Criminologia

Além da Lei – Nepomoceno

Além da Lei – Nepomoceno

 

 

Guilherme Ricken

Luiz Fernando Ávila

Mateus Erdtmann

                        Mateus Lolli

                        Matheus Gallina

                        Paulo Adolfo Oenning

                        Thiago De Caro

 

 

NEPOMOCENO, Alessandro. Além da Lei: a face obscura da sentença penal. Rio de Janeiro: Revan, 2004. p. 29-124.

 

 

            O texto inicia-se com uma metáfora entre o Papai Noel e o Sistema Penal. O bom velhinho que a cada fim de ano viria com a promessa de presentear às pessoas que tivessem se comportado ao longo do ano. Com o passar do tempo a desconfiança sobre a veracidade deste “ser” foi aumentando até que, um dia, a verdade foi contada: Papai Noel não existe. Com isso a desilusão veio à tona, foi a demarcação entre o infantil e o adulto, o ideal e o real. Esta pesquisa tem exatamente este intuito, assim como o da pessoa que afirmou à criança que o ser barbudo do pólo norte inexistia, só que no âmbito do Direito Penal. Afirma-se nela aquilo que não está presente nos manuais, nas doutrinas e até nas práticas dos aplicadores do Direito – o que realmente acontece no momento em que se aponta quem é o criminoso e qual é o crime. Diz-se que o sistema penal promete combater a criminalidade, maximizando com isso a segurança, mas a realidade é outra e gera muito mais tristezas que alegrias.

 

            A repressão ocorre, ironicamente, justamente sobre aqueles que “não recebiam os presentes do ser barbudo”, enquanto os demais setores são tratados com dignidade pelo sistema – uma reprodução da desigualdade social. Sem mais tocar na metáfora, o texto torna-se direcionado em como evidenciar esta real operacionalidade do sistema penal.

 

            A pesquisa feita é de cunho criminológico e os pressupostos orientados pelo marco teórico do paradigma da reação social. No nosso país a maioria dos juristas é baseada no paradigma etiológico. Surgiu um paradigma alternativo ao etiológico: o da reação social. Ele parte dos conceitos de “conduta desviada” e “reação social”, formulando a tese de que a criminalidade não é uma qualidade intrínseca da conduta, mas sim um status atribuído a determinados indivíduos que são estigmatizados segundo processos de interação social. O sistema penal torna-se um processo dinâmico de articulação formado por todas as agências de controle social formal.

 

            O sistema penal, portanto, é seletivo e esta seleção é feita nas camadas mais vulneráveis ao sistema – as menos poderosas econômico e politicamente falando. As demais camadas são imunizadas. Ele visa o combate da criminalidade para proteger as pessoas de bem da minoria má.

 

            Vera Andrade entende que esta seletividade é quantitativa e qualitativa. A qualitativa opera quando ocorre a criminalização secundária – imposição da qualidade de criminoso pelas agências de poder que compõe o sistema penal. Já a quantitativa ocorre pelo fato de que nem tudo o que caracteriza crime será processado, permitindo a imunização das camadas detentoras de poder. A imunização é a regra e a criminalização a exceção.

 

            Diante das evidências trazidas pela pesquisa, a dúvida veio para a questão de saber se o código ideológico dá ensejos de heterogeneidade de decisões e à conservação e à produção de estereótipos sobre a criminalidade.

 

            A hipótese que acompanhou tal dúvida foi a de que a instância judicial co-participa da seleção promovida pelas demais agências do sistema penal. No lugar de preceitos são colocados conceitos que encobrem a seletividade e expressam a ilusão da certeza e racionalidade das decisões.


1.1 O sistema penal

 

                   O sistema penal age como controle formal das condutas tidas como negativas à sociedade, que ofendem os bens jurídicos considerados relevantes. O paradigma mais apropriado para a devida compreensão do sistema penal é o da reação social, pois os fundamentos epistemológicos oferecidos pelo paradigma etiológico são um tanto ingênuos, apresentando o sistema penal como um conjunto de agências que visam ao combate à criminalidade e à produção de segurança jurídica. Como isso, é possível analisar o real conteúdo do sistema penal moderno:  as promessas não cumpridas (eficiente combate à criminalidade) e os efeitos não prometidos (reprodução do status quo pela penalização).

 

O sistema penal é um continuum, ou seja, uma sequência de agências de poder cujos segmentos são passíveis de serem individualizados. A atuação de tais agências é integrada, visto que elas manifestam uma ideologia comum. O ideário predominante entre os membros das esferas de poder é o liberal – o princípio da legalidade – em conjunto com o da defesa social – maniqueísmo sociedade (bem) x criminoso (mal). Além disso, é possível afirmar, com base em expressões comumente utilizadas pelo filósofo argentino Henrique Dussel, que o sistema penal é condicionado condicionante, pois é recebe influências de entes exteriores – imprensa, família, escola, entre outros. – e age em sentido recíproco. A lógica do sistema, conflitante com seu objetivos declarados, é a da seletividade. Para que determinados grupos da sociedade fiquem imunizados contra as agruras das agências penais, outros grupos, economicamente mais frágeis, precisam ser criminalizados.

 

Quando à composição do sistema penal, é válido inferir que as várias agências contribuirão, cada qual dentro de suas respectivas funções, para a consolidação das criminalizações primária e secundária. A criminalização primária, a definição da conduta delitiva através das normas penais, fica a cargo do legislador. Já à polícia, ao Ministério Público, ao Poder Judiciário e ao sistema prisional cabe a criminalização secundária, a aplicação das normas em desfavor de um membro já estigmatizado do corpo social. O ensino jurídico cumpre uma atribuição à parte: produzir e reproduzir o saber dominante, sustentáculo discursivo-ideológico do sistema.

 

Esse saber, gestado nas academias e tornado senso-comum, funda a ideologia da defesa social, que é baseada em seis princípios maiores. São eles o princípio do bem e do mal (sociedade x criminoso), da culpabilidade (a consciência do ato), da legitimidade (o Estado se responsabiliza pelo contrato social), da igualdade (todos são atingidos da mesma forma pelo sistema), do interesse social e delito natural (os bens protegidos são de interesse comum) e do fim ou da prevenção (a intimidação e a ressocialização).

 

No que tange ao cumprimento de suas funções, o sistema penal age muito mais efetivamente naquelas não-declaradas do que nas oficiais. Estas são aquelas presentes no discurso legitimador, portanto, a punição somente de condutas típicas, antijurídicas e culpáveis, a aplicação penal de maneira igualitária, a sanção penal como punição, prevenção e recuperação, a exclusão do mal da sociedade e o aumentar de gastos públicos com políticas criminais repressivas. Enquanto isso, os delitos devidamente processados e apenados são os referentes aos bens jurídicos patrimônio, vida, saúde pública e costumes. Os delitos econômicos, políticos e ecológicos, constituintes de uma criminalidade oculta, raramente são processados.

 

Assim, o sistema penal possui uma eficácia invertida, tendo como foco uma criminalidade individual, avulsa e de camadas pobres, colaborando então para a exclusão, a estigmatização e a perpetuação do status quo. É um sistema que possui uma incapacidade de ser substituído, pois há a necessidade de defender os direitos de certas pessoas – as detentoras de alto poder econômico, evidentemente.

 

 

1.2 A criminalização

 

                   São “…mecanismos oriundos do próprio sistema penal para distribuir o status de criminoso a algumas pessoas. A criminalização é primária ou secundária…” (p. 55). A criminalização primária (seletividade quantitativa), se dá no momento em que o legislador cria a lei. Considerando-se que o legislador possui ideologia, história e condições de vida próprias, em geral excepcionais, aparece aqui uma tendência à não-seletividade das classes mais dominantes do sistema e de uma maior criminalização das classes hiposuficientes. A criminalização secundária se dá na operacionalização do sistema de controle penal com a seleção dos indivíduos específicos a serem punidos. Trata-se de um processo de filtragem que começa na Polícia, passa pelo Ministério Público e tem seu momento final e decisivo no Judiciário, havendo em cada uma dessas três instâncias vários mecanismos de discricionariedade através dos quais o Delegado, o Juiz e o Promotor tem o poder de decidir sobre o destino dos indivíduos segundo suas próprias convicções e ignorando a legalidade quase completamente, isso sem falar nos Direitos Humanos. A seleção dos criminalizados é justificada pelos códigos ideológico e tecnológico, já que não se pode admitir francamente a arbitrariedade sob a pena do questionamento da legitimidade do sistema. O código tecnológico são as leis e a dogmática penal. O código ideológico são os estereótipos, o senso comum, as ideologias políticas, religiosas, etc, incluindo o pensamento individual de quem tem o poder discricionário. Assim, o código ideológico acaba por instrumentalizar o código tecnológico de forma a produzir uma decisão arbitrária, classista e de geração e manutenção da criminalidade, da miséria e da desigualdade social, não importando se o seletor instrumentaliza o código tecnológico de forma consciente ou não. O próprio sistema gera o crime, que gera o argumento de sua imprescindibilidade para as pessoas de bem, criando uma ilusão de segurança jurídica.

 

 

1.3 A Dogmática Jurídica

 

A terceira parte do Capítulo 1 do texto de Nepomoceno é dedicada a discorrer sobre a Dogmática Jurídica, suas funções e implicações.

 

A Dogmática se insere no projeto racionalizador da modernidade como ciência instrumental para a promoção da emancipação do homem. Se auto-compreende, porquanto, como a verdadeira ciência do Direito, eis que ciência prática que dará condições para o jurista aplicar o Direito “corretamente” ao caso concreto. A Dogmática Jurídica aparece, assim, como um conjunto, complexo e profundo, de teorias e conceitos que ajudarão o operador do direito a interpretar corretamente a lei. Evidencia-se, neste diapasão, como uma metalinguagem que prescreve ao operador do Direito qual a melhor interpretação da lei para um determinado caso concreto.

 

Continuando sua análise, Nepomoceno enxergará, com o óculos de Vera Regina Pereira de Andrade, quais são as funções da Dogmática Jurídica. Há as funções declaradas, ou prometidas e as não declaradas, ou latentes. As funções declaradas são: a racionalizadora; a garantidora. Para entender a articulação destas funções, há que se levar em conta a intenção da Dogmática de garantir a segurança jurídica, eis que o julgador, racionalmente, deveria interpretar a lei, com o auxílio dos conceitos e teorias fornecidos pela Dogmática, garantindo, por extensão, a segurança jurídica. As funções não-declaradas revelarão o escondido por trás das cortinas das funções declaradas: a Dogmática racionaliza as decisões dos julgadores não somente com o nobre e puro fim de garantir a segurança jurídica, mas, na verdade, para que se mantenha o status quo do quadro político, através de seu metadiscurso.

 

Terminando o Capítulo 1, o Autor insere a Dogmática Penal dentro do paradigma dogmático e comenta, brevemente, sobre os suportes teóricos (teoria do crime, teoria do delito, etc.) que esta fornece ao julgador para que este julgue com fulcro primordial de garantir a segurança jurídica. Acontece que – e isso é evidente – o julgador possui a liberdade de fundamentar a decisão como bem quiser, desde que a fundamente.

 

 

2.1 Interpretação, intérprete e dogmática jurídica

 

A dogmática como “ciência prática” serve como uma metalinguagem, isto é, uma espécie de código de comunicação utilizado para fazer ponte entre a lei abstrata e o caso concreto. Quem é responsável por isso é o intérprete.

 

Interpretar é tarefa de suma importância, pois será o momento em que acontecerá a concretização da norma. A Dogmática Jurídica foi arquitetada, então, como forma de coibir ao máximo a discricionariedade, a fim de evitar a subjetividade que poderá levar à arbitrariedade.

 

Essas idéias vieram desde a Escola Clássica, quando o combate ao absolutismo era frontal e a valorização pelo legislador era intensa. Em tal época, Beccaria disse:

 

“Nada é mais perigoso do que o axioma comum de que é necessário consultar o espírito da lei. (…) Cada homem tem o seu ponto de vista; o espírito da lei seria, portanto, o resultado da boa ou má lógica de um juiz, de uma digestão fácil ou difícil; dependeria da violência de suas paixões, da fraqueza de quem sofre, das relações do juiz com o ofendido e de todas aquelas mínimas forças que mudam as aparências de cada objeto no espírito flutuando do homem”.

 

No entanto, acreditar que o intérprete que só faz a exegese da lei está longe da discricionariedade é ingenuidade. O julgador a todo momento vai fazer escolhas diante do caso concreto, o qual será analisado sob o prisma ético, moral, religioso, e também sob os estereótipos, o senso comum sobre a criminalidade (teoria de todos os dias), o tráfico de influências, enfim, tudo o que encerra o código ideológico. Antes de fundamentar tecnicamente, o juiz já decidiu, conscientemente ou não, conforme o código ideológico.

 

Nesse momento o autor fala, a fim de exemplificar a questão, de um suposto caso em que uma mulher praticou o furto de um vidro de antibiótico no valor de R$ 9,00 (nove reais), pois seu filho estava com processo infeccioso.

 

Quando o caso chega ao juiz, o mesmo, intimamente, não quer condenar a mulher. Com base nisso, o julgador irá: a) observar os requisitos legais para que sua sentença tenha legitimidade; b) verificar a tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade do fato. c) Ao constatar que não há como absolver mediantes esse último passo, prossegue com a análise da dogmática processual penal. O juiz chega a conclusão de que também não há como absolver, pois a autoria foi confessa e faltariam provas para absolvê-la; d) A absolvição vem somente ao verificar o princípio da insignificância, doutrinariamente aceito.

 

Observa-se, então, que condenar ou absolver é um mero exercício de querer, o que depende tanto da vontade quanto da ideologia do julgador. Caldeiras Bastos pondera sabiamente sobre o assunto:

 

“O intérprete, mesmo que não o sabia, tende a selecionar na lei os artigos, parágrafos, incisos e alíneas compatíveis com suas expectativas. Por sua vontade, em clima de liberdade política, chega ao ponto de revogar a própria lei, ora escondendo o jogo (ficção jurídica), ora atinge abertamente, a título de ‘política criminal’”.

 

Diante do que foi explicitado, conclui-se que o julgador decide com o código ideológico e fundamenta com a codificação tecnológica, a qual é composta pela lei e Dogmática Jurídica. Tudo não passa de um processo persuasivo, em que se pretende convencer o receptor a compartilhar o juízo valorativo.

 

A interpretação persuasiva é possível visto que a lei utiliza uma linguagem natural, e não uma linguagem precisa. Como tal, essa forma de linguagem é passível de ambigüidade, vaguezas e redefinições.

 

Por fim, como afirma Luis Alberto Warat, as redefinições podem ser diretas ou indiretas:

 

Redefinições diretas acontecem quando as imprecisões na linguagem permitirão que o julgador, a seu bel-prazer, realize a operação. Entre as redefinições diretas se encontram a vagueza (em que não fica explícito o significado e o julgador o preencherá de acordo com as convicções pessoais) e a ambigüidade (em que há vários significados para se decidir sobre o caso concreto e o julgador deverá escolher um deles).

 

O caso de redefinições indiretas acontecem quando o intérprete utilizar conjunto de argumentos retóricos para atribuir outro significado. Entes esses casos se encontram: variáveis axiológicas, recurso às teorias, adjetivação desqualificadora, análise retórica dos fatos e alterações sintáticas.

 

 

2.2 A dogmática penal

 

                   A dogmática penal, ramo parcial do Direito englobado na dogmática jurídica geral, tem por função definir quais serão os delitos e as penas aplicadas para eles. Por ser uma ciência normativa, é nela que o julgador buscará legitimidade para o enquadramento da conduta ofensiva a bens jurídicos tutelados pela normal penal, por intermédio da Teoria do Delito.

 

                   A Teoria do Delito explica o que é o delito do ponto de vista jurídico, demonstrando as características que nele devem ser encontradas. Por ter uma função garantista, tal teoria é embasada nos princípios da responsabilidade pessoal, da responsabilidade pelo fato e da culpabilidade. Portanto, apreender-se-á que o crime é a conduta dotada de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade.

 

                   O elemento jurídico-penal tipicidade é a adequação perfeita do fato cometido à descrição disposta na lei penal. Ele é composto pela conduta – que conterá os elementos objetivos (ação ou omissão), subjetivos (dolo ou culpa) e normativos –, pelo nexo causal – a ligação entre a conduta e o resultado, o que torna atípicas as causas fortuitas e de força maior – e pelo resultado – a alteração do status quo ante do bem jurídico.

 

                   Por sua vez, a antijuridicidade é a representação de contrariedade ao ordenamento jurídico. Por ser eminentemente sancionador e excepcionalmente constitutivo, o Direito Penal não cria a antijuridicidade, mas seleciona, por meio da tipicidade, uma parte dos comportamentos antijurídicos. Caso a conduta seja típica, mas esteja presente alguma escusa legal, estará a ilicitude. São excludentes previstas no código penal a legítima defesa (contra agressão injusta, atual ou iminente), o estado de necessidade (sacrifício de um bem jurídico em prol de outro mais relevante), o estrito cumprimento de dever legal (quando o agente possui ordem legal para agir) e o exercício regular de direito (práticas que seriam tidas como delituosas, mas que não serão sancionadas desde que perpetradas nos limites legais).

 

                   Por fim, na análise da culpabilidade será verificada a consciência do sujeito, pois a quantificação da pena é proporcional ao estado de consciência do autor do fato. A culpabilidade é constituída pelas esferas da imputabilidade – possibilidade do agente responder penalmente –, da possibilidade de conhecimento da ilicitude do fato – verificação de questões referentes à paixão, à emoção, à embriaguez e aos erros de tipo e proibição – e da exigibilidade da obediência ao Direito – existência de relação de obediência hierárquica e coação irresistível.

 

 

2.3 A dogmática processual penal

 

O julgador desfilará por todos os elementos que compõem a Teoria do Delito. Assim, havendo a criminalização, necessitará o respaldo da Dogmática Processual Penal. Ao contrário, o julgador notando que o fato é típico, antijurídico e culpável, e no seu íntimo não querendo criminalizar o processado, buscará apoio para justificar absolvição na Dogmática Processual.

 

A Dogmática Processual Penal vai buscar concretizar a tipificação através do cumprimento de vários requisitos formais, os quais se não forem realizados tornam impossível a incriminação. Ambas, pois, vão ter por finalidade legitimar a criminalização secundária daquele que foi processado pelas agências de poder que fazem parte do sistema penal.

 

Das teorias que formam o processo penal, sem sombra de dúvida, a mais importante será a da prova.

 

Através das várias formas de provas que restará comprovada a autoria do delito. Para tanto, a confissão, as testemunhas, entre outras, serão utilizadas como provas. A materialidade do delito será realizada através dos laudos técnicos. É aqui que entram os técnicos e suas ciências para legitimar a condenação ou absolvição.

 

A materialidade do delito do delito é vislumbrada através da prova, que pode ser confissional, testemunhal, documental, pericial e, por fim indiciária.

Nota-se a ampla discricionariedade na escolha na escolha do material probante que legitimará a sua fundamentação técnico-jurídica na busca da clara demonstração do autor e da materialidade do delito.

 

O julgador sempre ficará entre o sim e o não à denúncia. É nesse exato momento que o magistrado poderá, sem a devida comprovação material, mas apenas motivado pela sua intuição, por deduções a partir de sua noção pessoal sobre o fenômeno criminal, estereótipos, sua ojeriza ou antipatia pelo autor, enfim, fazer a opção pela absolvição ou condenação.

 

Para alguns , devido à seletividade do sistema, vigora o in dúbio pro reo, mas para outros setores sociais, vulneráveis à arbitrariedade, vale o famoso jargão dos bastidores do sistema penal: em caso de dúvida, “pau no réu” e sem piedade.

 

 

2.4 Os Princípios de Direito Penal

           

            A dogmática jurídica carrega em seu bojo os princípios de direito. Além de ter uma acepção de início, o princípio no ordenamento jurídico pode representar o núcleo irradiador do sistema, sendo que a interpretação não poderia se afastar do princípio jurídico. Também pode significar a base das normas jurídicas, podendo estar positivado como normas-princípio.

 

            São destacadas três funções para os princípios jurídicos; Função fundamentadora da ordem jurídica, orientando a atividade legislativa; Função interpretativa, servindo para guiar o intérprete; Função supletiva, suprindo o vácuo legislativo.

 

            Os princípios penais formalizados são os seguintes:

 

            Princípio da legalidade: Prescreve que ninguém poderá ser incriminado se não existir o tipo penal definidor da conduta convencionada como negativa à sociedade (nullum crimen nulla poena sine lege). Desdobra-se em três categorias específicas; princípio da reserva legal, sendo que as condutas criminosas só podem ser oriundas da lei penal aprovada em âmbito federal; Princípio da Extratividade; e Princípio da previsibilidade mínima, que impossibilita a criação de tipos penais imprecisos.

 

            Princípio da culpabilidade: Por esse princípio, responderá ao delito quem obrou por sua própria conta e risco, não será aplicada a pena a outro que não tenha praticado a conduta definida como criminosa.

 

            Princípio da humanidade da Pena: Trata-se da idéia de racionalizar o jus puniendi, para que seja aplicada a pena proporcional ao delito, sem macular a dignidade daquele que foi sentenciado, pois caso contrário seria o mesmo que se equiparar àquele que cometeu a conduta negativa. Esse princípio foi recepcionado como integrante dos chamados direitos fundamentais da pessoa humana na Constituição Brasileira.

 

            Princípio da Igualdade: Baseado no ideário Iluminista, embasa-se na idéia de que as penas aplicadas devem ser as mesmas para o primeiro e o último dos cidadãos.

 

            Já os princípios penais fundamentais não-formalizados são outros:

 

            Princípio da lesividade: Somente haverá o delito, se acontecer a lesão, ou o perigo concreto de vir acontecer ao bem jurídico tutelado pela norma penal.

 

            Princípio da Insignificância: Considera atípica a conduta que provoque uma lesão mínima no bem tutelado pela norma penal, considerando que devido à gravidade da aplicação da pena, esta traria mais custos do que benefícios à sociedade.

 

            Princípio da adequação social: Consiste em considerar determinadas condutas humanas aceitáveis, apesar de a lei considerá-las criminosas, tendo em vista que a própria sociedade as tolera.

 

 

* Acadêmicos de Direito da UFSC

 

Como citar e referenciar este artigo:
AL, Guilherme Ricken et. Além da Lei – Nepomoceno. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/criminologia/alem-da-lei-nepomoceno/ Acesso em: 25 abr. 2024