal forma que, ainda que se busque rigor técnico do processo ou mesmo da simplicidade dos atos processuais, não se pode esquecer da instrumentalidade do processo, a fazer valer o direito (ou direitos) materiais (sempre em prol do mundo dos fatos). Desta feita, o processo (e a ciência processual) não pode ser simplório, mas, sendo instrumento da busca da verdade real (pela análise detida da complexidade dos fatos), também não pode ser cegamente dogmático.

Antes, contudo, convêm tecer algumas considerações a respeito da prova, seu ônus e valoração.

Quanto ao ônus da prova, não é pacífico seu conceito. Alguns o definem como: encargo atribuído pela lei às partes; conduta esperada das partes; comportamento necessário à obtenção de efeito; tutela de interesse próprio para atingir um benefício a si mesmo etc.

Certo é, não obstante a variação de conceito na doutrina, que o ônus não pode acarretar um direito à outra parte quando aquele que o tinha não atuou para alcançar o fim que lhe seria favorável. Quer dizer, quem tem um ônus, pode ou não agir par atingir um fim determinado (provar um fato, v.g.), mas se não age (porque ônus não seria dever nem obrigação) não nasce direito para a outra parte da relação processual (aqui não nos referimos à inversão do ônus da prova). Assim, se o autor não prova, não nasce para o réu direito, nem para o autor se o réu não provar.

Necessário ter em mente, contudo, duas coisas sobre a prova: i) quais fatos foram provados e ii) quem é o destinatário da prova. Isto porque não importa quem prova (neste primeiro momento, pois estamos falando da prova em si como ‘objeto’). A prova não se vincula àquele ou só pode ser usada por aquele que a produziu em seu favor. Prova é instrumento ou elemento que tenha aptidão de provar (demonstrar, mostrar a evidência, fazer enxergar) a existência (ou inexistência) de um fato (conceito objetivo), e a certeza de existência do fato no ambiente psíquico do juiz (conceito subjetivo). Quanto ao destinatário das provas, que é o processo, este deve ser instruído com os meios de prova suficientes para demonstrar o que entendem as partes ser sua razão. Só então o magistrado formará, conforme os elementos probantes no processo, sua convicção para julgar.

É sabido que ordinariamente cabe ao autor o ônus de provar o que alega e, ao réu, provar fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Tais ônus, entretanto, ganham maior relevância em se tratando de processo trabalhista.

A assaz dificuldade para o trabalhador provar o alegado não é rara. Aqui se revela importante lembrar que a relação de emprego possui características peculiares que devem ser consideradas. Pela natureza desta relação, é extremamente difícil ao obreiro traduzir sua realidade laboral, vez que não detém domínio não só dos meios de produção e direção da empresa (pelo menos a grande maioria dos trabalhadores), como também dos meios de fiscalização dos fatos praticados na atividade.

Ao trabalhador, no ambiente de trabalho cotidiano, via de regra, restam-lhe mais deveres e obrigações. Não se faz crítica à existência de subordinação em que a atividade econômica/empresarial se arquiteta, mas é fato que o trabalhador não detém em suas mãos elementos práticos para manter um “auto dossiê” que descreva em pormenores sua atividade e os modos e circunstâncias que o envolvam e, nem sempre, encontra outro trabalhador que conhece pormenores de seu trabalho ou de fatos específicos.

Então como ficará o ônus da prova no processo? Como se o observa? Salientamos que a questão também não é pacífica na doutrina. Não obstante, fato é que, onde quer que se o estabeleça na sistemática processual, o devido processo deve ser respeitado.

Não é descabido dizer que o ônus da prova pode ser tanto regra de juízo quanto regra de forma (instrução), contudo, melhor ser na fase instrutória.

Sendo regra de juízo, cabe ao magistrado, analisando todos os elementos da realidade, os fatos e suas circunstâncias, inverter o ônus quando do julgamento. Ali o juízo verificará, ante os fatos e as provas, quem deveria ter provado os fatos e, verificando que a parte que deveria ter provado não o fez, volta-se para a outra para verificar sua capacidade de provar e a ele atribui o ônus (a peculiaridade do caso é elemento essencial para a inversão). Damos a guisa de exemplo, a relação de emprego rural. Quem tem o ônus de provar, v.g., as horas extras que fazia ou trabalho noturno é o empregado que as pleiteia, contudo, e se não houver meio de prova que possa lançar mão, por exemplo, outros empregados que estão trabalhando para o réu na fazenda? Quem teria melhores condições de provar que o empregado fazia ou não horas extras no caso? Seria caso de julgar de plano contra aquele que tinha o ônus de provar e dele não se desincumbira formalmente?

Desde já nos parece que não, posto que as peculiaridades das relações de emprego, e ainda, os princípios do direito do trabalho indicam que a solução deve ser outra. Princípios do direito material não podem ser olvidados no processo, como da proteção, primazia da realidade, razoabilidade e, no processo ainda vige o princípio da finalidade, ademais, não se pode esquecer-se dos princípios constitucionais da dignidade humana, valor social do trabalho, justiça, solidariedade e acesso efetivo à justiça que, em razão das peculiaridades e complexidade da relação de emprego, impõem a inversão do ônus da prova (regra de juízo ou de instrução).

Outrossim, diga-se de passagem, que o CPC que está para entrar em vigor, no caput do artigo, 357, quando estabelece o ônus das partes, expressamente ressalva poderes ao juiz de “definir a distribuição do ônus da prova”, estabelecendo a possibilidade da inversão do ônus da prova quando o juízo entender ser o caso. E mais, o artigo 373, do diploma referido, define os requisitos da (re)distribuição do ônus da prova, quais sejam:

i) observar as peculiaridades da causa;

ii) caso de impossibilidade ou de excessiva dificuldade de cumprir o ônus;

iii) quando for causa de maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário por uma das partes;

iv) fundamentação da decisão;

v) dar oportunidade à parte de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído;

vi) não recair sobre direito indisponível da parte ou que torne excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito;

vii) não pode gerar situação de que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

Assim, desde já, nos posicionamos quando à aplicabilidade das referidas normas do novel diploma processual civil aos processos trabalhistas.

Desta forma, quem não prova, assume os riscos de, consequentemente, ter uma decisão desfavorável a si. Contudo, tal critério deve ser sopesado quando em processo trabalhista em vista da própria natureza da relação, como comentamos alhures, devendo a inversão do ônus da prova não ser meramente regra de juízo, mas instrução de também, já que o contraditório se manterá no procedimento.

Ademais, em vista da maior possibilidade real de o empregador desvencilhar-se de tal ônus, mesmo se proceder como regra de juízo, a valoração da prova será questão da crítica da prova produzida quanto ao seu conteúdo (conceito subjetivo da prova), no ambiente psíquico do julgador.

Cremos que é com este norte que a prova e seu ônus, no processo do trabalho, deve ser tratada. Caso assim não seja, haverá uma indevida inversão do ônus da prova já operando pela desatenção das peculiaridades do caso, ‘despercebida’, e em favor daquele que detém maiores condições de provar, restando ao trabalhador, muitas vezes, verdadeira barreira intransponível.

Por fim, a técnica e os princípios não devem ser grilhões, não devem ser, do formalismo, dogmas destruidores, mas devem ser libertadores dos grilhões dos excessos criados pela processualística, devem ser garantias lógicas reais, libertando o processo de ser um fim teratológico em si mesmo para, enfim, ser garantia dos direitos. O processo não deve ser panaceia de estratagemas tecnicistas nefandos que impedem a realização pratica do direito, mas instrumento de real acesso à justiça.

Bibliografia

Dinamarco, Cândido Rangel;  Nova Era do Processo Civil. Malheiros. 2003.

Fux, Luiz; Curso de direito processual civil. 3ª edição. Forense. 2005.

Junior, Humberto Theodoro; Curso de direito processual civil. VOL.I. 26º edição. Forense. 1999.

Junior, Nelson Nery; Rosa Maria de Andrade Nery; Código de processo civil comentado. 10º edição. RT. 2007.

Macedo, Elaine Harzheim. Organizadora. Comentários ao Projeto de lei 8.046/2010. EdiPUC Rio Grande do Sul. 2012.

Marinoni, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. 3ª edição. Revista dos Tribunais. 2009.

Martins Filho, Ives Gandra da Silva; Manual Esquematico de Direito e Processo do Trabalho. Saraiva. 10ª edição. 2002.

 Martins, Alberto; Manual didático de direito processual do trabalho. 3ª edição. Malheiros. 2006.

Martins, Sergio Pinto; Direito Processual Do Trabalho. 25ª edição. Atlas. 2006.

Pego, Rafael Forest; A inversão do ônus da prova no direito processual do trabalho. Livraria do Advogado Editora. 2009.

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Elvis Rossi da. Influência da natureza da relação de emprego sobre a produção de prova no processo trabalhista. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2016. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-trabalho/influencia-da-natureza-da-relacao-de-emprego-sobre-a-producao-de-prova-no-processo-trabalhista/ Acesso em: 19 abr. 2024