Direito Administrativo

Emergência ou em Calamidade Pública e a Dispensa de Licitação

 

 

 

O comando emanado pelo inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal indica que as contratações de obras, serviços, compras e  alienações devem ser precedidas de procedimento licitatório, ao dispor   “in verbis”:

 

Art. 37. (…)

 

(…)

 

“XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações  de pagamento, mantidas as condições efetivas das propostas, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”

 

 

Portanto, a contratação com afastamento de licitação é uma exceção e como tal deve ser encarada de forma restritiva e lastreada exclusivamente nas hipóteses previstas em lei nos termos do dispositivo constitucional invocado.

 

 

As hipóteses que permitem a contratação de obras, serviços e bens com afastamento da licitação, através de dispensa ou de inexigibilidade, estão elencadas de forma exaustiva nos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666/93. 

 

No caso particular de dispensa de licitação, podemos dividir as hipóteses legais em grupos considerando as suas naturezas.

 

Assim, teríamos os seguintes grupos:

 

a) com fundamento nos princípios da razoabilidade e da economicidade, considerando o valor do objeto a ser contratado e, os custos direitos e indiretos para sua consecução, os previstos nos incisos I e II;

 

b) em razão da presença de razões de ordem pública ou fática que recomendam a dispensa de licitação, como os casos previstos nos incisos III, IV, V, VI, VII, IX, X, XI, XII, XIV, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIII, XXVII, XIX;

 

c) em razão da qualidade do contratado elecandos nos incisos VIII, XIII, XVI, XX, XXIV XXV, XXVI.

 

 

 

No que tange a dispensa de licitação para alienações as hipóteses estão elencadas no art. 17 da Lei de Licitações e Contratos, cuja constitucionalidade foi questionada através da ADIn º 927-3, pelo Governo do Estado do Rio Grande do Sul e conforme publicação no DJ de 11.11.1994, foi concedida liminar para suspender a expressão “permitida exclusivamente para outro órgão da Administração Pública”, constante da letra “b” do inciso I; os efeitos da letra “c” do mesmo inciso e a expressão  “permitida exclusivamente para outro órgão da Administração Pública”, constante da letra “b” do inciso II, bem como todo o texto do § 1o, apenas com relação aos Estados, Distrito Federal e Municípios.

 

O propósito deste estudo é analisar a dispensa por licitação prevista no inciso IV do art. 25 da Lei nº 8.666/93, que trata dos casos de “emergência ou de calamidade pública”.

 

 

O referido dispositivo está assim grafado:

 

 

 

“Art. 24. É dispensável a licitação”:

 

(…..)

 

“IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídos no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos”.

 

 

 

 

EMERGÊNCIA

 

 

A regra para as contratações do Poder Público é o planejamento, isto é, as obras, serviços e bens são contratados obedecendo a um plano estabelecido, e, portanto, observando o princípio constitucional da obrigatoriedade de licitar.

 

 

 

No entanto, nas várias atividades desenvolvidas pelo Poder Público podem ocorrer situações que demandem providências e medidas imediatas, derivadas de caso fortuito ou de força maior, evitando que ocorram prejuízos ou haja comprometimento à segurança de pessoas, obras, serviços, equipamento e bens em geral, públicos ou particulares.

 

A atuação da Administração deve ser imediata em regime de emergência real, impossibilitando que se observem os prazos legais decorrentes do procedimento licitatório, sob pena de omissão que pode gerar responsabilidade administrativa, civil e criminal.

 

 

IMPROBIDADE

 

Enquadra-se na figura de típica emergência, ao lado de outras, o fornecimento de alimentação a estabelecimentos penais e hospitalares, reparo de reservatório de água, conserto de ponte e estradas danificadas pela ocorrência de temporal, aquisição de vacinas para debelar eventual epidemia, coleta de lixo, etc. 

 

A emergência pode ser real, quando o evento já ocorreu e se busca o reparo para evitar prejuízos ou riscos à segurança ou potencial, quando a ação se desenvolve para evitar o risco ou que ele se alastre.

 

 

A ação tendente a minimizar os efeitos do ato ou fato emergencial deve ser exercitada, mesmo quando a situação poderia e deveria ser prevista, apurando-se posteriormente a responsabilidade da autoridade negligente.

 

Assim, a falta de manutenção em equipamento de uso constante, como um elevador, não justifica a postergação de seu conserto, mas exige a posterior apuração de responsabilidade do servidor encarregado de promovê-la.

 

 

O Egrégio Tribunal de Contas da União, estabeleceu através da Decisão nº 347/94 – Plenária, Ata nº 22/94, que teve o Eminente Ministro Carlos Átila como Relator, pressupostos para caracterizar a situação emergencial, evitando a responsabilização do agente público, lapidado da seguinte forma:

 

 

“não devem ter se originado, total ou parcialmente de falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida ser atribuída à culpa ou dolo do agente público que tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação.”

 

 

 

 

Oportuno enfatizar que mesmo presente a falta de planejamento, circunstância que permite a identificação e responsabilização do agente público responsável, a dispensa de licitação deve ser processada, observando-se as cautelas legais para sua implementação.

 

O afastamento da licitação, mesmo com  fundamento em emergência, deve obedecer aos princípios que norteiam os atos administrativos, buscando-se a proposta mais vantajosa para a Administração.

 

 

A contratação deve se restringir ao absolutamente indispensável para o atendimento do evento que se busca debelar, quer em relação à quantidade física, quanto ao prazo de execução do contrato, iniciando-se imediatamente, se for o caso, procedimento licitatório para as demais parcelas.

 

 

A dispensa de licitação somente pode ser concretizada se a hipótese invocada for prevista em lei, sob pena de caracterizar, mesmo que não redunde em prejuízo ao erário, ato de improbidade administrativa face ao disposto nos art. 10, inciso VIII, e ,11, da Lei nº 8.429/92, assim grafados:

 

 

“Art. 10 – Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1`.º desta Lei, e notadamente”:

 

(……)

 

“VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente”;

 

 

“Art.11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade  às instituições, e notadamente”:

 

 

 

A licitação poderá ser dispensada  por emergência em qualquer atividade desenvolvida pela Administração Pública, até mesmo para contratação de serviços de publicidade, que não pode ter a licitação afastada por inexigibilidade face à vedação constante do inciso II do art. 25.

 

A emergência para lastrear a dispensa de licitação para contratar serviços de publicidade, assim entendida a publicidade institucional, poderá estar presente na necessidade de, por exemplo, promover campanha de interesse coletivo para prevenção de surto epidêmico ou de risco na utilização de um serviço público afetado por problemas de segurança.

 

O que não pode ser tolerado é o afastamento da licitação para campanha educativa regular.

 

 

CALAMIDADE PÚBLICA

 

 

Calamidade pública pode ser conceituada como situação de anormalidade provocada por ação da natureza, como, por exemplo, inundações, vendavais, epidemias e secas que alterem profundamente a atividade do ser humano.

 

A situação típica de calamidade pública deve ser reconhecida por  decreto do Chefe do Poder Executivo com jurisdição na área atingida, delimitando-a e fixando os seus termos, de modo que a possibilitar o afastamento da licitação,  circunscrita ao atendimento material e temporal necessário a minorar o infortúnio da população atingida ou ao restabelecimento dos serviços públicos atingidos.

 

Por outro lado, os contratos decorrentes da dispensa de licitação para atender os casos emergenciais ou calamitosos devem ter a duração máxima de cento e oitenta dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade e não da lavratura dos mesmos, ficando vedada a sua prorrogação.

 

 

Na hipótese de persistir a causa impeditiva da realização da licitação, novo contrato emergencial deverá ser providenciado. Essa necessidade poder ocorrer, por exemplo, quando por decisão judicial, o procedimento licitatório foi suspenso e o objeto é considerado essencial para determinada atividade, como coleta de lixo, fornecimento de merenda escolar, serviços laboratoriais, etc.

 

A eficácia da dispensa de licitação é dependente das formalidades preconizadas pelo art. 26 da Lei nº 8.666/93, ou seja:

 

a) caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa de licitação, mediante a juntada aos autos do procedimento de documentos idôneos, tais como boletim de ocorrência, fatos, notícias veiculados pelos meios de comunicação, laudos periciais, etc;

 

b) razão da escolha do fornecedor ou do executante;

 

c) justificativa do preço;

 

d) submissão dos autos à autoridade superior, no prazo de três dias,  para ratificação do ato e publicação no órgão de imprensa oficial, no prazo de cinco dias.

 

 

* Benedicto de Tolosa Filho, Advogado especialista em Direito Público, Professor, Palestrista, consultor de diversos órgãos públicos. Assessorou o Governo do Estado de Minas Gerais na elaboração e implantação da Lei Mineira do Pregão e integrou a Comissão Governamental de Revisão da Lei Paulista de Licitações. Autor de diversas obras jurídicas, dentre elas, “Pregão Uma Nova Modalidade de Licitação”, Editora Forense, RJ, 3ª edição, “Contratando Sem Licitação”, 3ª edição, Editora GZ e “Comentários Práticos à Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, Editora GZ (prelo).

Como citar e referenciar este artigo:
FILHO, Benedicto de Tolosa. Emergência ou em Calamidade Pública e a Dispensa de Licitação. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/emergencia-ou-em-calamidade-publica-e-a-dispensa-de-licitacao/ Acesso em: 19 abr. 2024