Direito Constitucional

ADPF 132 – um aporte sobre a efetividade das normas constitucionais brasileiras perante a questão homoafetiva

Introdução

O estudo em tela é união de esforços do presente grupo em analisar a Ação de Arguição de Preceito Fundamental número 132, mais conhecida
como a ADPF da questão homoafetiva.

Buscando amparo teórico, histórico e doutrinário em Luís Roberto Barroso, desenhamos todo o aporte necessário para a compreensão da ação
escolhida e, passo a passo, fomos conduzindo as conclusões para cada vez mais próximas do voto do Excelentíssimo Ministro Ayres Britto, relator do
caso.

Amparadas no texto Jurisprudência Constitucional: como decide o STF?, conseguimos estabelecer uma conexão esclarecedora entre a
teoria abordada e a decisão do caso concreto.

Justapondo o conhecimento, somando as interações e fazendo a subsunção com o caso pinçado, trilhamos o caminho para a julgada mais clara
forma de apresentação do estudo em mãos.

A conquista da efetividade das normas constitucionais do Direito Brasileiro

1.    Antecedentes históricos

Além da evidente instabilidade, o projeto judicial brasileiro, até a Constituição de 1988, foi marcado pela frustação de propósitos dos sucessivos
textos que procuravam repercutir sobre a realidade política e social do país.

Na antevéspera da convocação da constituinte de 1988, era possível identificar um dos fatores crônicos do fracasso na realização do Estado de direito
no país: a falta de seriedade em relação à lei fundamental, a indiferença para com a realidade e a distância entre o texto e a realidade, entre o ser e
o dever-ser.

Além das complexidades e sutilezas inerentes à concretização de qualquer ordem jurídica, havia no país uma patologia persistente, representada pela
insinceridade constitucional. Na Constituição não se buscava o caminho, mas o desvio; não a verdade, mas o disfarce e a disfunção mais grave foi o
regime militar: uma própria realidade de poder, refratária a uma real democratização da sociedade e do Estado.

A doutrina da efetividade consolidou-se na Brasil como um mecanismo eficiente de enfrentamento da insinceridade normativa e de superação da supremacia
política exercida fora e acima da Constituição.

2.    Normatividade e realidade fática: possibilidade e limites do direito constitucional

Uma das grandes mudanças de paradigma ocorridas ao longo de século XX foi a atribuição à norma constitucional do status de norma jurídica. Superou-se o
modelo que vigorou na Europa até meados do século passado, no qual a Constituição era vista como um documento essencialmente político, um convite à
atuação dos Poderes Públicos.

Uma vez investida na condição de norma jurídica, a norma constitucional passou a desfrutar dos atributos essenciais do gênero, dentre os quais a
imperatividade. Sua inobservância há de deflagrar um mecanismo próprio de coação, inclusive com estabelecimento de consequências da insubmissão. É bem
de ver, nesse domínio, que as normas constitucionais são não apenas normas jurídicas, como têm também um caráter hierarquicamente superior, não
obstante a paradoxal equivocidade que longamente campeou nessa matéria, nelas vislumbrando prescrições desprovidas de sanção, mero ideário sem eficácia
jurídica.

A aplicação da dogmática jurídica tradicional às categorias do direito constitucional, com sua complexa ambição de disciplinar os fatos políticos,
gerou um conjunto vasto de dificuldades teóricas e práticas.

A Constituição jurídica de um Estado é condicionada historicamente pela realidade de seu tempo. Esta é uma evidência que não se pode ignorar. Mas ela
não se traduz à mera expressão das circunstâncias concretas de cada época. Se uma sociedade, por circunstâncias diversas de sua formação, é
marcadamente autoritária e tem um código opressivo de relações sociais, devem o constituinte e o legislador ordinário curvar-se a essa conjuntura e
cristalizá-la nos textos normativos? Parece intuitivo que não. A Constituição tem uma existência própria, autônoma, embora relativa, que advém de sua
força normativa, pela qual ordena e conforma o contexto social e político. Existe, assim, entre a norma e a realidade uma tensão permanente, de onde
derivam as possibilidades e os limites do direito constitucional, como forma de atuação social.

A ordem jurídica não é um mero retrato instantâneo de uma dada situação de fato, nem o Direito uma ciência subalterna de passiva descrição da
realidade, mas não se furtam a ambos os pingos que o contexto histórico exerceu e exercerá enquanto necessários à estruturação deles.

3.    Conceito e efetividade

Tradicionalmente, a doutrina analisa os atos jurídicos em geral, e os atos normativos em particular, em três planos distintos: o da existência (ou
vigência), o da validade e o da eficácia. Luís Roberto Barroso ainda tenta acrescentar mais um quarto plano, que por longo tempo fora negligenciado: o
da efetividade. Efetividade , em suma, significa a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela reapresenta a materialização,
no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade
social.

A efetividade da Constituição há de assentar-se sobre alguns pressupostos indispensáveis. É preciso que haja por parte do constituinte senso de
realidade, para que não pretenda normatizar o inalcançável, o que seja materialmente impossível em dado momento e lugar. Ademais, deverá ele atuar com
técnica legislativa para que seja possível vislumbrar adequadamente as posições em que se investem os indivíduos, assim como os bens jurídicos
protegidos e as condutas exigíveis. Em terceiro lugar, impõe-se ao Poder Pública a vontade política, isto é, a concreta determinação de tornar
realidade comandos constitucionais. E por fim, é indispensável o consciente exercício de cidadania, mediante exigência, por via de articulação política
e de medidas judiciais, da realização dos valores objetivos e dos direitos subjetivos constitucionais.

4.    Os direitos subjetivos constitucionais e suas garantias jurídicas

A análise do conteúdo e potencialidades das diferentes categorias de direitos constitucionais deve ser desenvolvida no âmbito do estudo dos direitos
fundamentais. Por ora, cumpre consignar que a doutrina da efetividade importou e difundiu, no âmbito do direito constitucional, um conceito
tradicionalmente apropriado pelo direito civil, mas que, na verdade, integra à Teoria Geral do Direito: o de direito subjetivo. Por direito subjetivo,
abreviando uma longa discussão, entende-se o poder de ação, assente no direito objetivo, e destinado à satisfação de um interesse. Mais relevante para
os fins aqui visados é assinalar as características essenciais dos direitos subjetivos, a saber: a) a ele corresponde sempre um dever jurídico por
parte de outrem; b) ele é violável, vale dizer, pode ocorrer que a parte que tem o dever jurídico, que deveria entregar determinada prestação, não o
faça; c) violado o dever jurídico, nasce para o seu titular uma pretensão, podendo ele servir-se dos mecanismos coercitivos e sancionatórios do Estado,
notadamente por via de uma ação judicial.

Em desenvolvimento do raciocínio, as normas constitucionais definidoras de direitos – isto é, de direitos subjetivos constitucionais – investem os seus
beneficiários em situações jurídicas imediatamente desfrutáveis, a serem efetivadas por prestações positivas ou negativas, exigíveis do Estado ou de
outro eventual destinatário da norma. Não cumprido espontaneamente o dever jurídico, o titular do direito lesado tem reconhecido constitucionalmente o
direito de exigir do Estado que intervenha para assegurar o cumprimento da norma, com a entrega da prestação. Trata-se do direito de ação, previsto do
art. 5º, XXXV, da Constituição, em dispositivo assim redigido: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

O direito de ação – ele próprio um direito subjetivo, consiste na possibilidade de exigir do Estado que preste jurisdição – tem fundamento
constitucional. Mas as ações judiciais, normalmente, são instituídas e disciplinadas pela legislação infraconstitucional. A Constituição brasileira,
todavia, instituiu ela própria algumas ações. Tradicionalmente, desde a Constituição de 1934, três eram as ações constitucionais: o habeas corpus (que
fora constitucionalizado desde 1891 – CF/88, art. 5º, LXVIII), o mandado de segurança (art. 5º, LXIX) e a ação popular (art. 5º, LXXIII). A
Constituição de 1988 ampliou esse elenco, acrescentando o mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX) e o habeas data (art. LXXII). O direito de ação
e as ações constitucionais e os principais mecanismos de efetivação das normas constitucionais quando não cumpridas espontaneamente.

Em uma proposição, a doutrina da efetividade pode ser assim resumida: todas as normas constitucionais são normas jurídicas dotadas de eficácia e
veiculadoras de comandos imperativos. Nas hipóteses em que tenham criado direitos subjetivos – políticos, individuais, sociais ou difusos – são elas,
como regra, direta e imediatamente exigíveis, do Poder Público ou do particular, por via de ações constitucionais e infraconstitucionais contempladas
no ordenamento jurídico. O Poder Judiciário, como consequência, passa a ter papel ativo e decisivo na concretização da Constituição.

5.    Consagração da doutrina da efetividade e novos e desenvolvimento teórico

A preocupação com o cumprimento da Constituição, com a realização prática dos comandos nela contidos, enfim, com a sua efetividade, incorporou-se, de
modo natural, à vivência jurídica brasileira pós-1988. Passou a fazer parte da pré-compreensão do tema, como se houvéssemos descoberto o óbvio após
longa procura. As poucas situações em que o Supremo Tribunal Federal deixou de reconhecer a aplicabilidade direta e imediata às normas constitucionais
foram destacadas e comentadas em tom severo, dentre elas as referentes aos juros reais de 12% (art. 192, § 3º, já revogada pela EC 40, de 2003), ao
direito à greve dos servidores públicos (art. 37, VII) e ao próprio objeto e alcance do mandado de injunção (art. 5º, LXXI). Em menos de uma geração o
direito constitucional brasileiro passou da desimportância para o apogeu, tornando-se o centro formal, material e axiológico do sistema jurídico.

A doutrina da efetividade serviu-se, como se deduz explicitamente da exposição até aqui desenvolvida, de uma metodologia positivista: direito
constitucional é norma; e de um critério formal para estabelecer a exigibilidade de determinados direitos: se está na Constituição é para ser cumprido.
O sucesso aqui celebrado não é infirmado pelo desenvolvimento de novas formulações doutrinárias, da base pós-positivista e voltadas para a
fundamentalidade material da norma. Entre nós – talvez diferentemente do que se passou em outros países –, foi a partir do novo patamar criado pelo
constitucionalismo brasileiro da efetividade que ganharam impulso os estudos acerca do neoconstitucionalismo e da teoria dos direitos fundamentais.

Jurisprudência constitucional: como decide o STF?

Nas últimas décadas, o termo constituição deixou de ser um mero conceito político e adquiriu significância prática nas interpretações constitucionais
sobre qualquer petição ou sentença que se realize. Na atualidade é de suma importância conhecer a lógica decisória dos tribunais, as jurisprudências e
o direito constitucional.

Sobre a forma de decisão no STF, um dos modelos mais utilizados, no que tange a eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais, é o modelo de
José Afonso da Silva. Para o autor não há norma constitucional destituída de eficácia, no entanto, ele classifica em diferentes graus as normas de
acordo com sua eficácia. São três as classificações: eficácia plena, eficácia contida e eficácia limitada ou reduzida.

As normas constitucionais de eficácia plena são as que têm aplicabilidade direta, imediata e integral em relação ao conteúdo produzindo todos os seus
efeitos desde o seu início.

Já as normas de eficácia contida, embora similar a de eficácia plena, não possui aplicabilidade integral, pois elas então sujeitas a futuras atuações
do legislador infraconstitucional.

Por outro lado, têm aplicabilidade reduzida e indireta, as normas de eficácia limitada; pois os seus efeitos são reduzidos em relação a duas espécies
divididas em normas declaratórias de princípios institutivos e declaratórias de princípios programáticos.

É a partir deste modelo de normas, elaborado por José Afonso da Silva, que os ministros classificam seus votos, concernente ao grau de eficácia de uma
dada norma constitucional. No caso do voto que o grupo colher da ADPF 132 para ser estudado, a saber, sobre a relação homoafetiva ter ou não ter seus
direitos fundamentais assegurados pela constituição, o ministro Ayres Britto entendeu que a relação homoafetiva trata-se de uma relação do âmbito
familiar, e que, o termo família não discrimina a forma que ela deve ou não deve ser constituída.

Tal decisão em reconhecer a relação homoafetiva integra-se as normas constitucionais de eficácia plena; isso porque sua aplicabilidade tem eficácia
direta e total ao conteúdo. Esse tipo de direito reconhecido não admite intervenção posterior, pois tal intervenção feriria a constituição por atacar o
princípio da dignidade humana.

Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)

A Constituição, em seu art. 102, § 1º, estabeleceu uma nova forma de controle concentrado de constitucionalidade. Compete ao Supremo Tribunal Federal
apreciar e julgar arguição de descumprimento de preceito fundamental. Essa ação constitucional, prevista em norma de eficácia limitada, veio a ser
regulamentada somente pela lei 9.882/99. Dada a previsão da incidência do princípio da subsidiariedade, essa ação constitucional não será admitida
“quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade” (lei 9.882/99, art. 4º, § 1º). Poderá ser proposta quando não for cabível ação direta
de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade, mandado de segurança, ação popular, agravo regimental, recurso extraordinário,
reclamação ou qualquer outra medida judicial apta a sanar, de maneira eficaz, a situação de lesividade, conforme reiteradas decisões do Supremo
Tribunal Federal (Informativo STF, n. 243).

Foi concedida legitimidade ativa às mesmas pessoas e órgãos previstos no rol estabelecido no art. 103 da Constituição Federal. Aos demais interessados
é facultado solicitar, mediante representação, ao Procurador-Geral da República a propositura da arguição.

A ação pode ser proposta para:

a)            Evitar ou reparar lesão a preceito fundamental decorrente de ato ou omissão do Poder Público;

b)            Quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal; incluídos os
anteriores à Constituição.

Esse segundo objeto estende o controle de constitucionalidade às leis municipais e para as elaboradas antes da vigência da atual Constituição, o que
contraria a orientação jurisprudencial lixada pelo Supremo Tribunal Federal. A decisão proferida possui eficácia erga omnes e efeito vinculante
em relação ao Poder Público.

Foi atribuída a Suprema Corte, tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, a possibilidade de estabelecer, por
maioria de 2/3, que a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo só tenha eficácia a partir do trânsito em julgado, exemplo.

ADPF 132 – a questão homoafetiva

1.    Voto do Excelentíssimo Senhor Ministro Ayres Britto

O Ministro Relator Ayres Britto inicia seu voto dizendo que conhece a ADPF 132 como uma ação direta de inconstitucionalidade, e que irá realizar uma
interpretação conforme a Constituição do Artigo 1723 do Código Civil. Em seguida, por consequência, conhece também da ADI nº 4.277-DF.

O Ministro afirma que os requerentes estão certos no que se refere à interpretação conforme a Constituição, pois é esta que deve dar as respostas
decisivas para o tratamento jurídico das uniões homoafetivas duráveis, de conhecimento público, e que buscam constituir família. O termo
“homoafetividade”, que foi criado por Maria Berenice Dias e já é utilizado corriqueiramente, demonstra o afeto, carinho, amor que existem entre essas
pessoas, e que, portanto, classificar sua união como sociedade de fato ou sociedade empresarial não é coerente.

Analisando a Constituição, se verifica no Artigo 3º a menção da palavra sexo, mas isso acontece justamente para vedar o tratamento discriminatório ou.
O Preâmbulo de nossa Carta Constitucional fala sobre constitucionalismo fraternal, onde se objetiva a integração comunitária das pessoas através de
políticas públicas afirmativas de igualdade civil-moral das camadas historicamente desfavorecidas de nossa sociedade – índios, negros, mulheres,
portadores de deficiência mental e, no nosso caso, os homoafetivos. Se visa acabar com os preconceitos, e ir além, com a aceitação do pluralismo
sócio-político-cultural.

O termo sexo foi utilizado para identificar as diferenças anatômicas entre os dois gêneros humanos, mas envolve muito mais do que isso, engloba também
o instinto. Nossa Constituição, a respeito do termo sexo nas funções de estimulação erótica, conjunção carnal e reprodução biológica, opera em silêncio
– norma geral negativa de Kelsen, onde tudo que não está juridicamente proibido ou obrigado está juridicamente permitido. Devido a esse silêncio, a
Constituição entrega ao livre-arbítrio de cada pessoa o uso das funções sexuais. O vazio normativo respeita o instinto e a natureza humana. Portanto,
as normas não distinguem diferenças entre espécie feminina e masculina, assim como também não com relação ao uso da sexualidade da pessoa natural. Esta
faz parte da autonomia da vontade das pessoas e se constitui em direito subjetivo ou situação jurídica ativa. Esse direito está ao lado das liberdades
individuais, e, portanto, se concretiza sob a forma de direito à intimidade e à privacidade. A preferência sexual emana do princípio da dignidade
humana – inciso III do artigo 1º da Constituição Federal. Se os heteroafetivos podem se realizar e serem felizes, os homoafetivos também têm esse
direito.

Com relação ao conceito de família dado por nossa Carta Constitucional, Britto entende que se segue a “… diretriz do não atrelamento da formação da
família a casais heteroafetivos nem a qualquer formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa…” e, portanto, a Constituição reconhece
família como “… instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária
relação tricotômica”. A família é uma instituição de sentido subjetivo. O ministro ainda vê a família como o local mais importante de concreção dos
direitos fundamentais de intimidade e vida privada, além de no sentido da moradia ser o asilo inviolável do indivíduo. Por esses motivos, a família,
que tem fundamental importância cultural, deve ter o sentido mais amplo possível e receber a maior proteção constitucional que for possível.

A nossa Constituição não diferencia a família oficialmente constituída, da proveniente dos fatos da vida. Nem distingue a família formada entre
hereroafetivos da pelos homoafetivos. Compreende-se, por isso, que não se deu à palavra família nenhum significado ortodoxo ou da técnica jurídica, e
sim um sentido coloquial aberto, do mundo do ser. Devido à isonomia entre casais heteroafetivos e homoafetivos, ambos têm igual direito subjetivo de
formar famílias autonomizadas.

Em seu artigo 226, a Constituição fala do casamento civil como uma das maneiras de se constituir família, e em seu parágrafo 3º versa sobre as
entidades familiares, que seriam autonomizados grupos domésticos derivados de uniões estáveis “… entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua
conversão em casamento”. Britto esclarece que o uso dos termos homem e mulher se devem ao fato de se querer dar sequência à vertente constitucional que
vê o casamento como uma tradição sócio-cultural-religiosa, além de a vontade de se acabar com toda hierarquia existente entre os dois sexos, e promover
a horizontalidade das relações jurídicas. O Ministro, então, não vê a utilização desses termos para a diferenciação das relações heteroafetivas das
homoafetivas. Ele ainda afirma que entidade familiar e família têm significados idênticos, pois não existe hierarquia nem diferença de qualidade
jurídica entre os dois termos. Existem diferenças entre casamento e união estável, tais como na submissão da última à prova da estabilidade, o que não
é necessário no casamento, e da regulação existente na dissolução do casamento, o que não existe na união estável. Entretanto, ambas formam família de
mesma qualidade, e nenhuma proibição é feita a elas serem constituídas por pessoas do mesmo sexo. O Ministro ainda defende outro ponto importante, que
“não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um interesse de outrem”, dizendo que os heteroafetivos não perdem em nada
com o ganho de direitos pelos homoafetivos. Uma terceira modalidade de família é a monoparental, e não se faz a ela nenhuma inferiorização com relação
ao casamento e união estável. Ayres Britto também versa sobre adoção, onde defende que nenhuma distinção pode ser feita entre homoafetivos e
heteroafetivos, nem entre adotante casado ou em união estável e adotante solteiro.

O Ministro finaliza seu voto dando mérito às duas ações em causa, e sintetizando sua defesa: “… dou ao art. 1.723 do Código Civil interpretação
conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do
mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo de família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as
mesmas consequências da união estável heteroafetiva”.

Conclusão

“Ontem os Códigos; hoje as Constituições. A revanche da Grécia contra Roma”.

A dicção primeira é de Paulo Bonavides, em discurso pronunciado, ao receber a medalha Teixeira de Freitas, no Instituto dos Advogados do Brasil, em
1998: “Ontem os Códigos; hoje as Constituições”. A segunda dicção é de Eros Grau, ao receber a mesma medalha, no ano de 2000: “Ontem os Códigos; hoje
as Constituições. A revanche da Grécia contra Roma”.

Esta frase os dois ilustres professores registram a passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, de onde passa a atuar como filtro
axiológico pelo qual se deve ler o direito. É nesse ambiente que se dá a virada axiológica do direito civil para a Constituição como, sobretudo,
conjunto de valores e princípios, que incluem a função social da propriedade e do contrato; a proteção do consumidor, com o reconhecimento de sua
vulnerabilidade; a igualdade entre os cônjuges; a igualdade entre os filhos; a boa-fé objetiva; o efetivo equilíbrio contratual. O direito de família,
especialmente, passa por uma revolução, com destaque para a afetividade em prejuízo de concepções puramente formais e patrimoniais.

Passa-se a reconhecer uma pluralidade de formas de constituição da família: casamento, união estável, famílias monoparentais, união homoafetiva.

Na reconstrução dos direitos humanos, há de se buscar irradiação no princípio da dignidade da pessoa humana, conforme plasmado nos fundamentos da
República Federativa do Brasil.

Como citar e referenciar este artigo:
WITTE, Gisele; CALIMAN, Dagmar; BORTOLOTTO, Patrícia Soster. ADPF 132 – um aporte sobre a efetividade das normas constitucionais brasileiras perante a questão homoafetiva. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/adpf-132-um-aporte-sobre-a-efetividade-das-normas-constitucionais-brasileiras-perante-a-questao-homoafetiva/ Acesso em: 19 abr. 2024