Teses Jurídicas

Modelo de tese jurídica – A ausência de registro do medicamento na Anvisa não impede o deferimento de sua concessão em casos excepcionais

Tema: Direito Administrativo

Subtema: Saúde

Tese: A ausência de registro do medicamento na Anvisa não impede o deferimento de sua concessão em casos excepcionais.

Aplicação: Pleitos judiciais em que se discute a possibilidade de se requerer, perante o Poder Público, fornecimento de medicamento não registrado ou autorizado pela Anvisa.

Conteúdo da tese jurídica:

I. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS PELO PODER PÚBLICO À PESSOA NECESSITADA. AUSÊNCIA DE REGISTRO DO MEDICAMENTO NA ANVISA. INEXISTÊNCIA DE ALTERNATIVA MEDICAMENTOSA VIÁVEL. IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO DEMONSTRADA. EXCEPCIONALIDADE. AUTORIZAÇÃO DE USO.

A Constituição Federal pátria, ao dispor sobre os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros, prescreveu, em seu artigo 6º, o direito à saúde como um direito social, de que cabe a cada pessoa gozar, sem exceção. É, pois, a um só tempo, direito subjetivo e indisponível, mas também direito que transcende a individualidade, sendo um poder-dever do Estado prover a saúde ao povo. Confira-se o teor do dispositivo:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

Sendo a norma daí exarada a baliza para quaisquer interpretações e aplicações infraconstitucionais sobre a matéria, decerto que o julgador deve tê-la em mente quando de sua aplicação ao caso concreto.

É por isso que, por exemplo, nos casos em que há lacunas normativas – sejam elas legais, sejam elas administrativas – faz-se necessária sua aplicação em âmbito extensivo, de sorte a evitar descompassos jurisprudenciais e, sobretudo, iniquidades.

No caso em tela, o medicamento necessário à parte é o único a sanar, ou ao menos atenuar, as condições médicas que a acometem, sendo por isso que se o pleiteia ao Poder Público, pois, sem o uso do fármaco, não resta à parte alternativa farmacológica útil a tratar sua condição.

Não é por outra razão que, em casos como o presente, em que há alegada omissão em relação a autorização de importação concedida pela ANVISA do fármaco, sendo também inexistente o seu registro pela mesma agência, não constando a medicação, por conseguinte, do RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais), para distribuição na rede pública, tem o Poder Judiciário o dever de suprir a necessidade de haver o registro antes do fornecimento, de forma a tutelar o direito à saúde do enfermo.

Exemplificando o entendimento da jurisprudência pátria, apresenta-se julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de julho de 2019, relatado pelo Desembargador Luiz Fernando Wowk Penteado, no qual se entendeu o seguinte:

PROCESSO CIVIL. DIREITO À SAÚDE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. CANABIDIOL. AUTORIZAÇÃO EXCEPCIONAL DA ANVISA. IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO DEMONSTRADA. 1. Conforme o disposto no art. 1.022 do CPC/2015, os embargos de declaração tem cabimento contra qualquer decisão, e objetivam esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão e corrigir erro material. 2. Faz jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstrar a necessidade e adequação do fármaco, bem como a ausência de alternativa terapêutica. 3. Consoante precedentes desta Corte, a ausência de registro do medicamento na ANVISA não impede o deferimento de sua concessão em casos excepcionais, como na hipótese, em que a gravidade da doença, a inexistência de alternativas medicamentosas disponibilizadas pelo SUS e a autorização de importação concedida pela ANVISA, permitem a flexibilização de tal exigência. 4. Embargos de declaração conhecidos e providos para sanar omissão.

(TRF-4 – AG: 50415934220184040000 5041593-42.2018.4.04.0000, Relator: LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Data de Julgamento: 16/07/2019, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR)

Em seu voto, o relator manifesta-se pela necessidade de concessão da substância canabidiol (medicamento Isodiloex), mesmo que não registrada pela ANVISA, ao requerente, dada a comprovação de necessidade de uso do fármaco. Leia-se os mais relevantes trechos do julgado:

Estabelecidos os parâmetros, verifica-se a existência da omissão alegada em relação à autorização de importação concedida pela ANVISA do medicamento Isodiloex (canabidiol).

Consoante a prova dos autos, consubstanciada nos relatórios médicos juntos na inicial e na perícia médica oficial, a parte autora tem diagnosticado Microcefalia com sequela de paralisia cerebral, epilepsia refratária e hidrocefalia como sequelas neurológicas de parto prematuro, diagnosticados ao nascimento, cujo quadro provoca em média 10 crises de epilepsia ao dia. Fez uso de todas as alternativas terapêuticas fornecidas pelo SUS, mas mostraram-se insuficientes para o controle adequado das crises convulsivas.

Diante da ineficácia das medicações aplicadas, foi indicado o Isodiolex (canabidiol), tendo em vista que foi avaliado como eficiente em uso associado com outros anticonvulsivantes e imprescindível no atual momento.

Percebe-se, pois, que os tratamentos não foram capazes de levar a melhora do quadro clínico do paciente, motivo pelo qual foi prescrito o fármaco Isodiolex, como tentativa de minimizar as crises.

Ocorre que o referido medicamento, de fato, não possui registro na ANVISA e, consequentemente não consta do RENAME (Relação Nacional de Medicamentos Essenciais) para distribuição na rede pública.

No entanto, embora não possua registro na ANVISA, em 2014, a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 2113 (Publicação em 11/12/2014) passou a autorizar o uso compassivo do canabidiol (CBD) para crianças e adolescentes portadores de epilepsias refratárias a tratamentos convencionais.

O Canabidiol possui autorização excepcional da ANVISA para importação do medicamento postulado, mas não registro para ser comercializado no país. O fato de ainda não ter sido aprovado pelos órgãos responsáveis pela vigilância sanitária impede que se determine à União que o forneça para uso, o qual é permitido somente após a comprovação de sua eficácia e segurança.

De acordo com o site do Conselho Federal de Medicina, “O plenário do CFM aprovou a Resolução 2.113/14 após profunda análise científica, na qual foram avaliados todos os fatores relacionados à segurança e à eficácia da substância. A avaliação de vários documentos confirmou que ainda não há evidências científicas que comprovem que os canabinóides são totalmente seguros e eficazes no tratamento de casos de epilepsia. Assim, a regra restringe sua prescrição – de forma compassiva – às situações onde métodos já conhecidos não apresentam resultados satisfatórios. O uso compassivo ocorre quando um medicamento novo, ainda sem registro na Agência Nacional de Vigilância em Saúde (Anvisa), pode ser prescrito para pacientes com doenças graves e sem alternativa terapêutica satisfatória com produtos registrados no país.” (pesquisa em:  https://portal.cfm.org.br/canabidiol/index.php)

Depreende-se que para serem submetidos ao tratamento com o canabidiol, os pacientes deverão preencher critérios de indicação e contraindicação a serem avaliados pela Anvisa, a fim de possibilitar a permissão para o uso compassivo da substância. Na hipótese, a parte autora comprovou já possuir autorização de importação expedida pela ANVISA (evento 1 PROCADM2 P16), providência que supre a ausência de registro do medicamento.

E é com base nessa excepcionalidade do quadro clínicos dos pacientes com epilepsia de difícil controle, que a jurisprudência tem entendido pela possibilidade de autorização de importação, pelos entes públicos, de medicamento não registrado na ANVISA, como se observa no seguinte precedente:

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. CANABIDIOL. SÍNDROME DE LOWE. REGISTRO DA ANVISA. AUSÊNCIA DE OPÇÃO TERAPÊUTICA OFERECIDA PELO SUS.

1. O direito fundamental à saúde está reconhecido pela Constituição Federal, nos seus arts. 6º e 196, como legítimo direito social fundamental do cidadão, que deve ser garantido através de políticas sociais e econômicas.

2. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental.

3. Ainda, justifica-se a atuação judicial para garantir, de forma equilibrada, assistência terapêutica integral ao cidadão na forma definida pelas Leis nº 8.080/90 e 12.401/2011 de forma a não prejudicar um direito fundamental e, tampouco, inviabilizar o sistema de saúde pública.

4. Supera-se a ausência de registro do fármaco na ANVISA, pela autorização de importação decorrente da Resolução ANVISA RDC 17/2015.

5. Não tendo sido oferecida opção terapêutica com eficácia equivalente para o tratamento da moléstia, resta autorizada a dispensação do fármaco postulado. (TRF4, AG 5000371-60.2019.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 23/05/2019)

Assim, tenho que esse é o caso dos autos, pois a doença que acomete a menor é de extrema gravidade e agressividade, provocando convulsões diariamente, situação que coloca em risco sua integridade física. Ademais, não existem outras linhas de tratamento específico para a doença, que permanece resistente mesmo depois de uma série de anticonvulsivantes.

Nesse cenário, a excepcionalidade do caso concreto é inequívoca, pois foi autorizada a importação pela própria ANVISA e ficou demonstrada a imprescindibilidade do medicamento e a inexistência de outra alternativa terapêutica com a mesma eficácia, devendo ser reconhecido seu direito à tutela jurisdicional.

Portanto, considerando a gravidade da doença, a inexistência de alternativas medicamentosas disponibilizadas pelo SUS e a autorização de importação concedida pela ANVISA, tem-se que a ausência de registro do medicamento na agência não pode impedir o deferimento de sua concessão no presente caso, pois se trata de situação excepcional.

Diante de todo o exposto, em atenção ao direito constitucional à saúde, de natureza fundamental e impreterível, bem como em atenção ao acertado entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), requer-se que o juízo, em respeito ao paradigma processual da integridade e da coerência jurisprudencial, insculpido nos artigos 926 a 928 do Código de Processo Civil, proveja à parte o pleito de uso do fármaco, mesmo em não havendo a solenidade de registro deste na ANVISA, dado que restou demonstrada a imprescindibilidade do fármaco e a inexistência de alternativas viáveis.

*É proibida a cópia ou reprodução, total ou parcial, deste conteúdo, em qualquer meio. Fica autorizada a utilização deste conteúdo exclusivamente em petições dirigidas ao Poder Judiciário ou à Administração Pública.

Como citar e referenciar este artigo:
INVESTIDURA, Portal Jurídico. Modelo de tese jurídica – A ausência de registro do medicamento na Anvisa não impede o deferimento de sua concessão em casos excepcionais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/modelos/teses-juridicas/modelo-de-tese-juridica-a-ausencia-de-registro-do-medicamento-na-anvisa-nao-impede-o-deferimento-de-sua-concessao-em-casos-excepcionais/ Acesso em: 29 mar. 2024