Direito Civil

A Importância da Mediação e da Psicanálise na Dissolução da Sociedade Conjugal

 

RESUMO

 

Este artigo se propõe a discutir a contribuição da Psicanálise para o Direito, no que se refere ao fim da sociedade conjugal. Para tanto se faz necessário salientar as diferenças da concepção de sujeito para a Psicanálise, bem como para o Direito. Além disso, importa verificar a interação das disciplinas na solução de conflitos conjugais na pós-modernidade. A forte exigência de individualização do mundo contemporâneo trouxe uma nova tônica para as relações familiares, fazendo com que os casais convivam em uma tensão permanente, devido a exigências contraditórias entre um “eu sozinho” e um “eu com”. A revolução nos costumes abalou os alicerces de uma instituição que parecia sólida e duradoura, o casamento. A sociedade mudou e com ela evoluiu o conceito de família.  Aquela família convencional, em que maridos e mulheres viviam juntos até que a morte os separasse, ainda é forte, mas está perdendo terreno numa velocidade assombrosa. Analisaremos, também, a importância da mediação para a solução de conflitos familiares, visando diminuir o sofrimento daqueles que vivem o processo de dissolução da sociedade conjugal.

 

 

Palavras chave: Psicanálise, direito, mediação, divórcio e guarda de filhos.

 

 

1 – INTRODUÇÃO

               

Os casamentos e os relacionamentos em geral já não são mais tão duradouros. Este fenômeno teve início a partir do período Pós-Guerra, com o fim das categorias universalizantes, com a queda do sentido da tradição e também com a desconstrução dos paradigmas da modernidade, tudo isso, levou aos casamentos e as outras formas de família a se dissolverem com maior facilidade moral e jurídica.

A busca da felicidade e a família fundada na afetividade são os fundamentos que passam ser considerados em todos os relacionamentos, não há mais porque permanecer numa relação que traga mais conflitos que alegrias.

As características da contemporaneidade, dentre elas ressalta-se a instantaneidade, a ambivalência, a fluidez e precariedade nas relações, a fragmentação, o individualismo e o consumismo, muito contribuíram para o enfraquecimento dos laços familiares.

Neste artigo procura-se compreender como as pessoas lidam com o fim da sociedade conjugal, e a interligação do direito e a psicanálise neste processo, que abrange o antes, ou seja, a possibilidade de rompimento, o durante e o depois desse rompimento.

O que se indaga não são as causas e conseqüências dos divórcios, mas sim se diante de novas formas de relacionamento da sociedade contemporânea, haveria também novas formas de lidar com o processo da separação conjugal no mundo contemporâneo?

 

 

2 – A PSICANÁLISE E O DIREITO DE FAMÍLIA

 

 

Direito é a norma de conduta imposta por autoridade coatora.  Isto porque a relação entre os indivíduos de uma comunidade deve se basear no princípio da justiça.

Norberto Bobbio define o direito como sendo:

o conjunto de normas de conduta e de organização, constituindo uma unidade e tendo por conteúdo a regulamentação das relações fundamentais para a convivência e sobrevivência do grupo social, tais como as relações familiares, relações econômicas, as relações superiores de poder, e ainda a regulamentação dos modos e formas através das quais o grupo social reage à violação das normas. (BOBBIO, 1997, p. 349)

 

 

 

Já a psicanálise é método de investigação teórica da psicologia, desenvolvido por Sigmund Freud, médico neurologista, que se propõe à compreensão e análise do homem, compreendido enquanto sujeito do inconsciente. Ou seja, ciência que estuda o comportamento e os processos mentais dos indivíduos.

A Psicanálise é considerada, atualmente, uma nova forma de pensar, uma nova consciência, nao é só um tratamento de neuroses; vai muito além a um método; muito mais que uma teoria.

Afirmam os doutrinadores que a Psicanálise tem por objeto a personalidade normal e a personalidade anormal, sendo na realidade o estudo da alma humana.

A teoria psicanalítica criou uma revolução tanto na concepção como no tratamento dos problemas afetivos. Há um grande interesse pela motivação inconsciente, pela personalidade, pelo comportamento anormal e pelo desenvolvimento infantil.

Na verdade, direito e psicanálise estão presentes em todos os momentos da vida do homem. O Direito atua diante do fato gerado pelos atos do homem e sua repercussão na sociedade. A Psicanálise procura desvendar os impulsos que antecedem aos atos para chegar à razão que deu origem aos mesmos.

Para Groeninga, “cabe aos psicanalistas sensibilizar os que lidam com o Direito para as questões de família, permitindo uma compreensão mais ampla dos conflitos e do sofrimento”. (GROENINGA, 2004, p.144)

Freqüentemente, o indivíduo traz uma demanda jurídica com pedidos objetivos, tais como: o divórcio consensual ou litigioso, a pensão alimentícia, a guarda dos filhos, as visitas, a divisão de bens e cabe ao judiciário encontrar uma saída para regulamentar à convivência familiar. A psicanálise, neste contexto, proporciona um tipo de escuta que leva o sujeito a refletir sobre suas queixas, e a se responsabilizar por elas, deixando de remeter ao outro muitas vezes aquilo que é seu.

O direito não enxerga o sujeito da mesma forma que a psicanálise. Ambos lidam de forma diferente com o mal-estar. De acordo com Souza, o sujeito jurídico é visto como aquele provido de razão, detentor do livre arbítrio, aquele que tem consciência de seus atos e pode controlar suas vontades, capaz de discernir o que é proibido do que não é, assumindo as punições que lhe são cabíveis, servindo para os outros como modelo, já que nem todos os desejos são permitidos. (SOUZA, 2004)

Certo é que para se viver em sociedade os homens têm que se submeter às leis, que geram restrições, porém algo sobra, ou escapa, o que causa um mal-estar.  As leis foram impostas em nossa sociedade com a finalidade de estabelecer normas para uma boa convivência com as pessoas que nos rodeiam. Entretanto na grande maioria das vezes acabamos por nos tornar dependentes e submissos a ela. Se existe a lei é porque existe o desejo.

Encontros e desencontros fazem parte da vida do sujeito. Em algum momento ele encontra aquele outro idealizado, que o completa, o faz falta e passa a dar sentido a sua vida, mas muitas vezes esta mesma realidade pode levar o sujeito a um sofrimento de perda diante de uma situação expressa em uma separação.

A mediação surge como uma nova forma de ajudar a resolver as questões judiciais familiares, divórcio, guarda de filhos, partilha de bens. É o mediador que possibilita que o sujeito perceba sua subjetividade, promovendo a sua reconstrução frente à vida, para que ele veja saídas nele próprio e não no “outro”, ou seja, o sujeito vai buscar soluções para seus conflitos de uma forma singular.

Outro aspecto importante é que a dissolução da sociedade conjugal também pode gerar obstáculos à constituição da criança. Isso quando esta é objeto de disputa dos pais, que se esquecem ou não assumem o papel definitivo de pai e mãe, e se preocupam apenas com seus ressentimentos. Nesses casos, os casais são convidados a trabalhar e buscar alternativas para que consigam conduzir a vida após o divórcio; e este processo é conduzido pelo mediador, que prepara o caminho e têm como objetivo resgatar o respeito e propiciar um espaço onde o diálogo possa existir.

Sabe-se que tanto o direito quanto a psicanálise privilegiam o discurso e é através da mediação que o profissional pode utilizar-se da Psicanálise para chegar até o sujeito.  A mediação perpassa pelo discurso, que solicita uma intervenção ao nível do real dos grupos, dos parceiros e não ao nível de um “problema social”. O mediador sabe que existe o conflito, mas não o enfatiza como uma guerra e sim como melhor resolvê-lo. Esse é o desafio, conjugar a psicanálise o direto. Aqueles que estão implicados nesta abordagem encontram-se numa posição de produzir saídas aos impasses apresentados, ou seja, “conjugar norma jurídica e subjetividade para o Direito e inconsciente e responsabilidade do sujeito para a Psicanálise”. (BARROS, 1997, p. 832).

Assim, a Psicanálise, na área do contexto Judiciário, pode ser utilizada amplamente, promovendo discussões com a possibilidade de uma intervenção na estrutura familiar e social do sujeito.

 

 

3 – A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA FAMÍLIA E O FIM DA SOCIEDADE CONJUGAL PARA A PSICANÁLISE

 

 

                O instituto da família, seja qual for sua forma de constituição, estrutura a formação e o desenvolvimento do indivíduo e viabiliza a realização de sua felicidade. Groeninga afirma que “a família é um sistema de relações que se traduz em conceitos e preconceitos, idéias e ideais, sonhos e realizações. Uma instituição que mexe com nossos mais caros sentimentos” (Groeninga 2004, p.258).

A união de um casal implica na partilha sonhos, sentimentos e ambições. Tais objetivos são conduzidos por um sentimento dominante de felicidade e expectativa em relação ao futuro e aos frutos a que o mesmo dará origem.

Os momentos vividos em comunhão redundam em prazeres (amar, acarinhar, rir…) e desprazeres (chorar, brigar, julgar…) e exigem posturas próprias do ser social, ou seja, daquele que não quer ou não pode viver sozinho (ouvir, conversar, ceder…). Segundo Ana Souza, tudo isso faz parte das relações entre humanos, constituindo processos de crescimento, de conhecimento inter e intrapessoal que apenas servirão para fortalecer laços.

 

Para Freud, a gênese de qualquer enamoramento é narcísica. É que o amor consiste em supor o ideal de si mesmo no outro. Assim criamos uma imagem ideal naquele a quem elegemos como objeto amoroso, que vem justamente completar o que falta em nós, para chegarmos ao ideal sonhado (PEREIRA, 2000, p. 70).

 

A forma mais tradicional em nossos tempos de constituição de família é o casamento. Seu papel transcende os aspectos religiosos e jurídicos, pois como aludido anteriormente é, para muitos, o veio condutor à felicidade plena. Como bem assevera Rodrigo da Cunha:

 

Apesar das mudanças de valores, da revolução feminista, da separação entre Igreja e Estado (1891), o casamento constitui-se em um ideal, no qual se depositam esperanças, sonhos e o desejo de viver juntos para sempre. Reproduz e constrói as regras de uma cultura e, acima de tudo, monta uma estrutura familiar (PEREIRA, 2000, p. 63).

 

 

Porém, ao longo do século XX, transformações históricas, culturais e sociais levaram ao direito de família a seguir novos rumos, a fim de se adaptar a nova realidade da pós-modernidade e a Constituição Federal de 1988 absorveu essa transformação, adotando a entidade familiar plural, permitindo, assim, várias formas de constituição. Ao lado do casamento, o constituinte reconheceu juridicidade à união estável entre um homem e uma mulher.

Portanto, a instituição familiar evoluiu ao longo dos tempos, passando por algumas fases e tomando diversos rumos de transformação até culminar com o modelo da família moderna, baseada fundamentalmente nos laços de afeto.

Atualmente, vive-se a fase da dessacralização do casamento, que dá enfoque à facilidade do rompimento do vínculo conjugal, nos direitos resguardados do concubinato, bem como no tratamento igualitário entre filhos legítimos e ilegítimos. Percebe-se que a evolução da estrutura familiar caminha para relações baseadas, cada vez mais, no sentimento e na afeição mútua.

A sociedade concebe que a família deve servir de instrumento para o bem estar de seus membros e não servir apenas como modelo formal a ser imposto aos indivíduos que em torno dela convivem, muitas vezes, infelizes rodeados de tanto conservadorismo e de tantas pressões.

Assim, nesse mundo de furiosa individualização, os desejos conflitantes trazem para o relacionamento um sentimento de insegurança. É a oscilação entre o sonho e o pesadelo, não sendo possível determinar quando um se transforma no outro, já que na maior parte do tempo, coabitam. Surgem, portanto, as crises conjugais.

A crise que redunda no divórcio é verificada não somente nessas circunstâncias cabais, mas ao longo da convivência familiar. Nesse sentido:

 

As crises são condições mesmo de sua existência, e a passagem de seus ciclos vitais acompanha a mudança etária de seus membros. Como o tempo da evolução, a família está sempre em constante mudança e, como o tempo das estações, seu clima afetivo sofre variações. Mudança e crise que se permitem existir dada sua natureza indissociável da de humanidade – de instituição estruturante e estruturada pelo humano. (GROENINGA, 2004, p. 252)

 

O divórcio constitui um momento especial de crise na vida das pessoas envolvidas. Ana Souza caracteriza esta situação, na qual ocorre

 

uma reação de luto (sentimentos de depressão, tristeza intensa, dúvidas, instabilidade de humor, entre outros) pelo fim da relação, por pior que esta estivesse. É freqüente, que mesmo no período que antecede a separação, o indivíduo se sinta repleto de dúvidas, com alguma dificuldade em pesar os prós e contras da situação, por todo o descontentamento inerente, havendo, por exemplo, o medo e a incerteza perante o futuro sem o cônjuge, ou mesmo, por parte de quem toma a iniciativa de se separar, o desenvolvimento de um sentimento de culpa, principalmente quando da presença de filhos e/ou se o parceiro se demonstra bastante fragilizado com a perspectiva de separação.

Independentemente da duração da separação, só ao fim de um determinado período de tempo é que o ex-parceiro poderá, eventualmente, ser encarado de forma neutra, ou seja, poderá ocorrer uma dissipação dos sentimentos de raiva, descontentamento, por exemplo. No entanto, este processo poderá ser mais ou menos prolongado e doloroso, sendo que, o recurso a técnicos especializados não é tão pouco freqüente quanto se julga, pois é normal que, em dadas circunstâncias, uma pessoa conclua que, por si própria, não está a conseguir “sair” da situação, não porque seja melhor ou pior que outrem, apenas o factor emocional inerente poderá dificultar este processo. (SOUZA, 2007)

 

 

A psicologia nos esclarece que o temor do divórcio é uma constante na vida do ser humano, desde o seu nascimento, quando se vê separado do conforto materno pelo corte do cordão umbilical. O início da fase adulta que simbolicamente representa a separação com os pais, a perda de amigos e parentes pela morte ou distanciamento natural dos mesmos, enfim, seja qual for à circunstância, o desconforto da separação será identificado, de maneira mais ou menos intensa. Para Rodrigo da Cunha Pereira

 

Talvez uma das mais difíceis formas de separação seja a da conjugalidade. Separação de casais significa muito mais do que isso. Significa desmontar uma estrutura e perder muita coisa. Perder estabilidade, padrão de vida, status de casado etc. A dor maior nessas separações é a de nos confrontarmos com a nossa solidão e contatar que não temos mais aquele outro que pensávamos nos completar, a quem onipotentemente insistimos em completar. Embora saibamos, pela razão, que somos seres de falta e que o outro pode ser apenas o tamponamento de nossa solidão, insistimos sempre na completude do ser. Pura ilusão! (PEREIRA, 2000, p. 68)

 

A dissolução da sociedade conjugal vem se tornando hábito cada vez mais freqüente nas sociedades ocidentais[1]. Seguindo esta tendência o Ordenamento Jurídico vem facilitando cada vez mais os procedimentos formais a serem seguidos e, ainda, que haja em nossa sociedade resquícios de moralidade que impõe a manutenção da relação a qualquer custo, o que prevalece é a mudança de paradigma do que vem a ser a felicidade.

Tomando o conhecimento da psicóloga e psicanalista Groeninga

 

A partir da descoberta de Sigmund Freud, de um inconsciente que é estruturado com uma lógica que é própria, tivemos acesso a outro sujeito alem do sujeito de direito – o sujeito do desejo. Buscamos a integração diferenciada desses dois sujeitos, ou melhor, desses aspectos de um mesmo sujeito, e não mais a disjunção. (GROENINGA, 2004, p. 252)

 

 

Segundo Pereira (2000, p. 66), é justamente o desejo o sustento do laço conjugal, entretanto, este sentimento implica em uma necessidade constante de renovação. Em outras palavras, como diria Lacan “Desejo é o desejo do desejo”. Fisiologicamente, desejo é sempre estar desejando outra coisa. Nesse sentido, difícil seria conceber um casamento ou qualquer outra relação de forma duradoura.

                A interferência de ordem jurídica em conflitos dessa natureza se faz necessária, por questões de ordem, especialmente patrimoniais, mas deve se estabelecer de maneira delicada, vez que envolve dores, mágoas, frustrações, sofrimentos das pessoas que vivem tais situações.

O operador do direito de um modo geral tem a responsabilidade de adequar à solução do conflito e não, simplesmente, a responsabilidade de ganhar uma causa. É sabido que a demanda familiar não comporta vencedor e vencido.

                O tratamento especial que enseja a análise de conflitos como separação, divórcio, a luta pela guarda dos filhos, pensões e partilhas é tarefa impõe ao operador do direito a utilização de conceitos e práticas de outras ciências e disciplinas indispensáveis à sua perfeita compreensão, pressuposto necessário da sua solução. Uma das ciências complementares à atuação do advogado familiarista é exatamente a Psicanálise. Segundo Martorelli:

 

Essa parceria permite discriminar as diferenças lógicas no trato do conflito, não se limitando à lógica do litígio, torna possível ao advogado perceber o texto e contexto do conflito, a linha e a entrelinha do litígio, a mensagem do inconsciente, que chega pelo discurso das demandas, na maior parte das vezes, de forma distorcida ou travestida de outras que uma escuta qualificada é capaz de evidenciar. Freudianamente, é escutar o que está por detrás do discurso ou, como Lacan, o que está entre o dito e o por dizer. Só através de uma análise interdisciplinar podemos incorporar idéias psicanalíticas ao conceito tradicional de família em Direito, vendo-a como uma Estruturação Psíquica. As relações familiares são intricadas e complexas, pois comportam elementos objetivos (jurídicos e normativos) afetivos e inconscientes. Perceber as sutilezas que as entremeiam é transcender o elemento jurídico, para resolver de maneira menos traumática, mais rápida e menos onerosa os problemas que nessa área são apresentados. (Martorelli, 2010)


                Pode-se, ainda, conceber a possibilidade de um processo de separação não levar a situação às vias de fato. Isso seria possível a partir do momento em que os casais ultrapassarem o mito da conjugalidade e superarem a falsa idéia de que os dois fazem um. O amor que respalda a conjugalidade só terá êxito se forem respeitadas as diferenças e as individualidades (PEREIRA, 2000, p. 66)

Nos casos em que o fim da relação é inevitável, o que nem sempre é fácil de se admitir, convém que se estabeleça o sentimento de conformação, afinal o fim da relação não coincide com o fim da possibilidade de ser feliz, mas com o fim de um ideal, dentre tantos que a vida pode oportunizar.

O sistema jurídico brasileiro vinha adotando duas medidas dissolutórias do casamento: separação judicial (substituindo o velho instituto do desquite) e divórcio. Apesar de serem institutos distintos, tem a mesma finalidade, qual seja, findar o casamento. Há que se observar a separação põe termo ao casamento, mas não o dissolve[2].

Importa esclarecer que na abordagem em estudos psicológicos, separação e divórcio são usados como sinônimos, pois não se trata do aspecto legal, mas sim do processo de separar-se emocional e psiquicamente do outro. Serpa (1999) denomina esse processo de divórcio psíquico.

 

O denominado divórcio psíquico coroa a separação, e é caracterizado por sentimentos de aceitação, em primeiro lugar. Logo em seguida, dá-se a reconstrução da autoconfiança, nova energização, autovalia, compleitude e, principalmente independência e autonomia. É o recomeço de uma nova vida, porque o divórcio é interrupção de todos os planos e realizações dos cônjuges. Significa a frustração de todas as expectativas anteriores, o que vale dizer, a morte. (SERPA, 1999, p. 379)

 

Fato é que a indissolubilidade do casamento estabelecida no CC/16 fora superada com o advento do divórcio, que teve sua estrutura alterada e consideravelmente simplificada pela carta constitucional de 88.

Muito bem esclarece Farias (p.2-3,) que:

 

Separação e divórcio prestam-se a um só fim: encerrar aqueles casamentos em que o afeto deixou de ser o pilar de sustentação, suplantado por sentimentos outros, que jamais podem ser sopesados. Não se justifica, pois, a opção do legislador brasileiro de manter regras próprias para a separação judicial – impondo um sistema fechado, rígido e com causas específicas, discutindo a culpa, a saúde mental e a falência do amor – e admitindo o divórcio submetido a um único requisito objetivo (e não poderia ser diferente, em face da incidência da norma constitucional). É a subversão do universal princípio de que quem pode o mais, pode o menos. A dissolução do vínculo, estranhamente, é obtida com mais facilidade do que o simples término dos deveres conjugais, traduzindo uma verdadeira incoerência do sistema jurídico.

 

Os princípios consagrados na CR/88 e a afirmação de inúmeros valores relacionados à pessoa humana afastaram o instituto do casamento e os mecanismos de sua dissolução da patrimonialidade, passando a se estabelecer a partir da afetividade.

Assim, se a base da relação conjugal, o afeto, deixa de existir, sem razão a discussão de qualquer outra causa que justifique a dissolução do casamento, como a culpa, por exemplo, salvo por questões de ordem prática, como alimentos e uso do nome de casado.

Segundo Farias, a perspectiva constitucional que se impõe ao instituto da família, o afasta de certa forma, do caráter de mera instituição jurídica e o estabelecem como instrumento de afirmação da realização pessoal do ser humano, valorizados os seus aspectos espirituais e o desenvolvimento de sua personalidade, em combate a feição patrimonial, até então predominante. Segue afirmando que:

 

Daí a necessidade de uma visão essencialmente funcionalizada da família, como o locus privilegiado para o desenvolvimento da personalidade e afirmação da dignidade de seus membros. A família, forjada na dignidade da pessoa humana, passa a atender uma necessidade vital: ser feliz. E é a partir deste impostergável direito de ser feliz que se edifica “uma nova concepção de família, informada por laços afetivos, de carinho, de amor.

Constrói-se o paradigma do desamor, no qual ninguém é obrigado a viver com quem não esteja feliz, preponderando o respeito e a dignidade da pessoa humana”. (FARIAS, 2004, p. 8,)

 

Segundo RODRIGO DA CUNHA PEREIRA, “no casamento, quando se depara com o cotidiano, e o véu da paixão já não encobre mais os defeitos do outro, constata-se uma realidade completamente diferente daquela idealizada”. (PEREIRA, 1999, p.326)

Diante das frustrações, a felicidade e as demais realizações saem do cenário conjugal e dão lugar às traições, injúrias, maus tratos, agressões físicas e psicológicas e, sem análises pormenorizadas, o cônjuge que assim agiu torna-se aos olhos da sociedade o responsável ou culpado pela perda da felicidade e conseqüente ruptura do vínculo conjugal.

Olhando do ponto de vista da Psicanálise, não existem culpados pela separação. O casamento é uma construção cultural. Cada cônjuge é um sujeito que entra para o casamento trazendo seus costumes, suas heranças familiares. Cada cônjuge sofreu a instituição da Lei de uma forma diferente. Cada um vem para o casamento com suas heranças, seus significantes, resultado do modo como sofreu as interdições pelo exercício das funções paterno e materno para se constituir em sujeito. E isso pode tornar difícil ou impossível o entendimento. Por isso, resumindo, para a Psicanálise não existe um culpado pela separação.

Os estudos cruzados de Direito e de Psicanálise auxiliam os juristas nas soluções de casos jurídicos, especialmente na área do Direito de Família. Mas é preciso não confundir as coisas para não praticar injustiças. A Psicanálise isenta o sujeito de culpa por ato praticado. Mas não o isenta da responsabilidade. Para o jurista falar em responsabilidade é falar em culpa (culpa penal, culpa civil, culpa contratual, culpa conjugal, etc.). Necessário explicitar que o conceito de responsabilidade para a Psicanálise não é o mesmo utilizado pelo Direito.. Pode o sujeito, para a Psicanálise, não ser culpado, mas ser responsável.

Jacques Lacan em seu texto “A Ciência e a Verdade” (1965) deixa muito clara essa questão:

Da nossa posição de sujeitos somos sempre responsáveis. Que chamem isto, onde se quiser, de terrorismo. Eu tenho o direito de sorrir, pois não é em um meio onde a doutrina é abertamente matéria de transações, que eu temeria ofuscar alguém formulando que o erro de boa-fé é, de todos, o mais imperdoável. (apud Barros, 1997, p. 832).

 

Não há necessidade de atribuir culpa ao outro. Terminou o amor, terminou o afeto. Basta isso. É assim que entendemos. Atualmente, não há culpados nem para o direito, nem para psicanálise.

FACHIN (p.179, 1999) “afirma que não tem sentido averiguar a culpa com motivação de ordem íntima, psíquica”, uma vez que a conduta de um dos consortes, violando deveres conjugais é apenas um “sintoma do fim”. Nesse sentido afirma-se que:

 

é impossível a identificação objetiva do culpado pelo insucesso do casamento, como se tivesse sido praticado um ato ilícito, “a menos que se pretendesse, por absurdo, fixar um standard médio de performance sexual, ou um padrão ideal de fidelidade, cujo não atendimento pudesse ser considerado como ilícito (TEPEDINO, p.379, 1999).

 

 

Atribuir a culpa pelo fracasso da relação ao outro consiste em tentar se eximir de qualquer responsabilidade e criar justificativas para si mesmo. Ao mesmo tempo, permite assumir o papel de vítima diante do outro e da sociedade. Afirmar-se na condição de desamparado, seja emocionalmente, seja financeiramente, cria no indivíduo a sensação de hipossuficiência, o que geralmente, desperta nas pessoas de sua convivência uma postura consoladora, assistencial, que conforta o mesmo.

                Não é possível perquirir acerca dos dramas, fracassos e desilusões na relação conjugal. Tudo não passa de um conjunto de fatores que se sedimentam ao longo dos anos de convivência e que resultam da conduta de ambos no relacionamento.

 

Pertinente a colocação de FARIAS (p. 17) quando assevera que:

 

os atores processuais (juiz, promotor, defensores públicos e advogados) não podem ser transformados em verdadeiros “investigadores do desamor”, como se estivessem na frenética procura de um perigoso criminoso que coloca em risco a incolumidade de toda a sociedade. Aliás, vale lembrar uma passagem bíblica, para afastar a averiguação da culpa: atire a primeira pedra quem não tiver pecado. (FARIAS, p. 17, )

O amor (ou melhor, a perda do amor), jurado solenemente por ambos os consortes, não pode ser julgado pelo Estado-juiz. Apesar da crueldade da comparação, admitir uma separação judicial discutindo a culpa de um dos cônjuges assemelha-se à propositura de uma ação para discutir o descumprimento das obrigações pactuadas em negócios jurídicos. Como se o amor e o afeto pudessem ser igualados a meros deveres obrigacionais, negociais. (FARIAS, 2004, p. 19,)

 

Ainda que se identifique o responsável pela separação, cuja conduta redundou na insatisfação da outra parte, não seria seguro afirmar o caráter culpável de tal conduta. Como afirmar o que é certo ou errado no contexto de uma relação repleta de subjetividades.

 

Não está longe o tempo em que, muitas vezes, as ciências, Direito e Psicanálise inclusive, utilizando o disfarce da pseudoneutralidade científica, tentavam adequar a família e o indivíduo aos seus  próprios paradigmas. Visões que buscavam prescrever o certo e o errado em uma visão binária, maniqueísta, moralizante, muitas vezes mais de acordo com princípios estranhos à ética e à ciência, de origem política, religiosa e/ou moral – provavelmente visões movidas por afetos dissociados do pensamento. (GROENINGA, 2004, p. 258-259)

 

Várias são as razões que levam à discussão da culpa no término da relação conjugal. Poderíamos apontar a traição ou a manutenção de relação extraconjugal ou paralela à relação oficial eventual ou habitualmente, o chamado débito conjugal. As noções de casamento têm em sua essência elementos caracterizadores da comunhão de vida que proíbe relações sexuais fora do casamento.

Somos seres humanos complexos que, quando confusos, buscamos na simplificação um alívio para a angústia em ser humano. E a parte mais completa está justamente em nossos afetos, tão ricos e indefiníveis responsáveis pelas imprecisões da linguagem. Na tentativa de simplificar e mesmo de nos afastar dos afetos, buscamos a objetividade e um ideal de neutralidade, que mesmo nas ciências exatas não mais se tem.

 

A questão dos afetos merece ainda atenção especial, pois talvez, pela resistência que tenhamos em reconhecer as qualidades agressivas, que todos nós possuímos, tendemos, no senso comum, e mesmo pela herança filosófica, a equiparar o amor e o afeto. Muitas vezes idealizando a família como reduto só de amor. Idealização que se quebra quando nos defrontamos com a violência dos conflitos familiares. A função da família está mais além do amor – está em possibilitar as vivências afetivas de forma segura, balizando amor e agressividade, inclusive para que as utilizemos como matéria prima da empatia, capital social por excelência. Não está longe o tempo em que, muitas vezes, as ciências, Direito e Psicanálise inclusive, utilizando o disfarce da pseudoneutralidade científica, tentavam adequar a família e o indivíduo aos seus  próprios paradigmas. Visões que buscavam prescrever o certo e o errado em uma visão binária, maniqueísta, moralizante, muitas vezes mais de acordo com princípios estranhos à ética e à ciência, de origem política, religiosa e/ou moral – provavelmente visões movidas por afetos dissociados do pensamento. (GROENINGA, 2004, p. 259-260)

 

Groeninga (2004, p. 260) cita explicação freudiana, segundo a qual evidências psicanalíticas demonstram que a maioria das relações íntimas e duradouras (casamento, amizade, filiação), são compostas de sentimentos de repressão e hostilidade, que resultam na repressão.

A sociedade contemporânea com suas características próprias, marcantes e muitas vezes contraditórias, tais como a instantaneidade, a ambivalência, a fluidez, a fragmentação, o individualismo e o consumismo trazem alterações nas formas das pessoas se relacionarem.

A conjugalidade passa a ser marcada pela importância da qualidade da relação, pela afinidade e intimidade. Existe uma grande idealização dos relacionamentos, que devem fundamentar sua existência no amor entre os parceiros e sendo este sentimento efêmero, aumenta a insegurança e a falta de garantias em relação à durabilidade.

Também ganha cada vez mais importância a vivência prazerosa da sexualidade, uma vez que a sociedade é regida acima de tudo por leis de mercado que disseminam imperativos de bem-estar, prazer e satisfação imediata de todos os desejos.

A imediaticidade e a instantaneidade, comprovadamente trazem implicações para as relações amorosas principalmente em relação à conciliação dos projetos individuais de cada um com os projetos comuns ao casal. Além disso, há uma dificuldade para os casais de formularem projetos em longo prazo, vivendo-se o presente, sem planejar muito o futuro.

Outra importante característica que mexeu na estrutura do instituto família é a igualdade entre homens e mulheres, que legitima a livre escolha do par amoroso. No cotidiano, as escolhas tendem a serem cada vez mais subjetivas, individualizadas, marcadas por traços importantes do momento contemporâneo, traços apontados como sendo as principais características da

Pós-modernidade.

Dentre os acontecimentos que influenciam a vida dos casais na atualidade, dois são destacados: a queda do patriarcalismo como ideal social e o movimento feminista. Tais eventos trouxeram transformações em diferentes áreas da vida pública e privada, como por exemplo, da sexualidade e aspirações profissionais.

Portanto, num mundo frágil e imediatista, os laços humanos se constituem precariamente. A fluidez da pós-modernidade[3] se revela através da vulnerabilidade, instantaneidade, efemeridade e precariedade das relações humanas. As pessoas estão desconectadas, sem redes de relação de apoio, sentindo-se perdidas e necessitadas de criar laços afetivos.

Diante do exposto, pode-se indagar: Seria o fim das famílias felizes? Não. É a forma como a sociedade se tem adaptado ao novo padrão familiar. A idéia de que casamentos não vão necessariamente durar para sempre é cada vez mais aceita entre os diversos grupos e classes sociais. Até alguns anos atrás, o divórcio era um estigma que marcava pais e filhos para o resto da vida. Expressões como “mulher divorciada” ou “filho de pais separados” eram pronunciadas em voz baixa e de forma pejorativa. Crianças que viviam nessa condição eram muitas vezes proibidas de freqüentar determinadas escolas e consideradas má companhia para os filhos de pais casados.

Antes, o amor entre marido e mulher acabava depois de alguns anos de casamento, mas eles continuavam vivendo juntos, e infelizes, em nome da unidade da família e de uma suposta felicidade dos filhos. Havia uma pressão enorme da Igreja e da sociedade para que essas regras não fossem quebradas.

A qualidade do relacionamento não podia ser questionada, mesmo que o casamento estivesse muito ruim. Hoje se sabe que, para os filhos, é melhor viver com pais separados que lhes dão afeto e carinho do que permanecer em famílias destroçadas.

A maior aceitação do divórcio pela sociedade tornou mais fácil a vida de crianças e pais separados. Mas é ilusão achar que exista separação sem dor e sofrimento. O fim de um casamento é uma das situações mais estressantes que um ser humano pode enfrentar. Para os pais, envolve projetos de vida interrompidos, nos quais ambos os cônjuges investiram muito, em emoções, em afeto e também em recursos materiais. Para as crianças, significa lidar com emoções desconhecidas, na maioria das vezes traumáticas, como viver sem a presença de um dos pais, conviver com um quase estranho que de repente apareceu para ficar, ter duas casas para passar o fim de semana, entrar em contato com crianças que nunca viram e que, esperam os pais, sejam amadas como se fossem irmãos e irmãs. Tudo isso é muito difícil. O poder aquisitivo da família também cai.

“Separar deixou de ser uma catástrofe”, diz o psicanalista paulista Leopold Nosek. “As relações ficaram mais transparentes e todos têm muito a ganhar.” Alguns estudos apontam até vantagens nessas mudanças. Em muitos casos, filhos de pais separados tendem a desenvolver relações sociais mais ricas e criativas.

 

 

4 – A MEDIAÇÃO:

 

 

A Mediação é uma técnica de solução consensual de conflitos que visa à facilitação do diálogo entre as partes, para que melhor administrem seus problemas, e consigam, por si só, alcançar uma solução.

Maria Nazareth Serpa define mediação: “processo informal, voluntário, onde um terceiro interventor, neutro, assiste os disputantes na resolução de suas questões, pautado na autodeterminação das partes (SERPA, 1999, p.90).

 O papel desse interventor seria de ajudar as partes em conflito, utilizando-se da comunicação e da neutralização de emoções, para encontrar opções que possibilitem o acordo. Tal técnica perpassa inicialmente pela escuta atenta, qualificada, compreensiva dos fatos e das condutas narradas. Mediar é se comportar neutro diante das partes envolvidas, mas com vigor suficiente para transmitir aos litigantes o quanto importante são as sessões direcionadas à solução do conflito.

O termo mediação origina-se do latim mediare, que significa intervir, mediar. Consiste em um meio não-jurisdicional de solução de litígios. Lília Maia de Morais Sales conceitua-a como:

[…] procedimento consensual de solução de conflitos por meio do qual uma

terceira pessoal imparcial – escolhida ou aceita pelas partes – age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma divergência. As pessoas envolvidas nesse conflito são as responsáveis pela decisão que melhor satisfaça. A mediação representa um mecanismo de solução de conflitos utilizado pelas próprias partes que, motivadas pelo diálogo, encontram uma alternativa ponderada, eficaz e satisfatória. O mediador é a pessoa que

auxilia na construção desse diálogo. (SALES, 2007, p. 23)

 

Ainda na perspectiva conceitual, Roberto Portugal Bacellar define mediação como uma:

 técnica lato senso que se destina a aproximar pessoas interessadas na resolução de um conflito a induzi-las a encontrar, por meio de uma conversa, soluções criativas, com ganhos mútuos e que preservem o relacionamento entre elas. (BACELLAR, 2003, p.174).

 

                Outra abrangente definição é a de Tânia Almeida (apud BREITMAN E PORTO, 2001, p.45):     

 

A mediação é um processo orientado a conferir às pessoas nele envolvidas a autoria de suas próprias decisões, convidando-as a reflexão e ampliando as alternativas. É um processo não adversarial dirigido à desconstrução de impasses que imobilizam a negociação, transformando um contexto de confronto em contexto colaborativo. É um processo confidencial e voluntário no qual um terceiro imparcial facilita a negociação entre duas ou mais partes onde um acordo mutuamente aceitável pode ser um dos desfechos possíveis.

          

Importa salientar que para a devida aplicação desse método alternativo de solução de conflitos é necessária uma mudança de mentalidade de muitos aplicadores do direito que ainda consideram a mediação como mera ferramenta sem força executiva ou coercitiva, trata-se de um grande equívoco.

Entende-se, perfeitamente, que não se pode exigir uma modificação intensa de comportamento jurídico-intelectual quando o que se está em questão é a cultura de se levar todo e qualquer desentendimento ao crivo do Estado-Juiz.

Não se quer afastar as partes da Jurisdição, apenas sugere-se o deslocamento da solução do conflito do Poder Judiciário para as próprias pessoas envolvidas no litígio, tendo como fundamentos a cultura da pacificação, a democracia constitucional-deliberativa e os modernos postulados da intervenção mínima do Estado e da máxima cooperação entre as partes.

O mediador não sugere solução, não induz e nem tão-pouco decide. A sua função é propiciar uma maior e melhor escuta das partes, para que a compreensão seja introduzida na seqüência dos fatos narrados, levando os litigantes ao exercício da tolerância recíproca.

O avanço da utilização de mecanismos extrajudiciais de prevenção e solução de controvérsias no âmbito brasileiro é notório. Embora semelhantes, por objetivarem a autocomposição, a conciliação, a negociação e a mediação, são institutos jurídicos que se diferenciam.

Há divergências entre os doutrinadores, no que diz respeito à classificação da mediação, uma vez que uns a classificam como um meio de autocomposição, enquanto outros, como um meio de heterocomposição. Contudo, entende-se que a mediação é um meio autocompositivo, uma vez que as partes, por si só, solucionam seus conflitos apesar da presença de um terceiro.

Na conciliação o que se busca é o fim da controvérsia através de concessões mútuas, ou seja, caso não ocorra um acordo ela considera-se fracassada. Neste ponto diferencia-se da mediação, pois nesta o ajuste pode ser uma conseqüência natural do restabelecimento do diálogo entre as partes, e será bem sucedida se despertar a capacidade dos envolvidos de se entenderem sozinhos. Já no que tange ao conciliador, este atua de forma a sugerir ou induzir comportamentos ou decisões, buscando para as partes uma melhor solução, emitindo opinião sobre o caso. O mediador, diferentemente, visa facilitar a comunicação entre as partes, para que elas próprias administrem seus problemas, construindo saídas para desatar o “nó” conflitivo.

Quanto ao vínculo, a conciliação é uma atividade inerente ao Poder Judiciário, sendo realizada por juiz togado, por juiz leigo ou por alguém que exerça a função específica de conciliador. Por outro lado, a mediação trata-se de atividade privada, livre de qualquer vínculo, não fazendo parte da estrutura de qualquer dos Poderes Públicos. Até a mediação paraprocessual mantém a característica privada, apenas estabelecendo que o mediador se registre no tribunal para que possa ser indicado a atuar nos conflitos levados à Justiça.

Eligio brilhantemente explicita: “a conciliação desmancha a lide, a decompõe nos seus conteúdos conflituosos, avizinhando os conflitantes que, portanto, perdem a sua identidade construída antagonicamente.” (RESTA, 2004, p. 119).

                A negociação se distingue das demais, pois não há a participação de um terceiro, seja imparcial ou não, neste caso a resolução do problema surge de uma autocomposição pura e simples. Pode haver ou não a participação de representantes, entendidos aqui por advogados.

José Maria Rossani Garcez afirma que:

                                                             

a mediação terá lugar quando, devido à natureza do impasse, quer seja por suas características ou pelo nível de envolvimento emocional das partes, fica bloqueada a negociação, que assim, na prática, permanece inibida ou impedida de se realizar. (GARCEZ, 2003, p. 35)

 

                Finalmente, a arbitragem, regulada pela Lei 9.307/96, considerada como um mecanismo de heterocomposição é o método pelo qual as partes submetem a solução de seus litígios a um terceiro, que decidirá de acordo com a lei ou com a equidade. Ou seja, na arbitragem ocorre a intervenção de um terceiro, o árbitro, com poderes decisórios para julgar o conflito e impor a sua decisão, que deverá ser acatada pelas partes. O laudo arbitral tem força de titulo executivo judicial, sendo irrecorrível, passível de apreciação pelo Judiciário apenas nos casos de nulidade previsto na lei de arbitragem.

                Todas essas formas consensuais de solução de conflitos possuem diferenças entre si e cada qual possui características que as tornam mais adequadas a este ou aquele caso concreto.

Entende-se que a partir da mediação, as partes sintam uma satisfação bem mais eficaz em relação à solução do conflito, em comparação a sentenças impostas pelo juiz e fundamentadas pelo direito. Isto porque o acordo proveniente da mediação é construído pelas partes e as decisões judiciais são vazias de compreensão psicofamiliar. Dessa forma, a superficialidade das soluções judiciais muitas vezes acaba por perpetuar o conflito. Em geral, as partes logo retornam aos fóruns e às salas de audiência, ou aos tribunais com inúteis recursos.

Como o acordo da mediação é fruto de consenso, há maior segurança e efetividade em relação ao seu cumprimento, vez que as partes estão convencidas que foi a melhor solução.

Neste caso, ambas as partes perdem, mas apenas perdem o mínimo necessário para a realização do acordo, fazendo com que ao final todos ganhem. Apesar de parecer contraditório, é necessário que ambos percam, para que ambos possam igualmente ganhar.

Como se sabe a comunicação é a base nuclear da Mediação. Aguida Arruda Barbosa nos informa:

 

(…)na França, toda a construção teórica da mediação vem fundamentada em Habermas, filósofo contemporâneo, cuja contribuição filosófica é que tudo se constrói pela comunicação, pela necessidade do diálogo, pela humanidade; enfim, pela ética da discussão. (BARBOSA, 2005, p.63).

                                                               

O discurso (racionalidade comunicativa) e a participação são os elementos que tornam possível a adoção de mecanismos de pacificação dos conflitos, cujo foco principal encontra-se na vontade das partes. Analisando sob este prisma, a mediação nitidamente seria mais participativa e dialógica do que a jurisdição. A sentença judicial, apesar de solucionar a lide, muitas vezes não resolve a problemática subjacente de pacificação social, surgindo uma parte vencedora e outra vencida, ambas certas de serem detentoras de um direito subjetivo.

Em regra, a mediação é um procedimento extrajudicial. Contudo, nada impede que as partes, já tendo iniciado a etapa jurisdicional, resolvam retroceder em suas posições e tentem mais uma vez a via conciliatória.

Não custa enfatizar que o mais interessante seria que as partes a procurassem à solução consensual, antes de ingressarem com a demanda judicial, eis que este comportamento poderia evitar a movimentação da máquina judiciária de modo desnecessário.

Considera-se ainda, que as partes deveriam ter a obrigação de demonstrar ao Juízo que tentaram, de alguma forma, buscar uma solução consensual para o conflito. Não obstante, sabermos que não há necessidade de uma instância prévia formal extrajudicial. Seria apenas uma forma de economia processual, uma forma de racionalizar a prestação jurisdicional e evitar a procura desnecessária pelo Poder Judiciário, promovendo-se, ademais, uma ampliação de métodos mais democráticos, participativos e até mesmo mais efetivos de solução dos conflitos.

É preciso dizer que a mediação está largamente difundida no Brasil e já é exercida inclusive dentro dos órgãos do Poder Judiciário, na medida em que se funda na livre manifestação de vontade das partes e na escolha por um instrumento mais profundo de solução do conflito.

A mediação incidental ou judicial já pode ser feita hoje em nosso ordenamento, em duas hipóteses: ou o juiz, ele próprio, conduz o processo, funcionando como um conciliador ou designando um auxiliar para tal finalidade (artigos 331 e 447 do CPC); ou as partes solicitam ao juiz a suspensão do processo, pelo prazo máximo de seis meses, para a efetivação das tratativas de conciliação fora do juízo (artigo 265, inciso II, c/c § 3º, também do CPC).

Porém, como já explicitado, comunga-se com a posição de que a mediação deveria ser tentada antes da procura jurisdicional.

Três são os elementos básicos para se ter um processo de mediação: a existência de partes em conflito, uma clara contraposição de interesses e um terceiro neutro capacitado a facilitar a busca pelo acordo.

Nuria Belloso Martín explicita que a mediação se caracteriza pelos seguintes elementos:

 

a) voluntariedade; b) eleição do mediador; c) aspecto privado; d) cooperação entre as partes; e) conhecimentos específicos (habilidade) do mediador; f) reuniões programadas pelas partes; g) informalidade; h) acordo mútuo; i) ausência de sentimento de vitória ou derrota. (MARTÍN, 2005).

 

A credibilidade da mediação, como processo eficaz para solução de controvérsias, está diretamente relacionada com o desempenho do mediador, que deverá pautar seu trabalho na qualidade técnica, seguindo os princípios éticos que regem sua atuação: a imparcialidade, a credibilidade, o sigilo ou a confidencialidade, a competência, a diligência e a flexibilidade.

Com relação às partes, podem ser elas pessoas físicas ou jurídicas ou entes despersonalizados, desde que se possa identificar seu representante ou gestor. Podem ser ainda menores, desde que devidamente assistidos ou representados por seus pais.

Além disso, é preciso deixar claro que a mediação não se confunde com um processo terapêutico ou de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, embora seja extremamente desejável que o profissional da mediação tenha conhecimentos em psicologia e, sobretudo, prática em lidar com as relações humanas e sociais.

O mediador deve ser neutro, eqüidistante das pessoas envolvidas no litígio e que goze de boa credibilidade. Deve ser alguém apto a interagir com elas, mostrar-se confiável e disposto a auxiliar concretamente no processo de solução daquele conflito.

Observa-se que a profissão de mediador está para além da sua formação de base (Direito ou Psicologia, por ex.), já que o principal pré-requisito é a competência técnica para auxiliar as partes a restabelecer a comunicação, auxiliando-as a desenvolver opções criativas e exeqüíveis com vistas a resolver seus problemas. Na mediação, a solução do conflito é criada e encontrada pelas partes, e não pelo mediador, sendo assim, qualquer cidadão devidamente capacitado será apto para desenvolver este trabalho, independente da natureza da sua formação acadêmica. Contudo, o advogado é um instrumento importante na orientação prévia ou na condução de uma Mediação, por todos os aspectos legais que devem ser observados.

Existem entidades como o Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (CONIMA), voltadas ao desenvolvimento dos meios alternativos de solução de conflitos, que dispõe de cursos de capacitação, bem como de Regulamento Modelo e Código de Ética, destinados a qualificar os profissionais e a preservar a ética e credibilidade da Mediação.

Por fim, ao final das sessões de Mediação, a solução indicada pelas partes, será reduzida a termo, intitulada “Termo de Mediação” ou “Termo de Acordo”, que não precisa, necessariamente, ser homologado judicialmente.

                                                                

 

5 – A IMPORTÂNCIA DA MEDIAÇÃO NA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

                                                               

 

Na visão da psicanálise, o conflito é inerente ao ser humano e o divórcio é conseqüência de uma série de conflitos.

O divórcio de um casal pode se transformar em um grande problema, ou pode ser simplesmente um período de mudanças em que cada membro da família, adulto ou criança, tem a oportunidade de recomeçar a vida. Não se discute que é uma empreitada de risco, uma travessia, que precisa ser bem acompanhada para não deixar seqüelas.

Quando um casal decide divorciar-se, surge uma fase de turbulência durante o período de negociação em que os pares resolvem como será a nova vida de cada um. Mesmo que o casal tenha decidido romper o vínculo de comum acordo, esta fase significa muito mais que uma simples ruptura. É a fase em que as vidas de ambos saem do equilíbrio e que tudo se mostra fora de lugar.

A ruptura da sociedade conjugal é uma crise que pode ser superada ou, ao contrário, pode ser mantida causando sofrimentos a ambos os parceiros. Em geral, o divórcio é o resultado de uma seqüência de pequenas crises de desequilíbrio entre o casal. Como um vulcão, que dá vários sinais e por fim erupciona, desorganizando todo ambiente a sua volta.

A Mediação Familiar realiza-se em várias sessões, nas quais estarão presentes o casal e o mediador. Nas sessões iniciais redige-se um Termo de Consentimento de Mediação Familiar em que os intervenientes se comprometem a observar determinadas regras subjacentes ao processo. Trata-se de um procedimento extrajudicial, de caráter voluntário, econômico, rápido e consensual, possibilitador da manutenção do vínculo parental. Utiliza-se da comunicação interativa, buscando proporcionar o equilíbrio entre as partes envolvidas, para que elas encontrem a solução do conflito.

A técnica já se mostrou adequada para solução de conflitos familiares, recheados de aspectos complexos, arraigados de emoções e sentimentos ocultos. Isso porque contribui para a criação e a manutenção das relações de colaboração entre os casais divorciados preservando os laços familiares, apesar da ruptura do vínculo conjugal.

Além disso, a facilitação da comunicação entre os ex-cônjuges possibilita a escuta e o entendimento mais apurado das reais necessidades e sentimentos de cada um, auxiliando-os a desfazer as mágoas, e a se respeitar mutuamente.

O processo de mediação aplicado aos casos de divórcio possui uma peculiaridade com relação aos outros processos judiciais, os quais também estão igualmente sujeitos à mediação. É justamente o aspecto psicológico das partes e seu desgaste mental, gerado pelo processo de dissolução da sociedade conjugal, que a torna capaz de trazer à tona os maiores erros cometidos por ambas as partes durante o período em que estes viveram juntos.

Dai cabe ao mediador auxiliar as partes na obtenção da solução consensual, fazendo com que elas enxerguem os obstáculos ao acordo e possam removê-los de forma consciente, como verdadeira manifestação de sua vontade e de sua intenção de compor o litígio.

Normalmente, ao fim de um procedimento exitoso de mediação, as partes compreendem que a manutenção do vínculo que as une é mais importante do que um problema circunstancial ou temporário. Por isso, a mediação é conhecida como um método de solução de controvérsias ideal para as relações duradouras, como é o caso de cônjuges, familiares, vizinhos e colegas de trabalho, dentre outros.

O que se procura é a real pacificação do conflito por meio de um mecanismo de diálogo (discurso racional) [4], compreensão e ampliação da cognição das partes sobre os fatos que as levaram àquela disputa.

A psicóloga Muller observa que a mediação como forma de autocompor as diferenças, restabelece o tecido social, já que as próprias pessoas conflitantes são auxiliadas, por meio da reabertura do diálogo, a encontrar soluções criativas em que todos se satisfaçam (MULLER, 2005).

No âmbito do direito de família, frequentemente na aplicação do direito, há situações que ultrapassam os limites instituídos em lei, fazendo-se necessário a interligação do Direito com outras disciplinas, por isso deve-se ressaltar a figura do co-mediador, um profissional auxiliar, especializado na área do conhecimento subjacente ao litígio, que atuará em conjunto com o mediador, o que permitirá uma maior reflexão e ampliação da visão nos aspectos controversos, propiciando um melhor controle da qualidade da Mediação.

Destacam-se as principais habilidades para a atuação do mediador familiar descritas por Breitman e Porto (BREITMAN, 2001): a capacidade de articular o diálogo e de otimizar a interação, estabelecendo relações empáticas, fazendo com que uma pessoa se coloque no lugar da outra para compreender seus pontos de vista e atitudes, e entender suas reais necessidades e limites.

 “O mediador familiar deve possuir conhecimento de relações interpessoais, habilidade no manejo do conflito e negociação, assim como conhecimentos básicos no Direito de Família” (BREITMAN e PORTO 2001, p.49).

São vantagens da Mediação Familiar: a diminuição dos custos financeiros e emocionais; a menor burocracia processual em comparação com os procedimentos tradicionais; o uso de espaço em ambiente privado e acolhedor com apoio de um técnico cuja função é ajudar os intervenientes a estabelecer uma matriz de comunicação facilitadora na resolução de conflitos, de crises e estabelecer acordos aceitáveis; por fim, preservar a dignidade e auto-estima da família em transformação, ajudando-a a estabelecer novos equilíbrios.

Contudo, apesar de todas as vantagens da mediação familiar, existem situações as quais o processo não deve ser indicado nem utilizado: casos em que há grandes desníveis de poder entre as partes; quando entre os pais não existe uma relação de igualdade e respeito recíproco; na incidência de violência doméstica, maus tratos infantis ou toxicodependência; em caso de doenças do foro psicológico ou mental de um ou ambos mediando que impedem a comunicação e tomada de decisões. Essas situações que não são resolvidas por meio da mediação podem ser tratadas por procedimento judicial tradicional e ainda por outras formas alternativas à jurisdição. 

Portanto, um processo de mediação bem conduzido permite o restabelecimento da comunicação entre os ex-cônjuges, o que favorece a conscientização dos seus direitos e deveres, efetivando, dessa forma, duas garantias constitucionais: aos filhos, a convivência familiar de maneira saudável e, aos pais, a igualdade no exercício de suas responsabilidades.

 

 

5 – A DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL E A GUARDA DOS FILHOS

 

 

Antigamente, era fácil entender o desenho de uma família. Nele cabiam pai, mãe e filhos, avós, tios, sobrinhos, primos e primas. Eram relações de parentesco que se estabeleciam uma única vez e perdurava a vida toda.

A mudança nesse padrão tem resultado em novos e surpreendentes quebra-cabeças familiares. Filhos de pais que se separam, e voltam a se casar, vão colecionando uma notável rede de meios-irmãos, meias-irmãs, avós, tios e tias adotivos. O novo organograma do grupo familiar, que os psicólogos chamam de família-mosaico, é um fenômeno mundial.

O divórcio pode ser considerado uma crise que traz muitas perdas aos envolvidos, mas não significa a destruição da família. Dessa crise, a família pode sair tanto desorganizada e sintomática, quanto evoluída e fortalecida. Isso porque crises também são oportunidades para o crescimento do ser humano. Caso seja bem administrada e devidamente cuidada, a crise pode reorganizar o vínculo do ex-casal com os filhos, ressegurando que o fim do casamento não significa necessariamente, para eles, a perda do pai ou da mãe.

A criança na maioria das situações se encontra dividida sem saber de que lado fica, e esta quase nunca é ouvida pelos interessados na guarda.

Alguns psicanalistas entendem que o interesse maior da criança envolvida no processo de divórcio dos pais é que a mesma se torne sujeito desejante, deixando de assumir o desejo do outro para assumir o seu próprio desejo.

A psicologia Jurídica, se utilizando da Psicanálise, vai surgir neste contexto, para intervir no bem psíquico, moral e social da criança; uma dessas intervenções pode ser o acompanhamento de visitas, esta pode dar à criança a oportunidade de construir sua história familiar. Mas, muitas vezes isso não acontece, pois geralmente quem tem a guarda não vê a criança como sujeito desejante.

Quando nos envolvemos com outro, criamos expectativas, idealizações e fantasias. No entanto, nem sempre este outro corresponde ao que idealizamos o que pode levar a ruptura da relação. Geralmente a separação vem acompanhada de sofrimento, de rancor e até de ódio.

Com a instauração do divórcio, a vida conjugal é totalmente modificada, principalmente no que concerne aos filhos. Os pais devem conduzir a ruptura da melhor maneira possível, para que os prejuízos aos seus filhos sejam menores, visando sempre à premissa constitucional do bem estar da criança e do adolescente.

Para a psicanálise a falta vai estar presente na vida de todo sujeito. Temos que aprender a lidar com esta falta, resultado da castração. Porém, há pessoas que não aceitam esta condição e está sempre buscando no outro aquilo que falta nele.

Em meio ao sofrimento e complicações de ordem emocional vividos pelos casais em crise e em processo de divórcio, a mediação serve de auxílio técnico na reorganização do sistema familiar, cuidando da transição da família nuclear, formada por pais e filhos que moram na mesma casa, para a família binuclear, de pai e mãe separados, que moram em residências diferentes. Os filhos do casal passarão a conviver nesses dois lares.

Portanto, a família binuclear não deixa de ser uma família, apenas se divide em dois núcleos após o divórcio, porém ambos os progenitores continuam a assumir o mesmo papel que antes, no que se refere aos cuidados de educação dos filhos e de suas necessidades afetivas, econômicas e físicas. Desta forma contribuem para suprir ou diminuir o impacto negativo do divórcio nos filhos.

“O divórcio visa romper o vínculo matrimonial, mas não tem o intuito de cortar os laços familiares” (CRUZ, PEREIRA e SOUZA, 2004).

Neste contexto, a mediação pode ser o instrumento que possibilita aos pais relacionamento de cooperação e apoio em relação aos filhos, e estes por sua vez, passam a vivenciar o divórcio sem perturbações, pois os pais passam a ser parceiros nos cuidados parentais, reforçando assim os laços da relação familiar.

A propósito, a guarda compartilhada tem sido destacada na preservação do melhor interesse da criança, na medida em que se trata de um compartilhamento de direitos e deveres entre os pais separados, com a finalidade de que ambos dividam a responsabilidade e as principais decisões relativas aos filhos.

Desse modo, o divórcio pode ser um processo doloroso não só para o casal, mas também pode gerar conflitos emocionais e psíquicos nos filhos. A psicanálise tem sido muito importante neste momento de ruptura, pois contribui em vários aspectos, fortalecendo os sujeitos da relação, através da utilização da psicologia jurídica e da mediação, na busca de alcançar o melhor interesse da criança e o seu conseqüente bem estar.

                                            

 

 

 

 

 


 

5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Os conflitos familiares são dolorosos, há muitos sentimentos contraditórios envolvidos: amor, desamor, carinho, mágoas, ódio, paixão, desprezo. Pode-se querer o mesmo objeto que o outro, mas não necessariamente se deseja o mal para o outro. As disputas não podem nem precisam ser campos de batalha.

 Neste contexto, a mediação e a psicanálise têm se mostrado um importante instrumento de solução de conflitos familiares, reavivando o diálogo e amenizando as angústias das partes envolvidas. Hoje, já se tem certeza que o psicólogo no processo judiciário, propicia uma escuta diferenciada do sujeito. Além de ouvir a parte, faz pontuações visando promover uma reflexão crítica sobre a moral e o pedido judicial.

Acredita-se que quando o sujeito reflete sobre a moral, geralmente ele passa a assumir uma postura ativa frente suas escolhas na vida. Assim, ele passa a ter autonomia, nunca se esquecendo da responsabilidade e possíveis conseqüências frente sua escolha.

O que se pode constatar nos relacionamentos do mundo contemporâneo é que há um aumento das expectativas, uma extrema idealização do outro e uma super exigência consigo mesmo, provocando tensão e conflito na relação conjugal, podendo levar ao divórcio.

Na atualidade, o novo e o arcaico convivam lado a lado, novas formas sociais requerem novas formas de personalidade, novos modos de socialização e subjetivação, novas modos de organizar a experiência. Embora o divórcio possa ser, às vezes, a melhor solução para um casal cujos membros não se consideram capazes de continuar tentando ultrapassar suas dificuldades, muitos estudiosos do assunto afirmam que o processo da dissolução da sociedade conjugal é sempre vivenciado como uma situação extremamente dolorosa e estressante.

A psicanálise vem para ajudar os indivíduos a buscarem novas formas de lidar com a ruptura. O processo de separação conjugal significa desmontar uma estrutura e também implica em perdas. Talvez a rapidez com que a dissolução da conjugalidade se dá na atualidade, não seja acompanhada na mesma proporção pela subjetividade.

Nesse sentido, a vivência da ruptura conjugal pode ser entendida como sendo um processo de subjetivação. Diante de tal experiência pode haver, do ponto de vista subjetivo, uma tomada sobre a própria vida. Pode significar um reposicionamento diante da vida.

Certo é que o intercambio entre a psicanálise e o direito, possibilita a solução do conflito de forma mais humana. A psicanálise faz com que os ex-parceiros dialoguem constantemente sobre quem eles são, ou estão se tornando, e quais os termos devem ocorrer o fim de sua ligação.

Portanto, a Psicanálise, a mediaçao e o Direito de família tornam-se parceiros necessários para tratar do
divórcio, da luta pela guarda dos filhos, das pensões alimentícias e das partilhas de bens, tarefas árduas que necessitam da interdisciplinariedade, a fim de evitar maiores sofrimentos aos envolvidos.

 

 


 

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* Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação a Distância pela Universidade Católica de Minas Gerais. Mestranda em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Orientador: Dr. Leonardo Macedo Poli. Tutora em Educação a distância de Direito do Consumidor da Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada.



[1] Paralelamente ao aumento de dissoluções das sociedades conjugais podemos observar a diminuição das formalizações das mesmas. Pereira (2003, p. 28) apresenta em seu trabalho dados extraídos de pesquisas realizadas pelo IBGE sobre registro civil atualizado até 2001. Em 1974 houve 818.990 casamentos civis no Brasil e em 1994 foram 763.29, e em 2001 foram 691.920. Nesse mesmo ano houve 18.782 separações, sendo que (46,30%) dos casamentos desfeitos dura menos de 10 anos, sendo que 23,06% dos homens e 36,35% das mulheres estavam com menos de 30 anos de idade quando se separaram. De 98.217 mil crianças envolvidas no processo de separação, somente 4.312 mil ficaram sob a guarda d pai. Curioso ainda observar que, em 2001, 367 mulheres com 50 anos, ou mais, tiveram filhos. Mas, 54,46% tinham entre 20 e 29 anos.

 

[2] Neste momento, necessário se faz mencionar que a Emenda Constitucional 66, que tramitou no Senado como PEC (Projeto de Emenda Constitucional) nº 28/2.009, foi finalmente promulgada em 13 de julho de 2.010, colocando fim à burocracia até então exigida para o divórcio.

Antes da sua entrada em vigor, para que um casal pudesse se divorciar era necessário prévio processo de separação judicial, e somente após o decurso de um ano da data do trânsito em julgado é que os interessados poderiam requerer o divórcio. Até então, o processo de separação somente poderia ser dispensado se o casal comprovasse a separação de fato por no mínimo dois anos, assim, fazendo prova de tal fato poderiam requerer o divórcio direto.

Com a Emenda, o texto do parágrafo 6º, do artigo 226, passou a ter a seguinte redação: “§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio”.

Assim, restando impossível à mantença da vida em comum, a qualquer momento, um dos cônjuges pode buscar a extinção do casamento, ficando desimpedidos para um novo matrimônio. Alguns estudiosos do direito afirmam que seria o fim do instituto da separação no Brasil.

 

[3] Existem diferentes nomeações para a Pós-Modernidade de acordo com o teórico que trabalha a questão.Podemos citar como exemplos sociedade do espetáculo (Guy Debord); sociedade pós-industrial (Daniel Bell); sociedade de risco (Ulrich Beck); modernidade tardia (Anthony Giddens); pós-modernidade (Jean François Lyotard, Boaventura Santos); modernidade líquida (Zygmunt Bauman); sociedade programada (Alain Touraine); sobremodernidade (Marc Augé); capitalismo desorganizado (Claus Offe, Scott Lash e John Urry); sociedade em rede (Manuel Castells); capitalismo tardio ( F. Jameson ); sociedade do controle (Gilles e Deleuze); fim da história (Francis Fukuyama). Essa é uma discussão que nos remete, muitas vezes, para universos de referência distintos, debates diferenciados e filiações epistemológicas não coincidentes.

 

[4] Habermas, ao cuidar do discurso racional, afirma: “discurso racional” é toda a tentativa de entendimento sobre pretensões de validade problemáticas, na medida em que ele se realiza sob condições da comunicação que permitem o movimento livre de temas e contribuições, informações e argumentos no interior de um espaço público constituído através de obrigações ilocucionárias. HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Vol. I. Tradução Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 142.

Como citar e referenciar este artigo:
VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo. A Importância da Mediação e da Psicanálise na Dissolução da Sociedade Conjugal. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-civil/a-importancia-da-mediacao-e-da-psicanalise-na-dissolucao-da-sociedade-conjugal/ Acesso em: 15 jun. 2025