Direito Constitucional

Quebra do sigilo bancário pelo fisco

Quebra do sigilo bancário pelo fisco

 

 

Walter Pereira Dias Netto*

 

 

A nossa Constituição Federal, como muitos sabem, resguarda alguns direitos básicos como, por exemplo, o direito à cidadania, à propriedade, à imagem, à liberdade, à vida, enfim, vários direitos fundamentais que, se fôssemos mencionar cada um deles, iríamos, apenas, somar linhas neste presente trabalho. Dentre esses direitos fundamentais, encontramos um bastante interessante para abordar em um estudo mais esclarecedor, qual seja, o direito ao sigilo bancário. Há casos que o referido sigilo é quebrado por agentes públicos, de forma a garantir a plena fiscalização nos dados dos administrados. Assim, pode-se verificar que o ponto decisivo do presente trabalho é saber se a exigência da demonstração dos extratos bancários pelo fisco afronta a Constituição Federal.

 

Pois bem. Como é sabido, o sigilo bancário está consagrado na Constituição Federal, em seu artigo 5º, incisos X e XII, in verbis:

 

Art. 5º. (…)

 

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

 

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

 

Porém, este direito não é absoluto e, neste sentido, interessante julgado do Pleno do STF, através de voto do Min. CELSO DE MELLO:

 

“Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas – e considerado o substrato ético que as informa – permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros.” (MS 23.452, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-9-99, DJ de 12-5-00)

 

De forma ainda mais precisa, o Min. EROS GRAU entende o seguinte:

 

“O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com respeito ao princípio da razoabilidade. Precedentes.” (AI 655.298-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 4-9-07, DJ de 28-9-07)

 

Nessa quadra, a Lei Complementar nº. 105/2001, trazendo normas gerais sobre o sigilo das operações de instituições financeiras, arrolou as hipóteses em que pode ser autorizado o acesso a elas por parte das autoridades tributárias. Vejamos o seu art. 6º:

 

Art. 6. As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.

 

Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.

 

Ademais, e apenas ad argumentandum tantum, a própria Constituição Federal, em seu art. 145, § 1º, autoriza o legislador a prever a possibilidade da Administração Tributária identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas, vejamos:

Art. 145. (…)

§ 1º – Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

Saliente-se, no entanto, que esses dispositivos supramencionados devem respeitar os direitos individuais consagrados na nossa Carta Magna. Porém, deve-se interpretar essas regras no sentido de que o sigilo bancário só protege o indivíduo contra o perigo da divulgação ao público, afastando dessa regra o fisco, pois este jamais poderá transmitir o que lhe foi dado a conhecer, sob pena de responsabilidade (civil, penal e administrativamente).

 

Ora bem: o principio da moralidade administrativa previsto no art. 37, caput, da Carta Magna, tem como conseqüência a determinação para que a autoridade fiscal atue com imparcialidade. Assim, se o sigilo bancário vazasse ou fosse obtido a sua transferência sem a real necessidade, o agente fiscal responderia civil, penal e administrativamente pelo ato cometido. 

 

Na verdade, a finalidade dos referidos dispositivos é dar aos fiscos subsídios para apurar irregularidades e evitar enriquecimentos ilícitos, sonegações, infrações ou crimes tributários.

 

O Tribunal Regional Federal, no mesmo sentindo, entende:

 

MANDADO DE SEGURANÇA. APRESENTAÇÃO DE EXTRATO BANCÁRIO. QUEBRA DE SIGILO PELA RECEITA FEDERAL. 1. Apesar de os sigilos bancário e fisco estarem protegidos no texto constitucional, não são direitos absolutos, pois sofrem mitigação na hipótese de restar evidenciada a preponderância do interesse público sobre o particular. 2. A Lei Complementar 105/2001, em seu artigo 6º, exige a existência de um processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso, sendo o fornecimento dos dados considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente, hipótese configurada nos autos. 3. Os direitos fundamentais não podem servir de escudo à prática de atos ilícitos, podendo ser mitigados os direitos à intimidade, à privacidade e ao sigilo de dados em favorecimento à supremacia dos interesses público e social. (TRF 4ª R.; APL-MS 2006.72.01.000159-9; SC; Terceira Turma; Relª Juíza Fed. Vânia Hack de Almeida; Julg. 21/11/2006; DEJF 28/02/2007; Pág. 715) (Publicado no DVD Magister nº 18 – Repositório Autorizado do STJ nº 60/2006 e do TST nº 31/2007)

 

Com isso, pode-se perceber que o que interessa para a Administração Tributária é saber o valor existente nas contas bancárias das pessoas (físicas ou jurídicas), para verificar se o que foi declarado está ou não de acordo com o aquele referido valor. Assim, para evitar falsas declarações, o fisco utilizará de instrumentos legais capazes de promover a agilização e o aperfeiçoamento dos procedimentos fiscais, que é justamente a quebra do sigilo bancário.

 

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já tratou da matéria, entendendo não haver quebra de sigilo bancário. Vejamos:

 

PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. SOLICITAÇÃO EXTRATO BANCÁRIO.  QUEBRA DO SIGILO BANCÁRIO. INOCORRÊNCIA.

 1. Inexiste ofensa ao art. 5º, inc. X, da CF/88 porquanto o patrimônio não se confunde com a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem das pessoas.

 2. Não há quebra de sigilo bancário quando a autoridade fiscal, através de procedimento fiscalizatório, solicita extratos bancários do contribuinte. Ocorre transferência do sigilo permanecendo a autoridade fiscal obrigada ao sigilo e a manter os dados no mesmo estado anterior. Precedente. (TRIBUNAL – QUARTA REGIÃO; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO; Processo: 200104010566355 UF: RS Órgão Julgador: TURMA ESPECIAL; DJ 18/07/2001)

 

Na mesma linha raciocínio o Superior Tribunal de Justiça já decidiu a respeito, in litteris:

 

DIREITO TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. LC 105/2001 E LEI 10.174/2001. USO DE DADOS DE MOVIMENTAÇÕES FINANCEIRAS PELAS AUTORIDADES FAZENDÁRIAS. POSSIBILIDADE. CONDIÇÕES. APLICAÇÃO IMEDIATA. PRECEDENTES.

1. A Lei 9.311/1996 ampliou as hipóteses de prestação de informações bancárias (até então restritas – art. 38 da Lei 4.595/64; art. 197, II, do CTN; art. 8º da Lei 8.021/1990), permitindo sua utilização pelo Fisco para fins de tributação, fiscalização e arrecadação da CPMF (art. 11), bem como para instauração de procedimentos fiscalizatórios relativos a qualquer outro tributo (art. 11, § 3º, com a redação da Lei 10.174/01).

2. Também a Lei Complementar 105/2001, ao estabelecer normas gerais sobre o dever de sigilo bancário, permitiu, sob certas condições, o acesso e utilização, pelas autoridades da administração tributária, a documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras” (arts. 5º e  6º). (REsp 643.619/SC, Rel. Ministro  MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 06/10/2008)

 

TRIBUTÁRIO. SIGILO BANCÁRIO. LEI COMPLEMENTAR N. 105/2001. UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES BANCÁRIAS PARA A CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO REFERENTE A OUTROS TRIBUTOS. POSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO-COMPROVAÇÃO. SÚMULA N. 83 DO STJ.

1. A teor do art.6º da LC n. 105/01, a autoridade fazendária pode ter acesso às informações bancárias do contribuinte quando houve procedimento administrativo-fiscal em curso, sem o crivo do judiciário.

2. “Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida” – Súmula n. 83 do STJ..

3. Recurso especial não-conhecido. (REsp 584378/MG, Rel. Ministro  JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/02/2007, DJ 16/03/2007 p. 332)

 

Ora, se a Corte Superior vislumbrasse ofensa a direito fundamental, não teria assimilado este fundamento. Vê-se, pois, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não é apenas dominante, mas pacífica neste sentido.

 

Argumente-se, à guisa de conclusão, que à autoridade fiscal incube o poder-dever de investigar, diligenciar, demonstrar e provar a ocorrência do fato jurídico tributário, com base nos documentos, livros e registros de instituições financeiras.

 

Assim, resta comprovado, diante dos argumentos trazidos à baila, que a exigência de extratos bancários pelo fisco não desrespeita o direito ao sigilo bancário previsto na nossa Magna Carta.

 

REFERÊNCIAS

 

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2006. 19ª ed.

 

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Método, 2007. 11ª ed.

 

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. São Paulo: Atlas, 2006.

 

http://www.stf.jus.br

 

http://www.stj.jus.br

 

http://www.jf.jus.br

 

http://www.tjrs.jus.br

 

 

* Estudante de Direito do Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ

 

Como citar e referenciar este artigo:
NETTO, Walter Pereira Dias. Quebra do sigilo bancário pelo fisco. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/quebra-do-sigilo-bancario-pelo-fisco/ Acesso em: 23 dez. 2024