Sociedade

A vinda do papa

A vinda do papa

 

 

Ives Gandra da Silva Martins*

 

 

Os preparativos, em São Paulo e em Aparecida, para a recepção do papa Bento XVI, com a participação do clero brasileiro, do Vaticano, de leigos e de autoridades, estão a demonstrar o prestígio que o sucessor de João Paulo II, em seu curto pontificado, já adquiriu – principalmente após a encíclica Deus Caritas Est, que, num mundo conturbado por ódios, guerras e preconceitos, veio realçar a importância do amor.

 

É sugestiva a própria escolha de seu nome – Bento XVI -, como sucessor do papa Bento XV, o grande arauto da paz durante a 1ª Guerra Mundial, que dialogou à exaustão com os Estados beligerantes, na Europa, para pôr fim ao conflito, auxiliando as convenções de paz que os europeus exigiam, exauridos que estavam pela sangrenta luta.

 

O mundo, hoje, está, nitidamente, dividido entre uma sociedade que acredita e outra que não acredita em Deus, esta última sintetizada na frase de personagem de Dostoievski em Os Irmãos Karamazov: Se Deus não existe, tudo é permitido.

 

Mesmo a sociedade que acredita em Deus vive as dificuldades próprias de se manter inserida na realidade atual, em que falsos profetas instrumentalizam a crença dos humildes e dos menos preparados, além de conviver, de um lado, com a permissividade, que explora as fraquezas inerentes à natureza humana, e, de outro, com a falta de aprofundamento nos mistérios da fé, quase sempre superficial e acobertada pelo sentimentalismo.

 

Mesmo assim, esta parte da sociedade que acredita conhece, por intuição ou estudo, que o mundo não é produto de um acaso criador e que somos todos filhos de Deus, mesmo aqueles que o negam, sendo o livre-arbítrio o dom maior da herança divina.

 

Ao contrário dos materialistas históricos, que só têm uma fórmula para o futuro da humanidade – já pré-escrita, como pretendia Marx, na eliminação da classe burguesa pela ditadura do proletariado e no advento de um paraíso irreversível no porvir -, aqueles que acreditam em Deus sabem que a liberdade de opção e a luta pelos caminhos próprios é a grande lição que as religiões universais formulam.

 

Enquanto as correntes espiritualistas da História acreditam na liberdade e no homem formatador das suas ações, as correntes materialistas perfilam um determinismo sem alternativas, pelo qual o seu modelo seria o único a sobreviver.

 

Estas, não poucas vezes, se sentem incomodadas pelos valores defendidos pelos fiéis seguidores das religiões históricas, como família, fidelidade conjugal, ética profissional, solidariedade humana, responsabilidade com os filhos, altruísmo e dedicação, entre outros, e procuram por todos os meios, principalmente pela moderna mídia eletrônica, destruí-los, tachando-os de conservadores. Por esta ótica, ser livre é não ter nenhuma responsabilidade em relação ao outro ou à sociedade, sendo o hedonismo supremo e todos os ingredientes para a felicidade momentânea e sem compromisso seguidos, muitas vezes, de um vazio existencial sem limites.

 

Apesar da frase do presidente Lula de que a sociedade poderá, um dia, até vir a punir os fetos se baixar o limite para a maioridade penal, esta sociedade já os pune ao perfilar o aborto sem limites, apesar de, sentimentalmente, defender os ovos de tartaruga, os fetos das baleias ou dos ursos pandas.

 

Nesta sociedade dividida, a vinda do papa Bento XVI – que difunde, como seu antecessor, os valores a serem preservados na moderna sociedade – para o encontro dos bispos latino-americanos transcende de muito o escopo de definir os relevantes caminhos da Igreja no continente, pois Sua Santidade se propõe mostrar a todos os povos a importância da valorização da família, da vida, do amor e da paz entre os homens.

 

O mundo do século 21, em que a tecnologia surpreende todos os dias e onde há mais de US$ 100 trilhões de ativos financeiros e de mercado circulando pelos países, está mergulhado em tristezas como guerras, crimes, violência, drogas, desamor, sofrimentos e falta de solidariedade, sendo a convivência difícil não só entre os indivíduos, mas entre os Estados. Trata-se de um cenário em que o desrespeito pela maneira de ser de cada cultura implica o uso de violência contra a violência e gera tensões permanentes, e, à luz exclusiva do receituário atual dos governos dos países civilizados, tensões irreversíveis.

 

A insensibilidade dos países desenvolvidos facilita, por outro lado, o surgimento de histriônicas lideranças, em que o verniz popularesco não esconde o desenfreado e aético amor pelo poder, com todo o cortejo de sordidezes próprias de governos demagógicos, ideológicos e despreparados, além de gerar a reação dramática e condenável das culturas e nações diferentes, como o terrorismo, que se transforma na sua arma de vingança.

 

É neste estado de coisas, de um mundo incrivelmente doente, desigual e conturbado, que a figura serena daquele que sucede ao próprio Cristo na condução da nave da Igreja, surge como um homem da paz, do diálogo, do amor e vem dizer, exatamente em visita à nação com a maior população católica do mundo, que temos que trilhar uma estrada nova, na qual a família e a vida sejam exaltadas, a violência abolida e a paz entre os homens obtida, com a eliminação de desigualdades. Este é o único caminho real para a felicidade daqueles que acreditam em Deus ou daqueles que vivem a liberdade de não acreditar, mas que, nem por isto, devem afastar-se da mesma trilha. E esta trilha só será conseguida se realmente os homens e as mulheres de boa vontade estiverem dispostos a pensar mais na sociedade do que no seu pequeno mundo de egoismos.

 

Bem-vindo seja o Papa. Que o Brasil inteiro aproveite sua estadia e aprenda suas lições.

 

 

 

 

* Professor Emérito das Universidade Mackenzie e UNIFMU e da Escola de Comando e Estado maior do Exército. Presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo, da Academia Paulista de Letras e do Centro de Extensão Universitária – CEU. Site: http://www.gandramartins.adv.br

 

Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.

Como citar e referenciar este artigo:
MARTINS, Ives Gandra da Silva. A vinda do papa. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2007. Disponível em: https://investidura.com.br/artigos/sociedade/a-vinda-do-papa/ Acesso em: 07 out. 2024