Grossi, Paolo – Primeira Lição de Direito
Thiago André Marques Vieira *
I – O que é o Direito?
O autor explana o direito como algo imaterial, algo não real fisicamente. Afirma que o direito confia nos signos sensíveis, que o direito é a razão da divisão das coisas em que não se pode enxergar uma divisão clara, como os terrenos de dois vizinhos, a embaixada de um Estado e assim por diante.
Afirma também que o direito é algo necessário para as relações interpessoais, que o direito surge a partir do momento em que dois sujeitos começam a dialogar para entrar em acordo. Ou seja, para o autor só existe direito no dado momento em que dois sujeitos relacionam-se, pois segundo ele não haveria necessidade do direito para um homem perdido numa ilha deserta.
Ora, tal argumento é falho, pois é inerente ao ser humano o relacionamento com outros seres humanos ou outras formas de vida. Ou seja, é característica intrínseca do homem o direito e a convivência entre outros seres vivos. Portanto, nota-se que o homem é um animal apto a viver em comunidade, sociedade e nas mais diversas conglomerações de seres vivos.
Neste ponto, vale lembrar o filme “O Naufrago” em que o protagonista após um acidente de avião encontra-se perdido numa ilha deserta. E que após tanto tempo sem conversar com outro ser humano acaba por criar um outro personagem, a bola Wilson. Assim, fica clarividente que o homem não consegue viver harmonicamente sozinho, ou seja, ele necessita de algo para organizar suas idéias, algo que o escute e que seja escutado, mesmo que isto seja fictício.
Outro argumento plausível é o fato de que um homem numa ilha deserta pode não se relacionar com nenhum semelhante seu, no entanto, relaciona-se com todo o universo de vida que ali se encontra, gerando direito. E é desta concepção que surgiu o ramo do Direito Ambiental, tão presente hoje no mundo contemporâneo. É fato que o homem numa situação como esta é o elo forte da relação jurídica, pois é ele que determina quando cortar uma árvore e qual árvore cortar para fazer uma cabana. Em contrapartida tal escolha é feita a partir de diversos fatores levando em consideração o que é melhor para a sua vida e para a vida alheia, no caso a fauna e flora deste ambiente. Outro ponto é no momento em que este homem sente-se ameaçado por um animal feroz, e este homem decide matar tal animal ameaçador. Ora, isto também é direito, pois este homem decidiu aniquilar seu predador para manter sua vida.
Ante esta breve explanação de que o homem é um ser sociável e que o direito existe sempre em que um homem está presente em um ambiente, mesmo sendo o único ser humano de tal ambiente é importante retornar ao foco de que o direito hoje é tratado como uma relação de todos os homens na sociedade entre eles e entre o meio que vive. Desta forma, o direito necessita de algo que o dê força para a sua real validade e é aí que o Estado tem sua importância. Isto porque o Estado apenas conseguiu sua força através do direito e o direito apenas conseguiu manter-se através do amparo político que possui o Estado. Ou seja, o Estado moderno criou-se a partir da soberania popular e usou como instrumento fundamental para sua manutenção o direito, que segundo o Autor é uma “dimensão intersubjetiva, é relação entre vários sujeitos (poucos ou muitos) e é marcado pela sua essencial socialidade”.
Assim, nota-se que o direito surgiu, como visto acima, das relações do homem entre seus semelhantes ou da relação do homem perante o meio que vivi. Desta maneira, observa-se que através do aparato do Estado o direito consolidou-se como ferramenta de regulamentação da desordem. E assim o direito é imposto pelo Estado, que logra sua legitimidade da soberania popular nos dias atuais, que através de um conjunto de leis organiza as relações sociais, dando origem ao ordenamento jurídico.
O autor, ainda, expõe que o ordenamento jurídico não pode e não deve ser meramente cumprido e obedecido, ou seja, para ele o ordenamento jurídico deve ser tratado com observância e ser observado. Isto posto, pelo fato que o ordenamento jurídico não pode simplesmente emanar do Estado e não seguir o ideário do povo para qual é emanado. Ou seja, acaba-se por chegar no ponto em que a lei não pode ser simplesmente cumprida pelo fato de ser lei. Assim, entende-se que uma norma não pode ser cumprida e obedecida sem antes uma prévia valoração daquela norma para aquela sociedade a qual ela se dirige. Destarte, chega-se ao ponto que o direito não se encontra apenas na lei propriamente dita e sim nas mais diversas fontes de direito, levando assim a vocação pluralista do ordenamento jurídico.
Por fim, ressalta-se que o principal motivo pelo qual deve ser observado o ordenamento jurídico, pois tal ordenamento pode não corresponder com a filosofia, a ideologia e os costumes da sociedade para qual é destinado. No entanto, não se pode simplesmente afirmar que o ordenamento jurídico não seja obedecido, pois assim estaria o homem retornando a um Estado de Natureza a qual existira uma insegurança entre todos. Em contrapartida lembra-se que o homem tem como uma de suas características fundamentais a preocupação de sua relação com o meio que vive. Sendo assim, a desobservância de um ordenamento jurídico levaria a um Estado de Natureza e que por ser inerente do ser humano a criação de regras a serem obedecidas levaria a criação de um novo ordenamento jurídico. Desta maneira, nota-se que os lapsos de inexistência jurídica são sazonais, pois o aparecimento de um ordenamento jurídico e o fim deste mesmo para a criação de um novo ordenamento é um ciclo, dado o ímpeto de relacionamento interpessoal do homem.
II – A vida do Direito
Primeiramente, nesta parte final do texto, fez o autor um parecer da evolução do direito desde a antiguidade até os dias atuais. Expôs o autor como era o direito romano, quem eram os responsáveis pela criação do direito, das leis. Mostrou duas faces do direito romano, sendo a primeira que os juristas romanos era seres isolados que criavam o direito quase que a partir de uma inspiração. Na segunda face, explanou que tais juristas não eram isolados, que eram operadores do direito por motivos políticos, ou seja, que os juristas romanos eram juristas com o intuito de atender alguns interesses particulares. Certamente que ambas as faces estão corretas e equivocadas, pois um jurista tem por sua essência querer resolver os problemas alheios, querer construir uma sociedade melhor, no entanto, não pode chegar a hipocrisia de dizer que os juristas são seres altruístas, até porque o homem é motivado pela sua ambição e, sendo assim, os juristas romanos possuíam ambições particulares que o motivavam a criar o direito não só para os outros, mas também para si.
Num segundo ponto da evolução história foi exposto o direito da Idade Média que conforme disse o autor:
“O direito medieval origina-se, toma forma e caracteriza em meio a dois vazios e graças a dois vazios: o vazio estatal que se seguiu à queda do edifício político romano e àquele da refinada cultura jurídica estreitamente ligada às esturturas do edifício.”
Assim, através desta passagem fica claro que o direito medieval se desenvolveu de uma forma completamente diferente do direito romano, que era baseado na lei escrita e que vigorava perante todo o território romano, pois o vazio estatal colocado pelo autor nada mais é do que o novo modo econômico desenvolvido na Europa deste tempo: o Feudalismo.
Por fim, chega-se ao último período da evolução história exposta pelo autor o da Idade Moderna até os dias atuais. Neste período explana o autor que o direito acaba por se criar de duas formas: a “civil law” e a “common law”. A primeira possui grande base no direito romano, ou seja, basicamente baseia-se no direito positivo, coroando o princípio da legalidade. A segunda, em contrapartida, baseia-se num direito consuetudinário.
Ora, é evidente que o direito teve uma evolução durante toda a existência da humanidade, ainda mais pelos diversos momentos completamente diferentes que os homens passaram. Sendo assim, seria impossível admitir uma rigidez absoluta do direito, seria ultrajante que pelos diversos sistemas econômicos pelo qual passou a era dos homens o direito permanecesse imutável. Desta maneira, foi muito saudável as diversas mudanças pela qual passou o direito, gerando cada vez mais novas formas de relacionamento, e voltando o ciclo exposto no fim da primeira parte do presente texto. Ou seja, mais vez pode-se afirmar que o direito é cíclico no seu âmago de ser, e não na sua forma de ser.
Após uma explanação histórica a respeito do direito tratou o autor explanar a respeito do amparo do direito nas suas mais diversas formas, desde o amparo territorial do direito, onde o qual não pode sobrepujar o direito do Estado vizinho. Até o quesito da sociedade, ou seja, para quais sociedades um certo direito é destinado. Remetendo, mais uma vez, ao que já foi manifesto acima, ou seja, que o direito deve atender aos interesses da sociedade a qual ele destinado, neste ponto é importante citar que a palavra direito vem com o sentido de lei.
Ainda, esclareceu as diversas manifestações do direito, sendo a principal delas, a volta ao direito natural após a II Guerra Mundial. Explanou o autor que o direito natural ou a natureza dos fatos foi um dos principais fatores para a reorganização da sociedade italiana no pós-guerra.
O autor colocou em seu parecer a importância dos costumes na construção do direito, baseando sua argumentação de que o direito não é só formado pela lei propriamente dita. E como já foi muito bem exposto neste presente trabalho, é entendimento que a lei não pode ser a fonte por excelência de direito, pois a lei nada mais é do que uma disposição que pode não atender o entendimento do povo para a qual é destinada. Ou seja, elucidou o autor a suma importância do costume para que um direito fosse positivado, pois é o costume que vai dar a vigência a uma norma. Sendo assim, não pode um Estado detentor do poder de emanar legislação criar uma norma pelo simples exercício de seu poder. Pois se assim o fizer, não estará mais tal Estado legitimado a emanar leis, pois no momento de criar suas diretrizes, as faz a seu bel prazer. Olvidando, desta maneira, a vontade do povo.
Sendo assim, é clarividente a real importância do costume na aplicação e validade da lei. Pois, é ele que cria o nexo entre a norma e o povo que deve observância a tal norma. Desta maneira, o costume exerce o papel de ser a fonte de direito por excelência, isto posto, pelo fato de tal quesito dar validade ao direito emanado e dar legitimidade ao legislador, pois se este atende os interesses de seu povo é legítimo e, assim, gera validade ao sistema a qual faz parte. Traduzindo o legislador cria a lei levando em consideração os interesses do povo, que é titular da soberania, que respeitará tal lei emanada, pois ela atende os seus princípios e costumes.
Por fim, tratou o autor da interpretação e aplicação do direito, ou seja, quis o autor explanar que para a aplicação do direito se faz necessária à interpretação deste mesmo direito. O autor expôs que na “civil law” estão os juízes de mãos atadas, pois apenas podem aplicar o direito imposto e, assim, apenas podem interpretar a lei válida. No entanto, os juízes da “common law” possuem um maior âmbito de interpretação do direito, pois não estão atrelados diretamente ao direito positivado.
Agora, não se pode tomar tal verdade como absoluta. É verdade que os juízes da “civil law” estão amarrados ao texto normativo válido, no entanto, vale lembrar que nem sempre o legislador leva em consideração o pensamento do povo para a construção de uma norma. Sendo assim, o fato é que o molde do direito estatutário permite a interpretação, pois uma norma pode não atender os interesses do povo. Desta maneira, no momento de julgar cabe ao juiz muitas vezes fazer o papel de legislador e realmente pesar se tal norma apresentada possui vigência. Ou seja, levar em consideração tudo o que foi esquecido pelo legislador, como os costumes, a ideologia e a vontade do povo. Assim, está o juiz criando o direito válido e vigente, pois está em sua mão a aplicabilidade da lei e cabe a ele a responsabilidade da interpretação da lei da forma que melhor for para o povo, pois se assim não o fizer, estará o julgador deixando de lado a qualidade de neutralidade e mantenedor da justiça para apenas ratificar disposições, muitas vezes incoerentes, do legislador.
* Acadêmico de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
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