Direito Administrativo

Os impactos da Reforma do Estado e da Administração Pública Gerencial nos direitos dos servidores públicos federais

GRISCHKE, Lucas Lopes[1]

TIMM, Daniele Wachholz[2]

VASCONCELOS, Rubens Vicente Rodrigues[3]

RESUMO

O presente trabalho abordará o tema “Reforma do Estado”, verificada nos anos 1970 em escala global, e alguns de seus reflexos no atual regime do funcionalismo público federal brasileiro, por meio da reforma administrativa. O objetivo do texto é demonstrar quais foram as consequências trazidas pelo Estado Social e Mínimo no regime de previdência social e na Administração Pública, com alterações na carreira dos servidores públicos federais. A metodologia do trabalho baseia-se em pesquisa bibliográfica, documental e de legislação. O trabalho se divide em três capítulos: “A crise fiscal e o neoliberalismo”, que consiste em uma breve análise do avanço neoliberal, após as crises mundiais do petróleo; “Reforma do Estado Brasileiro” em que se relata como o neoliberalismo foi aplicado no Brasil e a consequente alteração da gestão na administração pública e, finalmente, “Contexto Atual da Administração Pública e da Previdência Social Brasileira”, com enfoque na vigente carreira dos servidores públicos federais e também comentários sobre o campo de proteção e atuação dos direitos sociais: a previdência social.

Palavras-chave: Neoliberalismo; privatização; reforma do Estado

INTRODUÇÃO

O presente trabalho abordará, de forma sucinta, o tema “Reforma do Estado”, termo cunhado pela corrente política neoliberal em meados dos anos 1970 e alguns de seus reflexos no atual regime do funcionalismo público federal, por meio da reforma administrativa. Seu objetivo é demonstrar quais foram as conquistas e perdas dos servidores públicos federais, ocasionadas pelas modificações do regime jurídico administrativo, bem como demonstrar as diferenças entre o Estado Social e o Estado Mínimo. A metodologia do trabalho baseia-se em pesquisa bibliográfica, documental e de legislação.

A estrutura do trabalho consiste nos seguintes tópicos: O primeiro capítulo “A crise fiscal e o neoliberalismo”, apresenta um compacto relato de historicidade do neoliberalismo em escala mundial, principalmente após as crises do petróleo, como uma alternativa ao Estado do Bem-Estar Social. Já no segundo capítulo “A reforma do Estado brasileiro”, verifica-se a consolidação da política neoliberal que predominou no Brasil em final dos anos 1980 e pela década de 1990. Destaque para as leis que promoveram a privatização e a inclusão de emendas constitucionais que alteraram o modo de execução do serviço público, passando desta forma, o princípio da eficiência pública a integrar os cincos princípios da Administração Pública, presentes no artigo 39 da Constituição Federal.

No terceiro e derradeiro capítulo, “Contexto Atual da Administração Pública e da Previdência Social Brasileira” é realizada uma breve análise do modelo gerencial da administração pública brasileira, com enfoque na carreira dos servidores públicos federais, além de destacar a previdência social, campo de atuação dos direitos sociais, no período pós-reforma neoliberal do Estado.

1. A crise fiscal e o neoliberalismo

O liberalismo do século XX, aflorado nos anos 40 e utilizado nas décadas posteriores, foi influenciado por duas obras: “O caminho da servidão” de Friedrich Von Heyek, publicado em 1944 e as teses de Milton Friedman. O primeiro autor teceu críticas em relação ao programa de salário mínimo e de piso salarial dos sindicatos, caracterizados no programa do Partido Trabalhista Inglês. Friedman também condenou os planos de salário mínimo e de piso salarial, só que trazidos pelo New Deal.

Na década de 1970, as políticas keynesianas entraram declínio, em decorrência da alta tributação exercida pelo Estado, que possibilitava manter o Estado do Bem-Estar-Social, além de atividades ilícitas e desvios. Cabe ressaltar que neste período aconteceu a chamada crise fiscal do Estado. Para os neoliberais, a derrocada estatal estava atrelada ao poder excessivo dos sindicatos e trabalhadores e ao aumento de gastos sociais.

As crises mundiais do petróleo, em 1973 e 1979, os déficits causados pelos custos em ofertar condições sociais para os governados (com a consequente crise fiscal), a contestação da classe operária em relação ao aumento de impostos e o surgimento da globalização, em detrimento da política macroeconômica, trazendo à tona a concorrência de multinacionais, podem ser mencionados como os fatores preponderantes para a vitória da visão neoliberalista sobre a antiga forma de Estado. (ABRUCIO, 1997 p.11-12)

A reforma neoliberal, encabeçada pela Inglaterra de Margaret Thatcher (1979-1990) e os Estados Unidos de Ronald Reagan (1980-1988) buscou contornar a crise econômica confrontando os sindicatos e enfraquecendo greves, implementando a privatização, reduzindo os impostos em altos rendimentos, contraindo a emissão monetária e cortando gastos sociais.          

Uma das formas de reduzir os gastos com o Estado consistiu em enxugar a folha de pagamento de pessoal e tornar a máquina pública mais eficiente, evitando nesse pensamento, a burocracia do modelo sistema weberiano do Bem-Estar Social e imperando o modelo gerencial. Os neoliberais chamarão o sistema de funcionamento interno do Estado, tachando o modelo burocrático como uma forma de organização extremamente rígida, centralizada, corporativista e de hierarquia rígida. Os serviços públicos são adjetivados de deficientes, vagarosos, seguidores estritos de regulamentos e procedimentos. O sistema de princípios racional-burocráticos concentrou-se em processos e não em resultados. A administração gerencial, por sua vez, baseia-se em controle de resultados, descentralização e foco no cliente-cidadão.

2. A Reforma do Estado Brasileiro

A América Latina, nas palavras de Fernandes e Pais (S.d, p.3), sofreram as consequências da crise mundial, por meio de três choques: o segundo choque do petróleo, com a triplicação de seu preço; a elevação dos juros pagos pelos países em dívidas e a recessão norte-americana de 79/82, indicada pelos autores como a mais problemática desde a Depressão de 1930.

No ano de 1989, reuniu-se o Consenso de Washington, formado por representantes do governo norte-americano e de organismos financeiros (Banco Interamericano de Desenvolvimento, Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial). Objetivava-se, através desta reunião, avaliar as condições econômicas dos países latinos e, implicitamente, reforçar a presença neoliberal na região. Acerca desta situação, Batista observa:

Tudo se passaria, portanto, como se as classes dirigentes latino-americanas se houvessem dado conta, espontaneamente, de que a gravíssima crise econômica que enfrentavam não tinha raízes externas – a alta dos preços do petróleo, a alta das taxas internacionais de juros, a deterioração dos termos de intercâmbio – e se devia apenas a fatores internos, às equivocadas políticas nacionalistas que adotavam e às formas autoritárias de governo que praticavam. (BATISTA, 1994, p.4)

O autor acrescenta que o Consenso de Washington não discutiu questões sociais, pois as necessitadas reformas sociais viriam com a natural regulação econômica do mercado. (BATISTA, 1994, p.11). Além disso, determinou-se que o Estado não deveria mais agir como empresário e nem mesmo de realizar políticas monetárias e fiscais. (BATISTA, 1994, p.9)

Seguindo a tendência neoliberal mundial, o governo Sarney publicou o Decreto nº 91.991, de 28 de Novembro de 1985. Este decreto dispôs sobre o processo de privatização de empresas sob controle direto ou indireto do Governo Federal. Logo, entrava em pauta da Administração Pública o tema da privatização.

Pelo artigo 3o do citado decreto, as empresas privadas inadimplentes tomadas pelo controle direto ou indireto do Governo Federal, as empresas públicas desnecessárias (pois o setor privado executa suas atividades de forma plena e desenvolvida) e as subsidiárias do Poder Público que se tornaram dispensáveis, foram as pessoas jurídicas passíveis de privatização. Por outro lado, não se permitiu privatizar as seguintes, conforme reza o artigo 4o, in verbis:

Art. 4º. Não será transferido a controle acionário de empresa:

I – incumbida de atividades diretamente vinculadas à Segurança Nacional;

II – submetida ao regime legal de monopólio estatal; e

III – e responsável pela operacionalidade de infra-estrutura econômica ou social básica ou produtora de insumos de importância estratégica, cujo controle o Estado mantenha para viabilizar o desenvolvimento do setor privado, sem com ele competir.

As disposições do Programa Federal de Desestatização, encontradas no Decreto nº 95.886, de 29 de Março de 1988, objetivaram, principalmente, a transferência de atividades econômicas, que até então eram exploradas pelo setor público, para o setor privado. Os argumentos utilizados para tal procedimento, entre outros, consistiam nos seguintes:

Art. 1° Fica instituído o Programa Federal de Desestatização, com os seguintes objetivos:

I – transferir para a iniciativa privada atividades econômicas exploradas pelo setor público;

VI – estimular os mecanismos competitivos de mercado mediante a desregulamentação da atividade econômica;

VII – proceder à execução indireta de serviços públicos por meio de concessão ou permissão;

VIII – promover a privatização de atividades econômicas exploradas, com exclusividade, por empresas estatais, ressalvados os monopólios constitucionais.

No entender de Batista (1994, p. 27),

(…) com Collor é que se produziria a adesão do Brasil aos postulados neoliberais recém-consolidados no Consenso de Washington. Comprometido na campanha e no discurso de posse com uma plataforma essencialmente neoliberal e de alinhamento aos Estados Unidos (…)

Finalmente, a lei n. 8.031, de 1990 (durante o Governo Collor), instituiu o Programa já traçado nos dois anos anteriores. A base neoliberal estava evidente: deslocamento de atividades exploradas pelo setor público ao privado, redução da dívida pública do setor pública, busca de competitividade do parque industrial do país e a redução de atividades estatais às prioridades nacionais. E traz a definição de privatização, proclamada pelo Art. 2º, § 1º:

Art. 2° Poderão ser privatizadas, nos termos desta lei, as empresas:

§ 1° Considera-se privatização a alienação, pela União, de direitos que lhe assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade.

No ano de 1995, primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, o então Ministro da Administração e Reforma do Estado, Luis Carlos Bresser Pereira, redigiu o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Na apresentação do Plano, surge a seguinte justificativa para a reforma:

A crise brasileira da última década foi também uma crise do Estado. Em razão do modelo de desenvolvimento que Governos anteriores adotaram, o Estado desviou-se de suas funções básicas para ampliar sua presença no setor produtivo, o que acarretou, além da gradual deterioração dos serviços públicos, a que recorre, em particular, a parcela menos favorecida da população, o agravamento da crise fiscal e, por consequência, da inflação. (PEREIRA, 1995, p. 6)

Defendeu-se a flexibilização e permissão de regimes jurídicos diferenciados na sustentação da administração gerencial. A emenda constitucional no 19 de 14 de junho de 1998, denominada de “Emenda da Reforma Administrativa Federal” quebrou a obrigatoriedade do regime jurídico determinado pelo artigo 39 da Constituição Federal. Assim, era possível, no âmbito da competência de União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a concomitância de servidores com regime estatutário (8.112/90) e celetista (regidos pela CLT). Ressalta-se, todavia, que a Ação Direta de Inconstitucionalidade, 2.135-4-DF, impetrada, com pedido de liminar, em 2000, pelo Partido dos Trabalhadores, requereu a suspensão da vigência de alteração do artigo 39, caput, pois alegou-se a não observância do procedimento do artigo 60, §2o da Lei Maior, que reza:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

§ 2º – A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

Ocorre que a comissão especial da Câmara dos Deputados suprimiu a necessidade de regime jurídico e esta alteração não retornou para o plenário da Casa para aprovação, provocando vício formal de inconstitucionalidade. Em agosto de 2007, o STF decidiu suspender liminarmente a supressão do regime jurídico único, voltando a viger a redação original do artigo 39 e sua aplicação na Administração Direta e Autárquica Federal.

A mesma emenda acrescentou mais um princípio aos quatro existentes (legalidade, moralidade, impessoalidade e publicidade) na Administração Pública: eficiência. A Administração Pública aproximou-se o máximo possível da administração das empresas do setor privado. Privilegia a aferição de resultados, com ampliação de autonomia dos entes administrativos e redução dos controles de atividades-meio. Identifica-se com a noção de administração gerencial: desempenho máximo de modo racional.

Bresser Pereira ressalta que o Plano Diretor não privilegia a privatização e sim, inova, ao trazer a figura da publicização dos serviços não-exclusivos do Estado: “transferência do setor estatal para o público não-estatal, onde assumirão a forma de organizações sociais” (PEREIRA,1995, p.60). Acrescenta que as organizações sociais são entidades de direito privado, celebram contrato de gestão com o Poder Executivo, possuem autonomia de forma financeira e administrativa conforme descrição em lei específica, de modo a evitar a privatização. Para Behring e Boschetti (2011, p.153) não foi isso que ocorreu nos anos 90 após a proclamada Reforma:

Voltando a análise para um outro aspecto que chama a atenção na questão da privatização brasileira, houve a entrega de parcela significativa do patrimônio público ao capital estrangeiro, bem como a não-obrigatoriedade das empresas privatizadas de comprarem insumos no Brasil, o que levou ao desmonte de parcela do parque industrial nacional e a uma enorme remessa de dinheiro para o exterior, ao desemprego e ao desequilíbrio da balança comercial. Diga-se o inverso de tudo o que foi anunciado: o combate à crise fiscal e o equilíbrio das contas públicas nacionais.    

Em 1997 o governo brasileiro passa a mineradora Vale do Rio Doce para iniciativa privada do consórcio formado pelo grupo Vicunho, Bradesco, Nations Banks, fundos de pensão nacionais, o banco Opportunity e o City Bank. Justificou-se tal ato com a finalidade de equilíbrio das contas públicas, redução de dívida do setor público, captação de recursos externos e aumento da competitividade da Vale no Mercado Mundial. A Ordem dos Advogados do Brasil, Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e partidos de oposição (PT, PC do B, PDT) fizeram duras críticas a tal transação e, os ânimos se exaltaram em um confronto entre centenas de policiais militares e milhares de manifestantes de oposição à privatização, na sede da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro (BVRJ).

3. Contexto Atual da Administração Pública e da Previdência Social Brasileira

No século XXI, o modelo gerencial da administração pública tem a tendência de prevalecer sobre o padrão burocrático, acusado de ser corporativista e patrimonialista. Incentivam-se as parcerias do setor privado com as organizações não-governamentais e a concessão de autonomia (política da publicização) às agências governamentais, o chamado terceiro setor (ABRUCIO, 1997, p. 40).

No intuito de se alcançar uma administração pública eficiente, incentivam-se a capacitação e qualificação dos servidores públicos. Neste sentido foi instituída, no ano de 1997, a Lei 9527 que altera o Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Leis nº 8.112/90), extinguindo no artigo 87 a licença-prêmio por assiduidade e implementando a licença para capacitação. Assim, em cada quinquênio de exercício, o servidor tem a possibilidade, desde que respeitado o interesse da administração, de participar de curso de capacitação profissional em um período máximo de três meses.

O período para a aposentadoria do servidor público foi alterado, com o aumento de idade e tempo de serviço. “Anote-se que antes da promulgação da Emenda n. 20/98, o critério para a aposentação do servidor era mais elástico (…)” (NETO, 2011, p. 317)

Neto (2011, p.330) afirma que a Emenda Constitucional n.41/03, inseriu o princípio da solidariedade no caput do art. 40 da Carta Magna, como forma de se justificar a contribuição do inativo e a obrigação da contribuição do segurado, ainda que este não cumpra os requisitos, no caso de falecimento ou exoneração antes do tempo previsto.

Sobre o teto salarial dos servidores públicos, Neto (2011, p. 321) pondera:

Dessa forma, nenhum servidor público poderá, a partir da publicação da Emenda Constituição n. 41/03, adquirir qualquer vantagem pessoal ou de qualquer outra natureza, nos termos da nova redação do inciso XI, do art. 37, que exceda ao teto salarial do funcionalismo público, correspondente ao subsídio mensal, em espécie dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (…)

Já em relação ao campo da seguridade social, garantidora constitucional dos direitos sociais, Behring e Boschetti (2011, p. 163) advertem que

apesar do conceito constitucional, não ocorreu a efetivação de um Ministério da Seguridade Social, conforme esperado, e as políticas de saúde, previdência e assistência social seguem geridas por ministérios e orçamentos específicos, sem a necessária e devida articulação.

Na esfera da previdência, um dos principais paradoxos é a exclusão quase total dos trabalhadores (principais financiadores) da gestão da política. Ainda que sustentada predominantemente e direcionada especificamente a uma parcela precisa da população – os contribuintes diretos e dependentes – as decisões a respeito do conteúdo e da abrangência dos direitos e da modalidade de financiamento (só para citar alguns elementos) são tomadas pelo aparato burocrático estatal, baseadas em pretensas análises e cálculos técnicos (BERING; BOSCHETTI, 2011, p. 163).

Para Nascimento (2008), utiliza-se a política econômica “neoliberal de regulamentação”, ou seja, o convívio entre a expansão de políticas sociais de combate à fome (“fome zero”) e à pobreza (“bolsa-família”) de um lado e criação de Agências Reguladoras e abertura para o capital estrangeiro de outro. Conclui assim o seu pensamento:

A economia brasileira acatou as recomendações do Consenso de Washington, mas não absolutamente; a Reforma do Estado extinguiu monopólios e privatizou, mas sem a retração do aparelho estatal a ponto de se falar que ressurgiu o Estado mínimo (NASCIMENTO, 2008, p. 2).

La Bradbury (2006), por sua vez, denomina o Estado brasileiro de “Estado Social Democrático e de Direito” e menciona que há a presença concomitante de três regimes governamentais: o Liberal, quando a Constituição limita e regula o Poder Estatal e protege a individualidade do cidadão; Social no tocante à exigência que o Estado provenha os direitos sociais assegurados de forma constitucional e, por fim, o democrático, representado pela participação popular em decisões políticas.

Nogueira e Pfeifer (2005) utilizam o termo Welfare Mix, no processo atual em que as questões sociais são divididas entre Estado, mercado e organização social, além do incentivo de parcerias e fortalecimento do Terceiro Setor.

CONSIDERAÇÔES FINAIS

Diante do exposto, pode-se observar que o neoliberalismo influenciou fortemente o modelo de administração brasileiro atual. As emendas constitucionais, em atendimento à necessidade econômica da época, alteraram uma lei de caráter nitidamente social: a Constituição brasileira de 1988. As reformas estatais originárias dos países desenvolvidos, transmitidas aos países latinos pelo Consenso de Washington (1989), orientavam a redução dos gastos estatais aplicados em áreas sociais e requeriam a minimização do Estado-empresário.

Em sintonia com o Consenso de Washington o governo brasileiro elaborou o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995) e idealizou o instituto da “publicização”, em que se viabilizou a realização de parcerias público-privadas entre governo e as entidades paraestatais, ou seja, não integrantes da administração pública direta e indireta.

Outra característica da política neoliberal, a privatização, impulsionada no Brasil, no início dos anos 1990 e que se consolidou-se no episódio da Vale do Rio Doce, diferentemente da publicização, não tem a intenção de manter a prestação de serviço na titularidade, competência ou responsabilidade do Estado e sim da iniciativa privada. A prática privatista tende a retirar da soberania nacional o domínio da atividade econômica e entregar ao livre mercado, principalmente ao capital estrangeiro.

Logicamente, a reforma do Estado trouxe uma reforma da administração pública. A antiga ordem considerada corporativista sofreu uma substituição pelo modo gerencial, em que a eficiência prioriza os resultados e os servidores públicos, devidamente capacitados e qualificados, têm seu desempenho periodicamente analisado e adquirem a estabilidade após três anos de exercício efetivo. Certos direitos outrora garantidos foram suprimidos ou substituídos. É o caso da licença por assiduidade, uma espécie de “premiação” para o servidor, que passou a ser denominada de licença para capacitação, atendendo ao interesse da administração.

Vale ressaltar que, então, no Brasil do século XXI, há a concomitância do Estado Social e do Estado Mínimo, num ambiente em que convivem a aplicação de políticas sociais, a presença de administração gerencial, a publicização, a privatização, a luta sindical e o regime jurídico único dos servidores públicos.

REFERÊNCIAS

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BATISTA, Paulo Nogueira. O Consenso de Washigton – A visão neoliberal dos países latino-americanos. 1994. Programa Educativo Dívida Externa – PEDEX, Caderno Dívida Externa, n• 6, 2• edição, novembro 1994. Disponível em: < http://www.fau.usp.br/cursos/graduacao/arq_urbanismo/disciplinas/aup0270/4dossie/nogueira94/nog94-cons-washn.pdf> Acesso em: 17. nov. 2018

BEHRING, Elaine; BOSCHETTI; Ivanete. Política social: fundamentos e história. 9. Ed. São Paulo: Cortez, 2011.

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LA BRADBURY, Leonardo Cacau Santos. Estados liberal, social e democrático de direito: noções, afinidades e fundamentos. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1252, 5 dez. 2006 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/9241>. Acesso em: 17. nov. 2018

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NETO, Claudionor Duarte. O Estatuto do Servidor Público (Lei No 8112/90) à Luz da Constituição e da Jurisprudência. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

NOGUEIRA, Vera Maria Ribeiro; PFEIFER, Mariana. O papel do Estado e o “Welfare Mix“. Emancipação vol. 5 n.1, p. 143-160, 2005. Disponível em: < http://www.revistas2.uepg.br/index. php/emancipacao/article/view/65/63 > Acesso em: 17. nov. 2018.



[1] Discente do Programa de Pós-graduação em Direito do Curso de Mestrado em Direito e Justiça Social da Universidade Federal do Rio Grande – PPGD/FURG

[2] Advogada autônoma

[3] Discente do Programa de Pós-graduação em Direito do Curso de Mestrado em Direito e Justiça Social da Universidade Federal do Rio Grande – PPGD/FURG

Como citar e referenciar este artigo:
GRISCHKE, Lucas Lopes; TIMM, Daniele Wachholz; VASCONCELOS, Rubens Vicente Rodrigues. Os impactos da Reforma do Estado e da Administração Pública Gerencial nos direitos dos servidores públicos federais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2019. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-administrativo/os-impactos-da-reforma-do-estado-e-da-administracao-publica-gerencial-nos-direitos-dos-servidores-publicos-federais/ Acesso em: 30 jun. 2025