Filosofia

Ser moderno e modernidades

Resumo:

Para a Filosofia moderna ser moderno é, essencialmente, voltar-se ao humanismo que foi iniciado no Renascentismo e, enfatizou a incondicional valoração da razão à luz do ceticismo e pela descoberta de que o ser humano independe de instâncias metafísicas, tal como Deus, para descobrir seu intelecto. O sujeito moderno se define como protagonista da sociedade,

Palavras-Chave: Modernidade. Moderno. Filosofia. Arte. Semana da Arte de 1922.

Discutir conceitos e diferenças entre ser moderno, modernidade[1] e modernismos que são acepções fundamentais para se entender as propostas de Mário de Andrade e Almada Negreiros. De todo jeito, tais conceitos partem da ideia de que a modernização e as possibilidades de subjetividade que surgem a partir desta são a expressão intempestiva de um processo único que se expande continuamente.

Na obra intitulada “O discurso filosófico da modernidade”[2] de Habermas (1985) explica que a ideia de modernidade como unívoco processo e contínuo a relaciona intimamente com o conceito de racionalismo ocidental desenvolvido por Max Weber: “não foi apenas a profanização da cultura ocidental que Max Weber descreveu do ponto de vista da racionalização, foi sobretudo o desenvolvimento das sociedades modernas”.

A transformação do cotidiano passa a ser transformado pela racionalização social e cultural, sendo responsável por dissolver as formas tradicionais de organizações humanas. E, no lugar destas identidades que se baseavam nas funções laborais exercidas nas sociedades tradicionais, surgem novos modelos de socialização formadores de subjetividades e identidades abstratas do eu, proporcionando assim um noção de individualização do corpo social.

A relação entre modernidade e racionalismo ocidental estabelece o conceito de modernidade como um conceito de época: os novos tempos são os tempos modernos. A separação entre a Idade Média e a Idade Moderna se faz conforme os eventos marcantes na história europeia, como a Reforma Protestante, a descoberta do Novo Mundo e o Iluminismo.

A referida cisão temporal que coloca a Idade Moderna como novos tempos, e cria a representação da histórico como processo homogêneo. A Idade Moderna confere a todo o passado uma qualidade de história universal (…) o diagnóstico dos novos tempos e a análise das eras passadas estão em mútua relação.

E, ainda, a separação localizada a partir do Iluminismo não opera apenas o movimento de criar um novo paradigma de organização sociopolítica, mas está ligada à ideia de que a modernidade é prosseguimento natural da evolução histórica linear.

A noção de que a modernidade é a expressão do racionalismo ocidental, deu-se a contingência da universalização da cultura eurocêntrica como evento natural do desencadeamento histórico, o que cria uma lógica de superioridade cultural que mascara a possibilidade de se pensar a modernidade enquanto uma complexa e heterogênea dinâmica geopolítica. Mais do estabelecer uma complexa e heterogênea dinâmica geopolítico. Assim, mais do que fixar a diferença etimológica entre esses conceitos-chave para se pensar a produção estética modernista de Mário de Andrade[3] e Almada Negreiros.

Há um entrave epistêmico comum em trabalhos que discutem o chamado modernismo periférico, a ideia de atraso ou a de que a produção modernista em determinados espaços geopolíticos, se configura como aplicação de um discurso tecnicamente inovador e gerado em locais onde experimentava-se uma autoconsciência histórica de uma viragem de época, posto a serviço de uma temática nacional em países periféricos.

As propostas modernistas elaboradas por Mário de Andrade e Almada Negreiros[4] em suas relações específicas com amplo e complexo campo cultural. A partir de historicização dos conceitos de perspectiva e de moderno, a fim de demonstrar como, em diferentes momentos históricos, propostas estéticas foram utilizadas por diferentes grupos para validar diferentes teses.

A fora isto, esta relação temporal da categoria do novo nas artes pretende relacionar as diferentes propostas estéticas com a noção de autoconsciência de pertencimento a um período de viragem de época, demonstrando, em diferentes momentos, como se operou a relação entre a necessidade da categoria do novo e um determinado entendimento do mundo e da história.

O ensaio sobre a modernidade de autoria de Marshal Berman (1982) intitulado “Tudo que é sólido desmancha no ar”[5], que propõe o argumento de que existe conjunto de experiências, de vida, de tempo e de espaço, de riscos e possibilidades que é compartilhado por todos em todo o planeta. E, tal conjunto de experiência é chamado de modernidade. In litteris: ” Ser moderno é encontrar-se em uma ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor, mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos.

A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: neste sentido, pode-se afirmar que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer de um universo no qual, como disse Marx, “tudo o que é sólido desmancha no ar”. (Berman, 1982)

Enfim, o turbilhão permanente de desintegração e mudança que compõe a vida moderna é formado por conjunto de processos sociais. Entre a vasta lista de grandes descobertas nas ciências físicas, a industrialização da produção, transformações demográficas, expansões urbanas, desenvolvimento de sistemas de comunicação em massa, empoderamento progressivo dos Estados nacionais e movimentos sociais de massa e de nações como eventos propulsionados pelo mercado mundial capitalista que está sempre se expandindo e se apresenta de forma drasticamente flutuante. Berman nomeia tal feixe de processos socioeconômicos de modernização.

Surge, então, o que descreve como incrível variedade de visões e ideias que visam a tornar as pessoas tanto os sujeitos, quanto os objetos da modernização, dar a elas o poder de transformar o mundo que as está constantemente transformando e encontrar um caminho através do turbilhão para torná-lo seu. Berman conceitua modernismo enquanto o conjunto de visões e valores que tornaria os indivíduos sujeitos do processo de modernização, agrupados de forma solta.

O objetivo da obra foi proporcionar um estudo sobre a dialética da modernização e do modernismo. E, nesse sentido, a modernização se refere a um conjunto específico de transformações socioeconômicas geradas a partir de uma lógica de desenvolvimento capitalista.

Modernismo, por sua vez, refere-se ao desenvolvimento de vocabulário específico para traduzir a experiência da modernidade que o antecede. Assim, para Berman, o desenvolvimento e estabilização do sistema capitalista é a condição fundamental para o estabelecimento do modernismo enquanto a estetização das formas de vida.

Perry Anderson publicou artigo intitulado “Modernity and Revolution na New Left Review” que problematiza a abordagem de Marshal Berman em Tudo que é sólido desmancha no ar e, propõe que, contrariamente, à crença de que o modernismo é a resposta cultural à experiência da modernidade entendida enquanto modernização capitalista (social, tecnológica, econômica, etc.), um estado irregular de modernidade é um dos pré-requisitos fundamentais para o desenvolvimento do modernismo.

Ou seja, o modernismo requer uma modernidade que pode ser caracterizada como ainda não realizada totalmente, mas que ainda assim é prometida e promissora. Assim, Perry Anderson começa a sua análise criticando o enquadramento histórico do conceito de modernismo que foi proposto por Berman para erigir seu argumento. Pois, é muito significativo que Berman tenha que reivindicar que a arte do modernismo tenha florescido, esteja florescendo como nunca antes durante o século XX.

Existem, para Anderson, três problemas fundamentais com esta leitura de modernismo. Primeiro, o modernismo enquanto um conjunto específico de proposições estéticas é datado precisamente do século XX. A referida localização histórica do modernismo no século XX, segue lógica de contraste com formas realistas e clássicas dos séculos XIX, XVIII e anteriores.

Assim, praticamente todos os textos literários analisados por Berman para como o seu argumento precederiam o modernismo propriamente dito. O segundo ponto, que se processo enquanto continuação lógica do primeiro, é que, uma vez que se pensa o modernismo como conjunto específico de proposições estéticas, historicamente datado do século XX, pode-se perceber como a sua distribuição geográfico se processou de forma desigual, mesmo pensando-se, especificamente no mundo ocidental.

Cita o caso da Inglaterra como principal exemplo desta heterogênea objetivação modernista. Mesmo, sendo o país pioneiro da industrialização capitalista e líder de mercado mundial por um século, a Inglaterra não produziu nenhum movimento nativo de caráter modernista nas primeiras décadas do século XX.

O caso inglês torna-se ainda mais emblemático quando cogitamos, durante a mesma época, a dinâmica entre a Inglaterra e outros países anglófonos que produziram explosões modernistas, como a Irlanda de James Joyce, ou os EUA de Ezra Pond e T.S. Elliot[6].

Desta forma, não é acidental que o caso inglês seja a grande ausência na análise desenvolvida por Marshall Berman em Tudo que é sólido desmancha no ar. A outra objeção é que o conceito de modernismo proposta não estabelece distinção entre as diferentes tendências estéticas que contrastam entre si e nem d entro da gama de práticas estéticas que compõem as diferentes formas artísticas.

Ao final, para Anderson, Berman não é capaz de fornecer, dentro de seus próprios termos de referência, qualquer explicação da divergência que ele lamenta entre a arte e o pensamento ou teoria e prática da modernidade do século XX.

A hipótese proposta por Anderson para contra as ideias de Berman é, portanto, a de que devemos procurar explicação conjectural para o conjunto de práticas estéticas e doutrinas agrupadas sob o conceito de modernismo. Esta explicação conjectural baseia-se na ideia da modernidade enquanto interseção de diferentes temporalidades históricas.

O modernismo, dessa forma, seria mais bem definido como campo cultural de forças triangulado por três coordenadas decisivas. A primeira, a coordenada histórica seria a codificação de uma academicismo altamente formalizado nas artes visuais e outras artes institucionalizados nos regimes políticos e impregnados na malha social. Tal academicismo era frequentemente dominado por aristocratas e grandes donos de terras.

Essas classes sociais, apesar de não serem mais as classes dominantes economicamente, ainda ditavam os rumos da política e da cultura em diversos países da Europa antes da Primeira Grande Guerra Mundial.

Lembremos que a sociedade europeia até 1914 ainda estava dominada por agraristas ou aristocratas, os dois não eram necessariamente idênticos, como o caso da França deixa evidente, como classes dominantes, em economias nas quais a moderna indústria pesada ainda constituía um supreendentemente pequeno, setor da força laboral ou padrão de saída. (Anderson, 1984).

A segunda coordenada proposta por Anderson é complemento da primeiro e, apesar de incipiente, é essencialmente nova emergência dentro dessas sociedades de tecnologias chave ou invenções da segunda revolução industrial (rádio, automóvel, telefone, avião, etc.) Indústrias de produtos para consumo em massa baseadas nessas novas tecnologias ainda não haviam sido implantadas em nenhum lugar da Europa. Até, 1914, a produção de roupas, móveis, comida permaneciam como os maiores setores empregatícios e de bens finais de consumo.

A derradeira e terceira coordenada do contexto modernista seria a proximidade imaginada de uma possibilidade de revolução social. Formas dinásticas reconhecidas como antigos regimes ainda persistiam por diversos locais da Europa, nos primeiros anos do século XX.

Recordemos que Rússia, Alemanha e Áustria ainda viviam sob a ordem da monarquia imperial. E, a Itália era governada por precária ordem real. O Reino Unido restava ameaçado com uma possibilidade de desintegração regional e guerra civil nos anos precedentes à Primeira Guerra Mundial.

Em nenhum Estado da Europa a democracia burguesa estava completa enquanto forma, ou o movimento operário integrado ou cooptado como força. O possível desfecho revolucionário ou queda da velha ordem era ainda profundamente ambíguo.

Foi a partir destas três coordenadas, Anderson propõe que a persistência desses antigos regimes monárquicos e concomitantes academicismo forneceu um espectro de valores culturais contra os quais formas insurgentes de arte puderam se definir.

E, além, do academicismo conservador serviu como o adversário oficial contra o qual um grande espectro de novas práticas estéticas pode se determinar enquanto sentido de unidade. Ou seja, a tensão existente entre o modernismo e as formas consagradas e canônicas estabelecidas funcionou como ponto constitutivo da definição do modernismo enquanto tal.

Simultaneamente, a ideia da imagem de nova idade da máquina proporcionava poderoso estímulo imaginativo para o surgimento de um determinado tipo de sensibilidade modernista.

Essa nova sensibilidade modernista demonstrava-se patente no cubismo parisiense, no futurismo italiano ou no construtivismo russo. E, em nenhum dos casos houve qualquer tipo de exaltação do capitalismo ou de ideias afinadas com a democracia burguesa herdeira dos ideais iluministas.

A própria imagem promissora de um novo mundo, representado por uma nova idade da máquina moderna, só se tornava possível por um conjunto ainda incipiente e, imprevisível de padrões socioeconômicos que viriam inexoravelmente a se consolidar nas mais diversas localidades.

Noutros termos, ainda não era possível prever para onde essas novas invenções e dispositivos, novas possibilidades de formas de vida, iriam conduzir as sociedades e seus indivíduos. Tal amplitude de possibilidades explica a celebração da vida moderna enquanto instauração do novo tanto pela esquerda quanto pela direita das diferentes vanguardas modernistas, variando ideologicamente na amplitude de Maiakovski[7] a Marinetti[8].

A possível revolução social forneceu também uma faceta apocalíptica para algumas correntes modernistas que se propuseram como rejeição persistente e violenta contra a ordem estabelecida em geral, sendo o expressionismo alemão o exemplo mais significativo desta faceta modernista.

O modernismo europeu teria florescido, nos primeiros anos do século XX, no espaço intermediário entre um passado clássico ainda ressonante, um presente técnico ainda indeterminado e um futuro político ainda imprevisível: surgiu como a interseção entre uma ordem semi-aristocrática, uma economia capitalista semi-industrializada e um movimento operário semi-emergente ou insurgente.

Para a Anderson, diante da emergência da Segunda Guerra mundial destruiu todas as coordenadas históricas relacionáveis ao surgimento de movimentos modernistas, cortando assim a vitalidade desses movimentos na Europa. Depois de 1945, todas as ordens agrárias e aristocráticas ou semi-aristocráticas reconhecidas como antigos regimes estavam, finalmente, terminadas em toda a Europa.

E a democracia burguesa encontrava-se praticamente universalizada enquanto sistema política. E, a partir desta época, o fordismo já se encontrava em ação e o sistema de produção e de consumo em massa passou a ser o tema definitivo a transformar a economia da Europa ocidental e dos Estados Unidos. E, desta forma, não havia mais dúvida sobre o tipo de sociedade que o surgimento de novas formas de tecnologia iria consolidar.

No entanto, mesmo considerando-se que os esquemas de três coordenadas (academicismo, tecnologia e revolução) já se encontrava desfigurado a partir da segunda metade do século XX na Europa, configurações político-sociais caracterizadas pela presença de um academicismo dominante nas artes e na política, pela emergência de tecnologias chave da segunda revolução industrial e pela proximidade imaginada de revoluções sociais ainda prevaleciam em outros lugares do mundo.

Anderson propõe que a presença de oligarquias pré-capitalistas, principalmente, formadas por grandes proprietários rurais, ainda existia enquanto ordem estabelecida em diversos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento (em eterno em desenvolvimento)…

Uma das principais consequências da tese de Anderson é a possibilidade de se quebrar com a ideia de que o modernismo, principalmente, no contexto de países que experimentaram uma emergência tardia de focos modernistas, está necessariamente fora do lugar ou se configura de forma meramente compensatória como uma resposta simbólica para uma modernização inadequada. Este direcionamento epistêmico é indispensável para se pensar tanto o modernismo português quanto o modernismo brasileiro, cada qual dentro de suas particularidades.

Enfim, a tese de Anderson critica a premissa de se considerar a modernidade como uma única linha de superação progressiva da história e fornecer elementos estruturais para uma análise do modernismo a partir de um balanço de forças que se manifestam dentro de um campo cultural complexo.

Mesmo assim, o modelo dos três fatores essenciais para o surgimento do modernismo não leva em consideração as implicações subjetivas do colonialismo como dinâmica fundamental do processo de modernização e, principalmente, de modernização periférica.

Anderson organiza a sua exposição separando o primeiro e o terceiro mundo como dois conjuntos distintos e não relacionados, ignorando, dessa forma, a dinâmica global de condições para o surgimento das vanguardas. Esse divórcio cultural modernista em dois conjuntos que não se tangenciam e negligencia a vertente cosmopolita da interação cultural perpetrada por intelectuais provenientes de países periféricos.

A própria dinâmica das vanguardas estava intimamente ligada com a ideia de instabilidade nas formas de organização social. A espera da constante ruptura com as formas tradicionais de interação social, e a busca por novas formas de se perceber e representar o mundo, apresentaram-se como condição fundamental para propostas estéticas que se baseavam numa ideia de novo como categoria fundamental.

A ideia de revoluções, que atualizariam as formas de vida para colocá-las a par com a modernidade que se esperava cada vez mais vivenciar, está profundamente conectada com o mito palingenético, fundamental na formação da subjetividade modernista.

A autoconsciência histórica de pertencimento a uma época de viragem cultural necessitava de uma indefinição sobre as consequências do novo para o futuro, viver na alvorada dos tempos significava uma indefinição sobre o que esse presente, dirigido para o futuro e que rompia com um determinado passado, iria trazer.

Essa relação entre modernismo e instabilidade política explica também a afinidade entre diferentes correntes modernistas e ideias antidemocráticas, anti-iluministas e antirracionalistas ao longo do século XX< nos momentos de crise do capitalismo enquanto forma de organização sociopolítica.

Na obra intitulada Avant-Garde Fascism: the mobilization of myth, art and culture in France, 1909-1939, de Mark Antliff (2007), em concordância com os argumentos de Homi Bhabha, propõe que tanto o surgimento dos fascismo (no caso específico do continente europeu) quanto das diferentes estéticas modernistas que compõem a problemática central no desenvolvimento da modernidade.

Desta forma, o desenvolvimento da modernidade e das formas de representar uma autoconsciência de pertencimento a esta enquanto período de viragem cultural, no campo artístico quanto no campo político, não estaria ligado à estabilização do capitalismo como pensava Berman, mas justamente às ameaças de desestabilização do capitalismo na qualidade de sistema organizador de identidades modernas.

Antliff definiu a modernidade como conjunto de transformações socioeconômicas da Europa e do mundo que se seguiram à revolução industrial dos séculos XVIII e XIX, o nascimento das democracias no despertar do Iluminismo e da Revolução Francesa de 1789 e, a subsequente globalização do capitalismo. E, neste sentido, tanto os grupos que preconizavam uma nova política quanto as diferentes estéticas modernistas executaram um papel fundamental na emergência de movimentos anti-iluministas que se opunham às tradições democráticas herdadas do pensamento racionalista na Europa.

Noutras palavras, tanto o surgimento dos fascismo no caos específico do continente europeu quanto o desenvolvimento de diferentes propostas estéticas modernistas estariam ligados a uma busca por valores espirituais e instituições orgânicas capazes de contrabalancear os efeitos considerados corrosivos do capitalismo e das suas heranças racionalistas na malha política e social.

Antliff cita alguns denominadores comuns entre a estética modernista e movimentos críticos à herança iluminista[9] que se desenvolveram na Europa no século XX: técnicas de vanguarda como a montagem, noções de religião secular, primitivismo, teorias anticapitalistas de tempo e espaço, além de conceitos de regeneração cultural, política e biologia ligados a uma autoconsciência histórica do novo.

E, no debate sobre a relação entre fascismo e a técnica vanguardista da montagem, Antliff retoma a hipótese desenvolvida por Walter Benjamin (1936), em seu ensaio A obra de arte na era de reprodutibilidade técnica. Neste texto, Benjamin defendeu o papel emancipatório de novas formas artísticas como a montagem e o cinema em oposição aos modelos estéticos retrógrados baseados na ideia da arte pela arte, que, para o autor, se relacionavam à dinâmica dos fascismos.

Para Benjamin, a montagem cinematográfica significava a emancipação da obra de arte de sua dimensão aurática através da introdução da perfectibilidade como atributo da obra de arte.

Em “O Discurso Filosófico da Modernidade”, Habermas explica que o adjetivo moderno só fora substantivado no século XIX e, tal substantivação aconteceu também no domínio das Belas artes. Daí a associação da palavra modernidade e um significado estético marcado pelas noções de determinadas vanguardas artísticas.

Enfim, para Charles Baudelaire a experiencia estética fundia-se com a experiência histórica da modernidade, e situava a obra de arte na interseção entre atualidade e eternidade.

A modernidade é o transitório, o evanescente, o contingente é a uma metade da arte sendo a outra metade o eterno e o imutável. Na experiência da modernidade de Baudelaire, a atualidade passa a ser a referência de um período que se estende até perder a noção de qualquer tempo de transição.

Segundo Habermas, Baudelaire partiu do resultado da famosa Querela dos Antigos e dos Modernos para formular o seu conceito de belo. E, deslocou o peso dos valores entre o belo relativo e o belo absoluto. Exatamente porque se consome na atualidade é o que pode deter o fluxo regular das trivialidades, romper a normalidade e saciar por um momento, o momento da efêmera fusão do eterno, com o autor, o imortal anseio de beleza.

O deslocamento do resultado da Querela dos Antigos e dos Modernos mostra uma relação com consciências de épocas anteriores, mesmo dentro de uma autoconsciência histórica que opõe a modernidade a ela mesma.

A autoconsciência histórica do romantismo, na linha de continuidade histórica se iniciava na Idade Média e se estendia até a contemporaneidade para fixar a sua identidade. E, segundo Jauss[10] em toda história, o termo “modernidade”, trouxe a autoconsciência do romantismo e contou com extensa vastidão temporal.

Entretanto, no século XIX, o conceito de modernidade sofreu um evolução singular e, desfez-se a correlação entre os conceitos moderno e romântico. E, se anuncia uma diferenciação entre o moderno e romântico, isto é, no momento em que se anuncia nova consciência do moderno que se pretende mais moderna do que o romântico, surge um fato novo nas relações históricas do termo moderno.

Em muitos setores importantes, mudou consideravelmente o tom e substância do discurso sociológico sobre o passado, o presente e o futuro da cultura em geral, sobre as instituições, o conteúdo das aspirações e relações individuais e, também, sobre a matéria e a organização da ciência, da tecnologia e da epistemologia.

Enfim, o discurso da sociedade pós-moderna e, corresponde aos fenômenos de suporte intelectual e social oferecem algum crédito para argumentos de que o mundo de hoje e os prospectos de amanhã estão em contraste radical e, mesmo em assimetria, com o mundo dos últimos séculos e meio.

A modernidade anunciou o fim do sagrado que marcava a pré-modernidade a sacralidade da crença na salvação e o espírito de pertinência e coesão da comunidade.

A partir do cenário iluminista[11] da modernidade, o componente tecnológico desenvolveu-se paralelamente à corrente emancipatória. Durante a segunda revolução industrial e, mais claramente, no início do século XX, sua lógica e ramificações sociais eclipsaram, de modo geral, os impulsos em direção às ambições emancipatórias da modernidade.

Um exemplo emblemático dessa ascendência é a obtenção, por parte das escolas técnicas alemãs, em 1900, do privilégio de oferecer o grau de doutor em ciência e em engenharia.

Isso significou um enorme ganho simbólico para a tecnologia, sua produção industrial e seu modo de vida, em detrimento do sistema universitário filosoficamente orientado de educação superior.

A mensagem da pós-modernidade é definitivamente menos consensual e homogênea do que as descrições e análises da modernidade. Existem numerosas nuances e sutilezas analíticas nos escritos pós-modernos[12]. Há, todavia, concordância quanto a algumas proposições centrais.

Mas, ao mesmo tempo, é possível perceber considerável trabalho desviacionista, a maioria do qual poderia ser considerada, não obstante, como o pensamento de compadres pós-modernos. Ainda mais, umas poucas figuras, comumente consideradas como centrais para a visão pós-moderna[13], estão atualmente sendo reexaminadas e, de fato, estão afastadas dos princípios pós-modernos.

Conclui-se que o modernismo brasileiro não teve seu princípio marcado por uma glória revolucionária ou revolução estética, mas englobou todos os artistas e, também provocou debates, cisões, intrigas, adesões, na melhor dicção de Alceu Amoroso Lima, foi um projeto lacunar, no qual as sintomáticas lacunas foram preenchidas (ou não) por diferentes linguagens, provocando diversidade de estilos e semânticas.

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[1] A modernidade traz uma sensação de angústia constante, pois o indivíduo é confrontado com possibilidades de escolha de novas alternativas sem que saiba qual será o resultado dessas novas formas de viver. Some-se a isso o desenvolvimento do Capitalismo que, ao introduzir um novo valor, a acumulação do Capital, provoca a erosão dos valores tradicionais. Nas sociedades da Antiguidade Clássica, a lealdade, a honestidade e a coragem eram virtudes valorizadas, pois estavam associadas ao ideal guerreiro.

[2] Em “O discurso filosófico da modernidade”, Jürgen Habermas elege Hegel como o filósofo paradigmático da modernidade. Segundo Habermas, a modernidade só se percebe como uma época histórica quando, ignorando o modelo das épocas exemplares do passado, adquire consciência da necessidade de extrair de si mesma suas normas. J. Habermas é discípulo de Escola de Frankfurt, fundada na Alemanha, notadamente, discípulo de T. Adorno. A Escola de Frankfurt é considerada o berço dos estudos de teoria crítica. Fundada em 1924 por iniciativa de Félix Weil, chamada originariamente de “Instituto para a Pesquisa Social”, surgiu para suprir as lacunas das universidades alemãs que eram indiferentes aos estudos dos movimentos trabalhistas de inspiração socialista. Habermas foi um crítico de determinada concepção da modernidade como filósofo ou como sociólogo.

[3] Mário de Andrade (1893-1945) foi um escritor brasileiro. Publicou “Pauliceia Desvairada” o primeiro livro de poemas da primeira fase do Modernismo. Além de poeta, foi romancista, contista, crítico literário, professor e pesquisador de manifestações musicais e excelente folclorista. Mário se interessava por tudo aquilo que dissesse respeito ao seu país e teve papel importante na implantação do Modernismo no Brasil, se tornado a figura mais importante da Geração de 22. Seu romance “Macunaíma” foi sua criação máxima.

[4] José Sobral de Almada Negreiros GOSE (Trindade, São Tomé e Príncipe, 7 de Abril de 1893 — Lisboa, 15 de Junho de 1970) foi um artista multidisciplinar português que se dedicou fundamentalmente às artes plásticas (desenho, pintura, etc.) e à escrita (romance, poesia, ensaio, dramaturgia), ocupando uma posição central na primeira geração de modernistas portugueses. Almada Negreiros é uma figura ímpar no panorama artístico português do século XX. Essencialmente autodidata (não frequentou qualquer escola de ensino artístico), a sua precocidade levou-o a dedicar-se desde muito jovem ao desenho de humor. Mas a notoriedade que adquiriu no início de carreira prende-se acima de tudo com a escrita, interventiva ou literária. Almada teve um papel particularmente ativo na primeira vanguarda modernista, com importante contribuição para a dinâmica do grupo ligado à Revista Orpheu, sendo a sua ação determinante para que essa publicação não se restringisse à área das letras. Aguerrido, polémico, assumiu um papel central na dinâmica do futurismo em Portugal: “Se à introversão de Fernando Pessoa se deve o heroísmo da realização solitária da grande obra que hoje se reconhece, ao ativismo de Almada deve-se a vibração espetacular do «futurismo» português e doutras oportunas intervenções públicas, em que era preciso dar a cara”.

[5] A modernidade se vê a uma enorme ausência e vazio de valores. Cabe lembrar que isto é válido para um contexto ocidental e europeu do século XIX. Segundo Berman, o pensamento ocidental sobre a modernidade é dicotômico, dividindo-se em modernização e modernismo. O primeiro refere-se à infraestrutura (economia e política), enquanto o segundo refere-se à superestrutura (manifestações artísticas e culturais).

[6] Thomas Stearns Eliot (1888-1965) foi poeta, dramaturgo e crítico de língua inglesa, considerado um dos representantes mais importantes do modernismo literário. Recebeu Prêmio Nobel de Literatura de 1948. Estudou filosofia e literatura em Harvard. O primeiro sucesso de Eliot como escritor ocorreu em 1915 com a The Love Song of J. Alfred Prufrock, mas seu reconhecimento internacional ocorreu em 1922 com The Waste Land, um dos poemas mais influentes do século XX. The Waste Land é frequentemente comparada com o romance Ulisses, de James Joyce, que foi publicado pela mesma editora no mesmo ano. Seus últimos trabalhos, como The Hollow Men, Ash Wednesday e Four Quartets, também contribuíram para o fato de ele ter recebido o Prêmio Nobel de Literatura em 1948.

[7] Vladimir Vladimirovitch Maiakovski (em russo: ???????? ???????????? ??????????; Baghdati, Império Russo, 19 de julho de 1893 — Moscou, Rússia, 14 de abril de 1930), também chamado de “o poeta da Revolução”, foi um poeta, dramaturgo e teórico russo, frequentemente citado como um dos maiores poetas do século XX, ao lado de Ezra Pound e T.S. Eliot, bem como “o maior poeta do futurismo”.

[8] Filippo Tommaso Marinetti (Alexandria, 22 de dezembro de 1876 — Bellagio, 2 de dezembro de 1944) foi um escritor, poeta, editor, ideólogo, jornalista e ativista político italiano. Foi o fundador do movimento futurista, cujo manifesto foi publicado no jornal parisiense Le Figaro, em 20 de fevereiro de 1909.

[9] O Iluminismo possuía uma visão de história. A “modernidade” é um conceito histórico surgido com o Iluminismo, fenômeno, aliás, considerado o responsável por iniciá-la. Esse projeto crê na Razão como meio pelo qual o homem pode conquistar a liberdade e a felicidade sociopolítica. Ela é capaz de evolução e de progresso. O século XVIII é um marco histórico do surgimento de uma corrente intelectual cujas bases foram construídas sobre os alicerces da razão e do empirismo. O Iluminismo, como nos é conhecido, trata-se de uma revolução no campo do saber e de um movimento que culminou em uma nova forma de conceber a relação homem e natureza. Entretanto, os Setecentos não são lembrados apenas como um período de mudanças na ciência moderna, mas também por uma estabilidade social e política da qual fez a população europeia duplicar em menos de um século.

[10] Hans Robert Jauss ( 1921-1997) foi escritor e crítico literário alemão. Junto com seu colega Wolfgang Iser Jauss é um dos maiores expoentes da estética da recepção suas bases na própria crítica literária.

[11]Trata-se de um amplo movimento artístico, filosófico, literário e científico que, historicamente, sintetiza a expressão teórica de um momento no qual a burguesia já não aceita mais as características que marcam a vida europeia, às quais o próprio Iluminismo deu o nome de Antigo Regime, e coloca-se como uma alternativa de poder.

[12] Uma das perguntas mais urgentes refere-se, provavelmente, à curiosidade em saber de que, afinal, consiste a miséria da modernidade que uma suposta pós-modernidade tanto critica, pretende superar, ou, no mínimo, enquadrar. O instigante nestes novos debates diz respeito à oportunidade de tornar visível algo, aparentemente, pouco notado ou, com escassas exceções, não considerado suficientemente carente para merecer uma menção mais detalhada e atualizada. Três décadas de incansáveis discussões sobre o fenômeno de nome duvidoso, de conteúdo intransparente e de dimensões difusas, revelaram, pelo menos, que ao pós-moderno corresponde um par conceitual igualmente oscilante, camaleônico, e em nada semelhante à ideia monolítica comumente sugerida por reflexões apressadas que traduziam o moderno por um catálogo de normas, de certo modo, estáveis.

[13] A pós-modernidade é conceito da sociologia histórica que designa a condição sociocultural e estética dominante após a queda do Muro de Berlim em 1989, o colapso da União Soviética e a crise das ideologias nas sociedades ocidentais no fim do século XX, com a dissolução da referência à razão como garantia de possibilidade de compreensão do mundo através de esquemas totalizantes. A condição pós-moderna, por vezes, é caracterizada por uma cultura despida de sua capacidade de funcionar em qualquer estado linear ou autônomo como isolacionismo regressivo, em oposição ao estado mental progressivo do modernismo. Alguns estudiosos tais como Ulrich Beck, Anthony Giddens e Zygmunt Bauman negam que a modernidade tenha terminado e, consideram a era pós-segunda guerra mundial uma continuação da modernidade, a que se referem como segunda modernidade, modernidade líquida ou modernidade tardia.

Como citar e referenciar este artigo:
LEITE, Gisele. Ser moderno e modernidades. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2022. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/filosofia/ser-moderno-e-modernidades/ Acesso em: 28 mar. 2024