Hernane Elesbão Wiese*
FERREIRA, Heline Silvini. Competências Ambientais. P. 203-216.
5 competências ambientais
5.1 Competências ambientais na Constituição de 1988: aspectos gerais
A nossa Constituição
“busca realizar o equilíbrio federativo através de um sistema de repartição de competências que se fundamenta na técnica de enumeração dos poderes da União, com poderes remanescentes para os Estados, e poderes definidos indicativamente para os Municípios. […] O texto constitucional prevê ainda atuações comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, prerrogativas concorrentes entre a União, os Estados e o Distrito Federal e, por fim, atribuições suplementares dos Municípios”[1].
“Apesar do tratamento amplo e moderno que a Carta Magna dispensou ao meio ambiente, a repartição de competência em matéria ambiental não tem regulamentação própria e específica. Segue, portanto, os mesmo princípios que o texto constitucional adotou para a repartição de competências em geral”[2].
A Constituição distribui entre os entes federativos parcelas específicas de poder ambiental. A reunião dessas parcelas sob a responsabilidade de um ente federativo acarreta na sua área de competência ambiental. “Assim sendo, a expressão competências ambientais pode ser compreendida como a congregação das atribuições juridicamente conferidas a um determinado nível de governo […]”[3].
5.1.1 Classificação das competências ambientais
As competências podem ser classificadas a partir de duas referências distintas:
· Natureza:
o executiva: “reserva a uma determinada esfera do poder o direito de estabelecer e executar diretrizes”[4];
o administrativa: “traz consigo o sentido de implementação e fiscalização”[5];
o legislativa: “refere-se à capacidade outorgada a um ente da Federação para legislar sobre questões referentes à temática ambiental”[6].
· Extensão:
o exclusiva: “exclui os demais entes federativos do seu exercício”[7];
o privativa: “admite delegação ou suplementariedade”[8];
o comum (ou cumulativa ou paralela): “exercida de forma igualitária por todos os entes que compõem a Federação”[9];
o concorrente: “prevê a possibilidade de disposição sobre determinada matéria por mais de um ente federativo”[10];
o suplementar: “indica a possibilidade de edição de normas que pormenorizem normas gerais existentes ou supram a sua ausência ou omissão”[11].
“Ao determinarem […] o campo de atuação [natureza] e a esfera de poder [extensão] capacitada para agir, ambas as classificações acabam complementando-se [e não se excluindo]”[12].
CLASSIFICAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS AMBIENTAIS[13]
COMPETÊNCIA EXECUTIVA
|
||
EXCLUSIVA |
||
DA UNIÃO (CF/88, artigo 21, incisos IX, XVIII, XIX, XX e XXIII) |
DOS ESTADOS (CF/88), artigo 25, §§ 1º, 2º e 3º) |
DOS MUNICÍPIOS (CF/88, artigo 30, incisos VIII e IX) |
COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA |
COMUM |
DA UNIÃO, DOS ESTADOS, DO DISTRITO FEDERAL E DOS MUNICÍPIOS
(CF/ 88, artigo 23, incisos III, IV, VI, VII e XI) |
COMPETÊNCIA LEGISLATIVA |
|
PRIVATIVA |
|
DA UNIÃO (CF/88, artigo 22, incisos IV, XII e XXVI) |
|
EXCLUSIVA |
|
DOS ESTADOS (CF/88, artigo 25, §§ 1º e 3º) |
DOS MUNICÍPIOS (CF/88, artigo 30, inciso I) |
CONCORRENTE |
|
ENTRE A UNIÃO, OS ESTADOS E O DISTRITO FEDERAL (CF/88, artigo 24, incisos VI, VII e VIII) |
|
SUPLEMENTAR |
|
DOS MUNICÍPIOS (CF/88, artigo 30, inciso II) |
Devem-se introduzir as definições de competências ambientais:
· enumeradas: “expressamente definidas pela Constituição para uma determinada esfera governamental”[14];
· remanescentes ou residuais: “aquelas que, não sendo atribuídas expressamente a um ente da Federação, restam a outro na condição de poderes residuais”[15].
5.1.2 Repartição das competências ambientais entre os entes federativos
a) União
a) Competência executiva exclusiva: de acordo com o art. 21 da CF/88,
“compete exclusivamente à União: elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e desenvolvimento econômico e social; planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações; instituir um sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; e, por fim, explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer o monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados”[16].
b) Competência legislativa privativa: de acordo com o art. 222 da CF/88, a “União tem competência privativa para legislar sobre: águas e energia; jazidas, minas e outros recursos minerais; e atividades nucleares de qualquer natureza”[17]. Os Estados também podem legislar sobre questões específicas das referidas matérias, desde que haja Lei Complementar acerca disto (parágrafo único do art. 22). A despeito de a União ter o poder legislativo, não afasta dos outros entes federativos o poder de fiscalizar.
b) Estados
a) Competência executiva exclusiva: “a Constituição não dispõe de forma específica sobre a competência executiva dos Estados. […] toda matéria que não for de competência federal ou municipal, será, de forma residual, competência estadual”[18].
“Além da competência residual, a Constituição também estabelece expressamente que os Estados detêm poderes exclusivos de natureza executiva para explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços de gás canalizado e instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamento de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”[19].
b) Competência legislativa executiva: “toda matéria que não for atribuída à União e aos Municípios caberá, de forma remanescente, aos Estados”[20].
c) Municípios
a) Competência executiva exclusiva: cabe aos municípios promover o adequado ordenamento territorial e a proteção do patrimônio histórico-cultural local.
b) Competência legislativa exclusiva: de acordo com o art. 30 , I da CF/88, o município deve legislar sobre assuntos de interesse local. Faz-se necessário, porém, definir a amplitude da expressão. De acordo com Vladimir Passos de Freitas, a norma não confere aos municípios competência para legislar sobre tudo o que possa ser importante, cada caso deve ser analisado de acordo com as legislações federal e estadual vigentes. Todavia, a norma não pode ser restritiva demais, Paulo Affonso Leme Machado diz que a mais adequada das interpretações envolve a aplicação do princípio da predominância de interesse (ou seja, o município deve legislar sobre aquilo que o seu interesse prevalece ao da União e dos Estados).
c) Competência legislativa suplementar: os municípios podem preencher lacunas (supletiva) e adaptar normas emanadas pela União e pelo Estado à realidade local (complementar).
d) União, Estado e Distrito Federal
a) Competência legislativa concorrente:
“De acordo com a redação do art. 24 da Constituição, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defeso do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; proteção do patrimônio histórico, cultual, artístico, turístico e paisagístico; e responsabilidade por dano ao meio ambiente e bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
[…] a competência concorrente prevê a possibilidade de disposição sobre determinada matéria por mais de um ente federativo, havendo entre eles uma ordem de atuação estabelecida pela própria Constituição. […] caberá à União o estabelecimento de normas gerais, restando, aos Estados, competência para suplementá-las.
As normas gerais devem estabelecer princípios fundamentais, dotados de generalidade e abstração, que não se imiscuam no campo de atuação dos Estados e do Distrito Federal. […]
Inexistindo atuação normativa por parte da União, poderão os Estado exercer a competência legislativa plena e estabelecer normas gerais com o propósito de atender a suas peculiaridades. […]
Convém, ainda, assinalar que a divisão constitucional de competências entre a União e os Estados não impede eventuais conflitos entre legislações federais e estaduais. Sobre essa questão, três possibilidades deve ser analisadas: a) pode ocorrer que […] União e Estados legislem de forma conflitante. Nesse caso deverá predominar a regra mais restritiva […]; b) […] inobservância dos limites constitucionais impostos ao exercício da competência concorrente. A invasão do campo de atuação alheio […] implica a inconstitucionalidade da lei […]; c) […] pode ainda o conflito entre leis resultar da impossibilidade de definir precisamente o que são normas gerais e normas especiais. Tais conflitos deve ser solucionados tendo por base o princípio in dúbio pro natura, devendo prevalecer a norma que melhor defenda o direito fundamental tutelado, ou seja, o meio ambiente”[21].
e) União, Estados, Distrito Federal e Municípios
a) Competência administrativa comum: encontra-se no art. 23 da CF/88, cabendo aos entes federativos cooperativamente:
“proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais e notáveis e os sítios arqueológicos; impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural; proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; preservar as florestas, a fauna e a flora; e, por fim, registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios”[22].
O parágrafo único do art. 23 da CF/88 diz que as normas de cooperação entre os entes federativos deverão ser fixadas por Lei Complementar, não criada ainda.
“Em face da inexistência da Lei Complementar, [Heraldo Garcia] Vitta considera que o art. 23 da Carta Magna tem eficácia plena. Nesse sentido, a atuação conjunta da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios é possível em qualquer hipótese, desde que respeitados seus limites territoriais. A norma regulamentadora viria tão somente a indicar a maneira pela qual se daria a cooperação entre os entes da federação. […]
[…] o estabelecimento de critérios que definam a forma como a competência administrativa comum deverá ser exercida é essencial para dissipar dúvidas e dirimir conflitos. Isso porque, apesar de o texto constitucional fazer referência à colaboração entre os entes federativos – o que sugere que entre os mesmo não deve haver hierarquia – percebe-se que, na prática, há inúmeros problemas relacionados à matéria. Por essa razão, na ausência de Lei Complementar, a doutrina tenta estabelecer critérios para que a cooperação entre as esferas governamental seja possível”[23].
Paulo José Leite Farias defende a aplicação do princípio da subsidiaridade ao se interpretar o art. 23 da CF/88. Por esse princípio, “as entidades estatais superiores somente deverão assumir as atribuições que os entes menores não podem cumprir de maneira eficiente”[24].
“Vitta, por sua vez, entende que cada ente federativo deverá atuar respeitando os limites de sua competência legislativa”[25].
* Acadêmico de Direito da UFSC.
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[1] FERREIRA, p. 203.
[2] FERREIRA, p. 203.
[3] FERREIRA, p. 204.
[4] FERREIRA, p. 204.
[5] FERREIRA, p. 204.
[6] FERREIRA, p. 204.
[7] FERREIRA, p. 204.
[8] FERREIRA, p. 204.
[9] FERREIRA, p. 204.
[10] FERREIRA, p. 204-205.
[11] FERREIRA, p. 205.
[12] FERREIRA, p. 205.
[13] FERREIRA, P. 205-206.
[14] FERREIRA, p. 206.
[15] FERREIRA, p. 206.
[16] FERREIRA, p. 207-208.
[17] FERREIRA, p. 208.
[18] FERREIRA, p. 209.
[19] FERREIRA, p. 209.
[20] FERREIRA, p. 209.
[21] FERREIRA, p. 212-214.
[22] FERREIRA, p. 214.
[23] FERREIRA, p. 215-216.
[24] FERREIRA, p. 216.
[25] FERREIRA, p. 216.