Direito Ambiental

Quilombos: O processo de aquilombamento em Alcântara e os conflitos para a manutenção da autonomia

Ana Paula Braga de Sousa1

Jordana Brito da Silva

Caroline Barros Gondinho

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo demostrar, inicialmente, como ocorreu o processo de criação dos quilombos no Brasil, visa ainda explicar o termo quilombo, a mudança do seu significado antes e depois da Constituição Federal de 1988 e também como acontece o processo de titulação das terras desses remanescentes de quilombo. Situa-se de forma geral o assunto abordado para chegar ao ponto principal: como se deu o processo de aquilombamento na cidade de Alcântara, o desenvolvimento dessas comunidades ao longo do tempo considerando que mesmo com as suas garantias constitucionais, esses grupos ainda tem dificuldade para o reconhecimento dos seus territórios. Vem a discutir ainda, como esses grupos quilombolas se desenvolveram, como é o seu funcionamento, suas principais características e como se deu o conflito entre essas comunidades negras rurais e a instalação do Centro de Lançamento de Alcântara.

PALAVRAS-CHAVES: COMUNIDADES QUILOMBOLAS – ALCÂNTARA – PROCESSO DE AQUILOMBAMENTO.

INTRODUÇÃO

As comunidades quilombolas tiveram seu início no século XVII, no Brasil, onde os negros fugidos conseguiam se refugiar dentro das matas para tentar escapar do regime de escravidão e nesses locais buscavam reproduzir as atividades dos seus ancestrais africanos. Foram duramente perseguidos até a abolição da escravatura, que ocorreu em 1888, mesmo livres esses quilombolas ainda viviam a margem da sociedade.

A partir de 1988, quase um século depois da abolição da escravidão, a Constituição Federal passa a garantir os direitos territoriais a esses remanescentes de quilombos. Embora tenha um conteúdo histórico o termo quilombo é ressemantizado, passando a assumir um novo significado tanto para a literatura especializada quanto para as próprias comunidades negras rurais que hoje buscam o reconhecimento dos seus territórios. (TRECCANI,2006)

Os remanescentes de quilombo lutaram por muitas décadas pelo direito de titulação das suas terras, este veio com o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), onde possibilitou esse amparo constitucional a essas comunidades. Infelizmente na prática a garantia desse direito ocorre em passos lentos, devido à grande burocracia que acontece para a imissão de título de terra. (TRECCANI,2006)

Mesmo com esse amparo constitucional essas comunidades ainda são alvos de ataques, como foi o que ocorreu em Alcântara devido a construção do Centro de Lançamento, onde muitas comunidades dessa região foram remanejadas de suas terras originais e transferidas para locais chamados de agrovilas, onde estas vivem sob o controle dos militares, não podem exercer mais o uso comum da terra, muito desses locais são inférteis e dentro dessas agrovilas não é possível a prática da reprodução social, física, cultural e econômica dos remanescentes de quilombos. (CHOAIRY,2000)

Neste ínterim, o presente estudo se volta a realidade destas comunidades quilombolas dos arredores de Alcântara e considera as suas garantias mitigadas uma vez que no processo de implantação do CLA (Centro de Lançamento de Alcântara) não contou com a participação efetiva da comunidade local, tendo sido suas necessidades e seus direitos negados em detrimento do interesse de ser concretizada a instalação do referido Centro (CLA).

1 CONTEXTO HISTÓRICO DOS QUILOMBOS

Durante o período Colonial no Brasil, entre os séculos XVII e XVIII, os negros que conseguiam fugir dos seus senhores de escravos acabavam se refugiando em locais dentro das matas e constituíam comunidades onde podiam viver a sua cultura herdada da África, estes locais foram chamados de quilombos. Foi em meio a essa realidade do quilombos, que os laços de solidariedade e o uso coletivo da terra formaram as bases de uma sociedade fraterna e livre das formas mais cruéis de preconceitos e de desrespeito à sua humanidade. (SILVA,2009)

Essas comunidades tinham uma organização parecida com as das aldeias africanas, posto que a sua principal característica era a divisão de tarefas entre os quilombolas, todos tinham que trabalhar e contribuir para o funcionamento do quilombo. Eles dependiam da pesca e da agricultura de subsistência para se manterem e tinham liberdade religiosa para praticar seus hábitos religiosos.

Durante esse período o Brasil chegou a ter centenas de comunidades como estas espalhadas pelo seu território, principalmente nos estados da Bahia, Maranhão, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Alagoas. O quilombo que teve mais destaque na história foi o Quilombo de Palmares, graças ao seu líder Zumbi dos Palmares.

O Nordeste comporta imensa quantidade de quilombos, o que resultou em centenas de comunidades negras, muitas delas encontram-se no Maranhão, o qual abriga mais de 600 (seiscentas) comunidades desta natureza. Assim, não há dúvidas a respeito da necessidade de se pensar na realidade local sobre a importância destas comunidades e da participação das mesmas no que se refere a questões de uso da terra, posto que faz parte da sua vida, da sua história. (SILVA,2009)

Além disso, é relevante pontuar que estas comunidades possuem patrimônio cultural importante para o país, para a construção da nossa identidade cultural apesar de não ser tal relevância difundida da forma como entende-se aqui que deveria ser. Estas comunidades remanescentes, grupos, formam identidade cultural e étnica tendo como base suas vivências diárias e também as oriundas das suas lutas pelos seus diretos, assim, vê-se que está clara a importância desses povos para nossa realidade, cultura, social e até mesmo econômica uma vez que foram fundamentais também com sua mão de obra, para o cultivo da cana e do algodão por exemplo. (SILVA, 2009)

2 A MUDANÇA DO SIGNIFICADO DO TERMO QUILOMBO

O termo quilombo antes da Constituição Federal de 1988 podia ser classificado como toda e qualquer habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenha ranchos levantados, nem se achem pilões nele, como era o seu conceito, segundo constava no documento do Conselho Ultramarino no ano de 1740. Esse significado era obsoleto e ainda classificava essas comicidades como uma parte a mercê da sociedade da época.

Mesmo cem anos após a libertação dos escravos através da assinatura da Lei Áurea, os quilombos ainda eram considerados locais onde se habitavam uma grande concentração de negros que rebelaram contra a colônia. Sendo assim, este termo ainda estava ligado a definições utilizadas no período colonial e imperial para perseguir e punir escravos fugidos. (TRECCANI,2006)

Após a Constituição Federal de 1988, este termo foi modificado, ou seja, seu conceito foi ampliado e modernizado podendo ser classificado como comunidades negras rurais que lutaram pela manutenção de sua autonomia e de seu território contra a intervenção de particulares, de empresas e do próprio Estado, buscando manter e reproduzir seu modo de vida sob o amparo constitucional. (TRECCANI,2006)

Com essa mudança de significado e o reconhecimento pela Carta Magnaenquanto ao direito da titulação dessas terras de quilombos, através do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) que prevê aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos, essas comunidades saíram das ‘sombras’ da sociedade e passaram a ganhar um pouco de espaço e uma forma de exigir o seu direito de propriedade. A referida legislação vem reconhecer que a formação nacional é multiétnica, que o Estado tem obrigação de proteger as diferentes manifestações históricas e a diversidade cultural. (MARQUES,GOMES, 2013)

Essa garantia veio para possibilitar que os remanescentes de quilombos, finalmente se tornassem os proprietários das suas terras, garantindo-lhes dessa forma a preservação da sua reprodução social, física, cultural e econômica, como: a dependência da terra para sua subsistência, a distribuição de tarefas dentro da comunidade e a liberdade para a prática dos seus cultos religiosos.

3 O PROCESSO DE TITULAÇÃO DAS TERRAS QUILOMBOLAS

Por força do Decreto nº 4.887, de 2003, o Incra é a autarquia competente, na esfera federal, pela titulação dos territórios quilombolas. Essa temática é tratada pela Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas (DFQ), da Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária, e, nas Superintendências Regionais, pelos Serviços de Regularização de Territórios Quilombolas.

Apesar dessas garantias, o processo de titulação é muito burocrático e demorado. Atualmente, segundo o levantamento da Fundação Cultural Palmares que é vinculada ao Ministério da Cultura, foram mapeadas 3.524 dessas comunidades no Brasil e apenas 207 desses quilombos possuem o título da sua terra.[2]

Em regra, o processo de titulação para a regularização quilombola ocorre em sete etapas; a primeira etapa trata da Auto definição Quilombola, que acontece através da apresentação ao Incra da Certidão de Autorreconhecimento emitida pela Fundação Cultura de Palmares, caso a comunidade não tenha essa certidão ela deve providenciar, por sem esta não é possível dá entrada com o pedido de regularização.

A segunda etapa se refere a elaboração do RTID (Relatório Técnico de Identificação e Delimitação), onde acontece o início do estudo da área, visando o levantamento de informações cartográficas, fundiárias, agronômicas, ecológicas, sociológicas, históricas, geológicas, dentre outras, obtidas em campo e junto a instituições públicas e privadas. Este relatório tem como objetivo identificar os limites das terras desses remanescentes de quilombos.

A terceira etapa é a publicação do RTID, após isto, o processo é aberto para o contraditório, onde os interessados terão o prazo de 90 dias depois da publicação e da notificação, para contestarem o relatório junto à Superintendência do Incra, devendo apresentar provas pertinentes. Do julgamento das contestações caberá recurso único ao Conselho Diretor do Incra Sede, no prazo de 30 dias a partir da notificação.

A quarta etapa é a da Portaria de Reconhecimento, onde a fase de identificação do território se encerra com a publicação da portaria do Presidente do Incra que reconhece os limites do território quilombola no Diário Oficial da União e dos Estados.

Na quinta etapa acontece o decreto presidencial que autoriza a desapropriação de imóveis privados (títulos ou posses). Caso existam na região, ocorre a sexta etapa, que é a Desintrução, onde ocorre a notificação e retirada desses ocupantes, esses imóveis desapropriados serão vistoriados e avaliados conforme o preço de mercado, pagando-se sempre previamente e em dinheiro a terra nua, no caso dos títulos válidos e as benfeitorias.

E por último acontece a Titulação, que ocorre quando o Presidente do Incra realizará a titulação mediante a outorga de título coletivo, imprescritível e pró-indiviso à comunidade quilombola, em nome de sua associação legalmente constituída, sem nenhum ônus financeiro, sendo proibida e venda e a penhora do território.

4.QUILOMBOS DE ALCÂNTARA

4.1 CONTEXTUALIZAÇÕES HISTÓRICA

Com base no que nos diz Choairy, (CHOAIRY, 2000) e conforme a Associação Brasileira de Antropologia, na época do Brasil colônia a atividade econômica de Alcântara girava em torno do sistema de capitanias com colonos se utilizando da mão de obra indígena e a forte influência dos jesuítas em suas fazendas de ordens religiosas. Assim, entende-se que o processo de colonização em Alcântara se deu inicialmente valendo-se da população silvícola local, mas vivenciou um novo contexto a partir das reformas pombalinas onde ocorreu forte impacto na sua estrutura fundiária, devido ao financiamento do tráfico de escravos provenientes da África, o que segundo a Coroa portuguesa era bem mais lucrativo e, devido ao confisco das propriedades dos jesuítas que passaram para particulares.

Nos séculos XVIII e XIX, o Maranhão chegou a importar uma quantia de 2000 escravos africanos por ano, sendo um dos maiores importadores e um dos maiores pontos de distribuição de escravos. A população de negros no Maranhão, em algumas épocas chegou a mais de 70% como consequência da importação de milhares de escravos destinados principalmente para o trabalho nas fazendas de algodão e logo após a queda deste, para o trabalho nos engenhos.

Alcântara mantém sua proeminência econômica baseada no trabalho dos negros até fins do século XIX. Os empreendimentos econômicos da aristocracia agrária de Alcântara se desestruturam a partir de fins do século XVIII e início do XIX, quando os senhores perdem o poder de repressão sobre os escravos e se retiram, permitindo que negros e indígenas, antes mesmo da abolição da escravidão, ocupassem as áreas abandonadas produzindo autonomamente. Assim, eles estabeleceram códigos próprios para identificar quem pertencia ao grupo. Para garantir o acesso de todos aos recursos naturais, eles impedem a divisão da terra em lotes individuais, preservando assim seu uso comum.

Com a desagregação das fazendas e das grandes unidades de produção de religiosos e particulares, ocorreu a chamada “fuga dos brancos” e, posteriormente, surge em Alcântara a situação das “terras de herança” ou “terras de pretos”, que se caracterizam por serem um grande território étnico constituído por famílias de ex- escravos e seus descendentes, sendo esse o chamado processo de aquilombamento de Alcântara, ou seja, o que era incialmente um elemento de recrutamento clandestino dos escravos, passa a ser entendido como a autonomia produtiva desse povo.[3]

Em 1760, com a expulsão dos jesuítas e mais tarde com a retirada de outras ordens religiosas de Alcântara conforme mencionado alhures, os negros se apropriam não somente das terras como passam a elaborar suas próprias formas de cultuar seus santos e de disseminar sua cultura na região. Um exemplo disso é a realização da tradicional festa do Divino Espírito Santo, protagonizada por trabalhadores negros rurais das terras remanescentes de quilombos.

4.2 A IMPLANTAÇÃO DA BASE DE LANÇAMENTO

Na data de 27 de Outubro de 1980, o governo estadual decretou a desapropriação por utilidade pública de 52.000 hectares do município para a implantação da base de lançamento de Alcântara expropriando 2.000 famílias. Assim, as famílias quilombolas tentaram resistir às determinações da Aeronáutica contando com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e da atuação da igreja através de mobilizações e abaixa assinado, e encaminharam reivindicações ao Ministério da Aeronáutica nas quais determinavam suas condições para saírem de suas terras.

Porém, constatou-se que as reivindicações das famílias quilombolas não foram atendidas, o que provocou o bloqueio da MA106 com o intuito de protesto durante uma visita ministerial na região. O protesto foi suspenso com a garantia das autoridades em atender às reivindicações por escola, moradia, educação e principalmente pelo uso da terra, pois conforme dados do Estatuto da terra, o módulo rural de Alcântara era inicialmente de 35 hectares. Assim, foi marcada uma audiência em 1986 na própria cidade de Alcântara com o ministro da aeronáutica à época, brigadeiro Moreira Lima, da qual surgiu um acordo que não fora cumprido, porque na data de 18 de Abril de 1986, o então presidente da república José Sarney, assinou um decreto em conjunto com os ministros militares e com os ministros da reforma agrária, reduzindo o módulo rural de Alcântara de 35 para 15 hectares, o que reduziu bastante a região e provocou a realocação dos rurais para áreas consideradas improdutivas por eles e dessa forma trouxe implicações para a sua produção.

Diante desse contexto, a Aeronáutica constituiu uma equipe para acompanhar o processo de negociação e de transferência das famílias quilombolas para os territórios em que atualmente se encontram, além de ter promovido o recrutamento de jovens alcantarenses para integrar uma guarda nessa região e auxiliar a equipe principal na realocação. Dessa forma, cada família recebeu uma indenização extremamente irrisória para se retirarem de suas terras e foram remanejadas compulsoriamente para uma área do município distante do mar e alojadas nas chamadas agrovilas, controladas pelos militares.

A Aeronáutica impõe regras e interdições para a ocupação das agrovilas, o que vai de encontro à cultura dos quilombolas e à sua forma de vida, visto que o loteamento planejado pelos militares desconsiderou a forma de reprodução das famílias porque a divisão em lotes transformou violentamente um campesinato de terras de uso comum, característico dessas terras remanescentes de quilombos, em campesinato parcelar, o que acabou por dificultar a forma de sustento das famílias, pois os lotes individuais não dispõem de todos os recursos naturais dos quais necessitam para sobreviver, ocasionando o fato de que muitos pararam de produzir e passaram a comprar seus alimentos, o que desconstruiu a agricultura de subsistência típica desses grupos provocando inclusive a escassez de recursos para a realização de cerimônias típicas e culturais.

Ademais, além das consequências advindas da redução do módulo rural de Alcântara, como por exemplo, a proibição de construir novas casas nas agrovilas devido à falta de espaço para plantar, nos dias que antecedem os lançamentos, a base interdita uma grande área de segurança que atinge vários povoados, impedindo a pesca e o trabalho na lavoura. Dessa forma, a desagregação do sistema produtivo tradicional causado pela transferência compulsória, tornou o carvão, feito com as sobras das madeiras das roças, o principal produto dirigido ao mercado que permite a sobrevivência das famílias quilombolas. (FERNANDES,1998)

Em meio a essa realidade, em que ocorreu a retirada das comunidades do seu espaço de produção não tendo sido estes se quer ouvidos, chega-se a um contraponto posto que de um lado tem-se um interesse em prol do desenvolvimento que leva o Estado a optar pela instalação do Centro de Lançamento em Alcântara em função da sua localização privilegiada, sendo esta uma excelente oportunidade de se ter lançamento de satélites brasileiros partindo do seu próprio território, porém em contrapartida comunidades quilombolas que foram retiradas do local em que viviam, cultivavam e organizavam sua vida cultural e econômica.

É válido então considerar a necessidade da ponderação, logo, antes de tudo se faz necessário pensar a respeito da real importância de tal investimento se de fato havia a obrigatoriedade de fazê-lo, se aquele realmente era o local mais viável, bem como o peso do impacto da subsistência dessas comunidades, sendo necessário ponderar o preço a ser pago pelo Meio Ambiente e pela comunidade Quilombola, que tinha como forma de subsistência o cultivo realizado naqueles hectares de terras, dos quais foram destituídos.

As ações impostas para que ocorresse a incorporação do Centro de Lançamento de Alcântara, gerou para a comunidade que ali vivia, impactos em relação ao cultivo e a pesca, consequentemente perdas em relação ao seu sustento e também à preservação do Meio Ambiente nesta área, assim, em meio a esse contexto, nos reportamos a ideia do binômio necessidade adequação (ALEXY,2014) considerando a máxima da adequação como aquela que vem a eliminar por um critério negativo os meios não adequados, assim, no caso em voga se faz imprescindível analisar e selecionar estes meios para que as suas referidas possibilidades sejam excluídas, eliminando aquilo que não é adequado para a partir de então seja possível determina o que seguir.

Ainda conforme o binômio necessidade adequação (ALEXY,2014) após selecionarmos o que é adequado se faz pertinente buscar a máxima da necessidade, pontuando assim dentre tudo que fora posto como adequado, selecionarmos dois meios aproximadamente adequados e então dentre estes elegermos aquele que irá intervir de modo menos intenso.

Transpondo as ideias supracitadas para a realidade em questão, podemos inferir que não se poder ver adequação em um processo de implantação em que a comunidade nativa não foi ouvida, em que sua situação desvantajosa não fora se quer considerada, bem como sua opiniões, interesses e assim um percurso de implantação fora trilhado acompanhado da ausência de discussão da real necessidade do mesmo proporcionando mais um caso de injustiça ambiental aos mais pobres, os quais tiveram seus direitos mitigados, uma vez que a Constituição Federal os considera remanescentes de Quilombos e lhes garante direitos sobre a terra.

Observando a realidade, nos questionamos se de fato havia a necessidade de ser implantado o CLA, se não havia alternativas para proporcionar menores danos ao ambiente naquela área bem como à subsistência daquela comunidade, seu cultivo, pesca. Convém questionar ainda se não poderia ter sido feito de forma que as implicações para estas comunidades fossem mais amenas, garantindo o mínimo para a manutenção do seu cultivo.

Além disso, a implantação das agrovilas não atendeu às necessidades das comunidades tradicionais que ali viviam, ocorre que se viu apenas as vantagens de se poder ter um dos melhores Centros de Lançamentos do mundo, aproveitado a excelente localização do mesmo, mas não se ponderou se de fato valia o custo pago por estas comunidades.

Sabemos que estes empreendimentos geram em contrapartida, empregos, renda, traz desenvolvimento, atrai investimentos para o estado, assim, se de fato, não houvesse outra possibilidade que não fosse a construção do CLA, não se fazia adequado deixar essa comunidade que pertence àquela área, àquele espaço que fora totalmente transformado, à margem desse processo de nova roupagem, nos parece então que seria crucial que que os mesmos fossem ouvidos, suas necessidades consideradas e buscado outro local que pudessem desenvolver suas atividades básicas, cultura, costumes, pensar ainda na possibilidade de comprometer o mínimo possível das terras no intuito de preservar o espaço das comunidades quilombolas ali anteriormente existentes.

5 CONCLUSÃO

A noção de quilombo surge como identidade de referência dos povoados num antagonismo que envolve o acesso a bens essenciais, não podendo ser congelada historicamente, impondo aos grupos sociais uma forma de se classificarem, afinal, são eles próprios que elaboram suas categorias de auto atribuição e suas formas de relação.

Assim, no caso de Alcântara, a identidade quilombola – que historicamente era sobretudo um atributo econômico, simbolizado pela autonomia no processo produtivo – assume cada vez mais uma dimensão política, refletindo sobre as associações e sobre o próprio sindicato, que passa a conduzir as reivindicações nesse sentido, considerando o conflito agrário, étnico e a luta para garantir uma área que possam preservá-la, garantir sua subsistência, agricultura, pesca bem como preservar sua riqueza cultural.

Desse modo, a inter-relação entre os povoados evidencia que a resistência às medidas de implantação do CLA implica em novas maneiras de se organizarem e de marcarem diferenças culturais potencialmente abafadas e socialmente invisíveis pelo peso das ações de inspiração colonialista.

Considera-se ainda que o processo de implantação se deu de forma autoritária impedindo a participação da comunidade, não tendo sido observada a preocupação em ponderar a necessidade, as possiblidades para que ocorresse a implantação da forma menos gravosa para a comunidade quilombola que pertencia à terra e tinha como garantia a seu favor o reconhecimento como comunidade quilombola remanescente tendo direito sobre a terra em questão.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Terras de Quilombo, terras indígenas, babaçuais livres, castanhais do povo, faxinais e fundos de pasto: terras tradicionalmente ocupadas. Manaus: PPGSA-UFAm, 2006.

Caderno perguntas e respostas – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas – DFQ Atualizado em 13/04/2017. Disponível em: http://www.incra.gov.br/sites/default/files/incra-perguntasrespostas-a4.pdf

ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad .Virgílio Afonso da Silva. Malheiros editores. 3ª ed. São Paulo, 2014.

CHOAIRY, A.C.C. Alcântara vai para o espaço. A dinâmica da implantação do Centro de Lançamento de Alcântara. São Luís: UFMA-PROIN-CS, 2000.

FERNANDES, C.A. Caracterização Geral das Terras de preto no Município de Alcântara. Maranhão. Caderno de Práticas de Pesquisa. São Luís: MPP-UFMA, 1998.

MARQUES, Carlos Eduardo; GOMES, Lílian. A Constituição de 1988 e a ressignificação dos quilombos contemporâneos Limites e potencialidades. REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS – VOL. 28 N° 81 RBCS Vol. 28 n° 81 fevereiro/2013

SANTOS, MURILO e SANTOS, ROSENITA. Terra de Quilombo: Uma Dívida Histórica. Produção Rosenita Santos. Direção de Murilo Santos. Realização ABA – Associação Brasileira de Antropologia. 45 min.

SILVA, Joseane Maia. Comunidades quilombolas, suas lutas, sonhos e utopias. 2009. Caxias, MA. UEMA – pesquisa: Tecendo estórias das comunidades remanescentes de quilombolas aqui e acolá.

TRECCANI, Girolamo Domenico. Terras de Quilombo: caminhos e entraves do processo de titulação. Belém: Secretaria Executiva de Justiça. Programa Raízes, 2006.


[1] Alunas do curso de Direito da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA. Email  apbraga_@hotmail.com;  jordanabs94@gmail.com;  caroline_gondinho@yahoo.com.br

[2] Conforme dados emitidos pelo INCRA. Documento de Regularização de Territórios Quilombolas, atualizado em 13/04/2017. Disponível em : https://www.youtube.com/watch?v=63ys-OqFDEE Acesso em 20.06.2017

[3] Vídeo Terra de Quilombo, vídeo produzido pela Associação Brasileira de Antropologia, disponível em: Acesso em 16.06.17.

Como citar e referenciar este artigo:
SOUSA, Ana Paula Braga de; SILVA, Jordana Brito da; GONDINHO, Caroline Barros. Quilombos: O processo de aquilombamento em Alcântara e os conflitos para a manutenção da autonomia. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2018. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-ambiental-artigos/quilombos-o-processo-de-aquilombamento-em-alcantara-e-os-conflitos-para-a-manutencao-da-autonomia/ Acesso em: 09 jul. 2025