Pelo que todos os dias ainda se continua a constatar, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069, promulgada no dia 13 de julho de 1990, ainda não foi de todo descoberto. Continuarei repetindo, é deveras moderna e muito boa! Veio preencher considerável lacuna no trato de assuntos que dizem respeito à criança e ao adolescente. Não aqueles que vivem sob os cuidados dos próprios pais, ou de quem sobre os mesmo detenha real ou constituído, paterno/materno poder. Prevê diversas medidas protetivas e pelo art. 4º, diz textualmente a quem compete. Antes de qualquer outra instituição por melhor que seja, a família, seguida sequencialmente, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público. A família como sempre, em primeiro lugar.
Entre praticamente tudo de que o Estatuto trata, está o adolescente infrator. No seu título III, DA PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL, dispõe que adolescente infrator é aquele que pratica uma conduta tipificada como crime no Código Penal. Sim, não se poderia definir com outro nome o mesmo tipo. Deste modo, por acréscimo, o Estatuto, ao contrário do que muitas vezes se diz, não é que seja complacente ou pretenda abrandar a conduta adolescente. Isto já foi feito mediante a consideração de que até os 18 anos é como tal que esta pessoa deve ser considerada, mesmo que na aparência já se demonstre adulta1.
Não se aplica pena ao adolescente infrator, mas uma “medida sócio-educativa”, o que significa que ao limitar-lhe de qualquer forma a tutela familiar, o Estado assume a responsabilidade de promover iniciativas que lhe dêem uma dimensão do social na sua variedade, educando-o de tal forma que previna o quanto mais possível a possibilidade de que volte a praticar novo ato infracional, previna, para que na idade adulta, não venha a ser chamado como tantos de marginal.
No último Natal, pessoas que visitaram os internos da UNIS (Cariacica- ES) se admiraram ao perguntar-lhes o que mais desejavam naquele momento, quando um deles respondeu: “eu deveria dizer que é a minha liberdade, mas como sei que isto não é possível agora, pediria que a comida fosse um pouco melhor”.
Convenha-se que tal resposta revela um bom grau de discernimento, de inteligência, de consciência de sua própria realidade. Que mesmo infratores são adolescentes muito bem dotados. Ao mesmo tempo, se sua refeição deixa a desejar, ninguém fica desautorizado de pensar que existe ao menos uma falha no processo sócio-educativo ao qual está sujeito.
Que deveras pois, as medidas nunca sejam menos que sócio-educativas, ou que proporcionem meios para que o adolescente entenda que faz parte de uma sociedade com a qual deve colaborar para o desenvolvimento e bem de todos, que todas as pessoas como ele próprio tem bons sentimentos, querem e devem ser respeitadas.
Verifica-se, igualmente, que os prazos estabelecidos no ECRIAD carecem de ser melhor observados. No capítulo dos Direitos Individuais lê-se:
Art.
Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida.
Deste modo, a não observância deste, aponta para a indispensável e justa interposição de um habeas corpus.
Nem se exijam tantas formalidades. Quando a ocorrência do ato infracional for de tal forma evidente, ou como sobrecitado, há evidência de autoria e materialidade, quem sabe autoria confessa, como naquele caso2 de adolescente que tirou a vida do próprio pai. Acompanhado de advogado, apresentou-se ao Ministério Público. Compete a este de imediato, ouvi-lo, reduzir a termo o que disser, e proceder a representação, apresentado-o de imediato ao Juiz para que se inicie de plano o procedimento judicial para os fins que tem.
Isto se faz, mediante uma peça da qual conste os precedentes e de como se desenvolveu a conduta que culminou com o evento morte. Nos outros casos, os outros tipos de conduta.
Durante os quarenta e cinco dias, haverá tempo para perquirir todos os outros detalhes que o mesmo ECRIAD recomenda, estudo sócio-familiar, eventual reincidência e quanto mais concorra para que finalmente, a aplicação da medida sócio-educativa entre as preconizadas: advertência, obrigação de reparar o dano causado, prestação de serviços à comunidade ou liberdade assistida, semi-liberdade e internação, de fato se configure como a mais adequada.
Notas de rodapé
2 Ocorrido nesta semana, (como em outras) de um adolescente que matou o próprio pai.
* Marlusse Pestana Daher, Promotora de Justiça, Ex-Dirigente do Centro de Apoio do Meio Ambiente do Ministério Público do ES; membro da Academia Feminina Espírito-santense de Letras, Conselheira da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Vitória – ES, Produtora e apresentadora do Programa “Cinco Minutos com Maria” na Rádio América de Vitória – ES; escritora e poetisa, Especialista em Direito Penal e Processual Penal, em Direito Civil e Processual Civil, Mestra em Direitos e Garantias Fundamentais.