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Parecer: Cabimento de ações judiciais para reparar os danos causados pelas desvalorizações de ações na Bolsa de Valores

Parecer: Cabimento de ações judiciais para reparar os danos causados pelas desvalorizações de ações na Bolsa de Valores

 

 

Sergio Wainstock*

 

 

 

 

Foi publicado recentemente a notícia de que o escritório de advocacia norte-americano Howard G. Smith entrou com uma ação em benefício de todas as pessoas que compraram American Depositary Receipts (ADRs) ou ações ordinárias da Sadia entre 1º de maio e 26 de setembro, buscando reparação dos seus prejuízos.

 

De acordo com comunicado distribuído pelo referido escritório, a ação foi protocolada na Corte Distrital Sul de Nova York. Os advogados alegam que a Sadia informou erroneamente os investidores sobre a natureza de seus negócios e sobre a sua situação financeira, violando leis federais que regulam os mercados nos EUA.

 

Acrescentaram, também, que esta é a segunda ação movida no país contra a Sadia, após a empresa ter registrado perdas de mais de 700 milhões de reais, devido a operações financeiras com derivativos cambiais. Na semana passada um fundo de pensão norte-americano já havia entrado com um processo contra a empresa brasileira.

 

O escritório Howard G. Smith fundamentou a ação alegando que as informações divulgadas pela Sadia não correspondiam à realidade da empresa e “inflaram artificialmente os valores de suas ações”.

 

Algumas das empresas especuladoras que agiram no limite da responsabilidade, são, além da Sadia Alimentos, também a Aracruz Celulose. Analistas de mercado suspeitam que existam muitas outras empresas exportadoras que igualmente atuavam de forma irresponsável no mercado futuro de moedas.

 

A Sadia e a Aracruz acusaram o golpe porque têm ações em bolsas (Nova York e SP) e caso não o fizessem poderiam sofrer graves sanções do órgãos que cuidam dos interesses dos investidores.

 

Entendem alguns especialistas que essa especulação foi estimulada pelo Banco Central e trouxe um custo incalculável para o país. Ao longo de anos, grandes empresas exportadoras driblaram a depreciação do real através de operações casadas com o dólar futuro. O próprio BC estimulou essa prática através dos leilões do chamado ‘swap reverso’. Foi um cala-boca que garantiu o lucro do mercado, o lucro das grandes companhias exportadoras, um custo bilionário para o Tesouro e o aumento da vulnerabilidade externa brasileira.

 

De fato, as empresas foram imprudentes até o limite, não se excluindo, certamente, também a imprudência do próprio Banco Central do Brasil.

 

A imprudência se deve, especialmente, à especulação irresponsável da Aracruz, por exemplo, que jogou suas reservas em dólar para bem além da sua capacidade de exportação.

 

Esse é o ponto. Apostar com reservas que resultam de operações comerciais, em princípio, não tem mal algum, trata-se de um mecanismo de proteção cambial lícito e recomendável. Mas a Aracruz apostou além da sua capacidade comercial-operacional de exportadora que é. Apostou muito acima das suas receitas correntes do comércio externo de seus produtos – papel e celulose. E perdeu.

 

A Aracruz perdeu R$ 1,95 bilhão e a Sadia perdeu outros R$ 760 milhões. Total da brincadeira de cassino: R$ 2,71 bilhões. Como o mercado externo agora se fecha, tendo em vista a crise internacional de crédito, os empresários-apostadores da Aracruz e da Sadia estão em apuros para fazer caixa e saldar seus compromissos correntes. Resultado: insolvência e possível quebra, logo mais adiante, dependendo da extensão e da duração da crise internacional.

 

A Aracruz não deu maiores explicações sobre a barbeiragem corporativa que cometeu, limitando-se a informar que “contratou assessoria especializada para a realização de auditoria específica” e “verificar se foram observadas suas políticas internas”.

 

O que revela – para espanto de todos nós – um quase absoluto descontrole gerencial da sua própria atividade, uma vez que só agora vai “verificar se foram observadas suas políticas internas”.

 

O que se viu foi que os administradores de tais empresas fizeram o que se chama de gestão temerária, brincando de investir recursos de investidores do mercado de capitais em uma atividade produtiva que, financeiramente, cometeu erros grosseiros de avaliação conjuntural e perspectiva de limites no próprio modelo a qual se insere.

 

Na verdade, sabe-se que a perda patrimonial decorrente do investimento mal equacionado não pode gerar ao acionista ação contra a empresa ou contra seus administradores, pois aquele que aplica recursos no mercado acionário deve suportar o risco do investimento, na medida de sua participação. Ao optar por tal investimento, o acionista assume o risco até mesmo de perder todo o seu capital.

 

De fato, a obrigação do administrador, neste caso, é apenas de meio, pois, se assim não fosse, todo o mecanismo do capital de risco ficaria descaracterizado. Sua obrigação principal consiste na administração dos recursos a ele confiados com a diligência que se pode esperar do administrador médio. Não se pode responsabilizá-lo por mera oscilação de mercado.

 

Entretanto, se restar comprovada a culpa ou o dolo da empresa, entendemos que a sua responsabilidade não se elide; que não pode ela exonerar-se de sua responsabilidade.

 

Nesta hipótese, resta claro que a empresa deve responder perante o acionista pela lesão a que lhe der causa. A responsabilidade, neste caso, é contratual, razão pela qual se rege pelo princípio da boa-fé objetiva.

 

E, além do mais, a princípio não deve ser afastada qualquer tentativa de caracterizar como relação de consumo a existente entre os acionistas e a empresa/administrador.

 

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor, define relação de consumo como a existente entre consumidor e fornecedor. Por consumidor, devemos adotar o que prescreve o referido diploma em seu artigo 2º – é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza o produto ou serviço como destinatário final. Fornecedor é aquela pessoa física ou jurídica, nacional ou não, que desenvolva atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, nos quais se incluem os bancários e financeiros, nos termos do artigo 3º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

 

Ora, se a lei não impõe óbice à incidência das normas de defesa do consumidor nas relações onde o montante de recursos é elevado, são plenamente aplicáveis aos acionistas o Código de Defesa do Consumidor.

 

Assim sendo, a responsabilidade a que se sujeita a empresa, neste caso, é a objetiva. Ocorre, assim, inversão do ônus da prova, não precisando o acionista produzir provas de ter a empresa, por seus administradores, tenham agido com culpa, só podendo ser excluída a responsabilidade da empresa nas hipóteses do § 3º do art.12 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. A empresa, portanto, será responsabilizado, independente de

 

culpa, por danos causados em virtude de prestação de serviços defeituosa, por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos, considerando que a empresa estava especulando além de sua capacidade, no mercado futuro de câmbio ou em derivativos, como acabou reconhecendo.

 

A gestão fraudulenta pode ser tida como o recurso a qualquer tipo de ardil, sutileza ou astúcia hábil a dissimular o real objetivo de um ato ou negócio, com o que se busca ludibriar as autoridades monetárias, ou mesmo as autoridades que fiscalizam o cumprimento das regras do mercado de capitais; ou ainda, com aqueles com quem mantém algum tipo de relação jurídica como os analistas de mercado, corretores e finalmente os acionistas.

 

Quando do julgamento do HC nº 500.038-CE (Rel. Juiz José Delgado, DOE 03/02/90). Comentando o dispositivo análogo contido na Lei dos Crimes contra a Economia Popular (art. 3º, inc. IX), assenta Paschoal MANTECCA que “a gestão temerária traduz-se pela impetuosidade com que são conduzidos os negócios, o que aumenta o risco de que as atividades empresariais terminem por causar prejuízos a terceiros, ou por malversar o dinheiro empregado na sociedade infratora.” (1985, p. 41).

 

A princípio – como anteriormente já se mencionou – consigne-se que o risco é algo absolutamente normal, e até necessário dentro de uma gestão ativa de uma empresa aberta, com ações na Bolsa de Valores. O jogo de mercado e a natureza dos produtos exige desenvoltura e perspicácia, como numa aposta em que se pode, legitimamente, ganhar ou perder. Mas, o que deve ser observado, todavia, é que as empresas, em sua totalidade, não trabalham com dinheiro próprio, mas com o dinheiro dos acionistas.

 

A empresa está, em realidade, submetida a certos limites de atuação na gestão do patrimônio alheio. O risco, assim, é válido e plenamente aceitável enquanto subscrito à normalidade de um investimento ou no fechamento de uma negociação de uma mercadoria, devendo-se considerar a exigência do nível de cautela, não sob a ótica do homem comum (homo medium), mas sim sob a ótica de competentes especialistas.

 

Isso significa que não se pode punir por gestão temerária, por exemplo, no caso de a empresa sofrer perdas por causa de um investimento que não deu certo ou não ocorreu o resultado esperado. Mas, a situação se inverte, totalmente, caso fique comprovada a inobservância aos requisitos básicos supra-referidos, hipótese na qual se venha a comprovar que o fracasso da operação decorreu de um grande e desnecessário risco.

 

 

* Consultor Jurídico

 

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Como citar e referenciar este artigo:
WAINSTOCK, Sergio. Parecer: Cabimento de ações judiciais para reparar os danos causados pelas desvalorizações de ações na Bolsa de Valores. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/estudodecaso/consumidor/parecer-cabimento-de-acoes-judiciais-para-reparar-os-danos-causados-pelas-desvalorizacoes-de-acoes-na-bolsa-de-valores/ Acesso em: 29 mar. 2024