Direito de Família

Direito de Família: Um enfoque psico-jurídico

Letícia Silva Serra[1]

Maria Carolina Sousa Mello[2]

Maria Vitória de Araújo Soares[3]

RESUMO

Este presente trabalho tem como objetivo analisar os processos psico-jurídicos do divórcio, da paternidade socioafetiva, da guarda e adoção. Foram utilizados diversos estudos para embasar o artigo, tal como o Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito de Jorge Trindade, em que seus conhecimentos psíquicos e jurisdicionais foram essenciais para alicerçar este trabalho. Evidencia-se que os filhos são os maiores atingidos dos processos estudados, uma vez em que na maioria é o próprio objeto, sendo assim, lógico sofrerem maiores impactos. Como é um artigo que trata de assuntos pertinentes à realidade da sociedade contemporânea, possui contribuição direta à psicologia jurídica.

Palavras-chave: Processo Jurídico. Processo Psicológico. Divórcio. Paternidade Socioafetiva. Guarda e adoção. Abandono afetivo.

Sumário: 1. Introdução; 2. O divórcio dos pais e os efeitos sobre os filhos; 3. Parentalidade socioafetiva; 4. Guarda; 5. Adoção; 6. Conclusão.

1 INTRODUÇÃO

O atual modelo da família brasileira é construído tendo como base o afeto e a solidariedade, e deve prezar sempre pela dignidade da pessoa humana. Quando há interesse de menor, este deve ser colocado acima do interesse dos pais, pois a Constituição da República em seu artigo 227 determina ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la à salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente veio reforçar o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, de modo que todas as decisões da esfera familiar, que envolvam interesse de menor, sejam tomadas de modo a não causar nenhum prejuízo a estes e a lhes garantir o desenvolvimento físico e emocional saudável.

Na família não deve mais existir subordinação entre os seus integrantes, mas sim respeito mútuo. E ainda que findado o casamento civil ou a união estável, a criança não deve deixar de ser amparada por nenhum de seus pais, e nem deve ser usada como instrumento de vingança. A guarda deve ser definida de forma que a criança tenha contato com ambos os pais e não sofra muitos impactos emocionais com a possível mudança de sua estrutura familiar e rotina.

Quando a família deixa de cumprir o que foi estabelecido no artigo 227 da Constituição Federal, tem-se o abandono afetivo e com ele surge também o dano moral que deve ser reparado.

Por fim, o presente artigo, tratará da adoção, que atualmente também não é tida somente como uma forma de amenizar o sofrimento e a carência emocional de pais estéreis, mas como um ato de solidariedade ao dar à criança a oportunidade de recriar laços afetivos e de ter uma nova família.

2 O DIVÓRCIO DOS PAIS E OS EFEITOS SOBRE OS FILHOS

A família, no amplo entendimento do senso comum, é vista como uma instituição incumbida de dar educação para os filhos, tanto no sentido pedagógico, como cultural e comportamental. Possui o papel de protagonista na vida de um indivíduo, pois é nela que há o primeiro contato de socialização da criança e que os valores morais e éticos são passados para o desenvolvimento da pessoa.

Quando, por motivos adversos, a família começa a se esfacelar e resulta no divórcio – rompimento conjugal –, os maiores prejudicados são os filhos, apesar de ser um fenômeno doloroso para todos que estão envolvidos. Principalmente quando é criança ou jovem entrando na fase da adolescência, momentos em que o ser humano é mais vulnerável e possui, geralmente, menor grau de maturidade para entender a situação.

2.1 O DIVÓRCIO COMO PROCESSO PSICOJURÍDICO

Para Trindade[4], o divórcio no mundo forense é um processo jurídico que tem por objetivo pôr fim a sociedade conjugal e fazer a dissolução do casamento. Como todo litígio levado ao Judiciário, é necessário ter um juiz para dar a solução ao caso por meio de sentença. Por ter como personagem principal a família, faz-se necessário a presença do Ministério Público, que tem como tarefa a fiscalização da lei e desempenha papel de guardião de sua fiel execução, assim como defensor dos direitos considerados indisponíveis.

Neste mesmo sentido, o autor entende que a separação de fato e o divórcio desenvolvem um processo psicológico ligado aos sentimentos, pensamentos e comportamentos que estas duas situações trazem a vida de quem está diretamente envolvido. Cada ser humano possui suas particularidades, estas são trazidas à tona neste cenário, seja relacionado ao modo de conviver, solucionar e/ou superar o litígio.

Os processos jurídicos e psicológicos relacionados ao divórcio se mostram correlatos, implicando que tanto os operadores do direito como profissionais da psicologia devem analisá-los concomitantemente para encontrar a melhor saída para o litígio, evitando maiores lesões a quem é atingido pelo divórcio.

Nota-se o início da separação no processo psicológico ao ser estabelecida uma crise conjugal entre os companheiros e, para eles, a única saída é o fim do casamento por ruptura judicial. As partes se conflitam, pois cada uma vê o cônjuge ou ex-cônjuge como inimigo e ao estender esse sentimento de “guerra” ao filhos, a crise que inicialmente era conjugal torna-se familiar.

De mesmo modo, o conflito processual jurídico apresenta uma das partes imputando a outras atitudes falhas, desqualificando-a para cuidar do filho e ao mesmo tempo busca meios de mostrar que é um pai/mãe melhor do que o outro, possível, assim, identificar os dois processos – jurídicos e psicológicos – se encontrando.

Quando o juiz dá a sentença, deve estudar todos os fatos, contudo a análise destes é feita pelo que foi apresentado ao magistrado, muitas vezes distorcidos e viciados. É o caso da síndrome de alienação parental, quando um dos parceiros não consegue lidar com o fim do relacionamento, sentimento de rejeição e utiliza o(s) filho(s) como instrumento de vingança. Adotam uma campanha de desmoralização, incitam o ódio da criança para com o outro genitor e em casos extremos plantam falsas memórias – sempre ruins – para afastar ainda mais o genitor alienado do filho.

Howard Garner conceitua a Síndrome de Alienação Parental:

“A síndrome da alienação parental é um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a “lavagem cerebral, programação, doutrinação”) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação da Síndrome da Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável”[5]

A Síndrome de Alienação Parental (SAP) tem seu surgimento, principalmente, após o fim do relacionamento conjugal e na disputa de guarda pelos filhos. Nota-se que a criança sofre muito em razão do conflito e por ser abruptamente afastada de um dos seus genitores, porque o relacionamento dos pais não deu certo. Uma situação que sensibiliza o psicológico em virtude de processo judicial e comportamento inadequado dos pais.

A psicologia jurídica nessas situações é de fundamental importância, uma vez que será aplicada para o melhor exercício do direito. Apesar disso, é vista com desconfiança no meio jurídico, por isso Trindade[6] discorre que as intervenções psicológicas devem ser cientificamente embasadas, objetivas, claras e regidas por critério bioético, buscando o bem-estar geral e em especial o melhor interesse da criança, a mais vulnerável nesse processo de separação psicojurídico.

Estudos realizados na UC BERKELEY[7] (Universidade da Califórnia em Berkeley) mostram que os efeitos traumáticos do divórcio afetam os filhos por décadas após a separação. Ao vivenciaram a ruptura judicial e amorosa dos pais, teriam mais dificuldades ao formar a própria família. Pesquisadora da Universidade afirma “nossas descobertas desafiam o mito de que o divórcio é uma crise transitória”[8].

Neste estudo foi constatado que diversas atitudes dos filhos de pais divorciados são reflexos de como ocorreu a tramitação do processo psicojurídico do divórcio e os danos possuem longa duração. Na juventude foi observado que filhos de pais separados possuíam maior propensão para envolvimento com drogas e na fase adulta que estes se casavam menos em relação às famílias que permaneceram unidas.

Já no estudo “Efeitos do divórcio sobre as crianças”, de Patrick Fagan e Aaron Churchill[9], que é voltado para os efeitos da separação na infância, constatou-se que o divórcio tem efeito negativo sobre a capacidade dos pais de interagir com os filhos. Além disso, foi dito no estudo que “o divórcio perturba a estabilidade psicológica de muitas crianças”, sendo que este impacto psicológico, como também foi dito na pesquisa da Universidade de Berkeley, não é passageiro.

Percebe-se que o divórcio acarreta vários sentimentos na criança como insegurança, tristeza, agressividade e até dificuldades escolares. Estes comportamentos são manifestações de mal-estar psicológico, evidenciando que a separação dos pais tem grande impacto psicológico na vida dos filhos. Para diminuir este abalo, é fundamental que os genitores criem uma atmosfera de segurança e bem-geral com a prole e o acesso ao psicólogo pode facilitar a comunicação entre os dois adultos e os filhos.

A intervenção psicológica quando tange a fase processual jurídica, deve ser, conforme o que Trindade[10] expõe: abordada de maneira adequada, cientificamente embasada, realizada com clareza e regida por critério bioético. Sempre visando o bem-estar geral, mas em especial o dos filhos, uma vez que é substancial preservar o melhor interesse deles. Todo este trabalho psicológico será supervisionado pelas partes do processo.

A psicologia jurídica, no caso do divórcio, tem o intuito de tornar o direito/justiça mais sensível, uma vez que ajuda os genitores e os filhos a lidar com o processo de separação. Também é uma forma de tornar a justiça mais ágil, evitando conflitos e resolvendo o processo por mediação. Tenta sempre acompanhar as mudanças no conceito de família, adaptando-se, deste modo, a realidade social e fazendo com que seja mais fácil a busca de soluções promovendo valores humanos.

3 PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA

A atual concepção familiar é baseada no afeto entre os membros e não mais em questões meramente reprodutivas e/ou econômicas.

Deixando a família de ser concebida estritamente como núcleo econômico e reprodutivo – entidade de produção –, e avançando para uma dimensão sócio afetiva – como expressão de uma unidade de afeto e ajuda mútua–, surgem, naturalmente, novas representações sociais, novos arranjos familiares, isto é, as entidades familiares tornam-se plurais, já que existem em razão do sentimento de afeto dos membros que a constituem. É a busca da dignidade humana, sobrepujando valores meramente patrimoniais, no embate entre o ter o e o ser[11].

A Constituição Federal de 1988, no seu art. 227 primou pelo afeto das relações familiares, passando a ser entendida como um instrumento de realização pessoal do ser humano, de promoção da felicidade das pessoas nela envolvidas, deixando de ser um fim para ser meio.

O estado de filiação que caracteriza o “filho” é dado como aquele que assumiu todos os deveres/obrigações oriundos da paternidade, tornando-se o mais puro elemento exigido para a configuração da relação de parentesco. Passou, assim, a ter força nos Fóruns e Tribunais o brocado popular“pai é aquele que cria”.

Portanto, relativamente a quem cria, convive, educa e forma um ser humano desde a tenra idade, o estado de filiação que passou a dominar é o estado de filiação sócio afetiva, sendo esse tipo de filiação fundada em laços de afeto. São relações nas quais a maternidade ou paternidade biológica perdem valor em frente ao vínculo afetivo criado entre a criança e aquele que cuida dela, que lhe dá amor, educação e participa de suas atividades cotidianas.

Com esse novo estado de filiação, o fator biológico passou a ser menos importante do que o fator do afeto que norteiam as relações familiares. Rolf Madaleno destaca a importância da paternidade sócio afetiva, quando diz:

“A Carta Política de 1988 garante a todos os filhos o direito à paternidade, mas este é o sutil detalhe, pois que se limita ao exame processual e incondicional da verdade biológica sobre a verdade jurídica. Entretanto, adota um comportamento jurídico perigoso, uma vez que dá prevalência à pesquisa da verdade biológica, olvidando-se de ressaltar o papel fundamental da verdade sócio-afetiva, por certo, a mais importante de todas as formas jurídicas de paternidade, pois, seguem como filhos legítimos os que descendem do amor e dos vínculos puros de espontânea afeição e, para esses caracteres a Constituição e a gênese do futuro Código Civil nada apontam, deixando profunda lacuna no roto discurso da igualdade, na medida em que não protegem a filiação por afeto, realmente não exercem a completa igualização”.[12]

Desse modo, o princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade da filiação e o respeito a seus direitos fundamentais, além do forte sentimento de solidariedade recíproca. É o salto à frente da pessoa humana nas relações familiares.

3.1 SENTIDO E IMPORTÂNCIA DA POSSE DE ESTADO DE FILHO

Quando as pessoas desfrutam de uma situação jurídica que não corresponde com a realidade, detêm o que se chama de posse de estado. No caso da posse do estado de filho, as aparências fazem com que todos acreditem existir uma situação real, que não corresponde à verdadeira.

Entende-se a posse de estado de filho como sendo “uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação paterno-filial, em que há o chamamento de filho e a aceitação do chamamento de pai”[13].

Através da posse de estado de filho, pais assumem as funções de educação e de proteção dos filhos, sem que a revelação do fator biológico da filiação seja primordial para que as pessoas aceitem e desempenhe a função de pai e mãe.

A relevância desse instituto se mostra útil quando há o conflito entre a paternidade biológica e a afetiva. A jurisprudência do Rio Grande do Sul vem-se firmando no sentido de que, ocorrendo conflito entre as espécies de paternidade e de acordo com o princípio norteador do melhor interesse da criança, deve-se dar preferência à paternidade sócio afetiva. Entretanto, a legislação pátria ainda não legislou sobre a posse de estado de filho como elemento probatório nos casos de estabelecimento de paternidade.

A posse de estado de filho liga-se à finalidade trazer para o mundo jurídico uma verdade social – a ocorrência de um liame afetivo entre um pai e filho – ainda que entre eles não se tenha estabelecida uma paternidade biológica ou jurídica.

Para que se tenha a caracterização da posse de estado de filho, alguns elementos constitutivos devem estar presentes na relação paterno-filial. São eles: A nominativo, este se caracteriza pelo uso do nome da família do suposto pai por seu pretenso filho, é o elemento menos essencial na caracterização, pois o fato do filho não utilizar o nome não impede que seja determinada a posse de estado de filho; O tractatus (trato), elemento objetivo, é a forma na qual o pai trata o referido filho, como cuida, educa, protege, ampara, sendo essa característica importante no momento da análise do caso; e por fim, a reputatio (fama) que refere-se a exteriorização desse estado da pessoa para o público, isto é, a condição da sociedade conhecer a pessoa como sendo filho daquela. Para que fique caracteriza essa fama, é preciso que as pessoas que convivem com o suposto pai e filho tenham a convicção que ali existe uma relação paterno-filiar.

Além dessas, existem mais três características que devem estar presente para caracterizar a posse de estado de filho, quais sejam: continuidade (duração que enseje estabilidade), publicidade (notoriedade social) e ausência de equívoco.

3.2 PROTEÇÃO DA POSSE DE ESTADO DE FILHO ATRAVÉS DA TEORIA DA APARÊNCIA

A teoria da aparência[14] pode explicar a posse de estado do filho, pois é um elemento constitutivo da realidade exterior. Ela é utilizada em razão da publicidade e notoriedade de um determinado fato que produz efeitos jurídicos.

Essa teoria está ligada ao elemento constitutivo da fama, pois através dela, a sociedade tem como certa vinculação paterno-filial existente, e isso ocorre devido à exteriorização da condição de pai e aceitação de filho. Ou seja, frente a terceiros, torna-se inegável que está diante de um pai e filho, sendo irrelevante se entre eles há alguma descendência genética ou qual o fato que originou a situação.

A aparência na posse de estado de filho tem o condão de dar segurança jurídica, isso em razão de uma aparente relação de paternidade e filiação, no qual a publicidade e o entendimento do público de que aquele caso trata-se de uma relação jurídica paterno-filial, faz crer que tal fama é indispensável em virtude do caráter de seriedade que essa relação aparente ser.

Por conseguinte, a posse de estado só se caracteriza quando da união de dois fatores, que se resume na verdade exterior, que seria, nesse caso, objetiva, em virtude da realidade dos fatos e na verdade interior, que é subjetiva e exprime o sentimento de amor e afeto que uma relação paterno-filial deve ter como base.

Aquele que detém a posse de estado do filho, então, adquire uma situação que não existe em termos de formalização e advém da aparência, de uma publicidade da situação de fato.

3.3 FORMAS DE MANIFESTAÇÃO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

A doutrina brasileira estabelece quatro espécies de filiação socioafetiva:

a) O filho de criação: ocorre quando os pais criam uma pessoa por mera opção, independente do vínculo biológico ou jurídico, estabelecendo uma verdadeira paternidade afetiva demonstrada pela posse de estado de filho.

b) A adoção judicial: disciplinada pela Lei 8.069/90.

c) “A adoção à brasileira”: ocorre quando, a criança, ao nascer, é registrada diretamente em nome dos pais afetivos, como se fossem biológicos, descabendo, em tese, a ulterior pretensão anulatória do registro de nascimento. Quando estiver diante desse tipo de adoção, há de prevalecer a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana e o interesse do filho posto em causa.

d) O reconhecimento voluntário ou judicial: pode ser realizado no registro de nascimento, por escritura pública ou escrito particular, por testamento ou por manifestação direta ou expressa perante o juiz, consoante dispõe o art. 1.609 e seus incisos do Código Civil. Aquele filho que não obtiver o reconhecimento espontaneamente pode adquiri-lo através do reconhecimento por via judicial, por intermédio de ação de investigação de paternidade, de natureza declaratória e imprescritível, conforme disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente.

3.4 POSSE DE FILHO AFETIVO E POSSE DE DIREITOS REAIS

Paternidade socioafetiva evidencia-se pela posse de estado de filho, que é o exercício de fato representado pela aparência de um estado, ao qual se presume sua existência, permitindo que se prove a filiação de afeto, o filho afetivo nessa condição é aceito pela família e pela sociedade como se biológico fosse, não passando a valer somente pós-sentença jurídica, preexiste a ela[15].

Em relação às semelhanças desse instituto com a posse de Direitos Reais, apesar de institutos distintos, que vislumbram outras finalidades e desencadeiam consequências jurídicas diversas, nota-se que em ambos, a posse é uma manifestação exterior que torna visível determinadas qualidades e atributos e serve para conferir um estado que, de outra forma, não haveria possibilidade de ser comprovado.

Assim como a posse nos Direitos Reais é a aparência da propriedade, ou seja, a exteriorização do domínio, a posse de estado de filho é a aparência da relação paterno-filial. A doutrina alista três fundamentos para a existência da posse do estado de filho, próprios para a qualificação de filiação: o nome, o tratamento e a fama. No entanto, majoritariamente se entende que a ausência do elemento nome não desqualifica a filiação, podendo bastar os requisitos tratamento e fama, sendo o tratamento a vontade de tratar a criança como se pai fosse e a fama ou reputação a relação exterior que revela a relação de paternidade ou sua aparência.

A teoria objetiva elaborada por Rudolf Von Ihering, adotada pelo Código Civil, considera que posse é a relação de fato entre a pessoa e a coisa para fim de sua melhor utilização econômica, seja para si ou para outrem. Estabelece o corpus e o animus como elementos essenciais da posse, conceituando-o o corpus como a relação exterior em que há entre o proprietário e a coisa, é a visibilidade do domínio, e o animus como a vontade de proceder como procede habitualmente o proprietário, dispensando-se assim, a intenção de ser dono. Constatando, desde logo, a posse como tutela em favor da propriedade, que contempla um caráter nitidamente patrimonial.

Como elemento díspar entre posse de estado do filho e posse nos Direitos Reais, a vontade ou intenção do titular da posse de estado do filho é grande valia, por ser através disso que se funda a relação paterno-filial – intenção de ser pai – além de configurar um elemento subjetivo necessário e característico na formação dos elos afetivos.

Por uma ou outra disciplina ser portadora de situação jurídica que a comprovação não poderia ser obtida de outro modo, há distinção quanto aos seus principais efeitos jurídicos, a saber, nos direitos reais, a posse pode levar à propriedade, destinando-se a assegurar a proteção possessória e a usucapião – viés notadamente de conteúdo econômico –  e na posse de estado leva a uma situação de paternidade, é a declaração de um direito personalíssimo em relação ao seu próprio titular, se inserindo num ato volitivo, baseado no afeto.

Pode-se abordar como elementos que indicam a posse do estado de filho afetivo a relação mútua e recíproca de afeto, a visibilidade social e a intitulação de filho com a aceitação de denominação de pai.

Posse de estado também exige um mínimo lapso temporal em que deve se manifestar através de atos constantes e repetitivos, para que seus elementos constitutivos de habitualidade e estabilidade se considerem perfeitos, devendo ser pacífica – incontestada e aceita sem restrições por terceiros – e inequívoca – objetivamente notada no meio social –, com vias a se garantir a segurança jurídica na caracterização da posse de estado de filho. A duração é condição de existência e força da posse de estado de filho, sem a duração ela não se configura, uma vez que, é na convivência diária, que ela se constrói e se solidifica, ganhando força com o passar do tempo.[16]

3.5 IRREVOGABILIDADE DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

Paternidade socioafetiva não está expressamente regulada no ordenamento jurídico brasileiro. Seu desenvolvimento se deu no âmbito doutrinário e jurisprudencial, mas pelos princípios exaltados pela Constituição Federal em seus arts. 226, § 7º e 227, §6º, os quais valorizam especialmente os princípios da igualdade entre os filhos e dignidade da pessoa humana; pelo Código Civil nos arts. 1610, 1607 e 1593 em que reconhece a irrevogabilidade do reconhecimento da paternidade, além da construção de outros tipos de entidade familiar; e o Estatuto da Criança e do Adolescente ao proclamar como alicerce nas relações familiares o melhor interesse da criança.

Desta forma, dá-se a constituição da base legal necessária para proteção da criança envolvida na relação paterna consubstanciada no afeto, constituindo a irrevogabilidade da paternidade socioafetiva uma vez configurada, como forma de segurança jurídica – amparo da criança na prestação de alimentos e direito sucessório, de ordem patrimonial – e preservação da afeição mútua construída, a relação de parentesco e pátrio poder – ordem não patrimonial.

O reconhecimento voluntário é o meio jurídico que o pai ou a mãe ou ambos, afirmam espontaneamente o laço afetivo que os liga à criança, lhes sendo concedido o status correlato, conforme dita o art. 1.607 do Código Civil.

Nesse entendimento Paulo Luiz Netto Lôbo[17], avalia:

“O reconhecimento voluntário da paternidade independe de prova da origem genética. É um ato espontâneo, solene, público e incondicional. Como regra o estado de filiação, não pode estar sujeito a termo, sendo descabido o estabelecimento de qualquer condição (CC 1.613). É ato livre, pessoal, irrevogável e de eficácia erga omnes. Não é um negócio jurídico, é um ato jurídico stricto senso. O ato do reconhecimento é irretratável e indisponível, pois gera o estado de filiação. Assim, inadmissível arrependimento. Não pode, ainda, o reconhecimento ser impugnado, a não ser na hipótese de erro ou falsidade de registro. O pai é livre para manifestar sua vontade, mas seus efeitos são os estabelecidos na lei.”

Pelo relato do ilustríssimo autor, depreende-se algumas características do ato de reconhecimento, à exemplo do ato ser personalíssimo, só podendo ser realizado por quem se considera pai da criança independente dos vínculos sanguíneos, provocando efeitos jurídicos desde a data do nascimento do filho. É um ato jurídicostricto sensu, por não haver possibilidade de acordo de vontades, seus efeitos são os previstos na lei, tratando-se assim, de ato formal e unilateral.

Entre as consequências do reconhecimento do filho, cabe mencionar, segundo Maria Helena Diniz[18]:

1- estabelecer liame de parentesco entre o filho e seus pais;

2- dar ao filho reconhecido, que não reside com o genitor que o reconheceu direito à assistência e alimentos;

3- sujeitar o filho, se menor ao poder familiar (art.1616);

4-conceder direito à prestação alimentícia tanto ao genitor que reconhece como ao filho reconhecido (1694);

5-equiparar para efeitos sucessórios, os filhos de qualquer natureza (art.1829, I e II e 1845);

6- autorizar o filho a propor ação de petição de herança.

Ainda nessa mesma obra, Maria Helena Diniz ressalta que o reconhecimento judicial de filho resulta de sentença proferida em ação proposta para esse fim, pelo filho, tendo, caráter pessoal, embora os herdeiros do filho possam continuá-la. Trata-se de direito personalíssimo e indisponível, por isso, a ação é privativa do filho. Os efeitos da sentença que declara a paternidade são os mesmos do reconhecimento voluntário e também ex tunc, retroagindo à data do nascimento e deverá, para tanto, ser averbada no registro competente.

Inclusive o próprio artigo 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente disciplina tal questão ao declarar que o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercido até mesmo contra os genitores e seus herdeiros.

3.6 TEORIA DOS VÍNCULOS OU TEORIA DA REGULAÇÃO DO AFETO OU TEORIA DO APEGO: UMA RELEITURA DOS CUIDADOS MATERNOS À IMPORTÂNCIA DO PAI

Fundamenta-se no investimento emocional dos pais perante o filho, formado pelas repetidas experiências significativas e prazerosas presente no meio que a criança vive, promovendo seu desenvolvimento saudável e seguro, além da construção do elo – apego –  entre os pais e outras pessoas que diariamente convivem e ajudam nos cuidados.

Bowlby disserta que todo ser humano nasce com a propensão em estabelecer fortes vínculos afetivos, mas esta precisa ser estimulada adequadamente para que se concretize, sob pena de prejuízo à formação do ego, autonomia pessoal, sensibilidade às relações interpessoais e aquisições da linguagem e comunicação. O modelo de apego estabelecido com os pais refletirá nas relações que a criança estabelecerá ao longo da vida, demonstrando uma relação causal entre as experiências de um indivíduo com seus pais e a capacidade em estabelecer vínculos afetivos na vida adulta, sendo esta a concepção fundamental da teoria.

Há uma grande influência das relações primárias para o desenvolvimento psicológico saudável da criança, não descartando a relevância da vinculação afetiva essencial em qualquer fase do desenvolvimento humano.

Os pais são dois parceiros relevantes no desenvolvimento da criança, cada um com seu papel a desempenhar no processo de triangulação complementando-se reciprocamente, sem privilegiar a função de um ou de outro, uma vez que a mãe é vital para os cuidados e o pai é indispensável para a socialização, logo, fundamentais ao desenvolvimento físico e psicológico da criança.

Afeto é tanto um amálgama da organização do grupo familiar quanto um fator de constituição do sujeito designado a partir da família e dos papéis socioafetivos que representa; tomou posições constitutivas de direitos e deveres, passando a ecoar entre os sujeitos familiares, abrindo espaço para novas formas de vinculação. O afeto tornou-se elo estruturante da família contemporânea[19]. Flávio Tartuce, afirma que:

“O afeto seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não constando a palavra afeto no Texto Maior como um direito fundamental, podemos dizer que o afeto decorre da valorização constante da dignidade humana.”[20]

A posse de estado de filho oportuniza a revelação da verdadeira paternidade que não se estabelece e nem se funda unicamente em fatores biológicos ou jurídicos, mas, sobretudo no afeto, na proteção e convivência harmônica, modelado pelos sentimentos no seio familiar, em uma realidade digna de tutela.

4 GUARDA

Quando um casal entra em um processo de divórcio, surge uma nova questão que precisa ser solucionada, isto é, a guarda dos filhos. As situações envolvendo a guarda de criança são muito comumente objeto de demandas judiciais, muitas vezes litigiosas. Nesses casos, deve prevalecer o interesse e a proteção integral dos filhos e o juiz, para tal, pode utilizar-se da ajuda de um psicólogo.

Para a doutrinadora Maria Helena Diniz o instituto da guarda pode ser conceituado da seguinte forma:

“A guarda é o conjunto de relações jurídicas existentes entre o genitor e o filho menor, decorrentes do fato de estar este sob o poder e companhia daquele e da responsabilidade daquele relativamente a este, quanto a sua criação, educação e vigilância. A guarda é um poder-dever exercido no interesse do filho menor de obter boa formação moral, social e psicológica, saúde mental e preservação de sua estrutura emocional.”.[21]

A guarda é originalmente e naturalmente imposta aos pais, todavia, quando ocorre a ruptura familiar, a convivência de um dos genitores com o filho fica prejudicada, assim fazendo-se necessário que o casal discipline sobre a guarda do filho, para que se possa determinar qual o melhor arranjo de guarda, atendendo sempre primeiramente aos interesses do menor.

Nesse contexto de divórcio, muitas transformações despontam na estrutura familiar, sendo necessária, em alguns casos, ajuda no sentido de como proceder para que se possa atender aos princípios norteadores nessa matéria: a proteção integral e o melhor interesse da criança.

A guarda advém do poder familiar, ou seja, é a através da guarda que os pais exercem o dever de cuidar, direcionar, vigiar e proteger os interesses e necessidades dos filhos menores, que ainda frágeis não tem capacidade de cuidarem sozinhos. Pode ser tanto unilateral quanto compartilhada.

Mister que se esclareça que a guarda integra o poder-dever familiar, devendo ser considerada como a atribuição de poderes para gerência da vida do menor, adotando as decisões relativas a ele, sempre pautadas pelo atendimento ao melhor interesse da criança.

Nem sempre houve essa preocupação com o que melhor seria para a criança. Até o século XIX, no caso de dissolução do casamento, a guarda era outorgada ao pai, pois presumia-se que este tinha melhores condições para cuidar dos filhos, pensando a situação por um viés econômico.

No Brasil, a mudança de paradigma ocorre com a Carta Política de 1988, ao estabelecer o princípio da prioridade absoluta, segundo o qual os direitos e garantias das crianças e adolescentes teriam prevalência, inclusive impondo diversas condutas ao Estado a fim de consolidar esse princípio.

No contexto atual, as dissoluções de casamento tornaram-se eventos comuns, desfazem-se e refazem-se com frequência, originando novas dinâmicas familiares. Nos casos de dissoluções litigiosas, sentimentos de decepção e frustração podem gerar situações prejudiciais aos filhos.

Com o fito de preservar o melhor interesse da criança, as Cortes de Minnesota e de Michigan criaram alguns critérios que devem guiar a concessão da guarda dos filhos e cabe mencionar alguns:

a)      O amor, a afeição e outros vínculos emocionais existentes entre as partes envolvidas.

b)      A capacidade e disponibilidade das partes envolvidas para dar à criança amor, afeição e orientação continuar a educação e criação no seu credo ou religião, se houver.

c)      A capacidade e disponibilidade das partes envolvidas de dar à criança alimento, vestuário, cuidados médicos ou outros reconhecidos e permitidos segundo as leis.

d)      A saúde física e mental das partes.

Por certo, diversos estudos acerca do melhor interesse da criança trazem alguns pontos que são essenciais para que esse princípio possa ser alcançado. Deve-se observar as necessidades da criança, que envolvem cuidados especiais, emocionais ou físicos; a posição econômica dos pais, entre outros. Todavia, a condição de pobreza de um ou de ambos os pais, por si só, não pode definir quem vai possuir a guarda da criança.

4.1 GUARDA ALTERNADA

Entende-se por guarda alternada a modalidade segundo a qual os genitores detêm a guarda física e legal exclusiva da criança em períodos alternados, estabelecendo-se um acordo que determina o tempo que cada genitor ficará com a criança.

Alguns doutrinadores não são favoráveis a essa modalidade de guarda, pois acreditam que seria prejudicial à criança, devido a alternância da convivência com os genitores, gerando certa instabilidade. Vale dizer que a guarda alternada não encontra previsão específica na legislação em vigência, de modo que, até então, o pedido de sua aplicação conduzia à invariável conclusão de impossibilidade jurídica do pedido. Nesse sentido, cumpre apontar:

” […] é um tipo de guarda que se contrapõe fortemente a continuidade do lar, que deve ser respeitado para preservar o bem estar da criança. É inconveniente à consolidação de hábitos, valores, padrões e formação da personalidade do menor, pois o elevado número de mudanças provoca uma enorme instabilidade emocional e psíquica. A jurisprudência a desabona, não sendo aceita em quase todas as legislações mundiais”.

A doutrina há muito já se posicionava contrária a tal figura, pois acabava por conduzir a criança a uma situação de extrema desordem emocional e psíquica, causando-lhe enormes prejuízos no seu desenvolvimento. Maria Berenice Dias (2007), com seu peculiar domínio na seara do Direito de Família, enfatiza:

“não dá para confundir guarda compartilhada com a inconveniente guarda alternada, através da qual, mais no interesse dos pais do que no dos filhos, procede-se praticamente à divisão da criança. confere-se de forma exclusiva o poder parental por períodos preestabelecidos de tempo, geralmente de forma equânime, entre as casas dos genitores. reside, por exemplo, 15 dias na casa de cada genitor, ou períodos maiores, um mês ou seis meses, e visita o outro. tal arranjo gera ansiedade e tem escassa probabilidade de sucesso.”

Ainda nesse sentido, cabe trazer alguns julgados que ressaltam a prejudicialidade à criança dessa modalidade de guarda:

AGRAVO DE INSTRUMENTO.GUARDAALTERNADA. DESCABIMENTO. Se restritivas são as hipóteses em que aguardacompartilhada propriamente dita é viável e adequada, muito mais limitado é o cabimento daguardaalternada, modalidade que, em verdade, foi aplicada pela decisão agravada. Isso em razão da evidente instabilidade que acarreta ao equilíbrio psicológico da criança, que fica submetida a um verdadeiro “cabo de guerra” entre seus genitores, o que muito mais se exacerba quando há acirrado conflito entre eles, como no caso. Por fim, convém frisar que a decisão de origem não se baseou em qualquer avaliação social ou psicológica da criança e seus pais, o que acentua a temeridade da implantação desse sistema. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento Nº 70067405993, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 18/02/2016).

“Agravo de instrumento – Filho menor (5 anos de idade) – Regulamentação de visita – Guarda alternada indeferida – Interesse do menor deve sobrepor-se ao dos pais – Agravo desprovido. Nos casos que envolvem guarda de filho e direito de visita, é imperioso ater-se sempre ao interesse do menor. A guarda alternada, permanecendo o filho uma semana com cada um dos pais não é aconselhável pois as repetidas quebras na continuidade das relações e ambiência afetiva, o elevado número de separações e reaproximações provocam no menor instabilidade emocional e psíquica, prejudicando seu normal desenvolvimento, por vezes retrocessos irrecuperáveis, a não recomendar o modelo alternado, uma caricata divisão pela metade em que os pais são obrigados por lei a dividir pela metade o tempo passado com os filhos’ (RJ 268/28).”( TJSC – Agravo de instrumento nº. 00.000236-4, Rel. Des. Alcides Aguiar, julgado em 26.06.2000.)

Disso compreendem-se os prejuízos que podem ser trazidos à criança nessa modalidade de guarda, tendo-se em vista que deve ser atendido o que for mais favorável à criança, pois o interesse desta deve sobrepor-se ao dos pais.

4.2 GUARDA COMPARTILHADA

O instituto da guarda compartilhada é uma tendência do mundo civilizado, originário da Inglaterra, com a joint custody. No Brasil, apesar de noções já serem consagradas na jurisprudência, o Código Civil passou a prever esta modalidade de guarda após a edição da Lei nº 1.698/2008 e, posteriormente, atualizado pela Lei nº 13.058/2014.

É interessante notar que a guarda sempre foi compartilhada, mesmo que os pais não vivessem em sociedade conjugal. Ela não era, no entanto, simultânea, como propõe as leis que tratam deste tema. Seu exercício era sucessivo ou alternado, mas sempre compartilhado entre os genitores ou terceiros responsáveis[22].

Os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil trazem previsão expressa da possibilidade de guarda compartilhada, onde o § 1o do art. 1.583 faz sua conceituação, afirmando que se compreende por guarda compartilhada “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns”. Para muitos estudiosos, a conceituação no seio da própria lei é um elemento contributivo para sua eficácia, incumbindo ao juiz informar os genitores quanto ao seu significado, importância e sanções (art. 1.584, § 1o/CC). 

A guarda compartilhada, no Brasil, é pautada em uma dupla custódia: legal e física, e se encontra em total consonância com os dispositivos do Código Civil, que estabelecem que a ruptura conjugal – ou a nunca existência dela – não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em suas companhias os segundos.

Neste contexto, pode-se dizer que este instituto é um chamamento aos pais que vivem separados de que devem exercer conjuntamente a autoridade parental e o poder familiar, como se estivessem na constância de uma união conjugal. Os princípios que norteiam esta guarda são a tríade da corresponsabilidade familiar, da proteção integral e do melhor interesse da criança. Seus pressupostos são o melhor interesse dos filhos, paternidade e maternidade responsáveis e isonomia do poder familiar exercido pelos pais.

Dessa forma, ambos os genitores têm a responsabilidade legal sobre os filhos menores e compartilham, ao mesmo tempo e na mesma intensidade, todas as decisões importantes relativas a eles, embora vivam em lares separados[23]. Esta guarda se alicerça em uma presunção (juris tantum) de consentimento de cada um dos pais em relação à prática dos atos do outro para atender o interesse da criança, pois ocorre uma pluralização de responsabilidades e um gerenciamento dúplice, em que os genitores devem delegar poderes, aceitar sugestões, ratificar medidas indicadas pelo outro, sugerir outras, sem que isso propicie uma crise de autoridade parental e afete o desenvolvimento do filho.

Fica evidente, então, que esta modalidade de guarda demanda um extraordinário grau de cooperação e comunicação entre os pais, sem perder de vista que a continuidade do convívio da criança com ambos é indispensável para o seu saudável desenvolvimento psicoemocional, que não podem ficar ao livre, insano e injustificável arbítrio de pais disfuncionais. A guarda, portanto, além de reforçar a autoridade dos pais, é instrumento de diminuição da insegurança dos filhos.

O Código Civilista prevê, no art. 1.584, § 2o/CC, que se o relatório psicossocial demonstrar a aptidão de ambos os genitores ao exercício do poder familiar e não houver acordo quanto à guarda do filho, a regra é que seja aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar que não deseja a guarda do menor. No entanto, a guarda compartilhada não é regra geral de cega e indiscriminada aplicação.

Muito desta cautela advém da redação do art. 1.584, incisos I e II do CC, que estabelece que a guarda compartilhada pode ser instituída pelo consenso entre os genitores ou decretada pelo juiz, sob a duvidosa utilização do princípio do melhor interesse da criança. O mais adequado para a instituição deste tipo de guarda é que haja a existência de uma relação pacífica entre os genitores e um desejo mútuo de contribuírem para a sadia educação e para a hígida formação psíquica de seus filhos [24], pois, do contrário, se estabelece um jogo de poder.

Isso que dizer que, para sua adoção, é necessário que ambos os genitores manifestem in­teresse em sua implementação, pois é inviável compelir a um ou ambos os pais a cooperarem, sob o risco de não atingir o resultado pretendido, focado primordialmente nas necessidades do menor.

A implementação desta guarda não deve advir de processo litigiosos, apesar de não haver restrição legal – pelo contrário, há hipótese de sentença judicial de definição deste tipo de guarda. As consequências da imposição da guarda compartilhada se baseiam no desvirtuamento do instituto, por não atingir seus objetivos e propiciar o desequilíbrio psicológico da criança e a Síndrome de Alienação Parental.

A motivação deste tipo de guarda deve estar pautada no consciente consenso de adotar o melhor para os filhos, em total consonância com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, já que do contrário atenta contra a saúde psicológica e emocional da prole, perdendo os filhos seus valores, referências e lhes causando problemas reais de adaptação.

Portanto, tem concluído os julgados e a doutrina que não há como encontrar lugar para uma pretensão judicial à guarda compartilhada apenas pela boa vontade e pela autoridade do julgador, quando ausente a boa e consciente vontade dos pais[25], ou seja, o magistrado só deve aplicá-la em situações favoráveis para o seu implemento.

Para exemplificar, vejamos:

APELAÇÃO CÍVEL. GUARDA. FILHO. ALTERAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. Se o ‘melhor interesse’ do filho é que permaneça sob a guarda materna, já que a estabilidade, continuidade e permanência dele no âmbito familiar onde está inserido devem ser priorizadas, mormente considerando-se que a mãe está cumprindo a contento seu papel parental, mantém-se a improcedência da alteração da guarda pretendida pelo pai. Descabe também a guarda compartilhada, se os litigantes apresentam elevado grau de animosidade e divergências[26]. (grifo nosso)

No entanto, o Superior Tribunal de Justiça decidiu diferente no ano de 2011, trazido a este artigo a título exemplificativo de posição jurisprudencial diversa, porém deixando clara a posição das autoras no sentido de que não deve ser imposta, sob o risco de prejuízo ao menor:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL EPROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. CONSENSO. NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DO MENOR. POSSIBILIDADE. 1. Ausente qualquer um dos vícios assinalados no art. 535 do CPC, inviável a alegada violação de dispositivo de lei. 2. A guarda compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da organização social atual que caminha para o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. 3. A guarda compartilhada é o ideal a ser buscado no exercício do Poder Familiar entre pais separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações diversas, para que seus filhos possam usufruir, durante sua formação, do ideal psicológico de duplo referencial. 4. Apesar de a separação ou do divórcio usualmente coincidirem com o ápice do distanciamento do antigo casal e com a maior evidenciação das diferenças existentes, o melhor interesse do menor, ainda assim, dita a aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo na hipótese de ausência de consenso. 5. A inviabilidade da guarda compartilhada, por ausência de consenso, faria prevalecer o exercício de uma potestade inexistente por um dos pais. E diz-se inexistente, porque contrária ao escopo do Poder Familiar que existe para a proteção da prole. 6. A imposição judicial das atribuições de cada um dos pais, e o período de convivência da criança sob guarda compartilhada, quando não houver consenso, é medida extrema, porém necessária à implementação dessa nova visão, para que não se faça do texto legal, letra morta. 7. A custódia física conjunta é o ideal a ser buscado na fixação da guarda compartilhada, porque sua implementação quebra a monoparentalidade na criação dos filhos, fato corriqueiro na guarda unilateral, que é substituída pela implementação de condições propícias à continuidade da existência de fontes bifrontais de exercício do Poder Familiar. 8. A fixação de um lapso temporal qualquer, em que a custódia física ficará com um dos pais, permite que a mesma rotina do filho seja vivenciada à luz do contato materno e paterno, além de habilitar a criança a ter uma visão tridimensional da realidade, apurada a partir da síntese dessas isoladas experiências interativas. 9. O estabelecimento da custódia física conjunta, sujeita-se, contudo, à possibilidade prática de sua implementação, devendo ser observada as peculiaridades fáticas que envolvem pais e filho, como a localização das residências, capacidade financeira das partes, disponibilidade de tempo e rotinas do menor, além de outras circunstâncias que devem ser observadas. 10. A guarda compartilhada deve ser tida como regra, e a custódia física conjunta – sempre que possível – como sua efetiva expressão. 11. Recurso especial não provido[27].

O teor deste julgado, especificamente no último grifo, conduz a outra interessante discussão acerca da guarda compartilhada, pensada no contexto global. Enquanto países como a Inglaterra e os Estados Unidos da América não correlacionam diretamente a guarda compartilhada com a custódia física do menor, ou seja, não implica em uma rotatividade de residências (como visto no instituto da guarda alternada), no Brasil, como já citado, é seu requisito.

O art. 1.583, § 2o do CC estabelece que devem ser estabelecidos, de forma equilibrada, o tempo de convívio da criança com a mãe e com o pai, demonstrando que o conceito civilista de guarda é indissociável da presença da criança. Às vezes um dos genitores tem maior capacidade de viver o dia a dia dos filhos e isto não deveria ser empecilho para a guarda compartilhada.

Como afirma SOTTOMAYOR[28], “a igualdade entre os pais não se mede pela igualdade na divisão do tempo, mas pela igualdade na qualidade dos cuidados e dos afetos”. A indicação é que a atenção e os cuidados na formação, educação e criação de seus filhos devem ser distribuídos entre ambos os pais, assegurando a convivência e o efetivo exercício do Poder Familiar, e não deveria ser preciso que a criança tenha dois lares para tanto.

É diante do magistrado que são fixadas as diretrizes que os genitores cumprirão, em conjunto, para que seus filhos não sofram as consequências de viver com pais separados, além de estabelecer a rotina de convivência dos filhos. O instrumento pelo qual essas definições são acertadas, com a oitiva, sempre que possível, dos filhos, é o Plano de Parentalidade, pensado pela Ley 25, de 29 de julho de 2010, na Espanha, que concretiza a forma pela qual ambos os genitores exercerão suas responsabilidades parentais, detalhando os compromissos que assumem a respeito da guarda, dos cuidados e com a educação dos seus filhos (art. 1.584, § 3o /CC).

O juiz não decide estes fatores sozinho, pode – o mais correto seria dizer que deve – se basear em orientação técnico-profissional e de equipe interdisciplinar, principalmente de psicólogos, na realização de laudos, como o Relatório Psicossocial, que explicita um dos critérios a serem utilizados na definição da guarda: se os pais possuem capacidade parental. O psicólogo é capaz, também, de articular emoções difíceis de exprimir pelas próprias partes.

É necessário que os operadores do Direito e os técnicos que trabalham com o direito de família disponham de uma formação humanística sólida e especializada, o que pressupõe conhecimento não apenas legal, mas interdisciplinar. O sucesso da guarda compartilhada depende, em última razão, das qualidades afetivas dos pais, mas também da maneira como os operadores judiciais conseguem organizar as condições para que o afeto para com os filhos se cumpra de modo realmente incondicional[29].

As vantagens da adoção da guarda compartilhada podem ser exemplificadas por: evitar, para ambos os genitores, o sentimento de perda dos filhos enquanto objeto de amor primário; a Síndrome de Alienação Parental (quando não desvirtuada) e o abandono afetivo (que é causa de reparação civil, inclusive); que o exercício da autoridade fique restrito ao genitor-cústodio; reduzir os riscos de distúrbio no processo de identificação sexual dos filhos; diminuir o sentimento de culpa pelo divórcio ou dissolução (se o processo de guarda for dele decorrente).

É possível notar que existem inúmeros efeitos positivos relacionados à correta adoção da guarda compartilhada. Um dos mais importantes é o decréscimo dos conflitos ocasionados por questões financeiras, bem como favorecer o desenvolvimento infantil e não ocorrer a divisão entre o genitor bom e o genitor mau, identificado na Síndrome de Alienação Parental de nível moderado.

Os efeitos negativos se relacionam com a transição entre dois lares, que pode reforçar a preocupação com a estabilidade e a confiabilidade de pessoas e lugares; exposição dos filhos a um impacto psicológico devastador caso um dos genitores não queira mais este modelo de guarda ou, após avaliação, seja declarado inadequado; a possibilidade de propiciar a existência de diferentes estilos de vida (quando os pais não coadunam para a formação da criança). Ainda, se houver a emissão de informações contraditórias e de duplo vínculo, poderá aumentar a incerteza, a ansiedade e a insegurança.

Apesar destes possíveis efeitos negativos, estudos comprovam que é muito mais fácil a adaptação dos filhos, se comparada com a dos pais, pois seus padrões ainda não são tão nítidos e podem ser moldados de acordo com seu melhor interesse, sem que haja um profundo impacto e confusão. Os critérios de não recomendação deste tipo de guarda são relacionados aos pais, não ao psicológico da criança.

O ajustamento das crianças não está relacionado a nenhuma fórmula de dupla custódia em particular, mas é reflexo do tipo de atenção que recebem, do conflito ou da cooperação que existe entre os pais. O correto é transformar as desavenças em um conjunto de atividades voltadas a atribuir estabilidade emocional e sólida formação social e educativa aos filhos criados por pais separados, estando ambos os genitores sinceramente preocupados e focados com os melhores interesses dos filhos.

5 DIREITO DE VISITAÇÃO

O direito de visitação é expressamente definido no art. 1589 do Código Civil:

“Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.”

Pertence ao pai ou à mãe em cuja guarda não estejam os filhos e representa um direito dos pais em relação aos filhos e, também, dos filhos de serem visitados pelos pais. Os filhos possuem direito à visita dos pais: propicia a manutenção dos vínculos socioafetivos indispensáveis ao seu adequado desenvolvimento.

A visitação é imprescindível para o bem-estar e para o bom desenvolvimento psicossocial da criança. Contribui para a superação de eventuais problemas internos que tenham sido provocados pela ruptura familiar.

6 ADOÇÃO

Conforme Caio Mario da Silva Pereira, a adoção é “ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre eles qualquer relação de parentesco consanguíneo ou de afinidade”.

A princípio, a adoção tinha como objetivo imitar a natureza, ou seja, dar filhos aos que não poderiam ter por meios naturais. Entretanto, atualmente, de acordo com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, também presente no instituto da adoção, a prioridade deixou de ser a realização pessoal dos adotantes e passou-se a atender, prioritariamente, os interesses dos adotados, buscando, desta forma, proporcionar a efetiva felicidade da criança ou adolescente e dar a eles os instrumentos necessários para um pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade.

A adoção deve ser vista como ato de solidariedade, o meio mais eficiente para recriar laços afetivos para crianças privadas de uma formação familiar, sendo um ótimo exemplo de filiação socioafetiva, visto que é baseada principalmente em vínculos de sentimento e afeição. Existem duas espécies de adoção: a de menores de dezoito anos, regulada pela Lei n. 8.069/90 (ECA); e a de maiores de dezoito anos ou nascituros, que é regulada pelo Código Civil. É importante destacar que, ao tratar-se de adoção de maior de dezoito anos, deve-se utilizar o processo judicial, pois este cuida para que interesses escusos, capazes de gerar prejuízos para o adotante, não sejam os reais motivos da adoção.

O estado de filiação pode decorrer de um fato, o nascimento, ou de um ato jurídico, que é a adoção. Desde a Constituição Federal de 1988, foram reconhecidos ao filho por adoção os mesmos direitos dos filhos biológicos, sendo vedado qualquer tipo de discriminação.

A Lei n. 12.010, de 03 de agosto de 2009, a nova Lei da Adoção, tem como propósito aprimorar o instituto da adoção tratado pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, priorizando sempre o acolhimento e a manutenção da criança e do adolescente em sua família natural. Só sendo permitida a colocação destes em família substituta como solução excepcional e zelando para que, neste caso, a família substituta seja de uma mesma comunidade ou etnia de sua família biológica, de modo a respeitar e preservar a identidade social e cultural do adotado. A Lei da Adoção, em seu artigo 25, reconhece a família extensa ou ampliada e assegura ao adotado o reconhecimento de sua origem, além de obrigar ao estagio de convivência, que deve ser de, no mínimo, trinta dias em território nacional. Além disso, a lei determina o uso do cadastro de pessoas residentes fora do país somente quando da inexistência de candidatos no Brasil.

A nova lei trouxe mais mudanças significativas para o instituto da adoção no Brasil. Agora, faz-se necessário que o consentimento do adotado maior de doze anos, e uma idade mínima de dezoito anos para adotar. Quando se tratar de grupos de irmãos, estes só poderão ser colocados sob a adoção de uma mesma família, de modo a evitar o rompimento do vínculo fraternal, ressalvada a hipótese de comprovada existência de risco para um deles. E ainda, as mães que manifestarem interesse, desde a gravidez, em entregar seus filhos para a adoção deverão ter assistência da justiça.

A Lei Nacional da Adoção tornou mais rigoroso o procedimento da adoção no Brasil, por priorizar sempre a retomada da convivência do menor em sua família natural, tendo a adoção como ultima opção entre as políticas tomadas com o proposito de atender o melhor interesse da criança e do adolescente.

6.1 A ADOÇÃO SOB O ENFOQUE PSICOLÓGICO

O processo de adoção pode envolver situações muito dolorosas, tanto para o menor quanto para os pais. Sendo, desta forma, uma relação afetuosa entre pais e filhos muito importante para que não haja traumas.

A necessidade de ter filhos não é apenas uma característica biológica do ser humano, mas também, psicológica. Ter um filho causa diversas transformações no cotidiano das famílias. Pode-se dizer que os pais se desenvolvem junto à criança. É necessário que os pais criem seus filhos de modo a impor limites saudáveis, sabendo ceder e negar nos momentos adequados. Além disso, é necessário que aqueles sirvam como modelos de identificação.

A idade considerada mais conveniente para a adoção é de até 2 anos, quanto mais cedo adota-se, melhor e mais fácil é para que a criança se adapte ao novo ambiente familiar. Além de serem diminuídas as chances de traumas para a criança.

Ao adotar uma criança, os pais terão de enfrentar desafios como o questionamento sobre maternidade e paternidade, a possível necessidade de explicar a adoção para a criança e o interesse desta de conhecer os pais biológicos. Além disso, os pais poderão ter medo de perder o amor de seus filhos adotados por estes, ao descobrirem suas origens, por vezes apresentarem atitudes de rejeição.

Por outro lado, não seria adequado negar as origens da criança e viver cercado pelo medo de que alguém, alheio à relação, venha a revelar a verdade. É importante que a criança tenha conhecimento desde cedo de sua adoção, e que tenha suporte da família adotiva para que possa saber de tudo que disser respeito a sua origem, podendo, deste modo, ter a certeza que será sempre amada e tornar-se um adulto saudável e seguro.

7 O DANO MORAL E ABANDONO AFETIVO

A Constituição Federal em seu artigo 227 define ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O descumprimento deste artigo caracteriza o abandono afetivo e com ele surge o dano e o dever dos pais de repará-lo.

O dano moral se destina a tutelar aquilo que causa ofensa à dignidade da pessoa humana. A jurisprudência entende que o dever dos pais está muito além de garantir as necessidades básicas dos filhos, cabe a eles também dar assistência emocional e afeto para que a criança desenvolva-se de forma sadia.

Neste sentido, decidiu o Superior Tribunal de Justiça em julgado de 2012:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido.[30].

Considera-se, portanto, esta conduta como abuso de direito, constituindo ato ilícito sujeito a indenização por violar direitos humanos. E vale destacar ainda que a indenização por abandono afetivo visa punir o pai que abandonou e também evitar que outros pais abandonem seus filhos futuramente.

8 CONCLUSÃO       

O estudo aqui realizado é de suma importância e apresenta sua contribuição no sentido de que o entendimento sobre o contexto de ruptura familiar e os efeitos disso na vida da criança e do adolescente são essenciais no âmbito do Direito de Família e da Psicologia Jurídica, concluindo-se pela essencialidade dos estudos e conceitos de psicologia nas questões judiciais. 

Do presente estudo foi possível realizar algumas conclusões a respeito do divórcio dos pais e o impacto disso na vida da criança e do adolescente, tangenciando aspectos psicológicos que devem ser destacados.

No que diz respeito à guarda dos filhos, tema que também necessita de auxílio da psicologia, para que se possa atender aos princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança, os quais devem ser observados nas questões judiciais envolvendo a guarda dos filhos, sendo diversas vezes realizados estudos psicossociais.

Além dos mais, o enfoque relativo à questão da adoção, meio mais eficiente para recriar laços afetivos para crianças privadas de uma formação familiar, é de suma importância quando se trata da seara familiar.

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MOREIRA, Camila. Análise Jurisprudencial: Guarda Compartilhada ou Guarda Alternada? Disponível em:<  file:///C:/Users/Windows/Desktop/32-47-1-SM.pdf> Acesso em: 31 de Maio de 2017.



[1] Discente da Universidade Estadual do Maranhão.

[2] Discente da Universidade Estadual do Maranhão.

[3] Discente da Universidade Estadual do Maranhão.

[4] TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. 6 ed. rev. atual. e amp. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2012.

[5] GARDNER, Richard. O DSM-IV tem equivalente para diagnóstico de Síndrome de Alienação Parental (SAP)? Tradução de Rita Rafaeli.

[6] TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. 6 ed. rev. atual. e amp. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2012.

[7] Efeitos do divórcio na criança podem durar anos. Disponível em: <  http://www.boasaude.com.br/noticias/810/efeitos-do-divorcio-na-crianca-podem-durar-anos-diz-estudo.html > Acesso em 29 maio 2016.

[8] WALLERSTEIN, Judith. Conferencista-sênior da Universidade de Berkeley.

[9] Divórcio e filhos: novo estudo confirma a gravidade do trauma. Disponível em: <  https://pt.zenit.org/articles/divorcio-e-filhos-novo-estudo-confirma-a-gravidade-do-trauma/ > Acesso em 30 maio 2016.

[10] TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. 6 ed. rev. atual. e amp. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2012.

[11] Meirelles, 1998.

[12] MADALENO, Rolf.Novas perspectivas no direito de família. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. p. 41.

[13] BOEIRA, José Bernardo Ramos. Op. cit. p. 60.

[14] MADALENO, Rolf. Direito de Família. p. 87

[15] SILVA, Marcos Emanoel Andrade. Relações Socioafetivas. Disponível em: <  http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5737/Relacoes-socioafetivas > Acesso em 27 maio 2016.

[16] NERI, Renata Viana. Da posse do estado de filho: fundamento para a filiação socioafetiva. Disponível em: <  http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,da-posse-do-estado-de-filho-fundamento-para-a-filiacao-socioafetiva,48437.html#_ftn24 > Acesso em: 27 maio 2016.

[17] RODRIGUES, Nathalia Andrade. Direito sucessório na paternidade socioafetiva. Disponível em: <  http://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/direito-sucessorio-na-paternidade-socioafetiva.htm >. Acesso em 27 maio 2016.

[18] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil (Lei n.º 10.406, de 10-1-2002). São Paulo: Saraiva, 2002. Vol. 5: direito de família.

[19] SILVA, Marcos Emanoel Andrade. Relações Socioafetivas. Disponível em: <  http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5737/Relacoes-socioafetivas > Acesso em 27 maio 2016.

[20] TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando.Direito Civil: Direito de Família. V. 5. 7 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Método, 2012, p. 22.

[21] DINIZ, 2007, p. 285.

[22] GÓMEZ, Fabiola Lathrop. Custódia compartida de los hijos. Madrid: La Vey, 2008, p. 279.

[23] TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. 6 ed. rev. atual. e amp. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2012.

[24] SALLEM, Karen Ribeiro Pacheco Nioac de. Guarda compartilhada. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 97.

[25] TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. 6 ed. rev. atual. e amp. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2012.

[26] TJ/RS. Oitava câmara cível. Apelação cível n. 70.008.689.988. Relator Des. José Siqueira Trindade. Julgado em 24.06.2004.

[27] STJ. Terceira Turma. REsp. n. 1.251.000-MG. Relatora: Ministra Nancy Andrighi.  Julgado em 23.08.2011.

[28] SOTTOMAYOR, Maria Clara. Temas de direito das crianças. Ob. cit., p. 175.

[29] TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito. 6 ed. rev. atual. e amp. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 2012.

[30] STJ. Terceira Turma. REsp. n. 1159242 – SP. Relatora: Ministra Nancy Andrighi.  Julgado em 24.04.2012.

Como citar e referenciar este artigo:
SERRA, Letícia Silva; MELLO, Maria Carolina Sousa; SOARES, Maria Vitória de Araújo. Direito de Família: Um enfoque psico-jurídico. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-de-familia/direito-de-familia-um-enfoque-psico-juridico/ Acesso em: 25 abr. 2024