Direito Constitucional

O direito urbanístico e a política urbana de uso e ocupação do solo no município de São Luís/MA

Ana Rebeca dos Santos da Silva

Resumo: A atividade urbanística consiste na manifestação do poder público com vistas à organização da cidade. O plano diretor é o instrumento hábil previsto constitucionalmente para o desenvolvimento da política urbana e estabelece diversas diretrizes para a gestão democrática e socioambiental. O presente artigo visa tratar do objeto, competência e alguns fundamentos do direito urbanístico, e abordar a política urbana do município de São Luís, bem como a divisão deste em macrozonas urbanas e macrozonas ambientais e os instrumentos pertinentes a cada uma delas, tendo por base seu plano diretor, com ênfase no uso e ocupação do solo urbano e rural.

Palavras-chave: urbanismo, plano diretor, direito urbanístico.

Sumário: 1. Introdução. 2. Objeto, Competência e Fundamentos do Direito Urbanístico. 3. Desenvolvimento da política urbana no município de São Luís/MA. 4. Conclusão. 5. Bibliografia.

1. INTRODUÇÃO

Desde a década de 1930, com o crescimento do processo de urbanização no Brasil, surgiu a preocupação em regulamentar as atividades do poder público no sentido de ordenação dos espaços habitáveis. O direito urbanístico veio, então, como resposta, a fim de formular as regras e princípios atinentes ao ambiente da cidade e do campo.

O presente artigo visa tratar do objeto, da competência e de alguns fundamentos do direito urbanístico, além de abordar a política urbana do município de São Luís, tendo por base seu plano diretor, com ênfase no uso do solo urbano e rural. Tratar-se-á, ademais, do macrozoneamento ambiental do referido município, delimitando-se as áreas de proteção integral e as áreas de uso sustentável, tendo em vista as disposições constantes do plano diretor de São Luís, promulgado em 2006.

Busca-se, ainda, determinar os instrumentos de política urbana adequados a cada região – ou macrozona – da cidade de São Luís, de acordo com suas necessidades e condições locais de urbanidade, saneamento, população, renda, economia, moradia, dentre outros fatores analisados.

A relevância do tema é demonstrada na medida em que a cidade de São Luís cresce, e de maneira desordenada, e que se percebe a indispensabilidade de uma regulação em seus espaços habitáveis, a fim de assegurar a função social da cidade, bem como o próprio desenvolvimento sustentável.

2. OBJETO, COMPETÊNCIA E FUNDAMENTOS DO DIREITO URBANÍSTICO

O termo “urbanismo” vem de “urbs”, do latim, que significa cidade. Conforme lição de Hely Lopes Meireles, pode ser conceituado como “o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade.”[1] Desse modo, vê-se que a atividade urbanística é função pública, uma vez que consiste na manifestação do poder público com a finalidade de organizar a cidade.

Tal atividade envolve o planejamento, a ordenação do solo, a ordenação das áreas de interesse especial, a ordenação da atividade edilícia e os instrumentos de intervenção urbanística. No que tange às áreas de interesse especial, vários interesses são levados em consideração na gestão do espaço habitável, a exemplo do interesse ambiental – que visa proteger as presentes e futuras gerações – e do interesse histórico-cultural[2].

O direito urbanístico, assim, caracteriza-se por ser um instrumento através do qual o poder público atua na sociedade e na esfera privada, a fim de ordenar a realidade para o interesse comum, dentro dos liames da legalidade.

A matéria urbanística também tem respaldo na Constituição Federal em vários de seus artigos, ora estabelecendo diretrizes para o desenvolvimento urbano, ora versando sobre proteção ambiental e função da propriedade urbana.

De acordo com o art. 182, caput, da Carta Maior brasileira,

A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Logo, observa-se que a política urbana deve ser realizada pelo município e, conforme o disposto no art. 182, § 1º, da CRFB/88, o mecanismo hábil a desenvolver tal política é o plano diretor, devendo este ser aprovado pela Câmara Municipal, sendo de observância obrigatória para cidades com mais de vinte mil habitantes.

Além disso, só cumprindo as disposições fundamentais de organização da cidade previstas no plano diretor é que a propriedade urbana atende sua função social, conforme previsto no §2º do mesmo artigo.

O art. 30, VIII, da Constituição, dispõe que compete aos municípios: “VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.” Desse modo, corrobora-se a competência exclusiva do ente municipal para tal função.

Ademais, a Lei 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade, estabelece diretrizes gerais da política urbana, como a garantia do direito a cidades sustentáveis, a gestão democrática por meio da participação da população, e a ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar a utilização inadequada dos imóveis urbanos.

Além desta, destaca-se no Estatuto da Cidade a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana; a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como polos geradores de tráfego, sem a previsão da infraestrutura correspondente; a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; a deterioração das áreas urbanizadas; a poluição e a degradação ambiental; e a exposição da população a riscos de desastres.

É perceptível que o direito urbanístico tem função fundamental no contexto do município, a fim de que a cidade não seja apenas uma aglomeração de pessoas vivendo desordenadamente, mas sim um ambiente organizado, propício para uma vida com dignidade, com qualidade, que garanta, consequentemente, direitos básicos, como saúde, lazer, segurança, moradia, transporte e mobilidade urbana.

3. DESENVOLVIMENTO DA POLÍTICA URBANA NO MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS/MA

O Município de São Luís, capital do Estado do Maranhão, tem raízes históricas que remontam ao período colonial. Fundada em 1612 pelos franceses Daniel de La Touche e François de Rasilly, foi incorporada pelos portugueses três anos mais tarde, a quem se devem as sólidas construções revestidas de azulejos que compõem hoje o centro histórico da cidade. De acordo com dados do IBGE[3], no ano de 2010 contava com uma população de 1.014.837 habitantes, possuindo uma área de 834,785 km² em 2015, e 1.215,69 habitantes por km² em 2010.

O Plano Diretor de São luís, mais recentemente instituído pela Lei 4.669/2006, é o instrumento principal estabelecedor de normas e orientações quanto à política de desenvolvimento urbano e rural do município. Além de traçar diretrizes e objetivos gerais, ele também traz as minúcias da composição socioambiental de São Luís.

A regulamentação do uso e ocupação do solo é uma das diretrizes do Plano Diretor, que busca, dentre outros, a conservação dos recursos naturais, o incentivo à melhoria arquitetônica dos imóveis residenciais localizados em áreas de interesse cultural, a implantação de infraestrutura adequada e necessária ao desenvolvimento turístico do município e a democratização do acesso e ampliação da oferta de habitação de interesse social através de programas e instrumentos adequados à população de baixa renda.

O art. 23 da referida lei assim dispõe:

Art. 23. A determinação do Uso do Solo Urbano e Rural do Município de São Luís tem conto finalidade o reordenamento da atual ocupação territorial com vistas a assegurar a universalização do acesso a tersa urbanizada a todos os habitantes, respeitando condições ambientais e corrigindo desigualdades territoriais, condições subumanas de vido e ameaças ao meio ambiente e aos recursos naturais, em busca de uma melhor qualidade de vida para todos.

O Plano Diretor do município, no tocante ao uso e ocupação do solo, dispõe acerca do macrozoneamento ambiental, urbano e rural, sendo que o primeiro visa a proteção de áreas do território de São Luís que devem ser preservadas de forma prioritária para que sejam mantidas as qualidades naturais.

O segundo, por sua vez, busca definir as diversas políticas de intervenção no solo urbano, para garantir a função social da cidade e da propriedade privada, direcionar a estruturação do solo e precisar aos pilares da execução das ferramentas da política urbana previstos no Estatuto da Cidade; e o terceiro, detectar partes do território com atividades agropecuárias e afins.

Dentro do macrozoneamento ambiental, algumas áreas devem ser protegidas, como a área de proteção integral, que tem por objetivo preservar a natureza e os recursos hídricos permitindo apenas os usos voltados à pesquisa, ao eco turismo e à educação ambiental, quando previstos em lei específica, é composta pelas Áreas de Proteção Permanente – APP’s, definidas nos termos da legislação federal, e que incluem as dunas, mananciais e fundos de vales, incluindo as matas ciliares e áreas de mangues; a Estação Ecológica do Sítio do Rangedor e o Parque Estadual do Bacanga.

Além dessas, merecem também proteção as áreas de uso sustentável – aquelas que buscam compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável dos recursos naturais – que em São Luís são: a Área de Proteção Ambiental do Maracanã, a Área de Proteção Ambiental do Itapiracó, o Parque Ecológico da Lagoa da Jansen, o Sítio Santa Eulália, os Parques Urbanos do Bom Menino, do Diamante e do Rio das Bicas, as Áreas de praias e as Áreas de Recarga de Aquífero.

No que se refere ao macrozoneamento urbano, conforme prevê o art. 33 da Lei 4.669/2006, foram estabelecidas macrozonas na área urbana da capital do Maranhão, quais sejam: macrozona de requalificação urbana, macrozona consolidada, macrozona em consolidação – 1, macrozona em consolidação – 2 e macrozona de qualificação.

A macrozona de requalificação urbana é composta por áreas que atualmente padecem de esvaziamento populacional e/ou desvalorização imobiliária, carecendo de investimentos “que recuperem seus usos e promovam as atividades de comércio, serviços e habitações de interesse social, preservando os imóveis de valor cultural, reorganizando a infraestrutura e o transporte coletivo”, nos termos do art. 34.

Como exemplos de bairros que se encontram nessa macrozona, têm-se Monte Castelo, Jordoa, Vila Passos, Apeadouro e Madre Deus. Para tais áreas, alguns dos instrumentos de política urbana previstos são: estudos de impacto de vizinhança, IPTU progressivo e operações urbanas consorciadas.

A macrozona consolidada, por seu turno, cuida-se de áreas com poucos vazios urbanos, proliferação de construções verticais, como edifícios, e, por vezes, congestionamentos na malha viária, a exemplo da região do Bequimão, Maranhão Novo, Vinhais, Cohatrac e Cohafuma. Dentre os instrumentos necessários para essa macrozona estão a contribuição de melhoria e outorga onerosa mais cara que no resto da cidade para construções não-residenciais e mais barata para Habitação de Mercado Popular.

A macrozona em consolidação – 1 caracteriza-se por áreas que ainda contam com espaços com potencial para adensamento e verticalização, apresentando certa qualidade urbanística e, embora possuam infraestrutura incompleta, são valorizadas no mercado imobiliário. Fazem parte dessa macrozona os bairros Ponta D’Areia, Conjunto São Marcos, São Marcos, Ponta do Farol, parte do Renascença, do Jaracaty, do Santa Eulália, do Calhau, e do Olho D. Água. A outorga onerosa com valor mais alto, o projeto de urbanização local e a concessão do direito real de uso são alguns dos instrumentos urbanísticos adequados para essas áreas.

Já a macrozona em consolidação – 2, é composta por áreas com boa infraestrutura e certo grau de urbanização, mas que necessitam de qualificação urbanística, habitadas tanto por população de baixa renda quanto de renda média e alta, além de serem oportunas à atração de investimentos imobiliários privados.

Para tais áreas, busca-se a criação de empregos no setor de serviços e o estímulo à ocupação com promoção imobiliária e de Habitação de Mercado Popular ou Interesse Social. Turu, Parque Atenas, Ipem São Cristóvão, Cidade Operária, Forquilha, Recanto dos Vinhais, Parque dos Nobres e Pindorama, são exemplos de bairros que a integram.

Por fim, a macrozona de qualificação compõe-se de áreas com infraestrutura básica precária, de baixa valorização para o mercado imobiliário, ocupadas em sua maioria por população de baixa renda e caracterizadas por concentração de assentamentos espontâneos.

Alguns dos bairros que a compõe são o Anjo da Guarda, Vila Nova, Coroado, Liberdade, Maiobinha, Santa Efigênia, Cidade Olímpica, Sacavém, Vila Embratel, Vila Janaina, Santa Clara, dentre outros. Alguns dos objetivos para essa zona são a regularização fundiária, a geração de empregos e a melhoria da infraestrutura.

O macrozoneamento rural da cidade de São Luís abrange as áreas de produção agrícola; de criação de pequenos animais; de pesca; áreas de extração de recursos vegetal e mineral e áreas de processamento agroindustrial.

No âmbito do município de São Luís/MA, a atuação da política urbanística se dá, principalmente, através da Secretaria Municipal de Urbanismo e Habitação – SEMURH, que fiscaliza a obediência às regras previstas no Plano Diretor, na Lei de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, na Lei de Operações Urbanas, nos Códigos de Edificações e de Posturas, além de outras leis relacionadas.

Além disso, tal órgão tem como atribuições realizar análises prévias e aprovar projetos de construção, reformas; emitir licenças para obras e pequenos serviços; conceder habite-se de prédio residencial, comercial e industrial; emitir certidão de uso e ocupação do solo; aprovar loteamento; acompanhar e monitorar constantemente os espaços livres e edificados, bem como os monumentos paisagísticos, que compõem o acervo do patrimônio histórico e ambiental; acompanhar a implantação dos projetos de alinhamento dos logradouros e de projetos de urbanização, dentre outras finalidades afins.

4. CONCLUSÃO

Ante todo o exposto, observa-se que o direito urbanístico regula as formas de intervenção do poder público na ocupação dos espaços habitáveis, e tem no Plano diretor das cidades, e no Estatuto da Cidade, suas principais fontes normativas.

A política urbanística do município de São Luís/MA, regula-se pautada no Estatuto da Cidade, que é lei federal, e tem suas diretrizes específicas no seu Plano Diretor próprio, inclusive no que concerne ao uso e ocupação do solo, por meio do macrozoneamento ambiental, urbano e rural.

Tal configuração visa proteger áreas com interesses especiais e melhorar a qualidade de vida da população, levando em consideração as características peculiares e as necessidades de cada área da cidade, com objetivos e instrumentos próprios para cada uma.

Vê-se que as políticas públicas já estão estabelecidas para o desenvolvimento do espaço urbano, tanto no Plano Diretor quanto em outros diplomas normativos, restando apenas que sejam priorizadas e efetivadas pelo poder público, e que todos os recursos pertinentes previstos no orçamento sejam devidamente investidos nessas finalidades.

5. BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Estatuto da Cidade: Lei 10.257/2001 que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília, Câmara dos Deputados, 2001, 1a Edição.

IBGE CIDADES. São Luís. Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=211130&search=||infogr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completas> Acesso em 01 maio 2017 as 10h32.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

SÃO LUÍS. Plano Diretor: Lei 4.669/2006. São Luís, Câmara Municipal, 2006.

SEMURH: Secretaria municipal de urbanismo de habitação. Disponível em: <https://www.saoluis.ma.gov.br/semurh> Acesso em 01 junho 2017 as 8h21.

SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.



[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 523.

[2] SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. pp. 32-33.

[3] IBGE CIDADES. São Luís. Disponível em: <http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=211130&search=||infogr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completas> Acesso em 01 junho 2017 as 10h32

Como citar e referenciar este artigo:
SILVA, Ana Rebeca dos Santos da. O direito urbanístico e a política urbana de uso e ocupação do solo no município de São Luís/MA. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2017. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/direito-constitucional-artigos/o-direito-urbanistico-e-a-politica-urbana-de-uso-e-ocupacao-do-solo-no-municipio-de-sao-luisma/ Acesso em: 18 abr. 2024