Direito Constitucional

Federações desejadas

Resumo:

A validação pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da lei que aprovou a criação das federações partidárias tem dividido opiniões no Brasil. De um lado, há quem defenda o mecanismo pode diminuir a fragmentação partidária, além de fortalecer o sistema político nacional. Do outro lado, analistas apontam que a iniciativa foi como os legisladores encontraram, para ressuscitar as coligações[1] proporcionais que foram extintas desde 2017, beneficiando os partidos federados.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Eleitoral. Eleições. Federações partidárias. Partidos Políticos.

O Supremo Tribunal Federal decidiu pela validação das federações partidárias nas eleições. Por dez votos a um[2], decidiu o Plenário a manter a validade da lei[3] que prevê as federações partidárias, onde a união de partidos que devem atuar de modo unificado por no mínimo de quatro anos.

A Suprema Corte julgou uma ação apresentada pelo PTB sobre o tema e, argumentava que as federações representam uma reedição das coligações, que acabaram por decisão do Congresso Nacional.

Nessa mesma ação, o PT realizou pedido para que o prazo de formação de federação se estenda até cinco de agosto do corrente ano. Os ministros do STF decidiram por seis votos a quatro, que as legendas terão até 31 de maio para formar as referidas federações no corrente ano. E, para as próximas eleições, o referido prazo será de seis meses antes do pleito eleitoral.

Lembremos que a lei autorizadora de criação de federações partidárias foi aprovada pelo Congresso Nacional, vetada pelo Presidente da República e, restaurada pelos parlamentares em 2021. As federações valerão pela primeira vez em disputa eleitoral e, permitem que dois ou mais partidos se unam, funcionando como se fossem uma única legenda.

As federações foram instituídas pela Lei nº 14.208/21, que alterou a Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95) e a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/97). A lei definiu os critérios para a atuação conjunta das agremiações. Na esfera eleitoral, a figura da federação partidária é regulamentada pela Resolução[4] TSE nº 23.670, aprovada pelo Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na sessão de 14 de dezembro de 2021.

Para as federações serem registradas conjuntamente pela Justiça Eleitoral[5], as legendas devem antes constituir uma associação que deverá ser registrada em Cartório de Registro Civil de pessoas jurídicas, com aprovação absoluta de órgãos regulatórios.

Após o julgamento no STF, o prazo para registro das federações foi estendido até 31 de maio[6]. A união das siglas será celebrada por prazo indeterminado, com cada uma conservando seu nome, número, filiados e o acesso ao fundo partidário ou fundo eleitoral. Importante lembrar que caso um partido deixar a federação, não poderá ingressar em outra e também não poderá fazer coligação nas duas eleições seguintes.

E, ficará proibido de utilizar o fundo partidário até a data prevista para o fim da federação. A exceção acontece apenas em caso de os partidos da federação se fundam ou porque uma das legendas irá incorporar as demais.

Já as coligações poderão ser articuladas apenas para as eleições majoritárias, ou seja, para apoiarem candidaturas à Presidência da República, aos governos estaduais e ao Senado Federal. Essa será a primeira vez das eleições gerais com a nova regra.

Em dezembro de 2021, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou resolução específica sobre o funcionamento das federações, seguindo os mesmos preceitos já aprovados pelo Congresso Nacional na legislação.

Entre os pontos de destaque, o Plenário aprovou que as prestações de contas dos candidatos apoiados por federações devem ser feitas individualmente por cada partido que a compõe. Ou seja, o partido continuará fazendo sua prestação de contas apresentando os recursos arrecadados e os gastos efetuados com o seu candidato filiado.

Importante frisar as diferenças[7] entre coligações eleitorais e federações eleitorais. As coligações têm natureza eleitoral, são efêmeras e se extinguem após as eleições. Os partidos ainda podem se coligar para lançar candidatos nas eleições majoritárias: para prefeito, governador, senador e Presidente da República.

Nas eleições proporcionais (vereador, deputado estadual, deputado distrital e deputado federal), não há possibilidade de coligação.

Os partidos que quiserem se unir antes da eleição devem formar federações. As federações têm natureza permanente e são formadas por partidos que têm afinidade programática e duram pelo menos os quatro anos do mandato.

Se algum partido deixar a federação antes desse prazo, sofre punições, tais como a proibição de utilização dos recursos do Fundo Partidário pelo período remanescente.

Federações devem ter abrangência nacional, o que também as diferenciam do regime de coligações, que têm alcance estadual e podem variar de um Estado para outro. Federações são equiparadas a partidos políticos e, estas podem, inclusive, celebrar coligações majoritárias com outros partidos políticos, mas não os partidos integrantes de forma isolada.

A lei prevê que todas as questões de fidelidade partidária que se aplicam a um partido se aplicam também à federação — o que significa que, se um parlamentar deixar um partido que integra uma federação, ele estará sujeito às regras de fidelidade partidária que se aplicam a um partido político[8] qualquer.

Conforme já positivado no ordenamento jurídico partidário-eleitoral brasileiro, o Tribunal Superior eleitoral (TSE) detém poder normativo e poderá regulamentar (via resolução) a lei recém-aprovada ou responder a consultas formuladas por autoridades federais sobre a interpretação correta de um ponto ou outro.

Além disso, uma revisão da legislação poderá ser feita pelo Congresso Nacional após o pleito de 2022, com validade para os pleitos seguintes, aperfeiçoando um ponto ou outro.

As coligações em eleições proporcionais, foram extintas pela Emenda Constitucional nº 97, de 2017, pois dificultavam para o eleitor aferir o alcance do seu voto. Ao votar em um candidato, por causa dos mecanismos de transferência de votos do sistema proporcional, poderia ajudar a eleger um outro candidato de outro partido que tinha perfil ideológico totalmente diferente daquele que tinha escolhido, já que as coligações podiam unir partidos ideologicamente diferentes.

O pluralismo partidário brasileiro sempre chamou a atenção e tem sido objeto de estudo há muito tempo. O movimento de expansão dos partidos teve início com a redemocratização, pois as ideias políticas, outrora agasalhada em apenas dois partidos, a saber: MDB[9] e Arena[10], foram aos poucos se espalhando em novas legendas. Ideologicamente, não faz sentido que haja uma gama tão grande de opções. O grande número de partidos igualmente trouxe efeitos maléficos indesejados.

Com mais legendas representadas no Congresso Nacional, ficou cada vez mais complexa a tarefa de os governos formarem suas bases de apoio para aprovação de pautas vencedoras na eleição presidencial. Portanto, a racionalização do sistema eleitoral e a diminuição do número de legendas passou a ser também uma demanda da governabilidade.

Referências

CNN Brasil. Eleições 2022. STF valida federações partidárias e estende prazo de registro até maio. Disponível em:  https://www.cnnbrasil.com.br/politica/stf-federacoes-partidarias/ Acesso em 13.02.2022.

GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 17ª edição. São Paulo: Atlas; Rio de Janeiro: Grupo Gen, 2021.

MONTEIRO, Renata. Federações partidárias se tornam realidade, mas estão longe de ser consenso entre analistas políticas. Disponível em:  https://jc.ne10.uol.com.br/politica/2022/02/14945765-federacoes-partidarias-se-tornam-realidade-mas-estao-longe-de-ser-consenso-entre-analistas-politicos.html Acesso em 13.02.2022.

LUCON, Paulo Henrique dos Santos; VIGLIAR, José Marcelo Menezes. Código Eleitoral Interpretado. São Paulo: Editora Atlas, 2013.

PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Constitucional Descomplicado. 14ª edição. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

Tribunal Superior Eleitoral. (TSE) Eleições 2022: entenda as principais diferenças entre federações partidárias e coligações.

Disponível em:  https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2022/Janeiro/eleicoes-2022-entenda-as-principais-diferencas-entre-federacoes-partidarias-e-coligacoes Acesso em: 13.02.2022.



[1] A coligação partidária é consórcio de partidos políticos formado com o fim de atuação conjunta e cooperativa em disputa eleitoral. Contava com expressa previsão na CFRB/1988, em face da EC 97/2017. O que só permitia a realização de coligação para eleições majoritárias (Presidente da República, Governador de Estado ou do DF, Prefeito municipal e Senador). Veda, por outro lado, a coligação para eleições proporcionais (deputado federal, distrital e vereador), mas tal vedação só se aplicou a partir das eleições de 2020.

[2] Registre-se que o Ministro Nunes Marques representou uma voz isolada, exarada através de um voto longo e confuso, votou contra. Afirmou que a Constituição Federal vigente não prevê as federações partidárias. E, ainda, declarou enxergar vícios de inconstitucionalidade na Lei 14.208. E, não apenas votou contra a cautelar do Ministro Barroso como propôs outra cautelar para suspender a lei que criou as federações.

[3] Lei 14.208, de 28 de setembro de 2021. Disponível em:  https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.208-de-28-de-setembro-de-2021-348249890 Acesso em 09.02.2022.

[4] Segundo a resolução, o funcionamento da federação não depende da criação de órgãos próprios nos estados, no Distrito Federal e nos municípios. Basta que exista, na localidade, órgão partidário de qualquer uma das legendas federadas. Tanto a manutenção quanto o funcionamento da federação serão custeados pelos partidos, que poderão utilizar verbas do Fundo Partidário para essa finalidade, desde que não integrem parcela cuja aplicação seja vinculada por lei. A prestação de contas da entidade corresponderá a apresentada pelas agremiações em todos os níveis de direção partidária. A regularidade dos gastos em favor da federação será verificada na documentação entregue pelo partido político que efetuou a despesa.

[5] A Justiça Eleitoral desempenha quatro funções: jurisdicional, administrativa, legislativa (normativa) e consultiva. Em relação à função jurisdicional impera o princípio da demanda, em que o Juiz decide dentro dos limites em que a tutela jurisdicional foi postulada. Exemplos: decisões que impõem multa pela realização de programa eleitoral ilícita, que decretem inelegibilidade na ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), que cassem o registro ou diploma das ações fundadas nos art.30-A, 41-A e 73 da lei 9504/97. No âmbito administrativo, a Justiça Eleitoral cumpre função fundamental, uma vez que prepara, organiza e administra todo o processo eleitoral. É, ainda, atribuição da Justiça Eleitoral o alistamento de eleitor, a nomeação de mesários, a revisão de eleitorado, a designação dos locais de votação, a criação e extinção de seções e zonas eleitorais, dentre outras atividades de cunho administrativo. Dentre as atividades administrativas da Justiça Eleitoral, destaca-se o poder de polícia. De acordo com o art. 41, §1º da Lei nº 9.504/97 aos juízes eleitorais cabe o combate à propaganda irregular. A função normativa ou legislativa está prevista em duas normas do Código Eleitoral: art. 1°, parágrafo único, e art. 23, inciso IX. As instruções e demais deliberações de caráter normativo do TSE são veiculadas em resoluções, que podem ter caráter temporário ou não. As resoluções expedidas pelo TSE ostentam força de lei, pois detém a mesma eficácia geral e abstrata atribuída as leis. A Justiça Eleitoral também possui a função consultiva, que tem a finalidade de esclarecer dúvidas e prevenir litígios. Esta é uma peculiaridade que decorre do art. 23, XII, e do art. 30, VIII, do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65). De acordo com o art. 23, XII, compete, privativamente, ao TSE responder, sobre matéria eleitoral, às consultas que lhe forem feitas em tese por autoridade com jurisdição, federal ou órgão nacional de partido político. A consultas dirigidas ao TSE devem ser formuladas por autoridades públicas federais ou órgão nacional do partido político.

[6] O Plenário do STF decidiu em 09.02.2022 por nove votos a um validar as federações partidárias. E, por um placar menor, de 5 votos a quatro, a maioria dos ministros estabeleceu o prazo de 31 de maio para que as federações obtenham o registro de seu estatual junto ao tribunal Superior Eleitoral (TSE).

[7] A principal diferença entre coligações e federações é o caráter mais permanente das segundas. As alianças firmadas em coligações valem apenas até a eleição, podendo ser desfeitas logo em seguida. Já as federações devem durar até o fim do mandato da candidatura em questão, ou seja, ao menos quatro anos. Em questão de direitos e deveres, as federações se equiparam a partidos políticos. Portanto, devem ter um estatuto próprio, com regras sobre fidelidade partidária e sanções a parlamentares que não cumprirem orientação de votação, por exemplo. Desta forma, as punições que se aplicam aos partidos políticos também valem para federações. Se algum partido integrante da federação deixar o grupo antes do prazo mínimo de quatro anos estará sujeito a diversas sanções, como por exemplo, a proibição da utilização dos recursos do Fundo Partidário.

[8] Compreende-se, de acordo com José Jairo Gomes, por partido político a entidade formada pela livre associação de pessoas, com organização estável, cujas finalidades são alcançar e/ou manter de maneira legítima o poder político-estatal e assegurar, no interesse do regime democrático de direito, a autenticidade do sistema representativo, a alternância no exercício do poder político, o regular funcionamento do governo e das instituições, políticas, bem como a implementação dos direitos humanos fundamentais.

[9] MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO (MDB) Partido político de âmbito nacional, de oposição ao governo, fundado em 24 de março de 1966 dentro do sistema do bipartidarismo instaurado no país após a edição do Ato Institucional nº 2 (27/10/1965), que extinguiu os partidos existentes, e do Ato Complementar nº 4, que estabeleceu as condições para a formação de novos partidos. Desapareceu em 29 de novembro do 1979, quando o Congresso, decretou o fim do bipartidarismo e abriu espaço para a reorganização de um novo sistema multipartidário. O MDB organizou-se como uma frente oposicionista ao governo federal reunindo parlamentares que se opuseram ao movimento militar de 1964 e que, sobretudo, discordavam dos rumos que os militares no poder imprimiam à condução da política nacional. Com base no ano de 1979, verifica-se que de sua bancada de 189 deputados na Câmara Federal, 36 eram provenientes do antigo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), 37 do Partido Social Democrático (PSD) — contra 60 da Aliança Renovadora Nacional (Arena) —, 13 da União Democrática Nacional (UDN) — contra 70 da Arena — e oito do Partido Democrata Cristão (PDC) — 14 foram para a Arena. Deste ponto de vista, a composição do MDB diferenciava-se da Arena principalmente pela acentuada adesão de ex-petebistas, lembrando que apenas 15 se filiaram à Arena, a qual, em contraste, contou com a filiação majoritária de ex-udenistas. “Tanto quanto a Arena, esteve o MDB durante todo o período sujeito às leis de exceção vigentes, que incluíam enormes restrições ao funcionamento autônomo do Congresso Nacional e durante a maior parte do período impuseram limitações severas à propaganda política. Diferentemente, no entanto, da Arena, que funcionou como partido de sustentação político-parlamentar do Executivo, defendendo-o exacerbadamente, o MDB, captando o sentimento oposicionista, levou o Congresso a exercer o papel de caixa de ressonância da insatisfação popular”. Olavo Brasil de Lima Júnior

[10] A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) foi partido político brasileiro criado em 1965 com o fim de dar maior sustentação política à ditadura militar instituída a partir do golpe de Estado no Brasil em 1964. Era um partido político predominantemente conservador e, sua criação ocorreu pelo Ato Institucional 2 de 1965 e do Ato Complementar 4 de 1965. Ambos foram baixados pelo regime militar e terminaram com pluripartidarismo existente no Brasil. A ARENA foi rebatizada Partido Democrático Social (PDS). Mais tarde, um grupo de políticos do PDS abandonou o partido e formou a “Frente Liberal”, a qual, depois, tornou-se o Partido da Frente Liberal (PFL), atual DEM. O PDS, posteriormente, fundiu-se com o Partido Democrata Cristão (PDC), formando o Partido Progressista Renovador (PPR), que se fundiu com o Partido Progressista (PP), formando o Partido Progressista Brasileiro (PPB), que hoje se chama Progressistas (PP).

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Federações desejadas. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/doutrina/direito-constitucional/federacoes-desejadas/ Acesso em: 20 abr. 2024