O tempo da violência
Maria Berenice Dias*
Consta do Relatório Nacional Brasileiro, que retrata o perfil da mulher brasileira, que a cada 15 segundos uma mulher é agredida. Como o período de 24 horas contém 5.760 vezes a fração 15 segundos, a cada dia 5.760 mulheres são espancadas no Brasil.
Ainda que tal dado seja surpreendente, é preciso atentar que estes números são subdimensionados, pois somente 10% das agressões sofridas por mulheres são denunciadas. Quer por medo, quer por vergonha, é difícil denunciar alguém que reside sob o mesmo teto, uma pessoa com quem se tem um vínculo afetivo e filhos em comum e que, não raro, é o responsável pela subsistência da família.
A conclusão só pode ser uma: as mulheres nunca param de apanhar, sendo seu lar o lugar mais perigoso para elas próprias e seus filhos.
Cabe indagar, afinal, quem é responsável por esta triste realidade. Ao certo, que a violência física, sexual e emocional sofrida pelas mulheres não é responsabilidade exclusiva de seus agressores. O fundamento é cultural e decorre da desigualdade de poder, havendo uma verdadeira relação de dominante e dominado. Até agora sempre o poder esteve em mãos masculinas. As leis são elaboradas por homens e a justiça é, na grande maioria dos casos, aplicada por juízes.
Não poderia ter sido mais catastrófico condicionar o delito de lesão corporal à representação, transferindo para leigos a competência para fazer acordos. As mulheres aceitam por medo e cresce entre os homens a certeza da impunidade.
Há um descaso em abrigar as vítimas que, por não terem para onde ir, se submetem a situações que colocam sua integridade corporal em constante risco. Fora disso, a justiça, achando que está protegendo a família, não pune o agressor e o corpo da mulher responde pela preservação da entidade familiar, tornando invisível a violência doméstica.
Assim, tanto a sociedade como todos os poderes são cúmplices da violência contra as mulheres, merecendo ser responsabilizados na condição de co-autores.
Essa perversa dinâmica precisa cessar.
Ao ser conclamada toda a sociedade para fazer um pacto social com o objetivo de reverter a insustentável situação que está vivendo o povo brasileiro, é imperioso que se atente à realidade das mulheres.
Afinal, não se pode falar em liberdade sem igualdade; e não há igualdade quando mais da metade da população está submetida à força, à vontade e ao desejo da outra metade.
* Desembargadora do Tribunal de Justiça do RS
Compare preços de Dicionários Jurídicos, Manuais de Direito e Livros de Direito.