Direito Constitucional

As premissas hermenêuticas constitucionais do Ministério Público na defesa dos direitos fundamentais

Gabriell Jorge Monteiro Azevedo[1]

Nathalia Teixeira Feitosa Curvina[2]

RESUMO

Este artigo tem como objetivo compreender como as premissas hermenêuticas podem ajudar na concretização dos direitos fundamentais. O Direito brasileiro ainda é muito estudado, a procura de qual é a sua verdadeira função e como é a sua estrutura. De fato, o Estado Democrático de Direito ainda é incipiente no país, estabelecido pela Carta de 1988, com apenas 28 anos. Além disso, ainda está em busca de sua concretização. Com isso, analisa-se como o Ministério Público, órgão responsável pela ordem jurídico-social, atua perante os enunciados da intepretação constitucional. Utilizando-se do método teórico, tal trabalho busca o equilíbrio doutrinário para explanar as premissas constitucionais. Por fim, nota-se a importância fundamental do Ministério Público para a concretização dos direitos fundamentais e, com isso, da Constituição Federal.

Palavras-chave: Constituição. Hermenêutica. Direitos Fundamentais. Ministério Público.

1 INTRODUÇÃO

O ordenamento jurídico do Brasil, formulado no Estado Democrático de Direito, prima pela efetivação dos direitos fundamentais, que tem como pilar a divisão do Poderes, a cidadania, o pluralismo político e a dignidade humana. A Hermenêutica Jurídica ganha um amplo espaço nessa nova estrutura jurídico-social. Com a Lei Maior ganhando cada vez mais força, a interpretação constitucional se faz mister para a hermenêutica de outras normas.

Além disso, a emenda constitucional nº 45 de 2004 criou o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Ele atua em prol do cidadão, executando a fiscalização administrativa, financeira e disciplinar do Ministério Público no Brasil e de seus membros, respeitando a autonomia da instituição. Assim, percebe-se a grande importância, seriedade e efetividade do MP para o ordenamento jurídico-social brasileiro.

Portanto, perante todo esse aparato constitucional em busca da concretização dos direitos fundamentais, deve-se construir um estudo sobre as principais premissas da interpretação constitucional, do qual os agentes do MP, compreendendo tais premissas, conseguirão ter uma maior exploração da hermenêutica jurídica na construção do Direito.

2 A HERMENÊUTICA JURÍDICA E O MÉTODO OBJETIVISTA

A hermenêutica jurídica, advinda da Filosofia, surge como uma ferramenta para a concretização do Direito. Ela se baseia no tripé: hermenêutica, interpretação e aplicação. As regras, claras ou não, necessitam da análise dos juristas, do qual faz uso das técnicas da hermenêutica jurídica para dar maior eficácia a elas.

A hermenêutica é um domínio teórico que tem por objetivo o estudo e a sistematização do enunciado normativo, para compreender as expressões do Direito. Já a interpretação é o uso de métodos, técnicas e parâmetros para a execução do estudo feito pela hermenêutica. É por meio dela que se esclarece as normas jurídicas e consiste na extração de todo o significado da norma. E, por último, a aplicação, que reúne toda a análise construída pela interpretação e a enquadra no caso concreto. Assim, “a norma jurídica se transforma em norma de decisão”. (BARROSO, 2015. P. 304).

O ordenamento jurídico brasileiro aponta, por meio da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB) – Decreto-Lei nº 4.657/1942 – as regras de hermenêutica que devem ser adotadas no país, estruturando toda a maneira de legislar, doutrinar e interpretar. Essa lei tem o caráter de sobredireito, pois apontam orientações para os juristas, de qual é o tratamento devido para alguns tópicos abstratos do Direito, como os apontados nos seguintes artigos:

“Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Art. 4º Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito.

Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. ”

Dentro da doutrina hermenêutica, muito se discute acerca da dicotomia voluntas legislatoris X voluntas legis. Ou seja, surge um questionamento sobre qual vertente se deve adotar ao interpretar a lei: deve prevalecer a vontade do legislador ou a vontade da lei? Muitos autores defendem a primeira, outros a segunda e ainda há quem diga que essa dicotomia é ultrapassada. A voluntas legislatoris consiste na interpretação da lei a partir da análise das convicções subjetivas do legislador e qual seria o objetivo dele ao redigir a norma. Nesse método subjetivista predomina o uso de elementos históricos, a pesquisa do processo evolutivo da norma e a história dos seus precedentes. Porém, Bonavides, em crítica a esse método, afirma que:

[…] os subjetivistas, aparentemente exaltando a função judicial, em verdade debilitam estes a estruturas clássicas do Estado de Direito, assentadas numa valoração dogmática da lei, expressão prestigiosa e objetiva da racionalidade. (BONAVIDES, 1993, apud STRECK, 2001, p. 96).

Já a para voluntas legis, ou o método objetivista, a norma tem um sentido próprio. Utilizando-se do elemento lógico (ou teleológico), a interpretação leva em conta a finalidade da norma jurídica. Contudo, a intepretação sistemática predomina nesse método, pois procura extrair o conteúdo da norma jurídica, sistematizando o conjunto de todo o Direito vigente e com as regras particulares de Direito.

Portanto, como se verifica atualmente, o método mais utilizado pelos juristas é objetivista. Por ter um caráter mais racional, o método objetivista porta uma maior segurança jurídica. Com isso, a interpretação sistemática, base do objetivismo, preza pela unidade do ordenamento jurídico, partindo da unidade da Constituição. A Constituição funciona, assim, não somente como parâmetro para o controle de validade das leis, mas também como vetor hermenêutico, pois serve de base para as outras normas infraconstitucionais.

Nota-se porque essa premissa é fundamental para a efetivação da atuação do Ministério Público. O Parquet, como defensor da lei e dos interesses sociais, não deve se deter a vontade do legislador, logo que ele prima pela independência e autonomia. A lei, após promulgada, ganha independência, se desvinculando da vontade do legislador. No Estado contemporâneo, o Ministério Público exerce, de certo modo, o poder de vetar decisões tomadas por qualquer órgão dos Poderes do Estado, pela atribuição constitucional que lhe foi dada de impugnar em juízo os atos dos demais Poderes, contrários à ordem jurídica e ao regime democrático. Assim, cabe aos promotores e aos procuradores determinar o sentindo objetivo da norma.

3 O CÍRCULO HERMENÊUTICO CONSTITUCIONAL

O processo de concretização das normas jurídicas possui características que perpassam desde a entrada em vigência da disposição normativa até a efetiva aplicação ao caso concreto. Por conseguinte, além dos elementos: hermenêutica, interpretação e aplicação, que não se confundem, destaca-se o círculo hermenêutico. Conceito desenvolvido por Hans-Georg Gadamer, sob influência de Martin Heidegger e que apresentou novas perspectivas sobre o estudo da hermenêutica filosófica, precipuamente, e por consequência a hermenêutica jurídica.

Heidegger, notável filósofo alemão do século XX, defende que o ato da compreensão, isto é, a própria hermenêutica, não pertence ao âmbito da epistemologia, ou seja, não se trata de uma teoria do conhecimento, e sim, por outro lado, de caráter existencial, de tal modo que o ato de compreender não deve ser visto como uma forma de conhecer a realidade, mas um pressuposto da própria existência humana em toda a sua plenitude. Sobre esta base de influência filosófica do pensamento heideggeriano, Gadamer elabora a sua teoria sobre a interpretação. Nas suas palavras:

Insere-se a interpretação num contexto ou de caráter existencial ou com as características do acontecer da tradição na história do ser, em que interpretar permite ser compreendido progressivamente como uma autocompreensão de quem interpreta. (GADAMER, 1997. P.3)

Nestes termos, a interpretação, pode ser considerada não como apenas um aspecto científico, mas antes disso, uma experiência humana de mundo em que a compreensão (interpretação) é o próprio critério da existência do ser humano em si.

A partir dessas considerações, desenvolve-se o chamado círculo hermenêutico que consiste nos seguintes termos. Partindo do pressuposto do horizonte histórico do indivíduo, que nada mais é do que o seu ponto de vista sobre o mundo de acordo com sua circunstância histórica (chamada por Gadamer de “história efeitual”), o seu posicionamento perante a realidade, a sua própria situação hermenêutica, forma-se no seu intelecto pré-conceitos que vão de encontro ao elemento que está então sob compreensão pelo próprio individuo, e que, num processo dialético, retorna ao intérprete modificado por essa mesma interação. De acordo com Rodolfo Viana Pereira:

O círculo hermenêutico ocorre no instante em que o sujeito, através de sua pré-compreensão, participa na construção do sentido do objeto (moldado por tais preconceitos), ao passo que o próprio objeto, no desenrolar do processo hermenêutico, modifica a compreensão do intérprete. (PEREIRA, 2001. P. 35).

Portanto, esse fenômeno diz que há um encontro entre a tradição do indivíduo que interpreta e a do próprio objeto interpretado, neste caso, a disposição normativa em questão e com este processo ocorre alteração dos horizontes, tanto do objeto, quanto do intérprete reciprocamente. Este movimento consiste no círculo hermenêutico.

Este fenômeno pode ser percebido na atuação do Ministério Público, pois, igualmente ao magistrado, seus membros atuam como intérpretes da norma jurídica. A referida instituição possui função constitucional de custos legis, isto é, o fiscal da lei, portanto o trabalho de interpretação para construir o sentido e o alcance da norma jurídica é constante. O seu horizonte histórico é estruturado pela formação jurídica e ética dos seus membros, bem como pelas disposições atinentes as suas funções institucionais. O círculo se completa no momento de contato com as normas cuja fiscalização de seu cumprimento lhe cabe como dever e estas, por sua vez, têm a sua circunstância história embasada pelo contexto constitucional a quem deve compromisso de estar de acordo.

Compõe também o círculo hermenêutico jurídico, através das normas como objeto de interpretação, os direitos fundamentais. Devido ao fenômeno da constitucionalização do ordenamento, esses direitos devem estar posicionados como prioridade e pressuposto de valoração no momento de aplicação dos dispositivos legais para que as necessidades humanas, incessantes e sempre renováveis ao compasso das vicissitudes sociais, possam ser satisfatoriamente atendidas, para que a finalidade última do direito, que é a convivência harmônica dos indivíduos, sem dispor indignamente de suas liberdades e demais prerrogativas, resulte alcançado.

4 MATÉRIAS PROPEDÊUTICAS – RELAÇÃO ENTRE DOGMÁTICA E ZETÉTICA JURÍDICA

No estudo do Direito existem subdivisões de disciplinas realizadas com o intuito não somente pedagógico, mas metodológico para que seja de fato efetiva a compreensão do conhecimento jurídico livre de obstáculos desnecessários. Dentro dessas categorias, existem as chamadas disciplinas propedêuticas, que são ramos do conhecimento apresentados como auxiliares, preparatórios, que apresentam conceitos que se encontram na base de todas as disciplinas jurídicas.

Destaca-se, nesse meio, a sociologia e a filosofia jurídica. Primeiramente, a sociologia do direito surge como uma disciplina autônoma no século XX quando o fenômeno do direito passa a ser analisado através dos métodos sociológicos até então constituídos. De acordo com Ana Lúcia Sabadell:

[…]a sociologia jurídica examina a influência dos fatores sociais sobre o direito e as incidências deste último na sociedade, ou seja, os elementos de interdependência entre o social e o jurídico, realizando uma leitura externa do sistema jurídico. Em outras palavras, a sociologia jurídica examina as causas (sociais) e os efeitos (sociais) das normas jurídicas. (SABADELL, 2014).

Em síntese, a sociologia jurídica trata dos aspectos da eficácia do direito, isto é, superado o momento da elaboração das normas jurídicas, convém estudar a sua aplicação e os resultados dessa aplicação da norma dentro do contexto social, os efeitos da norma na vida, na realidade concreta do indivíduo. Considerando que o direito, vale dizer, não é um sistema que se encontra fora da sociedade, e sim parte e produto do próprio meio social.

A filosofia do direito, por sua vez, consiste na disciplina jurídica de caráter basilar que estuda as condições pelas quais o direito se manifesta no meio social. Importante destacar que não se confunde com a sociologia jurídica, pois esta estuda o direito posteriormente, de modo que o seu objeto primeiro é a sociedade, já a filosofia estuda o fenômeno jurídico propriamente dito em sua gênese. Segundo Miguel Reale (2002, p. 14), a filosofia do direito seria: “uma perquirição permanente e desinteressada das condições morais, lógicas e históricas do fenômeno jurídico e da ciência do direito.”. A filosofia, portanto, realiza questionamentos necessários para que se compreenda as razões que proporcionam fundamento para a experiência jurídica.

Estas matérias, hoje denominadas propedêuticas, apresentaram um aspecto de defasagem notório no ensino jurídico brasileiro. É incomparável, na realidade brasileira, a produção acadêmica e doutrinária entre matérias relacionadas a ciência do direito (direito penal, civil, administrativo, processual, etc.) e as matérias básicas, elementares e fundantes como a filosofia, sociologia e ciência política. Esta diferença acarreta reflexos na atuação dos profissionais do direito.

As disciplinas propedêuticas proporcionam um comportamento reflexivo dos intérpretes do direito, são anteriores ao que o ordenamento apresenta e estimulam o questionamento. É o que Tércio Sampaio Ferraz aborda como zetética jurídica em contraposição a dogmática jurídica. Esta é a ciência jurídica em si, representada pelas normas e os códigos e tendem a garantir certeza e segurança, sem margem para questionamentos: o que a norma dispõe, deve ser obedecido. Por outro lado, a zetética jurídica consiste no questionamento, na dúvida, na indagação sobre as premissas e proposições normativas, desvirtuando possível viés absoluto da norma. A formação humanística trabalha esse aspecto zetético e proporciona ao intérprete do direito maior sensibilidade as necessidades reais da sociedade em detrimento de normas que, mesmo positivadas, resultam inadequadas perante a realidade concreta.

A função institucional do Ministério Público, ainda que seja denominado de fiscal da lei, não deve ser compreendido este dever como protetor unicamente de normas, mas antes, dos que estão submetidos as mesmas, isto é, a sociedade. Quando o ordenamento entra em conflito com as necessidades reais da coletividade, bem como os princípios constitucionais com base na defesa dos direitos fundamentais, os membros do Ministério Público atuam de caráter legítimo. As normas jurídicas não são monumentos inatingíveis, absolutos, necessitam, na verdade, de temperamentos, pois a inflexibilidade de um ordenamento é o instrumento mais fácil para que se possa cometer injustiças e desvirtuar toda a função do direito na sociedade.

5 A SUPERAÇÃO DOS DICOTOMIAS EM BUSCA PELA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS

Na doutrina, antigamente, se postulava uma forte dicotomia entre regras e princípios, entre as teorias hermenêuticas e qual seria a melhor a ser usada. Mas, hoje, essas divisões foram superadas. A busca agora é pelo equilíbrio, tentando coletar o que traz de melhor cada teoria para que haja uma concretização dos direitos.

Apesar do método objetivista ser mais adotado, o seu exagero é prejudicial. Lenio Streck constrói uma crítica pontual sobre a dicotomia ultrapassada entre o método subjetivo e o objetivo. A primeira, se levada ao extremo, geraria um autoritarismo personalista, uma supervalorização da vontade do legislador sobre as demais vontades. Já a segunda, poderia levar ao anarquismo, nas palavras do autor, que traz uma equidade duvidosa dos intérpretes. Tal polêmica, para Streck, está longe de ser resolvida, mas que deve haver um equilíbrio teórico.

Os autores também se preocupavam demais em dividir as regras dos princípios, escolhendo qual seria o mais adequado. Os princípios são normas que expressam decisões políticas fundamentais, que portam valores ou fins públicos e atendem tanto aos direitos individuais como aos coletivos. E as regras são comandos objetivos, de proibição ou de permissão, que atendem aos casos concretos que necessitam de uma especificidade. O Direito gira em torno de ambas e a dicotomia prejudica a efetivação dos direitos fundamentais, pois não há como estabelecer segurança sem regra e justiça sem princípios.

Luís Roberto Barroso traz três mudanças que abalaram a interpretação constitucional tradicional no final do século XX no Brasil. A primeira foi a superação do formalismo jurídico. Antigamente, havia um entendimento de que o Direito era uma justiça inerente ao homem e bastava uma operação lógica e dedutiva de inserir uma regra ao caso. Mas mudou-se tais convicções, verificando que o Direito também atende a interesses dominantes e, em alguns casos, não há regra suficiente para solucioná-los, que precisará do intérprete e de elementos externos para encontrar tal solução.

A segunda mudança se deu no advento de uma cultura pós-positivista. Como dito acima, muitas vezes a norma não é suficiente para solucionar um caso. Por isso, a corrente pós-positivista, como o próprio nome já diz, supera o positivismo jurídico e sua tese de que no Direito não cabe a Moral ou qualquer outro campo de conhecimento. Assim, “o pós-positivismo parte do pressuposto de que o Direito não cabe integralmente na norma jurídica e, mais do que isso, que a justiça pode estar além dela. ” (BARROSO, 2015. P. 346).

E a terceira mudança se deu com a ascensão do direito público e a centralidade da Constituição. Antigamente, o ordenamento jurídico era baseado no direito privado, onde o Código Civil tinha muito destaque. Mas o direito veio se preocupando cada vez mais com os problemas coletivos, havendo uma proliferação de normas de ordem pública. Isso gerou uma centralidade da Constituição, dando-lhe mais força normativa. Com isso, toda a interpretação infraconstitucional deve se basear na hermenêutica constitucional.

A partir dessa nova visão da interpretação constitucional e supremacia da ordem pública e tendo o Ministério Público a atribuição funcional de defende-la, pode-se chegar a uma conclusão: que tais mudanças implicaram também uma profunda transformação das funções do Parquet. O Ministério Público passa a ter uma atuação mais ativa, com suas ações visando não somente a reprimir ilícitos que vierem a colocar a liberdade alheia em perigo, mas também objetivando a concretização efetiva dos direitos fundamentais.

6 A INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO

Como já foi bastante abordado, na hermenêutica jurídica há a supremacia da interpretação constitucional, sendo a base essencial para a interpretação das demais normas. Isso decorre do fato de que as normas infraconstitucionais são “filhas” da Constituição, do qual devem respeitá-la e seguir os limites determinados por ela. Com isso, é importante adentrar nas minúcias de tal interpretação “mãe”.

A interpretação constitucional é uma modalidade de interpretação jurídica. Como a Constituição é uma norma jurídica, a sua interpretação se vale de elementos, regras e princípios que regem a interpretação em geral. Mas por ser de caráter amplo, que atende às relações políticas, disciplinando a partilha e o exercício do poder, bem como impondo o respeito aos direitos da cidadania, a interpretação constitucional tem muitas particularidades dentro da interpretação geral.

O papel da Constituição é coordenar o governo da maioria, postulando princípios valorativos e direitos fundamentais a serem preservados, impondo respeito aos direitos das minorias. Também deve assegurar a participação igualitária na política e a alternância de poder. A Lei Maior possui especificidades diante das outras normas, por isso não se detêm apenas a dimensão positivista, mas vai além, alcançando a Moral e a Política. Assim, a própria Carta de 1988 impõe aos seus órgãos a função de protege-la, para que possa alcançar todos os âmbitos do ordenamento, trazendo eficácia aos direitos fundamentais.

Para isso, a Constituição determinou ao Ministério Público uma das funções essenciais à Justiça. O art. 127 afirma que o papel do MP é “[…] a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. ” É importante citar o Relatório do 2º Encontro Nacional do Ministério Público e Movimentos Sociais, do qual tem como tema a “defesa dos direitos fundamentais”.

“O Plenário do CNMP instituiu, por meio da Emenda Regimental nº 06, a Comissão de Acompanhamento do Ministério Público na Defesa dos Direitos Fundamentais (CDDF), com o objetivo de contribuir para o fortalecimento do Ministério Público brasileiro, estimulando o exercício das atribuições institucionais atinentes à defesa dos direitos fundamentais, em coerência com as diversas previsões constitucionais e legais que conferem ao órgão o poder-dever de atuar como agente de transformação positiva da realidade social.

[…] a CDDF vem desenvolvendo, em parceria com as diversas unidades e ramos do MP brasileiro, uma série de projetos e parcerias que buscam fomentar e induzir uma maior integração nacional (princípio constitucional da unidade do Ministério Público), sempre respeitada a independência funcional e a autonomia institucional, além de promover o acompanhamento da eficiência da atuação do Ministério Público na defesa dos mais diversos direitos fundamentais, disseminar boas práticas locais bem sucedidas em âmbito nacional, realizar audiências públicas sobre temas variados destinadas à coleta de informações, críticas e sugestões de aprimoramento da atuação do Ministério Público, sem prejuízo do aprofundamento de estudos de temas que estão sendo apreciados pelo plenário do CNMP, quando este assim o solicitar.” (CNMP, 2014. P. 3).

O Relatório aborda temas sobre os problemas da área da saúde, problemáticas políticas, questões étnicas, inferioridade socioeconômica, questões de gêneros, portadores de necessidades especiais e etc. O Ministério Público procura entender os principais problemas sociais que ocorrem no Brasil e buscam a melhor maneira para resolve-los. Isso mostra a importância da nova interpretação constitucional, que não se fecha mais sobre as normas jurídicas e abandonam o resto das questões. A Constituição, junto ao MP e outros órgãos semelhantes, tenta sanar toda e qualquer problemática vivida pela sociedade, como já teorizava a corrente pós-positivista.

7 O SER HUMANO É TITULAR DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais são os direitos indispensáveis concernentes aos membros de uma comunidade política, positivados pela Constituição, que concretizam as necessidades e os valores demandados em um contexto histórico para a realização da pessoa humana, com fundamento no princípio da sua dignidade. Segundo Gilmar Mendes (2014, p. 140): “São, pois, em sentido material, pretensões que, em cada momento histórico, se desdobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana.”. Conclui-se que os direitos fundamentais tem como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, como está positivado na Constituição Federal no seu art. 1º, III.

Os direitos fundamentais, apesar de consistir em prerrogativas da pessoa humana, para que garanta a sua dignidade, não são estabelecidos apenas em dimensão individual. Prova disso foi o seu desenvolvimento histórico em gerações ou dimensões, que parte da perspectiva individual no contexto do constitucionalismo liberal, até a terceira e quarta gerações de direitos que assistem aos titulares dos direitos fundamentais numa perspectiva transindividual, os chamados direitos difusos e coletivos.

O estado através de seu processo formal elabora todas as regras necessárias para o convívio harmônico em sociedade e dentre estas, proporciona direitos direcionados aos indivíduos ao positivá-los, é o que se chama de direito objetivo. Quando a pessoa, ou várias delas, tem a faculdade de exigir reconhecimento de uma prerrogativa perante a sociedade ou ao próprio estado, amparado em uma norma, há o que se chama de direito subjetivo.

Este, que está na esfera da personalidade, atende a interesses que podem ser observados por diferentes perspectivas. Nestes termos, há o interesse individual, que é a prerrogativa do indivíduo em si, aquilo que lhe interessa enquanto particular e portador de direitos subjetivos; de outro ângulo há o interesse público, que não deve ser entendido como um interesse de uma entidade afastada dos indivíduos com seus próprios objetivos, na verdade se trata da dimensão pública dos diversos interesses individuais, aquilo que é de interesse do indivíduo enquanto membro de uma coletividade.

Ao Ministério Público cabe a defesa desses direitos em todas as suas perspectivas, acionando o estado para que garanta esta proteção. É o que o direito processual chama de tutela individual e coletiva: a proteção dos direitos, respectivamente, em sede particular e em caráter coletivo, metaindividual. Os direitos fundamentais compreendidos como sinônimos dos direitos da personalidade é uma visão ultrapassada, de viés liberal, dos primórdios do constitucionalismo moderno.

As sucessivas circunstâncias históricas (Revolução Industrial, 1º e 2º Guerras Mundiais) proporcionaram a mudança desse paradigma para uma proteção social, coletiva, transindividual de direitos. E os intérpretes do ordenamento necessariamente acompanham essas mudanças. Exemplo claro: cabe ao Ministério Público, titular de maior destaque em meios de garantias constitucionais, como a importante ação civil pública, regulada pela Lei nº 7.347/1985, ação constitucional que busca, dentre outros a proteção de direitos difusos e coletivos como por exemplo a proteção de bens sociais como o meio ambiente, a ordem urbanística e econômica, as relações de consumo e a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

A instituição Ministério Público, juntamente com as demais instituições democráticas e essenciais à justiça, bem como o próprio estado necessitam convergir suas atuações para que os princípios e valores constitucionais, bem como as garantias e os direitos fundamentais, possam ser exercidos por todos os membros da comunidade política, seja na sua perspectiva individual ou na defesa dos direitos difusos, coletivos e transindividuais em geral, com o intuito de garantir as liberdades sem ignorar a igualdade e a dignidade humana.

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado Democrático de Direito, por ser noviço no país, ainda busca concretizar seus pilares na sociedade. A Lei Maior já predeterminou os passos que a sociedade deverá seguir, almejando a plena dignidade humana e qualidade de vida. Agora cabe aos órgãos e agentes responsáveis fiscalizar, amparar, instruir e disciplinar cada âmbito da sociedade, em prol da efetivação dos direitos fundamentais, individuais e coletivos. Para isso, é essencial a análise da atuação do Ministério Público, órgão responsável pela ordem jurídico-social, perante as premissas hermenêuticas constitucionais.

A hermenêutica jurídica, que as vezes é pouco valorada pelos juristas, é sim de fundamental importância para ajudar o Estado a consolidar os direitos humanos. O tripé da hermenêutica jurídica (hermenêutica, interpretação e aplicação) e a teoria do círculo hermenêutico buscam a melhor maneira de adaptar os enunciados normativos aos casos concretos. Além disso, a visão pós-positivista e a valorização das matérias que tangem o Direito, como a Filosofia, a Sociologia e a Política, buscam superar as barreiras impostas pela teoria da norma pura, entendendo que a justiça está além do Direito, abarcando a Moral e as outras áreas de conhecimento. Isso faz com que as normas jurídicas se aproximem da realidade, tornando o processo de concretização dos direitos mais eficaz.

Com a evolução histórica do Direito e a maior necessidade de normas públicas, que atendam aos interesses coletivos, a Constituição ganhou centralidade no ordenamento. Contudo, ela carrega o dever de proteger a sociedade contra os males da privatização e do individualismo, das desigualdades e do autoritarismo. Para isso, elencou, na divisão do Poderes da União, um forte aparato de órgãos e agentes habilitados para efetivar o papel da Lei Maior. Um deles é o Ministério Público. A partir do estudo hermenêutico, se concluiu que o Parquet, com um grande dever de proteger os direitos fundamentais, se vale de premissas da interpretação constitucional como instrumento concretizador;

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 2º Encontro Nacional do Ministério Público e movimentos sociais: em defesa dos Direitos Fundamentais. Brasília: CNMP, 2014.

GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 3. Ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

HEIDEGGER, Martin. Sobre o humanismo. Tradução de Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1967

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

PEREIRA, Rodolfo Viana. Hermenêutica filosófica e constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2001

REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

RIBEIRO, Fernando José Armando; BRAGA, Bárbara Gonçalves de Araújo. A aplicação do Direito na perspectiva hermenêutica de Hans-Georg Gadamer. Revista de Informação Legislativa. n. 177, 2008. Disponível em: < http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/160157/Aplica%C3%A7%C3%A3o_direito_perspectiva_he….>.

RIBEIRO, Julio de Melo. Interpretação conforme à Constituição: a lei fundamental como vetor hermenêutico. Revista de Informação Legislativa. n. 148, 2009. Disponível em: < https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/194954/000881712.pdf?sequence=3>.

SABADELL, Ana Lucia. Manual de sociologia jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e (m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. 10 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.



[1] Graduando da Universidade Estadual do Maranhão, no curso de Direito.

[2] Graduanda da Universidade Estadual do Maranhão, no curso de Direito.

Como citar e referenciar este artigo:
AZEVEDO, Gabriell Jorge Monteiro; CURVINA, Nathalia Teixeira Feitosa. As premissas hermenêuticas constitucionais do Ministério Público na defesa dos direitos fundamentais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/as-premissas-hermeneuticas-constitucionais-do-ministerio-publico-na-defesa-dos-direitos-fundamentais/ Acesso em: 29 mar. 2024