Economia Política

Segundo Tratado Sobre o Governo – Locke

Segundo Tratado Sobre o Governo – Locke

 

 

Considero poder político o direito de fazer leis com pena de morte.

 

Para compreender o poder político e derivá-lo de sua origem, devemos considerar em que estado todos os homens se acham naturalmente, estados de liberdade, dentro dos limites da lei da natureza.

 

Estado também de igualdade, no qual é recíproco qualquer poder e jurisdição.

O judicioso Hooker considera essa igualdade dos homens pela natureza como tão evidente de per si e acima de qualquer dúvida.

 

Contudo, embora seja este um estado de liberdade, não o é de licenciosidades; apesar de ter o homem naquele estado liberdade incontrolável de dispor da própria pessoa e posses, não tem a de destruir-se a si mesmo ou a qualquer criatura que esteja em sua posse. O estado de natureza tem uma lei de natureza para governá-lo, que a todos obriga; e a razão, que é essa lei, ensina a todos os homens que tão-só a consultem, sendo todos iguais e independentes, que nenhum deles deve prejudicar a outrem da vida, na saúde, na liberdade ou nas posses. Eis que sendo todos os homens obra de um Artífice onipotente e infinitamente sábio, todos servos de senhor soberano único, enviados ao mundo por ordem d’Ele, por cumprir-lhe a missão, são propriedade d’Aquele que os fez, destinados a durar enquanto Ele aprouver e não uns e outros; e sendo todos providos de faculdades iguais, compartilhando de uma comunidade de natureza, não há possibilidade de supor-se qualquer subordinação entre os homens que nos autorize a destruir a outrem, como se fossemos feitos para uso uns dos outros como as ordens inferiores de criaturas são para nós. Qualquer pessoa tem de preservar o resto da Humanidade, não podemos, a menos que seja para castigar um ofensor, tirar ou prejudicar sua vida.

 

E para impedir a todos os homens que invadam os direitos dos outros, põe-se, naquele estado, a execução da lei da natureza nas mãos de todos os homens, mediante a qual qualquer um tem o direito de castigar os transgressores dessa lei, pois a lei da natureza seria vã, como quaisquer outras leis, que digam respeito ao homem neste mundo, se não houvesse alguém nesse estado de natureza que não tivesse poder para pôr em execução aquela lei e, por esse modo, preservasse o inocente e restringisse os ofensores.

 

E assim no estado de natureza um homem consegue poder sobre outro, não é poder absoluto, tanto que possa servir de reparação e restrição; eis que esses dois motivos são os únicos que autorizam legitimamente a um homem fazer mal a outro, o que implica o que chamamos de castigo. As leis de um Estado, não atingem um estrangeiro.

 

Além do crime que consiste na violação da lei e na divergência da regra, da qual um indivíduo se torna degenerado, há comumente dano causado a uma pessoa ou outra, e um terceiro poderá vir a ser prejudicado por aquela transgressão; caso em que aquele que foi prejudicado tem, além do direito de castigar comum a ele com outros homens, o direito particular de procurar preparação por parte de quem o prejudicou. E qualquer outra pessoa, que o achar justo, pode também a ele juntar-se, auxiliando-o recuperar do defensor tanto quanto possa compensá-lo pelo dano sofrido.

 

Desses dois direitos distintos, um de castigar o crime, o outro de reivindicar a reparação, que pertence somente à parte prejudicada. A pessoa prejudicada tem o poder de apropriar-se dos bens ou serviços do ofensor pelo direito de autopreservação, como qualquer um tem o poder de castigar o crime para impedir-lhe a repetição, preservar toda a Humanidade. E nessas considerações baseia-se a grande lei da natureza: ”Quem derramar o sangue do homem, pelo homem verá seu sangue derramando”.

 

O estado de guerra é um estado de inimizade e destruição.               

 

Aquele que tenta colocar a outrem sob poder absoluto põe-se em estado de guerra com ele, devendo-se interpretar este fato como declaração de desígnios, contra liberdade, isto é, torná-lo escravo. Quem tenta escravizar a outrem, põe-se com ele em estado de guerra. Aquele que, no estado de natureza, arrebata a liberdade que cabe a qualquer um nesse estado, deve necessariamente supor-se alimentar o designo de arrebatar tudo mais porquanto essa liberdade é o fundamento de todo o resto.

 

Estas considerações tornam legítimo matar um ladrão que não nos fez mal nem manifestou qualquer desígnio contra a nossa vida mais do que, pelo emprego da força, apoderar-se de nós de sorte a arrebatar-nos dinheiro ou o que mais lhe convier.

 

O estado de natureza e o estado de guerra estão distantes. Quando os homens vivem juntos conforme a razão, sem um superior comum na terra possua autoridade para julgar entre eles, verifica-se propriamente o estado de natureza. Todavia, a força, ou um desígnio declarado de força, contra a pessoa de outrem, quando não existe qualquer superior comum sobre a Terra para quem apelar, constitui o estado de guerra.

 

A falta de juiz comum com autoridade coloca todos os homens em um estado de natureza; a força sem o direito a pessoa de um homem provoca um estado de guerra não só quando há como não há juiz comum.

 

Evitar esse estado de guerra, no qual não há apelo senão para o céu, e no qual qualquer divergência, por menor que seja, é capaz de ir dar, se não houver autoridade que decida entre os contendores, é razão decisiva para que os homens se reúnam em sociedade deixando o estado de natureza; onde há autoridade, poder na Terra do qual é possível conseguir amparo mediante apelo, exclui-se a continuidade do estado de guerra decidindo-se a controvérsia por aquele poder.

 

Tendo por culpa própria perdido o direito à vida por algum ato que mereça a morte, aquele a quem a entregou pode, quando o tem entre as mãos, demora em tomá-la empregando-o a seu próprio serviço; e com isso não lhe causa dano. Pois, sempre que achar ultrapasse o sofrimento da escravidão ao valor da própria vida, está nas suas mãos, pela resistência à vontade do senhor, atrair sobre si a morte que deseja.

 

Escravidão, “o estado de guerra continuado entre o conquistador legítimo e o cativo”. Porquanto se uma vez se ajusta entre ele um pacto, fazendo-se acordo no sentido de poder limitado de um lado e obediência de outro, cessa o estado de guerra e de escravidão enquanto durar o pacto.

 

Seja que consideramos a razão natural, que nos diz terem os homens, uma vez nascidos, direito à própria preservação, e conseqüentemente, à comida e à bebida e a tudo quanto a natureza lhes fornece para a subsistência; seja que encaremos a revelação, que nos dá conta das concessões feitas no mundo por Deus a Adão, e a Noé e seus filhos.

 

Deus, que deu o mundo aos homens em comum, também lhes deu a razão para que o utilizasse para maior proveito a vida e da própria conveniência. Concedeu-se a terra e tudo quanto ela contém ao homem para sustento e conforto da existência.

 

Embora a terra e todas as criaturas sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo. O trabalho do seu corpo e a obra das suas mãos pode dizer-se, são propriamente dele. Seja o que for que ele retire do estado que a natureza lhe forneceu e não o qual deixou, fica-lhe misturado ao próprio trabalho, juntando-se-lhe algo que lhe pertence, e, por isso mesmo, tornando-o propriedade dele. Exclui do direito comum de outros homens. Desde que esse trabalho é propriedade exclusiva do trabalhador, nenhum outro homem pode ter direito ao que se juntou, pelo menos quando houver bastante e igualmente de boa qualidade em comum para terceiros.

 

A mesma lei da natureza que nos dá por esse meio a propriedade também limita igualmente. ”Deus nos deu a tudo abundantemente”. Mas até que ponto no-lo deu? Para usufruir. Tanto quanto qualquer um pode usar com qualquer vantagem para a vida antes que se estrague, em tanto pode fixar uma propriedade pelo próprio trabalho; o excedente ultrapassa a parte que lhe cabe e pertence a terceiros.

 

A lei sob a qual o homem estava era favorável à apropriação. Deus ordenava, e as necessidades obrigavam ao trabalho. Pertencia-lhe o que fosse possível arrebatar-lhe, estivesse onde estivesse. Daí se vê que dominar ou cultivar a terra a ter domínio estão intimamente conjugados. Um deu direito a outro. Assim, Deus, mandando dominar, concedeu autoridade para a apropriação; e a condição da vida humana, que exige trabalho e material com que trabalhar, necessariamente introduziu a propriedade privada.

 

Nenhum trabalho do homem podia tudo dominar ou de tudo apropriar-se, nem a fruição consumir mais do que uma pequena parte, de sorte que era impossível para qualquer homem, dessa maneira usurpar o direito de outro ou adquirir para si uma propriedade com prejuízo do vizinho.

 

Embora os homens tivessem o direito de se apropriar, pelo trabalho, cada um para si, de tudo quanto na natureza pudessem fazer uso, não poderia isto ser demasiado, nem em prejuízo de terceiros, se a mesma  abundância ainda se apresentasse aos que fizessem uso da mesma diligência.

 

Antes da apropriação da terra, quem colhia o mais possível de frutas silvestres matava, apanhava ou dominava animais quantos podia; quem assim empregava os seus esforços com relação a qualquer produto espontâneo da natureza de maneira a alterá-los do estado natural, aplicando-lhes parte do seu esforço, adquiria por esse modo certa propriedade sobre eles; mas se extinguiam nas mãos dele sem emprego conveniente; se os frutos apodreciam ou a carne se estragava antes de utilizar-se, ofendia a lei comum da natureza e estava sujeito a punição. As mesmas medidas regiam igualmente a posse da terra.

 

O trabalho, também valoriza os bens da natureza. O pão, vinho e roupas são artigos de uso cotidiano e muito abundante; entretanto, apesar disso, bolotas, águas e folhas ou peles teriam de servir-nos de pão, bebidas e vestes, se o trabalho não nos fornecesse estes artigos mais úteis; porquanto se o pão tem mais valor do que as bolotas, o vinho mais do que a água e o tecido mais que a folha e a pele, devem-se inteiramente ao trabalho.

 

Assim o trabalho, no começo, proporcionava o direito à propriedade, sempre que qualquer pessoa achou conveniente empregá-lo sobre o que era comum. O homem a princípio, contentava-se na maior parte com o que a natureza desajudada lhe oferecia às necessidades; mais tarde, porém, em algumas partes do mundo (onde aumentava a população e as terras ficavam escassas), as diversas comunidades fixavam limites dos respectivos territórios e por meio de leis regulavam as propriedades dos homens particulares, dessa maneira, por meio de acordos e pactos, estabeleceram a propriedade que o trabalho e a indústria tinham começado.

 

A maior parte de tudo quanto é realmente útil à vida do homem é em geral de curta duração, estragando-se e perecendo por não serem consumidos; o ouro, prata e os diamantes são artigos a que a imaginação ou acordo atribuíram valor. Dessa maneira para não deixar estragar os produtos tirados da natureza, passaram a trocar estes produtos por metais, que dura a vida toda, podendo ser acumulados. E assim originou-se o uso do dinheiro – algo de duradouro que os homens pudessem guarda sem estragar-se – e que por consentimento mútuo recebessem em troca sustentáculos da vida, verdadeiramente úteis, mas perecíveis.

 

O resumo da questão das conquistas é o seguinte: o conquistador, se tem justa causa, possui direito despótico sobre todos aqueles que realmente ajudaram e concorreram na guerra contra ele, e o direito de compensar o próprio dano e despesa com o trabalho e as propriedades deles, contanto que não prejudique o direito de terceiros. Não tem qualquer poder sobre o povo restante, se alguém houve que não assentiu a favor da guerra e sobre os filhos dos próprios cativos ou sobre as propriedades de uns e de outros; e assim sendo não pode ter, em virtude da conquista, qualquer título legítimo ao domínio sobre eles, ou passá-lo à posteridade. Quanto ao governo imposto pela força sobre o vencido que não tinha parte na guerra: livrar-se de um poder que a força e não o direito instalou sobre alguém, embora tenha o nome de rebelião, não constitui ofensa perante Deus, mas é o que ele permite e aprova, mesmo quando promessas de acordos, se obtidos pela força, intervêm.

 

 

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Como citar e referenciar este artigo:
2008/2, Direito UFSC. Segundo Tratado Sobre o Governo – Locke. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/economia-politica/segundo-tratado-sobre-o-governo-locke/ Acesso em: 29 mar. 2024