Direito Internacional

A Crise da União Européia

16/07/2011

Tenho escrito reiteradas vezes que a crise econômica atual é reflexo do fracasso político da social-democracia, força que ganhou musculatura desde o
final da II Guerra e é o modelo político imperante em quase todo o mundo, exceto China e Cuba, comunistas (esqueço algum dinossauro?). A
social-democracia é a tentativa contraditória de implantar igualdade econômica e política, ao preço da supressão da lei da escassez, o sonho socialista
desde sempre. Sonho impossível, posto que essa fórmula mágica não é conhecida e não sobrou remédio que não os países adotarem a economia keynesiana
como instrumento, o que equivale a implantar o truque mefistofélico tão belamente cantado por Goethe no magnífico poema Fausto, no começo do século
XIX. A prosperidade inflacionária pode ser obtida, sim, por certo tempo, mas seu preço é caro. Depois da alegria do pileque embriagador vem sempre a
desagradável ressaca e a respectiva dor de cabeça.

Emitir moeda em profusão é tomar pinga na boca da garrafa. É o que estamos a ver na União Européia, e não apenas; nos EUA também, que seguiram por
outras formas a mesma fórmula.

Aproveito dois artigos publicados na página Três da Folha de São Paulo hoje para comentar o assunto. A Folha propôs a pergunta: A crise dos países
europeus ameaça a zona do euro? Mario Ramos Ribeiro disse “Sim” como resposta, enquanto Roberto Luis Troster disse “Não”. Ao ler ambos os artigos
fiquei com a sensação de que os economistas escaparam ao tema central da questão e suas repostas, aparentemente contraditórias, na verdade convergiram
no essencial.

A questão central não respondida é que o modelo social-democrata inerente à zona do euro faliu. Não é possível ter um Estado tão agigantado e pagante
de contas para as quais não tem recursos e nunca os terá, ainda que eleve a tributação aos céus. A social democracia vende aos eleitores a idéia de
bem-estar social como sinônimo de enriquecimento fácil e ócio gracioso: acesso a serviços caros e sofisticados por toda a gente, sem a responsabilidade
de trabalhar para obtê-los. Pior: o Estado quis bancar um sistema irracional de aposentadorias sem um custeio prévio consistente. Claro que déficits
viriam a seu tempo e a bancarrota pública está evidente pela situação de países como Grécia, Portugal e Itália. Do outro lado do Atlântico, os EUA
debatem-se no afogamento inflacionário sem precedentes (no momento Obama precisa de autorização do Congresso para aumentar a dívida ainda mais e os
republicanos, que controlam a Casa, não parecem dispostos a ceder sem um profundo corte nos gastos públicos, que decretaria o fim da social-democracia
norte-americana). O festim de gastos públicos no bem-estar social (locução mal emprega, slogan publicitário enganador, eleitoral) levou à explosão da
dívida pública e da emissão de moeda, à inflação.

Roberto Luis Troste, embora tenha dito “Não”, argumentou o óbvio: “Faltam também recursos e autoridade para atuar de forma contundente quando
aparecerem dificuldades”. Reparem na palavra autoridade, voltarei a ela. Se faltam recursos, obviamente há uma ameaça imediata à zona do euro. O autor
não se apercebeu da contradição com que argumentou, negando sua negativa. E, como a se sustentar numa escora sonambúlica, completou: “O projeto do euro
é um projeto ganhador: há mais países interessados em fazer parte dele e as cotações da moeda corroboram sua força. A integração do continente avança,
mas ainda é fraca”. Falso argumento porque não era essa a questão. O critério não é saber se outros governos tolos querem, ou não, entrar no festim
inflacionário. É saber se o sistema se sustenta.

Sob a palavra “autoridade” vejo que Troster enxerga a solução tecnocrática de um governo central tirânico, que possa ditar a todos suas regras de
gastos. Nem sei se tem consciência disso, mas o suposto de sua defesa da moeda comum é a tirania, com a abolição das autonomias nacionais. Em suma, o
governo mundial sobreposto a todas as instâncias locais. O pesadelo de todos aqueles que lutam e perseveram pelas liberdades individuais.

O “Sim” de Mario Ramos Ribeiro é mais consistente e mais lógico, embora convirja com Troster para a saída tecnocrática e tirânica. Começa o artigo com
uma pergunta muito pertinente: “Quanto tempo pode resistir uma união monetária sem a ocorrência conjunta de uma união fiscal? Ou, mais ainda, sem uma
união política?” O autor colocou o dedo na ferida: a união monetária carrega consigo o germe do Estado totalitário, que poderá exigir o fim dos Estados
nacionais e a respectiva supressão das liberdades individuais.

Em seguida, Mário Ribeiro Ramos argumento, de forma assaz equivocada: “Crises financeiras são epifenômenos. Estão apenas na superfície de uma doença
mais profunda e ainda não declarada. O fenômeno, que é a própria patologia, é a ‘crise de governança’.” Claro que crises financeiras não são meros
epifenômenos, são a crise em si. Mas Ribeiro Ramos afirma essa bobagem porque julga, como bom tecnocrata que é, que tem a chave para a superação dos
problemas monetários. E qual é a chave? Claro, a tirania. Dê a Bruxelas o poder de dizer a cada país, e até mesmo a cada europeu, o que pode e o que
não pode gastar, o quantum e em que, e aí a crise monetária tornar-se-ia mero epifenômeno. É a crença de Milton Friedman e de Keynes de que a
humanidade conhece as leis monetárias últimas, bastando, para administrá-las, que se dê aos tecnocratas o poder total sobre a vida das pessoas e se
transforme toda gente em escravos de um tirano mundial.

Mario Ramos Ribeiro é tão ingênuo em sua crença tecnocrático-totalitária que escreveu, sem qualquer pudor: “Governança na zona do euro requer regras do
jogo bem definidas, exige um mapa contratual em que as responsabilidades e a segregação de atribuições sejam acordadas de modo supranacional, mas que
não abafem o ethos nacional de cada país-membro e que, assim, possam ser razoavelmente factíveis.Governança requer instituições comuns.” Governança,
nesses termos, requer apenas a tirania, nada mais. O fim das liberdades.

O que esses dois não viram é que é preciso seguir o caminho contrário ao da social-democracia: redução do Estado, deixar o cidadão cuidar da sua
própria vida, de sua sobrevivência, de sua aposentadoria, de sua saúde. Não é preciso burocratas para gerir a vida prática. Essa mentira política é a
raiz da crise. Ela precisa ser desmascarada, do contrário a tese de que só a tirania é que poderá superá-las pode prevalecer. Deus nos livre e guarde
dessa maldição, que é a mesma pensada por Hitler e Lênin.

* José Nivaldo Cordeiro, Executivo, nascido no Ceará. Reside atualmente em São Paulo. Declaradamente liberal, é um respeitado crítico das idéias
coletivistas. É um dos mais relevantes articulistas nacionais do momento, escrevendo artigos diários para diversos jornais e sites nacionais. É Diretor
da ANL – Associação Nacional de Livrarias.

Como citar e referenciar este artigo:
CORDEIRO, José Nivaldo. A Crise da União Européia. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-internacional/a-crise-da-uniao-europeia/ Acesso em: 25 abr. 2024