Direito do Consumidor

Breves considerações sobre direito de informação e vulnerabilidade em matéria consumerista e o não pagamento de seguros-promessas precisam ser cumpridas

João Fernando Vieira da Silva[1]

A disparidade entre fornecedores e prestadores de serviços pertencentes a fortes conglomerados financeiros e o consumidor resta gritante.

A existência do Código de Defesa do Consumidor, consubstanciado na Lei 8078-90, e de uma principiologia emancipadora no CC, com previsões como a boa-fé objetiva e a função social dos contratos, não se dá ao acaso. O mais fraco precisa ter seus direitos tutelados. Lembremos aqui um velho axioma jurídico de Lacordaire: “Entre os fortes e fracos, entre ricos e pobres, entre senhor e servo é a liberdade que oprime e a lei que liberta”.

Tais ponderações se fazem necessárias para servir como intróito do tema a ser tratado, qual seja, os contratos de seguro e o direito à informação.

Vai comprar um cruzeiro dos sonhos para o Caribe? Há a oferta de seguro. Vai adquirir passagem aérea? Há a oferta de um seguro. Vai comprar um novo aparelho celular? Sim, há oferta de seguro. Em verdade, há oferta de seguro para tudo que se deseja adquirir. Sabe como é, a vida é perecível e danos podem ocorrer a qualquer instante…

Estamos, sempre, a fazer contratações e contratações. E tais contratações vem, invariavelmente, acompanhadas de ofertas de “seguros”, sendo entregue ao consumidor que, a priori, só busca a aquisição de um bem ou serviço, apólices genéricas, com poucas informações e a promessa, vaga, de que, em caso de infortúnio, será pago o seguro contratado.

Com seguros ofertados a preços convidativos e vendedores possuidores de bom mecanismos de persuasão, a irrefletida aquisição de tais seguros pode se revelar um dantesco problema. A pergunta é: o “seguro” irá, realmente, cobrir a promessa feita ao segurado ou o segurado “não compreendeu bem” o que lhe foi ofertado e não sabe das “restrições de cobertura”?

Seguros devem ser acompanhados de entrega das condições gerais do seguro e dos regulamentos que norteiam tais ofertas, ou seja, estipulações contratuais mais analíticas, precisas, extensas.

Tais documentos realmente são entregues ou disponibilizados aos contratantes?

O consumidor é fartamente alertado do que está contratando e das condições a serem cobertas pelo seguro?

Não, não há informação segura de que os consumidores sempre recebem, logo no início da contratação, todas as informações necessárias sobre a contratação realizada.

Muitas vezes as seguradoras que participam de tais contratações, consorciadas com os entes que realizam a venda de produtos e serviços, são, em verdade, lacunosas e rasas na prestação de informações, se exonerando, indevidamente, do dever de prestar, com facilidade e rapidez, todas as informações da contratação. 

As pessoas contratam com base nas informações que recebem de um produto ou serviço. Uma informação omitida ou com dados burocráticos extensos que inclusive que desestimulem o consumidor a buscar tal informação não é assim lançada inadvertidamente. Há, em nosso aviso, em muitos casos, a intenção de omissão dolosa, tudo com o escopo de evitar que o consumidor, tendo acesso a informações completas do produto ou serviço, se exime de finalizar a contratação. Vender facilidades é muito cômodo. O problema está nos detalhes…

Um dos princípios que norteia as relações consumeristas é o da educação e informação, que leva em conta estarmos em uma sociedade carente de uma sistema educacional adequado.

O CDC assim trata o tema:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995).

(….)        IV – educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo.

Lembremos que vivemos sob a égide de um constitucionalismo democrático, uma Constituição dotada de força normativa, uma legislação infraconstitucional que deve efetivar a cidadania, o pluralismo, a dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais e a necessidade de que cada norma passe por mecanismo rígido de filtragem constitucional, tudo para que seja garantida a efetividade da Carta Constitucional.

A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, também denominada de privada ou externa, diz que tais direitos se aplicam nas relações entre particulares. Tudo isto é objeto de cogitação para dizermos que o tema em voga, para além do CDC, também exige leitura constitucionalista, fulcrada na teoria da eficácia direta ou imediata, que prevê que os direitos fundamentais podem ser aplicados em relações privadas sem a necessidade de intermediação legislativa para sua aplicação. Tal teoria vem sendo  adotada, com louvor, pelo STF.

Decorrência clara da boa-fé objetiva é o direito de informação adequado, com ofertas claras, sem margem de dúvidas, em linguagem simples, compreensível, e sem omissão de dados. A publicidade dos produtos deve ser verídica, sem omitir nenhum dado relevante no momento de decisão do consumidor de realizar ou não uma contratação.

Diz o CDC, no artigo sexto:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(…)II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

       III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012)

       IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços.

Recorrendo novamente a ditames inerentes à boa-fé objetiva, tal máxima principiológica está atrelada a deveres laterais, anexos ou secundários, tais como a cooperação, a proteção e a informação.

Bruno Miragem, ao falar do dever de informar, ressalta o seguinte:

“Não basta oferecer informações sobre o conteúdo, qualidades, características, modo de utilização do produto ou serviço, se tais informações não forem inteligíveis. De fato estamos nos referindo aqui a um dever de informação qualificado, uma vez que não exige simplesmente o cumprimento formal do oferecimento das informações, senão o dever substancial de que estas sejam efetivamente compreendidas pelo consumidor” (MIRAGEM, Bruno. p. 77).

Já Paulo Luiz Netto Lôbo, ao tecer comentários sobre o direito à informação, expõe que a mesma deve conter os requisitos da adequação, suficiência e veracidade. Falando da suficiência, diz que a informação deve ter completude e integralidade, e chega a dizer que a publicidade não verdadeira, ou parcialmente verdadeira, é considerada enganosa (LÔBO, Paulo Luiz Netto. pp. 605-608).

Expostas elucubrações sobre direito de informação, vamos enfatizar outro ponto crucial na compreensão do problema aqui tratado: a vulnerabilidade do consumidor. A contratação irrazoável de seguros sem as informações completas do que está sendo ofertado é fruto inefável de vulnerabilidade.

Há quatro espécies de vulnerabilidade:

·         Vulnerabilidade técnica;

·         Vulnerabilidade jurídica ou científica;

·         Vulnerabilidade fática ou socioeconômica;

·         Vulnerabilidade informacional.

A vulnerabilidade técnica, em resumo, mostra que o consumidor é frágil nos conhecimentos técnicos do produto ou serviço (BOLZANI, Fabrício: pp. 205).

Existe também a vulnerabilidade fática e socioeconômica, que exalta a fragilidade do consumidor no aspecto econômico e em demais situações fáticas. Por fim, cabe falar em vulnerabilidade informacional, ou seja, o consumidor é frágil em relação às informações veiculadas do produto ou serviço. Mesmo a vulnerabilidade jurídica ou científica, antes inadmitida em casos de contratações por profissionais e pessoas jurídicas, presumivelmente não frágeis, vem sendo esmaecida, considerando-se o avanço da ciência e a fragmentação em vários ramos do saber do Direito, sendo impossível a um profissional deste ofício conhecer todas as minúcias de cada disciplina jurídica (BOLZANI, Fabrício, op.cit. p. 204-206).

O objetivo aqui é deixar claro que a seguradora possui staff de profissionais, técnicos, conhecedores de legislação, aspectos de atuação, marketing, venda, gestão, logística e recursos econômicos que deixam, quase sempre, consumidores em situação inferiorizada, de maneira que a contratação deve estar cercada de um arsenal de informações e dados que deixe o consumidor bem ciente de com quem e o que está contratando, com exposição clara de todas as vedações e limitações nos produtos ou serviços contratados.

Não nos cabe aqui, sem informações específicas, pensar sempre no consumidor como um ser despido de moralidade e sempre querendo aplicar golpes em fornecedores e prestadores de serviço. Não que isto não aconteça. É lamentável, mas vivemos uma crise ética profunda, um mundo no qual as pessoas, cada vez mais, ao não saberem qual são seus valores e princípios, desconhecem o sentido da vida, qual o ponto de partida e qual o ponto de chegada. Sim, alguns consumidores, de forma localizada, lesam empresas com excessos, assim como algumas empresas, também de forma localizada e pontual (não trabalhemos com generalizações indevidas), lesam consumidores, levando em conta a vulnerabilidade dos mesmos para imputar, sem regras inteligíveis, seus serviços e produtos.

O panorama aqui narrado deve revelar uma exegese favorável ao consumidor. Vamos encerrar nossas digressões pensando o seguinte: e se houver dúvidas quanto à prestação ou não de informações completas dos seguros que contratamos? Ainda que restem dúvidas sobre alguns dos aspectos acima dissertados, lembremos que, se a seguradora não trouxer provas hábeis para confirmar, com certeza, o inequívoco aviso ao consumidor de todos os termos e dizeres da contratação, vigora um princípio específico dos contratos de consumo, qual seja, o da interpretação mais favorável ao consumidor. No CDC, o tema é tratado da seguinte forma:

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Art. 47. As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

           

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOLZANI, Fabrício: Direito do consumidor esquematizado. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2014. 

LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Doutrinas Essenciais, volume III

MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor.2 ed. São Paulo: RT, 2010.



[1] Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC- Rio; Especialista em Direito Civil pela UNIPAC- MG; Professor do Curso de Direito da Rede Doctum- unidade Leopoldina- MG; Advogado; Juiz Leigo do Juizado Especial Cível de Cataguases- MG.

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, João Fernando Vieira da. Breves considerações sobre direito de informação e vulnerabilidade em matéria consumerista e o não pagamento de seguros-promessas precisam ser cumpridas. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-consumidor/breves-consideracoes-sobre-direito-de-informacao-e-vulnerabilidade-em-materia-consumerista-e-o-nao-pagamento-de-seguros-promessas-precisam-ser-cumpridas/ Acesso em: 18 abr. 2024