Direito Constitucional

Debates e confrontações sobre a possibilidade de uma constituinte exclusiva – teoria e práxis na reforma política

Erick Beyruth de Carvalho[1]

Osvaldo Estrela Viegaz[2]

Savigny Batista Dias[3]

Resumo

Os debates sobre a Reforma Política tomam corpo em diversos setores da sociedade, que colocam concordâncias e divergências acima de qualquer união em perspectiva da busca de uma convergência geral, em que as disputas doutrinárias e pessoais se sobrepõem aos interesses verdadeiramente nacionais e prejudicam os resultados necessários. Através de abordagem teórica e analítica pretende-se por meio deste artigo esboçar alguns pontos acerca da Reforma Política e da possibilidade de instauração de uma Assembleia Constituinte Exclusiva destinada a este fundamento, levantando questões inerentes ao debate e que por vezes encontram-se ignoradas e suplantadas por outras que não se encontram em sintonia com o que se pretende por meio de uma reforma política. Apresentar considerações sobre estes pontos, desde a teoria clássica até a realidade nacional atual, urge como necessário para compreensão do momento atual pelo qual o Brasil passa.

Palavras-Chave: Reforma Política; Constituinte Exclusiva; Poder Constituinte; Teoria Constitucional.

Abstract

Discussions about the Political Reform take shape in various sectors of society, but taking politics concordances and differences above the search of any general convergence, in a scenario that the doctrinal and personal disputes superimpose the truly national interests and undermine the necessary results. Through theoretical and analytical approach is intended through this article to outline some points about the Political Reform and the possibility of establishment of an Exclusive Constituent Assembly aimed at this ground, raising questions inherent to debate and that sometimes are ignored and supplanted by others that are not in tune with what is meant by political reform. Present considerations on these points from the classical theory to the current national situation, it is urgent and necessary for understanding the present institutional moment of Brazil.

Keywords: Political Reform; Exclusive Constituent; Constituent Power; Constitutional Theory.

Introdução

Diante dos inúmeros debates provenientes da insatisfação geral com os rumos políticos do país, a reforma política tem tomado de forma significativa as manchetes dos jornais e dos discursos de deputados e senadores, envolvendo a participação ainda de partidos políticos, representantes de classes dos mais variados espectros de atuação e a própria sociedade, em proporção de interesse de seus particulares, sendo que as manifestações neste sentido se intensificaram nos últimos anos, se mostrando ora favoráveis às mudanças na ordem política, ora pela sua contrariedade, em epígrafe da multiplicidade de posicionamentos e interesses em jogo. Contudo, estas mesmas marcações de posicionamento político evidenciam que, para além do tema em seus mais estreitos termos de estruturação institucional e normativa da seara política, e trazendo elementos que, ainda que silenciados no discurso oficial, não necessariamente fazem parte dessa discussão, muitas outras possibilidades políticas estão em pauta; evidente que tais considerações, pontuadas como tabula rasa, vazia de conteúdos, precisam ser mais bem explorada para que o tema da reforma política, tal qual tantos outros em que a abordagem não foi suficientemente robusta para denunciar suas obnubilações de sentido, não se torne tão apenas mais um discurso, pretendendo-se propriamente que o debate possa gerar a efetivação de novas formas de se pensar e de se fazer política.

Dentre os temas elencados constantemente como que imbricados no debate da reforma política não podemos deixar de centrar atenções aos problemas enfrentados pela chamada “Constituinte Exclusiva”, estrutura político-jurídica levantada mais recentemente como maneira viável de concretização das propostas elencadas como fundamentais para que o sistema político brasileiro apresente as significativas modificações que o façam ter pleno funcionamento e que, diante disso, tragam o apaziguamento institucional que as democracias precisam para sobreviver aos períodos mais complicados para se sobressair fortificada, diferentemente do que ocorre na atualidade nacional com os diversos abalos sofridos que, ao invés de proporcionar essa força, paulatinamente corroem todas as já frágeis estruturas institucionais brasileiras.

Pelo cenário evidenciado, temos por certo que levantar as hipóteses e confrontá-las com as diversas possibilidades é a melhor maneira de encontrarmos, neste prospecto, como podemos pensar o desenvolvimento de uma reforma política que esteja inclusa no âmbito de uma constituinte exclusiva e de como esta, dentro de suas limitações, pode ser útil nesta construção e na própria constatação da realidade nacional. Para tanto, entendemos que através dos elementos doutrinários e fáticos inseridos nos meandros da sociedade brasileira torna-se possível a análise de como a constituinte exclusiva atua numa ordem jurídica já existente, tratando de forma pontual daquilo que se coloca como fundamental na reformulação política que o país atravessa, evidenciando, assim, as nuances gerais de entendimento, separando o que se mostra como mero discurso e o que possui real significância e concretude para efetivar-se na política.

Desta maneira, procuramos trazer elementos que possam balizar a compreensão acerca de como pensar a reforma política, trabalhando num primeiro momento a teoria sobre o poder constituinte para então, num segundo espaço, tratar de uma possibilidade da constituinte exclusiva ser uma das potências de reestruturação democraticamente proposta para a consecução de um ambiente político mais plural em Brasil, pela observação de um meio em si já mais aproximado das participações políticas diretas, inserindo, ao fim, questões referentes ao poder constituinte originário material e a microconstituinte como formas de se possibilitar a reforma política assentada em meios mais bem estruturados democraticamente porque não velados, em sustento maior da experiência democrática e republicana na qual o país se insere, tendo como princípio norteador o seu fortalecimento, e não o esfacelamento das instituições nacionais, enquanto consequência maior da atuação pautada em interesses particulares múltiplos que não se coadunam com o real intuito de uma reforma política.

Longe de tentarmos discutir ponto a ponto os itens que já estão sendo colocados em pauta tanto pelo Senado Federal como pela Câmara dos Deputados na reforma política – inclusive sobre a instalação de Comissão Especial ocorrida na última semana do mês de outubro –, enquanto espaço oficial (mas não único) de debate das nuances que compõem, ao fim, o macrointeresse de reforma, pretendemos, pois, tentar apresentar ao debate pontuais contribuições que de alguma maneira possibilitem o clareamento de questões que se fazem nebulosas, propiciando assim que as controvérsias acerca de uma constituinte exclusiva sejam desmistificadas, trazendo à discussão elementos que fomentem a maior abrangência possível da reforma política e que, ao mesmo tempo, traga a necessária transformação esperada pela sociedade.

Noções Sobre a Teoria do Poder Constituinte

A conceituação de poder constituinte engloba diferentes matizes que remontam às origens da organização social e do próprio direito enquanto elemento estruturante desse desencadeamento propriamente humano. Encontrando-se em consonância com as primeiras formas civilizacionais em sua formação, a constituição e fundamentação das instituições perpassam como modelo fundante do arcabouço que sustenta o direito enquanto força motriz jurídica da sociedade.

Para nós, inseridos na modernidade e fomentados pelo “espírito” fervoroso dos arquétipos criados pela Revolução Francesa e suas reverberações, temos por certo que o estudo dessas noções basilares modernas são fundamentais para conceituação de como o plano do seu desenvolvimento foi estabelecido e concretizado e, para além disso, se mostrou inerente para sustentação do próprio Estado enquanto ser legitimado pela soberania do povo.

Se de um lado o poder constituinte encontra-se desde os primórdios nas sociedades políticas, a noção de teoria do poder constituinte nos é oferecida no período revolucionário do Século XVIII como forma de legitimação desse poder, tido como algo novo em substituição ao arquétipo anterior do absolutismo monárquico e invocando a razão humana como fundamento da Nação – e, embora as substituições do direito divino e de Deus pela jurisdição profana, é certo que sua presença, em diversos aspectos da nova estruturação que se seguiria, possui como base a religião, sobretudo o Cristianismo –, cujo povo é o titular da soberania. Segundo a teoria clássica acerca do poder constituinte de Sieyès, o poder constituinte deve ser tido como absolutamente incondicionado, não se submetendo a nada que esteja previamente estabelecido. A teoria clássica prega, assim, um poder “puro”, no sentido de ser livre de qualquer condição que o limite.

Acerca desses pontos, é salutar para compreensão do que se formou no ocidente através dos modelos institucionais que transformaram o cenário social até então existente e colocaram, por meio de um sistema de representação do povo, os alicerces de constituição do Estado Soberano nacional. Sobre a teoria do poder constituinte e de sua efetivação no plano estatal enquanto forma de soberania criadora, assim colocou o professor Paulo Bonavides:

“O poder constituinte nacional é nesse caso a soberania a serviço do sistema representativo, ou a caracterização diferente que a soberania toma ao fazer-se dinâmica e criadora de instituições, ou ainda, por outro aspecto, a soberania mesma, quando ela institucionaliza num princípio impessoal, apto a transcender a vontade governativa do monarca ou do príncipe de poderes absolutos. Poder essencialmente soberano, o poder constituinte, ao teorizar-se, marca com toda a expressão e força a metamorfose do poder, que por ele alcança a máxima institucionalização ou despersonalização.”[4]

Partindo desse pressuposto levantado por Paulo Bonavides destaca-se que o poder constituinte é o fundamento de duas categorias essenciais na formulação constitucional: o povo e a soberania, consubstanciados pela Nação. É na soberania e no povo que residem a legitimidade que a modernidade pauta a fundamentação jurídica do Estado e de suas instituições, pautando-se através desses ideários a sua constituição enquanto sociedade política e juridicamente estabelecida. A teoria do poder constituinte, então, se coloca como uma teoria da legitimidade do poder, que se estabelece na Modernidade como fundamental para o próprio pensamento do que é o Estado.

O poder constituinte, deste modo, é uma ruptura à antiga ordem – como ocorreu com as Revoluções Liberais do Século XVIII e, em especial, com a Revolução Francesa, que formou as bases principais daquilo que seria o Estado Moderno através do reconhecimento que a soberania encontra-se com o povo e não concentrada no absolutismo monárquico até então vigente – por meio da qual uma nova ordem jurídica é elaborada e positivada.

Tomando a teoria do poder constituinte em sua forma mais pura, ele é comumente designado como sendo dotado de certas características, como “originário”, “soberano” e com capacidade de “decisão”, sem que tais predicados estejam vinculados a outras formas positivadas de direito, tendo na autolimitação de sua vontade a determinação das regras que serão inseridas no Estado. Tanto que, para Carl Schmitt, o poder constituinte se define como uma decisão política, vontade esta cuja força, emanada da autoridade, concretiza o modo e a forma que se dará a existência política, haja vista que “no fundo de toda normatividade reside uma decisão política do titular do poder constituinte, é dizer, do Povo na Democracia e do Monarca na Monarquia autêntica”[5], podendo concluir, quanto ao ponto levantado por Schmitt, que para existir a norma é necessária a decisão política soberana, estando o poder constituinte originário encarregado dessa acepção decisória.

Colocando nestes termos, percebemos como a criação da Nação enquanto invenção Moderna e dos desdobramentos decorrentes dela – como as noções de povo e soberania popular, república e democracia ou a configuração social existente – propiciou ao Estado resolver problemas que se mostraram imperiosos para o sucesso de seu assentamento e fundamentação social por meio do direito. Explica essa questão o professor José Joaquim Gomes Canotilho:

“Deste modo, a “descoberta da nação” permitiu ao “Estado-Nação” resolver três problemas políticos: (1) modo de legitimação do poder político; (2) catalisar a transformação do “estado moderno” em “república democrática”; (3) criar uma nova solidariedade entre os cidadãos politicamente activos na construção da nova ordem social.” [6]

A legitimação do exercício do poder político num Estado Democrático de Direito passa, segundo a formulação clássica teórica, pela força advinda da soberania popular, constitucionalizada por meio dos representantes escolhidos para integrar a assembleia constituinte responsável pelo implemento de uma nova ordem jurídica que se lastreie na integração entre os cidadãos na sociedade, o que levará a promover, em função dessa relação soberana do povo com a carta jurídica criada, o modelo constitucional que passará a reger estes cidadãos e no qual se encontrará concentrado o emaranhado dinâmico dos seus valores, em que a Constituição será a forma pela qual esses valores poderão consubstanciar-se na sociedade e mostrar sua força.

É na pluralidade das forças de uma sociedade que está o princípio no qual a soberania se lastreia. Por este motivo que a legitimidade necessária à Constituição encontra seu maior respaldo na correspondência das normas com os valores e aspirações gerais do povo. Com isso, tem-se que a manifestação da vontade soberana de um povo estará política e juridicamente organizada de modo a prevalecer a legitimidade necessária para o estabelecimento do Estado, possibilitando que, no processo democrático, a teoria de Sieyès faça sentido, haja vista que, hodiernamente, considera-se que o próprio Estado emana da soberania popular.

O valor contido no bojo constitucional é indispensável para o reconhecimento da convivência entre os cidadãos inseridos em determinada estrutura social. É dessa forma que se poderia pensar, de maneira conjunta, na possibilidade de mobilidade e ao mesmo tempo de estabilidade do texto constitucional como fatores intrínsecos ao poder constituinte, isto porque estaríamos diante de dois fatores garantidores do dinamismo jurídico inerente à Constituição. A mobilidade e a estabilidade se tornam princípios basilares nesta constatação.

Os valores morais e políticos são os legitimadores da Constituição quando nos deparamos com o necessário engajamento entre o povo soberano e o poder constituinte que levará ao Estado Democrático de Direito e, como vimos com o professor Canotilho, esse foi um dos problemas que o Estado-Nação se deparou e precisou enfrentar, imbuindo no poder constituinte os valores legitimadores não apenas da Constituição, como também do próprio Estado. Podemos definir da seguinte forma:

“Trata-se, portanto, do elemento caracterizador da Constituição, principal vetor de orientação para a interpretação de suas normas e, através delas, de todo o ordenamento jurídico. Enquanto manifestação de uma opção básica por determinados valores, característicos de uma ideologia, a fórmula política inserida na Constituição se apresenta como um programa de ação a ser partilhado por todo integrante da comunidade política, e por isso, responsável a um só tempo pela sua mobilidade e estabilidade.” [7]

O resgate histórico dessas formas e das discussões que envolvem o poder constituinte nos primórdios da sociedade moderna gozam de grande importância para compreensão do modo como sua existência se produz no plano da realidade social. Se temos que o poder constituinte na atualidade deve ser compreendido através das influências trazidas pela Revolução Francesa e pelos filósofos iluministas, temos igualmente que considerar como sua introdução no Brasil foi realizada, sobretudo por se tratar de momentos de transição – da Colônia para Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e, posteriormente, pela Independência, em Império – que caracterizam em muito a sociedade e como as instituições se estabeleceram como formas de continuidade ao já assentado como correto e verdadeiro no pensamento nacional.

É neste sentido que doutrinas antagônicas conviveram em perfeita harmonia, como a pretensa igualdade entre os Três Poderes no Império com a existência – e supremacia – do Poder Moderador frente aos demais, ou o liberalismo pregado pelos grandes latifundiários escravagistas do período Imperial, ou ainda o fato de que o pensamento jurídico brasileiro assentava suas bases no estrangeiro, pois os filhos dos poderosos fazendeiros continuavam a ser educados em Coimbra, mesmo depois da Independência e da criação em 1827 das Faculdades de Direito de São Paulo e Olinda – transferida mais tarde para Recife –, trazendo ao Brasil na bagagem as formas de burocratização da administração pública como modelos ideais de governabilidade que engessaram a Colônia e se prolongaram no Império, dominando todas as instâncias e fundamentando a estrutura jurídica do país nestes moldes que se refletem na República.

Tais formações e consequências sobre a teoria e o poder constituinte, por certo, auxiliam a compreender o projeto chamado Brasil e como suas reverberações respaldam, ainda na atualidade, questões pontuais sobre o poder constituinte e sua inserção enquanto possibilidade política na realidade nacional.

(Im)Possibilidade de Uma Constituinte Exclusiva?

Em junho de 2013 uma janela se abriu na história política do coração da América Latina. As manifestações populares que se multiplicaram pelas capitais da terra do cruzeiro tinham como reivindicação inicial o aumento de vinte centavos no preço da passagem. Cientes da potência das multidões, os cidadãos que ali se encontravam passaram a reivindicar a efetividade de determinados Direitos Sociais (e Fundamentais) como a saúde, educação, segurança pública e em especial uma proposta para a reforma política, tornando a manifestação algo muito maior.

A proposta de uma reforma política ainda não tinha seus objetivos delineados de maneira clara. A única certeza que pairava sob as mentes inquietas das ruas era a crise de representatividade que assola(va) o Brasil. O afastamento – ideológico e geográfico – dos representantes do povo Brasileiro situados em Brasília – uma espécie de bunker da classe política – ficava cada vez mais claro em meio às (des)medidas políticas advindas do planalto central, onde os Partidos Políticos não representam mais os cidadãos, mas tão somente as suas próprias máquinas burocráticas.[8]

Situada nesse contexto de ceticismo político a então Presidente da República, Dilma Rousseff, propôs um plebiscito sobre a convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva para realizar a reforma política que ocorreria com ampla participação popular. Os pontos centrais a serem debatidos pela Assembleia, em um primeiro momento, seriam: financiamento de campanha, sistema eleitoral, suplência do Senado, coligações partidárias e o voto secreto no Senado.

Os conceitos e espécies de Poder Constituinte foram elencados no primeiro tópico do presente artigo, sem abarcar, por conseguinte a questão da Constituinte Exclusiva por um motivo certo: não existe previsão expressa na Constituição Federal que autorize ou que proíba a convocação de uma assembleia para debater a reforma política tão clamada pela sociedade, tornando sua discussão ainda mais importante no cenário nacional atual.

Nessa toada, há que se afirmar, portanto, que o Poder Constituinte apto a convocar a Assembleia Constituinte seria, por natureza, originário e soberano. Ou seja, não se limitaria material e procedimentalmente, rompendo diretamente com a ordem posta anteriormente. No mais, conforme já mencionado, não existe forma jurídica específica para sua existência, podendo ser convocado até mesmo por Emenda Constitucional – como veremos adiante –, o que não guardaria lógica na teoria constitucional e no escopo do próprio Estado. Trata-se, portanto, de um poder-fato e não de direito, de uma questão preponderantemente política e não jurídica que deverá buscar a sua legitimidade no povo enquanto titular da soberania da Nação, fundamental para estruturação do Estado e formação da Constituição.

Isto posto, em análise ao ordenamento jurídico pátrio, restou demonstrado que o instrumento constitucional apto a dar legitimidade ao ato de formação de uma constituinte exclusiva é o plebiscito que, nas palavras de Meirelles Teixeira, é “expediente destinado a obter voto popular direto sobre um assunto de importância política, ou, para criar uma situação política mais ou menos permanente” (TEIXEIRA, 2011, p. 437). O objeto do plebiscito é, sempre, um ato concreto, uma decisão política, uma situação atual ou futura. O Plebiscito autoriza a formulação da medida. Faz-se mister ressaltar que, portanto, a realização de um plebiscito amplamente debatido na sociedade civil sobre formação da Assembleia é altamente recomendável para legitimar a medida. No entanto, mais importante do que a figura jurídica do plebiscito é a criação de um cenário com condições ideais para o debate na esfera pública, sempre atento à atuação de determinados meios de comunicação privados que tendem a privilegiar certos setores e ideais e ofuscar outros contrários aos seus interesses algo que é inadmissível numa democracia em que a base se encontra na sociedade, tal como apontado por Sieyès.[9]

Porém, a figura de uma assembleia constituinte parcial e exclusiva para debater a reforma política foi fortemente rechaçada por boa parte da classe política e jurídica brasileira[10] que, resumidamente, afirmava que a tal constituinte exclusiva estabeleceria uma nova Constituição, o que poderia levar ao desaparecimento dos direitos e garantias salvaguardadas pela Carta de 1988. Afirmavam ainda que o direcionamento da assembleia estaria vinculado com o ponto de vista ideológico dos seus representantes e que haveria uma pressão política e econômica que, se valendo dos mais variados instrumentos, poderiam influenciar o debate para fazer valer os seus ideais. Ao que se indica, o grande medo que paira sobre a classe jurídica e política era que sem a existência de limites materiais e procedimentais, toda forma de mudança pudesse ser aprovada por parte da assembleia, o que poderia levar em certa medida o retrocesso em direitos já assegurados por anos de lutas sociais. No mais, afirmavam que as matérias atinentes à reforma política não são objeto de cláusulas pétreas e poderiam ser objeto de modificação pelo Poder Constituinte Derivado via Emenda Constitucional.

Ocorre que, muitas vezes, o político se sobressai sobre o jurídico, de modo que beira certa ingenuidade crer que o Congresso Nacional – principal afetado pela reforma política – vá levar a cabo um pacote de reformas que venha retirar seus privilégios, o que já está cristalinamente demonstrado em virtude do tempo que se tem levado para debater o tema nas duas Casas. Ainda: rebater a possibilidade sob os auspícios de que a assembleia constituinte estaria eivada de diversos projetos ideológicos que não atenderiam ao povo é “chover no molhado”, haja vista que o Congresso Nacional como um todo é financiado por agentes que controlam o mercado em seus mais diversos setores, estando, portanto, totalmente inseridos nessa ideologia distante da sociedade e, mesmo assim, continuam atuantes dentro dos limites estabelecidos.

Nesse sentido, é imperioso mencionar que, em sentido contrário, os defensores de uma constituinte exclusiva alegam que a assembleia não seria total, mas tão somente para complementar a Constituição no que ela tem de inacabada – sobretudo quanto às regras de representação política – o que tem inviabilizado por demais o exercício de uma cidadania plenamente ativa. No mais, a própria sociedade e comunidade política que irá debatê-la e eleger os seus membros é quem deverá impor os limites materiais e procedimentais à assembleia, frisando que a mesma não teria o condão de dispor sobre uma nova Constituição ou até mesmo de suprimir cláusulas pétreas,[11] mas tão somente dispor acerca da reforma política, sendo o poder constituinte originário no sentido de ilimitado para tanto, mas autolimitado sobre os demais pontos da Constituição vigente.

Isto posto, a inexistência da Constituinte exclusiva ou parcial para se debater a reforma política na teoria constitucional pátria não deveria ser óbice para o surgimento desta possibilidade, dado que estaríamos a levar em conta apenas uma visão dita eurocêntrica, colocando a experiência europeia como modelo para a realidade latino-americana, que demanda um olhar muito mais delicado por conta sua formação histórica advinda de golpes e contragolpes e, no caso brasileiro, de todo o emaranhado e dificultoso processo nos quais passou em sua história republicana, tomando por necessária que a transposição idêntica dos fundamentos europeus não encontraria, de forma alguma, campo sólido para se assentar no Brasil, devendo-se levar em consideração a realidade na qual estamos inseridos.

Urge ressaltar que, em virtude das críticas, o governo recuou e apresentou a PEC 276/2013[12], de autoria do Deputado Leonardo Gadelha (PSC/PB), ao passo que o processo de formação de uma constituinte parcial seria criado por uma modificação da própria Constituição Federal, por meio de PEC e aprovada pelo Congresso eleito. Após esse feito a assembleia seria composta por membros eleitos pela população, com competência limitada pela própria PEC somente para realizar a reforma política, respeitando-se integralmente o princípio democrático.

Conclui-se, portanto, que o debate em torno de uma assembleia constituinte exclusiva para se realizar a reforma política dever ser levada de maneira séria, sem preconceitos e reducionismos políticos. Veremos mais adiante que existe, para além de um Poder Constituinte Originário Formal, um Poder Constituinte Originário Material ou “microconstituinte” que não está capturado pela lógica do direito, mas que habita no âmbito das relações políticas, sociais e econômicas, influenciando diretamente a formação de qualquer assembleia constituinte ou Constituição, podendo constituir a originária ideia em torna da constituinte parcial e exclusiva uma sua mais bem acabada, porque democraticamente posta, estrutura de atuação.

Constituições Formal e Material. (Falsas) Antinomias Reveladoras do Direito e seu Sentido nos Interstícios do Jurídico e do Político

A partir de um possível ponto de inflexão das premissas lançadas nas passagens destes antecedentes, primeiramente acerca da recente autorreflexão, enquanto teoria, de um poder constituinte que se faz fundante e seu remontar à Modernidade e seu projeto político e imbricações de poder, bem como o seguinte traço de uma efervescente paisagem político-institucional e, por isso, também jurídica, em que se insere o Brasil, em insígnia maior do constitucionalismo latino-americano e sua conjuntura, imperiosa se faz a perspectivação de uma problemática que se faz premente de análise. Qual seja: a dificuldade que permeia o olhar que se desloca entre o constitucionalismo moderno, ao menos em sua feição clássica, e o descompasso que dele emerge face à compreensão das transformações e anseios sociais em sentido do próprio cumprimento das balizas já consagradas no texto constitucional.

Tomando-se como senão possível, ao menos como necessário, o debruçar sobre uma possibilidade de equalização da dificuldade lançada, necessário o remontar a questões primeiras que lhe pautam; para tanto, os fundamentais conceitos de teoria jurídico-constitucional propostos há muito são de grande valia. Diz-se isto tendo em vista a centralidade de ideias que permeiam dois autores em específico, quais sejam, o francês Emmanuel Joseph Sieyès e o alemão Ferdinand Lassalle, em suas obras fundamentais, O que é o terceiro estado e O que é uma Constituição, respectivamente.

Do primeiro deles, de maneira clara fica estabelecido que para Sieyès há uma distinção entre o poder constituinte originário e aquele um outro derivado, cabendo ao primeiro instituir soberanamente a constituição de uma dada nação, guardando os seus representantes designados e eleitos, ao menos sob esta inicial ótica, uma plenipotenciária capacidade de atribuição de sentido normativo ao social, sendo ao segundo reservada a possibilidade de reforma ou revisão deste mesmo documento fundante, desde que observada um seu núcleo essencial, enquanto princípios fundamentais que, (a)caso alterados, estabelecido outro marco fundante.

Do segundo deles, também de forma irretorquível a delimitação proposta por Lassalle de uma constituição formal, escrita e, como por ele mesmo designada, de folha de papel[13], própria ao dever-ser, e uma outra constituição material, significando a organização social de fato existente, em reflexo necessário dos fatores de poder e suas forças atuantes no seio social, em conflitos correlacionados determinantes para o traçar de um destino nacional. De tal teorização, evidente que se a constituição formal guarda correspondência à manifestação da legalidade posta, expressão da dimensão jurídica de uma estruturação da sociedade, enquanto indispensável autoridade para as formas de organização social, à constituição material, para este mesmo um dos precursores da social democracia em Alemanha, resta a expressão de uma realidade fática de um dado corpo social, enquanto mais natural conteúdo de suas normas destinadas à sua regência e, por isso mesmo, o pululante valor político nela imbricado, desde que tão somente traçadas tais estipulações por um poder investido de legitimidade, por permitir a confluência num ponto comum o consenso social pelos valores por esta mesma sociedade difundidos, em persecução contínua à sua consecução.

E destes conceitos mais caros à tradição jurídico-política constitucional é-nos garantida uma herança de uma binariedade de conceitos que, no mais das vezes, por não serem explorados à sua exaustão, tão somente legitimam o que lhes não é dado evidenciar, em cisão de um abismo que não lhes permite interlocução. É dizer: se perspectivada estas elucubrações teóricas em seus mais estritos termos, não somente na forma delineada por seus primeiros precursores, mas também por seus mais diversos pósteros que devem àqueles trilha de pensamento, saliente à intuição que guarda-se uma cisão entre dois pretensos conceitos que, em realidade, se comunicam – e devem mesmo se comunicar, consigna-se – e conjugam sentido à constituição mesma: o poder constituinte, originário ou derivado, em escoamento em formas jurídicas das relações reais de poder de dada sociedade, e a Constituição propriamente considerada, normativamente propugnadora de formas de atuação social, que (pretensa e) remansosamente repousa sobre um império de sentido autorreferencial instituído e dado como suficiente à sua própria promoção.

Diz-se isto último em perspectiva de que não se afigura possível, ou não suficientemente sustentável, a premissa de que em tão somente dois momentos se resumem às dificuldades de vivência do documento social maior, enquanto, nos termos de Karl Loewenstein, decisão política fundamental, posto que as problematizações que lhe determinam ponto comum são muito maiores que somente duas estruturações estanques. Para além de uma efervescência social e política que determina vazão a um estabelecimento normativo de dado corpo social, primeiro ou reformador, bem como de uma atuação normativa que se autopressupõe, em manifestação jurídica de um poder que se faz em si, há ainda uma conjuntura capilarizada de problematizações sociais que atuam para além dessa forma, não reduzindo, em caráter estreito, a moderação política de sua atuação a estruturas jurídicas, mas também não fazendo destas esterilizados componentes autômatos; há, dormente ao abismo dos conceitos, uma heterogeneidade de formas que, no mais, confirmam e conformam ao político uma sua expressão jurídica e, ao jurídico, seu sentido político.

Dentre os empreendimentos teóricos que fomentam perquirição nesta esteira de sentido aqui delineada, salienta-se a proposição do constitucionalista cearense Paulo Bonavides que a partir de sua leitura do ensaio do jurista gaúcho, radicado em Rio de Janeiro Raymundo Faoro, Assembleia Nacional Constituinte – A legitimidade resgatada[14], bem identifica, em síntese possível de conceitos distantes e fugindo mesmo da tradição jurídico-científica, uma convivência que não é binária mas, antes, complementar, entre os poderes constituinte originário formal e o poder constituinte originário material. Nos termos do também cearense Willis Santigo Guerra Filho, em traços mais largos, tem-se que tais poderes assim se delimitam:

“O primeiro é o que se costuma estudar e é o que se tem em mente ao empregar a palavra “constituinte”, sendo de duração efêmera e dotado de amplos poderes para instaurar, no momento preciso em que é convocado, uma nova ordem jurídica para o Estado. O segundo, o poder constituinte originário material, não costuma ser explicitado pelos juristas, no ambiente de formalismo normativista em que trabalham, sendo designado também pelo Prof. BONAVIDES de “Microconstituinte”. Esta age invisível e difusamente nas bases políticas, sociais e econômicas, via de regra para manter o status quo institucional da sociedade.”[15]

Assim, pode-se dizer que estes dois poderes constituintes sobrevivem ao acabamento final de uma Constituição, ainda que os juristas, de maneira geral, busquem, sem reticências, admitir apenas o primeiro deles, face à dificuldade conceitual a estes inscritas de não conferir ao segundo uma estrutura propriamente jurídica, já que é de titularidade indefinida, anônimo, difusamente exercido e, notadamente, de cariz político. E tal convivência aqui firmada entre os poderes constituintes originários formal e material se dá precisamente neste interstício jurídico-político que promovem tais searas tais quais elas são: (por óbvio que) não se nega o valor normativo das Constituições, mas também inegável a determinação política a que tais propugnações normativas se submetem, posteriormente à sua própria primeira instituição, tal qual, em relatividade recíproca, a nota política de dada organização politicamente organizada se perfaz em formas jurídicas.

E, ao fim, cumpre observar que a sincrética – para não dizer constitutiva, mas dizendo-a mesmo – relação determinante para que sobre uma textura jurídica exista também uma política, e sob esta, a captura jurígena de sua forma, pode-se dizer, fazendo-se uso da certeira pena de Paulo Bonavides, que:

“Disso resulta assinalado que cada país tem ordinariamente duas Constituições: uma no texto e nos compêndios de Direito Constitucional, outra na realidade; uma que habita as regiões da teoria, outra que se vê e percebe nas trepidações da vida e da praxis; a primeira, escrita do punho do legislador constituinte em assembléia formal, a segunda, que ninguém redigiu, gravada quase toda na consciência social e dinamizada pela competição dos grupos componentes da sociedade. Mas essa antinomia vista sob outro aspecto é falsa, pois a verdadeira Constituição está simultaneamente no texto e na realidade. Quando isso não ocorre, a Constituição formal se distancia da Constituição real e com a perda de juridicidade e eficácia se transforma num fantasma de papel.” [16]

Nesse diapasão, ainda que reconhecendo o posicionamento contrário à Constituinte Exclusiva firmado pelo jurista Paulo Bonavides, temos também que apontar que os movimentos populares que tomaram as ruas pelo Brasil requerendo, entre tantas pautas, a reforma política, se aproximam e muito, daquilo que foi cunhado por este mesmo teórico de Constituinte Originária Material. Pois assim como certo que o conceito de Constituinte Exclusiva não habita as teorias constitucionais pátrias, também o movimento ou a “multidão”  nada mais é do que a manifestação dos demais setores da sociedade que em uníssono clamam por uma maior parcela de participação na direção dos rumos do país, isto é, o povo colocando voz na soberania da qual é titular enquanto precursor das mudanças. Dessa maneira, uma assembleia constituinte exclusiva e parcial, com ampla participação popular através de plebiscito e, posteriormente, de referendo para acatar as medidas, é a melhor maneira, ao nosso ver, de recuperar a legitimidade perdida por anos de profissionalização da política, em medida jurídico-política que desvela e conforma, por meios democráticos, as usuais formas políticas responsáveis pelas inúmeras alterações materiais por que passa uma Constituição – in casu, para o distanciamento de suas balizas e termos constitutivos do seu titular de poder, o povo.

Considerações Finais

Através da excursão realizada nessas linhas gerais acerca do poder constituinte e da constituinte exclusiva enquanto possibilidade para a reforma política brasileira, temos que o campo de análise desses estudos deve se lastrear pela realidade e as dificuldades que o país enfrenta na atualidade, sem ignorar as questões mais pungentes que tratem dos anseios da sociedade ao mesmo tempo em que coloca formas concretas de efetivação de novos modelos para o país.

Os lados combatentes que se colocam em duas frentes distintas, a favor e contra a constituinte exclusiva para a reforma política, devem sim promover o debate em todas as instâncias da sociedade e do Estado, mas tendo como intuito não a prevalência de posicionamento de um frente ao outro simplesmente para o enaltecimento doutrinário ou pessoal, mas, pelo contrário, precisam deixar claro quais as intenções que lhe permeiam, para que o destino nacional possa ser mais claramente debatido e, assim, mais bem estruturada as vias de sua consecução. Se, conforme afirmou Ferdinand Lassalle, à Constituição, em seu sentido sociológico, cumpre descrever a realidade do país sob o risco de não tornar-se efetiva, transpor ao texto constitucional emendas que transfiguram e transmutam a realidade – criando simulacros democráticos – em nada contribuem para efetivação dos direitos, tornando a reforma política tão inoperante quanto à permanência do modelo vigente e igualmente inoperante. Perde-se seu sentido antes mesmo de sua vigência.

Não se pode ter como unicamente negativa a possibilidade de uma constituinte exclusiva, eleita com a finalidade apenas de promover a necessária reforma política e, para depois, tida sua dissolução.[17] O fato de encontrarmo-nos novamente em situação na qual a população será instada a escolher os representantes que estarão nesta constituinte exclusiva não pode ser encarado com pessimismo em função de todos os problemas encontrados apenas vinte e oito anos depois da promulgação da Constituição Federal de 1988 e que se alastram e perturbam a atualidade. A experiência democrática, que podemos até colocar como a primeira verdadeiramente tentada pelo Brasil ao longo de sua história republicana, foi válida e não pode ser desconsiderada neste momento capital para encontrarmos um denominador comum para a construção e correção continuamente democrática de seus termos constitutivos.

Aliás, a refutação pura, porque contrária às balizas maiores constitucionais, de não convocação direta do povo para decidir pontualmente sobre os rumos do país é no seu todo infundada, já que tal possibilidade não é, em essência, original, posto que em 1993 o país passou por plebiscito para escolher entre monarquia ou república, parlamentarismo ou presidencialismo – conforme Art. 2º, do Ato das Disposições Finais Transitórias, incluído pela emenda constitucional nº 2, de 1992 –, o que ocorreu mesmo com a Constituição já vigente há cinco anos e prevendo a possibilidade de refutação, respectivamente, da forma e do sistema de governo que o Brasil já então havia adotado na data da promulgação da Constituição de 1988. Confirmação esta que veio posteriormente pelo povo, demonstrando-se que a instalação de uma constituinte exclusiva não estaria em desacordo com a Constituição e com a prática brasileira, conferindo ao povo, em imediatidade de poder louvável, com isso, a possibilidade de decisão em matéria tão importante. Para tanto, pode-se pensar ainda numa limitação da constituinte exclusiva, que seria parcial, nomeada unicamente para realização da reforma política e, então, dissolvida com o término dos seus trabalhos.

Para além deste argumento de cariz fundamentalmente histórico, há que se fazer evidente, como proposto nos termos deste estudo, que a própria convocação de uma constituinte exclusiva, para além da estrita consideração do tema da reforma política, mas considerando mesmo a sua dimensão que lhe a legitima, tão somente estrutura, num meandro possível e desvelado, a distância dos tradicionais elementos que usualmente se recorre à compreensão da Constituição, em restrição de temas à sua formação, revisão e diretriz normativa. É dizer: ainda que, de uma maneira geral, os juristas são dados a admitir tão somente um poder constituinte, qual seja, o de matiz formal, identificável nos momentos de instituição e revisão de dada Constituição, a partir daí lhe conferindo um sentido normativo que se autoalimenta, convive também a realidade constitucional de uma comunidade politicamente organizada com outro, de cariz material, fruto das relações, institucionais ou não, de poder, determinante para as (re)leituras de suas diretrizes e propugnações normativas; e na leitura sintética destas realidades, jurídicas e políticas, enquanto sendas indissociáveis, que se deve buscar a perquirição real dos sentidos político-jurídicos de uma sociedade e seu espelho, enquanto decisão política primeira, a Constituição, tão bem concretizados numa Assembleia Constituinte Exclusiva e Parcial.

Referências

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[1] Mestrando em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas IBMEC/RJ (2014). Membro do grupo de pesquisas “Epistemologia Política e Direito”. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: beyruth91@gmail.com

[2] Mestrando em Filosofia do Direito e Teoria do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Bacharel em Direito pela Universidade Nove de Julho (2014). Licenciado em História pelas Faculdades Integradas de Guarulhos (2009). Membro do grupo de pesquisas “Epistemologia Política e Direito”. Bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E-mail: o-viegaz@uol.com.br

[3] Mestrando em Filosofia do Direito e Teoria do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Franca (2014). Membro do grupo de pesquisas “Epistemologia Política e Direito”. E-mail: savignydias@hotmail.com

[4] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010pp. 142-143

[5] Traduçãolivre de: “En el fondo de toda normación reside una decisión política del titular del poder constituyente, es decir, del Pueblo em la Democracia y del Monarca en la Monarquía auténtica”. (SCHMITT, Carl. Teoría de la Constituición. Madrid: Alianza Universidad Textos, 2003, p. 47).

[6] CANOTILHO, José Joaquim Gomes.Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003,p.72

[7] GUERRA FILHO, Willis Santiago; CARNIO, Henrique Garbellini. Teoria Processual da Constituição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p.170

[8] ARENDT, Hannah. Crises da República. São Paulo: Perspectiva, 2013, p.70

[9] MAGALHÃES, José Luiz Quadro de. Entendendo o Poder Constituinte Exclusivo. In: Constituinte Exclusiva: Um Outro Sistema Político é Possível. (Org.) Luiz Otávio Ribas. São Paulo: Expressão Popular 2014, pp. 71-74

[10] Sobre o assunto, é possível citar: CONJUR. Manifesto vai Contra Constituinte Para Reforma Política. In: Revista Consultor Jurídico. 25.jun.2013. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2013-jun-25/manifesto-assembleia-constituinte-reforma-politica>. Acesso em: 24.out.2016.

[11] DAMOUS, Wadih.Constituinte Parcial é Possível e Necessária. In: Constituinte Exclusiva: Um Outro Sistema Político é Possível. (Org.) Luiz Otávio Ribas. São Paulo: Expressão Popular 2014.

[12]Estabelece os termos e as condições para convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Revisional dedicada, exclusivamente, à revisão dos dispositivos constitucionais que tratam das regras de representação política” (BRASIL. Câmera dos Deputados. Proposta de Emenda à Constituição 276/2013. Dep. Fed. Leonardo Gadelha (PSC/PB). Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=580193>. Acesso em: 24.10.2016).

[13] Alusão irônica à famosa frase do prussiano Imperador Frederico Guilherme IV, e por isso imbricada nas relações de poder determinadas no contexto político de um despotismo esclarecido, sobre a Constituição como uma folha de papel que ele jamais poderia permitir que se interpusesse entre a vontade de Deus e a de seu país, explicitando que a sua própria voz deveria então se fazer sempre valer.

[14] “Originária e autonomamente publicado em 1981, há que se destacar que em tal texto comunga, para além de sua riqueza teórica em si, o inegável e denso valor histórico – e por que também não dizer humano, de experiência de vida mesmo – de suas linhas, testemunhas de um real embate de forças: à época presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (biênio 1977-1979), Faoro foi, em conjunto com outras tantas importantes figuras do debate público de ideias brasileiras, um dos mais ferrenhos opositores desta transição do regime militar para o estado de direito em mansa lentidão, gradual e segura, segundo os módicos interesses de certos estamentos historicamente identificáveis na fotografia social brasileira que pretendia, ao fim,  como primariamente proposto pelo general Ernesto Geisel, que esta passagem se desse mediante simples emenda à já pouco atenciosa aos direitos fundamentais Constituição de 1967-1969. Se a história do constitucionalismo, em largas linhas, enquanto problemática imbricada nas relações de poder inserida na Modernidade – incluída mesmo sua mais remota noção referenciada à Carta Magna inglesa de 1215 de João Sem Terra e seus Barões, enquanto alvorecer desta premissa – se confunde com a própria possibilidade de limitação deste em garantia do cidadão, primariamente face ao absolutismo monárquico e depois em desdobramento de suas formas inseridas na lógica de um Estado constituído, inequívoco é que “toute Société dans laquelle la garantie des Droits n’est pas assurée, ni la séparation des Pouvoirs déterminée, n’a point de Constitution” (Declaration des droits de l´homme e du citoyen, artigo 16, aprovada pela Assembleia Nacional Francesa em 26 de Agosto de 1789), e por isso mesmo digna de celebração é a recuperação de legitimidade popular – ainda que também inegáveis as contraditórias forças presentes na Constituinte de 1987-1988, expressão também das inúmeras contradições que nos compõem enquanto brasileiros – expressa no documento normativo social fundante de 5 de outubro de 1988”. (FAORO, Raymundo. A República Inacabada. (Org.) Fábio Konder Comparato. São Paulo: Editora Globo, 2007, p. 167-265).

[15] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Teoria Processual da Constituição. São Paulo: RCS, 2007, p.3

[16] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2010, p.168

[17] Lembrando-se dos ensinamentos de Sieyès, assim temos: “É impossível criar um corpo para um determinado fim sem dar-lhe uma organização, formas e leis próprias para que preencha as funções às quais quisemos destiná-lo. Isso é que chamamos a constituição desse corpo. É evidente que não pode existir sem ela. E é também evidente que todo governo comissionado deve ter sua organização; e o que é verdade para o geral, o é também para todas as partes que o compõem. Assim, o corpo dos representantes, a que está confiado o poder legislativo ou o exercício da vontade comum, só existe na forma que a nação quis lhe dar. Ele não é nada sem suas formas constitutivas; não age, não se dirige e não comanda, a não ser por elas”. (SIEYÈS, Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa: Qu’est-ce que le Tiers État? Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 1997, p. 93).

Como citar e referenciar este artigo:
CARVALHO, Erick Beyruth de; VIEGAZ, Osvaldo Estrela; DIAS, Savigny Batista. Debates e confrontações sobre a possibilidade de uma constituinte exclusiva – teoria e práxis na reforma política. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/debates-e-confrontacoes-sobre-a-possibilidade-de-uma-constituinte-exclusiva-teoria-e-praxis-na-reforma-politica/ Acesso em: 25 abr. 2024