Direito Penal

Parecer Sobre a Antecipação Terapêutica do Parto de Fetos Anencéfalos – ADPF 54

Parecer Sobre a Antecipação Terapêutica do Parto de Fetos Anencéfalos – ADPF 54

 

 

Relatório

 

A argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 54 foi iniciada pela Confederação nacional dos Trabalhadores da Saúde (CNTS) em 2004 e pede – baseada na dignidade da pessoa humana e no direito à saúde, assegurados na Constituição – a inconstitucionalidade da interpretação dos artigos 124, 126 e 128, I e II, do Código Penal como óbice da antecipação do parto em casos de gravidez de feto anencéfalo, devidamente diagnosticado, dando à gestante o direito de agir sem autorização judicial.

 

O processo foi distribuído para o ministro Marco Aurélio que, em decisão liminar de julho de 2004, autorizou o aborto de fetos sem cérebro. Em outubro do mesmo ano, sua liminar foi cassada pelo Plenário.

 

Ao longo do processo, diversas entidades pediram para ser admitidas como amicus curiae, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) a organização não-governamental (ONG) Católicas pelo Direito de Decidir e outras. Tais instituições, contudo, tiveram seu pedido negado pelo ministro-relator.

 

O cenário mudou quando o então procurador-geral da República, Claudio Fonteles requisitou a realização de audiências públicas. O ministro Marco Aurélio convoca, então, três audiências para discutir o tema, ocorrendo em 26 e 28 de agosto e 4 de setembro de 2008, onde os argumentos de diversas instituições e especialistas puderam ser conhecidos.

 

 

Fundamento Jurídico

 

                   Os artigos 124 ao 128 cuidam do aborto no Código Penal. Condenam essa prática em todas as situações, com exceção daquelas descritas nos incisos do 128, a saber: (I) “se não há outro meio de salvar a vida da gestante” e (II) “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal”. (DELMANTO, 2000, p. 248)

 

     O objeto jurídico deste crime é a preservação da vida humana, do feto que está por nascer e da gestante nos casos de aborto realizados por terceiros. Pode-se ver que este tipo busca a preservação da vida e da saúde, bens jurídicos muito valiosos, respeitando o exposto na Constituição no caput artigos 5º e 6º respectivamente.

 

                   Já a antecipação terapêutica do parto, procedimento dominado pela medicina e totalmente seguro para a gestante, surge como meio de preservá-la, seja física ou psicologicamente. Com relação à anencefalia, prelecionam BARROSO et al que

 

Uma vez diagnosticada […], não há nada que a ciência médica possa fazer quanto ao feto inviável. O mesmo, todavia, não ocorre com relação ao quadro clínico da gestante. A permanência do feto anômalo no útero da mãe é potencialmente perigosa, podendo gerar danos a saúde da restante e até perigo de vida, em razão do alto índice de óbitos intra-útero desses fetos. (2004, p.5)

                  

Com isso, vêem-se os riscos que a gestante corre levando adiante tal gravidez infrutífera. Dessa forma, constata-se a necessidade de salvaguardar a dignidade da gestante e sua saúde, conforme expresso nos artigos 1º, III, bem como o já citado 6º e o 196. Vale lembrar que a dignidade da pessoa humana é um princípio que permeia toda a Constituição e, por conseguinte, nosso ordenamento. Destarte, a antecipação terapêutica do parto surge como meio de efetivar as garantias constitucionais.

 

                   Vale apontar que realizar antecipação terapêutica do parto não é apenas um direito da mulher, mas um dever do Estado, em consonância com o disposto no artigo 196: “a saúde é direito de todos e dever do Estado […]”. (ABREU FILHO, 2007, p. 89)

 

                   O direito à vida do feto, não será violando visto que está comprovada a inviabilidade de sua vida extra-uterina[1]. Por isso, estão desqualificados os argumentos que a antecipação terapêutica do parto agride o direito fundamentalíssimo à vida do nacituro. O que se faz é, pelo contrário, assegurar a vida à gestante, reduzindo os riscos com complicações decorrentes do parto.

 

                   Por fim, faz-se mister destacar que o Brasil é um estado laico e, conforme extrai-se da Lex Magna, em seu artigo 19:

 

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-las, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

[…] (ABREU FILHO, 2007, p. 23)

    

Daí extrai-se que perdem o seu fundamento, também, qualquer tipo de argumentação baseada na fé e/ou religião, uma vez que o importante é o direito posto e não qualquer tipo opinião.

 

 

Conclusões

 

                   Conforme visto, a antecipação terapêutica do parto é um processo sem riscos, salutar e legal. Assim, além de um direito da mulher é um dever do Estado facilitar os meios de acesso a tal procedimento de saúde. Posto isso, considero inconstitucional a interpretação dos artigos 124, 126 e 128, I e II, para os casos de antecipação terapêutica do parto.

 

 

REFERÊNCIAS

 

ABREU FILHO, Nylson Paim (Org.), Constituição federal, código penal e código de processo penal. 6. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007.

BARROSO, Luis Roberto et al. Petição inicial ADPF 54. 2004. Disponível em <http://www.stf.gov.br/portal/geral/verPdfPaginado.asp?id=181767&

tipo=TP&descricao=ADPF%2F54>. Acesso em 7 set. 2008.

DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. 5. ed. atual e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.

GAZETA DO POVO. Em audiência no STF, médicos garantem que anencéfalo não sobrevive. Gazeta do povo. 2008. Disponível em: <http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1

&id=802938&tit=Em-audiencia-no-STF-medicos-garantem-que-anencefalo-nao-sobrevive>. Acesso em 7 set. 2008.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008

REVISTA CONSULTOR JURÍDICO. Aborto em pauta: audiência sobre fetos sem cérebro será no final de agosto. Consultor Jurídico. 2008. Disponível em <http://www.conjur.com.br/static/text/69153,1>. Acesso em 7 set. 2008

STF. Argüição de descumprimento de preceito fundamental 54. 2008. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/arquivo/cms/processo

AudienciaPublicaAdpf54/anexo/adpf54audiencia.pdf>. Acesso em 7 set. 2008.



[1] Os médicos garantem que a anencefalia é 100% letal e que os casos veiculados na mídia de crianças anencefálicas que viveram mais de um ano são de bebês não portadores de tal anomalia.

Como citar e referenciar este artigo:
INVESTIDURA,. Parecer Sobre a Antecipação Terapêutica do Parto de Fetos Anencéfalos – ADPF 54. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/direito-penal-estudodecaso/parecer-sobre-a-antecipacao-terapeutica-do-parto-de-fetos-anencefalos-adpf-54/ Acesso em: 28 mar. 2024