Direito do Consumidor

Falar com máquinas


Detesto falar com máquinas. Se para fazer uma
compra eu tiver de optar entre uma empresa, onde uma gravação me atenda, e
outra empresa, onde uma voz humana me fale, não titubeio em escolher a empresa
que me possibilite falar com gente, com pessoas.

Dia disses o abuso de colocar máquinas no meu
caminho chegou às raias do insuportável.

Eu estava num dia de suma paciência. Se estivesse
num desses dias zangados, que todos nós temos, teria desistido na metade do trajeto.

Discado o número correto, a máquina relaciona, numa
pormenorização interminável, os ramais disponíveis para as diversas espécies de
atendimento. Teclo o número do ramal que me competia.

A máquina continua falando, dando-me sucessivas
ordens e orientações, naquele tom monocórdio das máquinas. Depois de vários
minutos de desagradável ausência de uma verdadeira comunicação, a máquina
“educadamente” agradece, coloca-se à disposição para futuras demandas, diz da
satisfação da empresa em me ter como cliente e anuncia que eu seria atendido
por quem de direito.

Então, surpreendentemente, uma voz feminina real
coloca-se do outro lado da linha e com toda gentileza pergunta em que eu
poderia ser servido.

As primeiras palavras que trocamos deixou
absolutamente claro que eu falava com uma distintíssima funcionária. Por mais
que se aperfeiçoe a tecnologia, a máquina não tem capacidade de responder a
perguntas ou colocações imprevistas. O inusitado da situação colocou nos meus
lábios frases inesperadas e o diálogo principiou.

Fui logo perguntando à moça o seu nome. Ela talvez
tenha estranhado a indagação mas com delicadeza atendeu meu pedido. E eu então
prossegui:

“Ora, ora, Isabel, que alegria estar conversando
com você. Até agora eu estava sendo atendido por máquinas. Finalmente, uma
pessoa conversa comigo.

Eu precisava de uma informação. Mas eu estou tão
feliz de estar conversando com você que não gostaria de perder este precioso
tempo fazendo perguntas banais. A informação fica para outro dia, ou eu vou
pessoalmente à empresa solucionar o problema que me aflige.”

Ela achou graça do que falei, testemunhando sua
surpresa com um riso natural, espontâneo e gostoso, atrás do qual adivinhei o
sorriso que esboçara. Percebi que ela se alegrava naquele instante. O
interlocutor daquela hora quebrara a monotonia dos atendimentos automáticos a
que os seres humanos são submetidos na desumana economia de mercado.

Ciosa, entretanto, das rigorosas regras vigentes,
pretendeu finalizar a conversa com uma frase feita, dizendo que a empresa tinha
tido muita satisfação em me atender.

Polidamente discordei, antes de desligar.

Não aceito, Isabel, o agradecimento da empresa
porque a empresa não é ninguém. Aceito seu agradecimento e vou escrever um
artigo no jornal para expressar quanto eu detesto falar com máquinas e quanto
eu amo conversar com gente.

João Baptista Herkenhoff, 74 anos, Juiz de Direito
(aposentado), Professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor.
Autor do livro Mulheres no banco dos réus – o universo feminino sob o olhar de
um juiz (Editora Forense, Rio). E-mail: jbherkenhoff@uol.com.br Homepage: www.jbherkenhoff.com.br

Como citar e referenciar este artigo:
HERKENHOFF, João Baptista. Falar com máquinas. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-do-consumidor/falar-com-maquinas/ Acesso em: 29 mar. 2024