Bárbara Cristina Rodrigues Neres[1]
O texto “Os anos 1930: as incertezas do regime” faz uma análise acerca do processo político brasileiro visando compreender a inter-relação entre a Revolução de 1930 e o golpe de 1937, ambos chefiados por Getúlio Vargas. O debate do tema cabe ao julgo de Dulce Chaves Pandolfi, pesquisadora do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, onde desenvolveu pesquisas que vão desde os estudos sobre os partidos políticos até a questão dos movimentos sociais. O intuito da autora é percorrer os acontecimentos políticos dos anos de 1930 para assim compreender o caráter dos eventos, suas ambiguidades e a influência dos diversos projetos estatais que circulavam sobre o governo brasileiro naquele momento. Desta forma, foca seus estudos na análise de como se desenvolveu o Estado Novo, tentando estabelecer uma conexão entre a Revolução e o golpe de Estado.
A República Velha estava em crise e por meio disso vários grupos opositores se articularam para a derrubada do poder centralizado por São Paulo e Minas Gerais. Surge assim, a Aliança Liberal, uma coligação partidária oposicionista, marcada pela presença de “oligarcas dissidentes” – políticos de destaque na esfera nacional-, os rebeldes “tenentes” contendo a juventude efervescente do Exército, e aqueles que simplesmente faziam oposição ao regime devido à contrariedade dos ideais e interesses. Em face disto, surgia Getúlio Vargas como candidato a presidência da República. Contudo, a derrota política dava fim à possibilidade de mudança, o que não desanimou a oposição que articulou o movimento revolucionário para a tomada do poder. A eclosão da revolução deu a Getúlio a direção do Governo Provisório brasileiro o que decorreu na revogação da Constituição vigente na época e a criação de decretos-lei.
Entretanto, a implantação do novo governo não significava o afastamento dos conflitos ideológicos. Crescia o debate entre tenentes e oligarcas dissidentes, assim como o descontentamento ao Sistema de Interventorias que submetia os estados ao poder central. A autora perpassa ainda sobre os investimentos efetivados pelo novo regime vigorante, que resultaram na implantação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, assim como o Ministério da Educação e da Saúde Pública. O trabalhador também fora beneficiado acerca de leis protetivas. Porém, primeiramente se teve um conflito atrelado ao fato do benefício só ocorrer de acordo com a sindicalização, contudo, posteriormente, aos poucos os trabalhadores e empregadores começaram a aderir tal prática.
No âmbito econômico, Vargas com sua tendência centralizadora e intervencionista, criou o Conselho Nacional do Café e logo em seguida o Departamento Nacional do Café com o intuito de afastar o controle absolutista paulista sobre a política cafeeira. Logo após essa intervenção, criou ainda o Instituto do Açúcar e do Álcool, assim como o Conselho Federal de Comércio Exterior. Tais medidas não eram bem- quistas pelos setores oligárquicos. Os conflitos políticos cresciam e isso se dava principalmente pela força do movimento tenentista que assustava os políticos de velha guarda. Isso gerou no início de 1930 a articulação de vários grupos da liderança nacional, com o intuito de fazer frente ao governo provisório e suas medidas. Outro ponto de enfoque é a dificuldade de Vargas no meio militar em decorrência dos privilégios dados aos oficiais de baixa patente apoiadores de sua política desde a revolução.
O ano de 1932 é marcado pela crise. Sob pressão, Vargas edita o Código Eleitoral. Posteriormente a esse acontecimento, ocorreu um conflito de rua que resultou na morte de quatro estudantes o que levou a criação do MMDC (sigla com as iniciais dos nomes dos mortos), entidade que se encarregou de guiar ações referentes ao levante armado em prol da reconstituicionalização do país. Independente da criação do anteprojeto constitucional, a insatisfação já estava instalada. No mês de julho, São Paulo lidera a pior guerra civil vivida no país, a Revolução Constitucionalista. Não obstante, as tropas federais renderam os rebeldes e prenderam os principais líderes do movimento. Porém, foram atendidas algumas reinvindicações paulistas, como maior exemplo, a efetivação de um interventor civil e paulista como bem almejavam as elites.
Aproximavam-se as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte o que requeria a criação de novos partidos. Surgiram assim, inúmeros partidos estaduais sobre a liderança dos interventores. Com a realização das eleições, o melhor desempenho partidário foi dos situacionistas vinculados aos interventores. A Constituição fora promulgada em 1934, e um dia antes Getúlio foi eleito indiretamente como presidente do país. Todavia, não escondeu seu desapontamento com a nova Constituição tendo em vista que sentia a limitação de seus poderes. Em consequência da reorganização do governo em outubro de 1934 ocorreram às eleições para o Congresso Nacional gerando uma rotatividade das elites brasileiras. Com a ordem legal recomposta duas novas organizações politicas instauram-se: A Ação Integralista Brasileira, dirigida por Plínio Salgado e com ideais inspirados no fascismo italiano e a Aliança Nacional Libertadora suscitada por frentes populares opostas ao nazifascismo, agregando comunistas, socialistas e liberais desiludidos.
O comunismo ganha força, contudo a chamada revolta comunista fracassou, no entanto serviu de alegação para o fechamento do regime vigente. O executivo ganhava força e o Congresso aprovava cada vez mais medidas relacionadas a seu próprio poder. Vargas alegava ameaças, contudo ainda não tinha total a provação do Congresso para aumentar seu tempo no poder. Com a divulgação do “Plano Cohen” que fazia referência a uma insurreição comunista no país, Getúlio Vargas consegue alinhar forças e em 10 de novembro de 1937 a Polícia Militar cerca o Congresso Nacional, representando assim a mudança de regime e a manutenção de Vargas no poder.
O que se faz perceptível ao longo da pesquisa elaborada por Dulce Chaves Pandolfi, é a necessidade de se correlacionar os eventos decorrentes da emergência política varguista até a instauração de uma situação política regimental diferente do que anteriormente fora proposto. A autora foca em uma linha cronológica de explicação para a implantação do Estado Novo. Contudo, vale a pena frisar que é necessário um entendimento além da exposição dos fatos para assim se caracterizar a incerteza do novo regime cuja chefia cabia a Vargas.
Mostra-se inescusável que para o entendimento de um jogo político se faça anteriormente a análise acerca do que precede tal evento. Quando se fala no processo de criação do Estado Novo, é evidente a necessidade de se entender a complexidade do movimento anterior a Revolução de 1930 e as ações políticas de chefes como Vargas. Entender ainda como se decorreu a mudança de ideais políticos defendidos com tanto vigor no passado e como se formou as bases dos movimentos de direita e de esquerda que tanto modificaram o cenário do país.
A autora de fato faz uma análise generalizada sobre o evento, mas é perceptível que não há um aprofundamento sobre a figura de Vargas e sua política social. É notória ainda que se faça indispensável correlacionar o período entre guerras para entender o porquê do liberalismo não se fazer imprescindível na reorganização política brasileira. O debate entre as correntes nazifascistas e comunistas também são precisas para entender a formação desta dicotomia. Com isso se gera o debate sobre o porquê da incerteza da política varguista que posteriormente é denotada como populista, porém não defende os regimes esquerdistas de modo a se utilizar deles para efetivar a criação do Estado Novo em 1937, já que os articulou como ameaça. É nítida uma contraposição na ideologia deste governo sendo preciso compreender além de tais ambiguidades.
REFERÊNCIAS
PANDOLFI, Dulce Chaves. Os anos 1930: as incertezas do regime. O Brasil republicano: o tempo do nacional-estatismo – do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo / organização Jorge Ferreira e Lucília de Almeida Neves Delgado. – 6ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.
[1] Bacharela em Direito e História, pós-graduanda em Direito Público e Direito Marítimo