CPMF e efeitos da revogação da liminar
Kiyoshi Harada*
A Contribuição provisória sobre movimentação financeira, conhecida como CPMF, na verdade, um imposto inominado, tanto é que mantém o mesmíssimo fato gerador do antigo IPMF, continua causando transtornos ao cidadão contribuinte. Esse imposto, que veio à luz para atender a uma situação emergencial, acabou praticamente incorporando-se ao Sistema Tributário Nacional por força da edição de sucessivas disposições normativas, a exemplo do que vem ocorrendo com o monstruoso Fundo de Emergência Social, que até hoje vem sendo prorrogado com o nome de Fundo de Estabilização Fiscal, por meio de Emendas consistentes no estranho expediente de enxertar novos dispositivos transitórios à Carta Política promulgada nos idos de 1988. Esse singular método legislativo, que dribla a incidência da disposição constitucional permanente (art. 165, § 9º, II), tem prejudicado as finanças dos Estados e Municípios, além de inviabilizar o mecanismo de controle e fiscalização dos gastos públicos.
Quanto a inconstitucionalidade formal e material da CPMF já a demonstramos no parecer que ofertamos a Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo.
Inúmeras ações judiciais de cunho coletivo, impetradas em todo o País, não tiveram sucesso. Liminares concedidas, com fundamentos plausíveis e razoáves do ponto de vista jurídico, foram, em sua maioria, sumariamente cassadas pelas instâncias superiores.
Agora, o governo, confortado por decisões judiciais que lhe foram favoráveis, editou medidas punitivas aos contribuintes que foram temporariamente beneficiados por medidas liminares. Aqueles que, involuntariamente, deixaram de se sujeitar à incidência da CPMF, porque não provocaram e nem pediram a quem quer que seja que provocasse a jurisdição, foram tratados com o mesmo despotismo. O art. 46 da Medida Provisória nº 2037-21, de 25 de agosto de 2000, regulamentado pela Instrução Normativa nº 89, de 18-9-2000, da Secretaria da Receita Federal, determina que as instituições financeiras debitem nas contas de seus clientes o montante da CPMF não retido, acrescido de juros e multa moratória para ulterior recolhimento ao Tesouro Nacional. O correntista que se rebelar contra essa atitude truculenta terá o seu nome, com os respectivos dados, encaminhado à Receita Federal para fins de lançamento de ofício.
Impor cobrança de juros e multa de mora já é uma violência à ordem jurídica vigente. Conferir o mesmo tratamento aos impetrantes de ações e aos meros favorecidos de uma ação coletiva, o que é pior, dispensando a uns e a outros um tratamento próprio de sonegadores contumazes, além de afrontar a ordem jurídica contraria os elementares princípios éticos e morais causando uma situação de injustiça intolerável.
Isso representa aplicação simplória da Súmula 405, que preconiza o efeito ex tunc na hipótese de revogação da liminar, ignorando e desprezando o efeito legitimamente gerado com o prévio pronunciamento do Judiciário, que detém o monopólio estatal da atividade jurisdicional. O Estado não pode autorizar alguém a praticar ou deixar de praticar o ato e, ao depois, puni-lo a pretexto de que a autorização fora concedida de forma equivocada.
Ora, no caso, incide a regra do § 2º do art. 63 da Lei nº 9.430/96:
“A interposição da ação judicial com a medida liminar interrompe a incidência da multa de mora, desde a concessão da medida judicial, até 30 (trinta) dias após a data da publicação da decisão judicial que considerar devido o tributo ou contribuição.”
Não pode pairar dúvida de que a concessão de medida liminar no bojo de qualquer processo, cautelar ou não, tem o condão de suspender a incidência da multa moratória até 30 dias após a publicação da decisão judicial
É claro que a peculiaridade do sistema de recolhimento da CPMF não permite a aplicação direta do texto legal examinado. A CPMF é tributo pago na modalidade de retenção na fonte, mesmo porque, sendo inafastável o sigilo bancário, resta inviabilizado o lançamento direto. A generalidade dos contribuintes não tem o controle de quando e quanto deixou de pagar esse tributo, impossibilitando o exercício da chamada denúncia espontânea de que falamos. Só os integrantes do sistema financeiro têm esse controle. Assim, tendo em vista essa peculiaridade caberia à Receita Federal assinalar, aos bancos em geral, o dia do termo inicial do prazo de 30 dias para pagamento, sem juros e sem multa, conforme § 2º do art. 63 da Lei nº 9.430/96. Competiria às instituições bancárias o lançamento de débitos nas contas correntes de seus clientes para recolhimento do tributo no prazo legal. Para isso, o banco não teria que consultar o correntista, pois, a retenção de tributo pela fonte responsável é uma obrigação ex lege. Somente nos casos de insuficiência de fundos ou de encerramento de contas caberia aos bancos comunicar esses fatos ao Fisco, para se eximirem de quaisquer responsabilidade.
O que seguramente os bancos não podem e nem devem, é prestar-se ao papel de colaborador em autêntico processo de confisco, dirigido pelas autoridades fiscais com base em instrumentos normativos ilegítimos e inconstitucionais, baixados para alcançar as metas exigidas pelo FMI.
O remédio processual mais adequado para a espécie é a ação direta de inconstitucionalidade, ou a ação ordinária de cunho coletivo, com pedido de tutela específica prevista no art. 461 do CPC, para obstar liminarmente a exigência de multa e de juros, sem prévia concessão do prazo legal de 30 dias, para pagamento voluntário e singelo da CPMF.
Texto elaborado em outubro de 2000.
* Diretor da Escola Paulista de Advocacia, Professor de direito administrativo, tributário e financeiro.
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