TJ/SC

Agravo de Instrumento n. 2009.019334-0, da Capital, Rel. Des. Luiz Fernando Boller

Agravo de Instrumento n. 2009.019334-0, da Capital, Rel. Des. Luiz Fernando Boller

 

 

Agravo de Instrumento n. 2009.019334-0, da Capital

Agravante         : Vivo S/A.

Advogados      : Drs. Enilton Martins Silveira (15861/SC) e outros

Agravado         : Adelino Ribas Lameira

Advogados      : Drs. Jacques Machado (10681/SC) e outros

Relator : Des. Luiz Fernando Boller

 

 

 

 

DECISÃO MONOCRÁTICA

 

I – Cuida-se de agravo de instrumento interposto pela VIVO S/A. contra decisão prolatada pelo juízo da 4ª Vara Cível da comarca da Capital, que ao decidir o incidente de Impugnação à Execução de Sentença nº 023.06.358699-4/004, oposto contra ADELINO RIBAS LAMEIRA, afastou a tese de excesso de execução, salientando que “a executada não cumpriu os termos da sentença, pois, em nenhum momento demonstrou o desbloqueio da linha telefônica em questão, nem mesmo por ocasião do aforamento da presente impugnação. Aliás, tratou com desídia o caso” (fl. 321).

 

Destacando que a astreinte instituída não possui caráter contratual, motivo pelo qual não se sujeita à limitação do art. 412 do CC, o magistrado a quo ainda rejeitou a tese do enriquecimento indevido, afirmando, por fim, que “nesta hipótese concreta, a redução da multa significaria premiar o descaso da executada, tanto em face do pleito do exequente, quanto em relação à desobediência do comando judicial” (fls. 319/323).

 

Malcontente, a agravante sustenta que por ter alienado a terceiro a antiga linha telefônica do agravado, a obrigação deveria ser convertida em perdas e danos, sob pena de violação ao princípio da menor onerosidade.

 

Além disso, ressaltou que “teria de interferir na esfera jurídica de terceiro de boa-fé, que em nada possui relação com os fatos ocorridos, ocasionando danos ao mesmo pela perda compulsória de seu número de acesso” (fl. 09), motivo pelo qual reiterou a pretensão à conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, classificando a penalidade como um salário de R$ 700,00 (setecentos reais) devidos ao agravado por dia.

 

De outro vértice, repisou o argumento de que a obrigação, que supera a casa dos R$ 100.000,00 (cem mil reais), deve encontrar limitação no art. 412 do Código Civil, com o redimensionamento da obrigação.

 

Concluindo, pugna pela atribuição de efeito suspensivo ao reclamo, obstando-se o levantamento do valor depositado em subconta judicial, com o ulterior provimento do recurso, revertendo-se os termos da decisão objurgada (fls. 02/23).

 

É o relatório.

 

 

II – O presente recurso preenche os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, motivo pelo qual tem o seu processamento admitido.

 

Convém destacar, logo de início, que por ocasião do julgamento do recurso de Agravo de Instrumento nº 2008.013668-4, a Segunda Câmara de Direito Público desta Corte rejeitou o argumento manejado pela VIVO S/A. no sentido de que “o valor fixado é injustificado e desproporcional ao objeto demanda, representando enriquecimento ilícito do Agravado” (fl. 314).

 

Para tanto, os doutos julgadores reafirmaram o entendimento de que:

Em se tratando de tutela específica de obrigação de fazer, o Código de Processo Civil determina em seu art. 461, §§ 5º e 6º, que para a sua efetivação, “poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como imposição de multa por tempo de atraso”, podendo ainda “modificar o valor da multa, caso verifique que se tornou insuficiente”.

Percebe-se que a fixação de multa não tem o condão de determinar ao réu o seu pagamento. Pelo contrário, tem por objetivo compeli-lo a dar cumprimento à obrigação. É, portanto, um meio inibitório para garantir o cumprimento da decisão.

 

Transcrevendo precioso ensinamento de lavra de NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY, apontaram que:

 

“Sendo concedida a liminar de antecipação de tutela (CPC 461 § 3º) ou condenado à tutela específica, o réu deverá cumprir a decisão sob pena de pagamento de multa diária (astreintes), que deve ser fixada em valor elevado, ex officio ou a requerimento da parte (CPC 461 § 4º). A fixação em valor elevado ocorre justamente porque a multa tem a finalidade de compelir o devedor a cumprir a obrigação na forma específica e inibi-lo de negar-se a cumpri-la. Essa multa não é pena, mas providência inibitória. Daí porque pode e deve ser fixada em valor elevado”. (In: Código de Processo Civil Comentado e Legislação Extravagante. 10 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. p. 672).

 

Avultando que:

 

Estamos falando de uma empresa de telefonia de grande porte e de gigantesca capacidade financeira. A majoração da multa tem por objetivo justamente compeli-la a dar cumprimento ao comando judicial e enfim desbloquear a linha em questão.

Seguem os mencionados doutrinadores:

“A periodicidade e o aumento da multa se justificam pelo fato de ser a multa medida de execução indireta, destinada a forçar o devedor a cumprir a obrigação”. (Ob.cit. p. 674).

Restou comprovado que a referida linha é utilizada pelo Agravado para o desempenho de suas atividades comerciais, e a perduração do bloqueio vem acarretando prejuízos aos seus negócios.

Se a Agravante precipitou-se e repassou a linha a terceiros mesmo reconhecendo que o Agravado foi vítima de clonagem, situação que tornou o débito cobrado inexistente, tal fato não pode servir de escusa para o cumprimento da obrigação, eis que a primeira tem total controle sobre as suas linhas, podendo perfeitamente devolvê-la ao segundo.

Não é de hoje que as empresas de telefonia tratam com descaso os seus usuários. Prova disso são as inúmeras ações desta natureza que multiplicam-se no Judiciário brasileiro.

No caso em comento, resta evidenciada a má-vontade da Agravante em desbloquear a linha cujo alegado inadimplemento decorreu de um débito inexistente, o que por si só, já inibiria a rescisão do contrato.

Mesmo sabendo dessa situação, preferiu, a Agravante, rescindir o contrato, bloquear a linha, cobrar o débito e ainda inserir o nome do Agravado na lista dos maus pagadores.

Não obstante, agora pretende discutir o valor da multa fixada, protelando ainda mais a prestação jurisdicional, ao invés de simplesmente dar cumprimento à decisão judicial que determinou o desbloqueio da linha, tudo em prejuízo do Agravado que aguarda a solução da controvérsia há anos.

Logo, perfeitamente possível e até recomendada a majoração da multa diária em caso de novo descumprimento da decisão, sendo razoável o valor de R$ 700,00 (setecentos reais) por dia de atraso como forma de tornar efetiva a tutela concedida, até por tratar-se de uma obrigação extremamente simples, mas que a Agravante insiste em não cumprir.

Por essas razões, nego provimento ao recurso para manter incólume a decisão agravada (fls. 311/316).

 

Esta decisão, não há dúvida, prejudica em parte os argumentos manejados no presente recurso pela agravante, mais especificamente no tocante à pretendida limitação da astreinte segundo o parâmetro contratual restritivo do art. 412 do Código Civil.

 

Neste tocante, o argumento manejado pela recorrente, de que para impedir a ascensão da significativa multa até agora acumulada, “teria de interferir na esfera jurídica de terceiro de boa-fé, que em nada possui relação com os fatos ocorridos, ocasionando danos ao mesmo pela perda compulsória de seu número de acesso” (fl. 09), parece-me inverossímil.

 

Verifica-se, sempre que conveniente ao interesse econômico das empresas de telefonia celular, que inúmeras vantagens são oferecidas aos consumidores de seus serviços tanto para a repactuação de um contrato mais oneroso, quanto para a própria substituição da operadora, o que conduz à conclusão de que seu interesse empresarial pode ser ampliado ou aprimorado segundo critérios econômicos no mais das vezes bastante significativo.

 

São celulares distribuídos sem custo ou em valor irrisório, bônus em ligações locais ou interurbanas, compensação de despesas em créditos no mês seguinte, consumo ilimitado, etc.

 

Se no seu interesse de lucro ou disputadíssima estratégia de mercado estas portentosas empresas estão dispostas a suportar significativa despesa (ou investimento), nada impede que, na presente demanda, a VIVO S/A. empenhe-se em readquirir a linha comercializada de forma precipitada, cumprindo o provimento jurisdicional de há muito solenemente ignorado.

 

A mera conversão da obrigação em perdas e danos, além de constituir limitação à sua responsabilidade, contraria a decisão judicial que, atenta ao direito reconhecido em resolução pela ANATEL-Agência Nacional de Telecomunicações, como `portabilidade´, reconheceu a essencialidade do número ao êxito das atividades profissionais desenvolvidas por ADELINO RIBAS LAMEIRA.

 

A ausência de consistência dos argumentos, aliás, vai de encontro à sedimentada jurisprudência do STJ, de onde colhe-se o seguinte excerto:

 

Observa-se, in casu, que ficou consignado no acórdão (ut fl. 122) que ‘A fixação de multa diária para a hipótese de não cumprimento da obrigação de fazer – determinação de excluir o nome dos Agravados dos órgãos de proteção ao crédito -, é perfeitamente legal e necessária, posto que a sua finalidade é a de compelir a instituição financeira a providenciar o cumprimento de tal obrigação. Tal multa é conhecida como astreinte, não se revestindo da menor ilegalidade, já que importa em uma coação de caráter econômico, no sentido de influir psicologicamente no ânimo de quem tem a obrigação de cumprir alguma determinação legal’ (fl. 122).

[…]

Contudo, compulsando os autos, entende-se que a decisão hostilizada deve ser mantida, pois o entendimento do Tribunal de origem, de que é legal a fixação de multa diária para a hipótese de não cumprimento da obrigação de fazer, está em consonância com a jurisprudência desta Corte.

Assim já se decidiu:

‘PROCESSO CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. RESCISÃO DE CONTRATO DE FRANQUIA E USO DE MARCA. CONCESSÃO DE LIMINAR DETERMINANDO A SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE. FIXAÇÃO DE ASTREINTES. CABIMENTO.

I – Em certos casos, ainda que no regime anterior à alteração dos artigos 273 e 461 do Código de Processo Civil pela Lei nº 8.953/94, é de ser reconhecida a possibilidade de as obrigações de fazer e não fazer serem reforçadas pela imposição de multa (astreintes) visando forçar o cumprimento da ordem. E o próprio artigo 798 outorga ao juiz o poder geral de cautela, de forma suficientemente ampla, a conferir-lhe a faculdade de impor esse tipo de sanção tendente à implementação e cumprimento de suas ordens. II – Havendo obrigação sem sanção por seu descumprimento, sem o poder de coerção do destinatário do provimento judicial, o que resta é uma obrigação natural, inexigível judicialmente, com a possibilidade de malferimento de princípios, como do acesso à justiça e da utilidade das decisões. E, na hipótese em análise, é de se ter presente que, mesmo após ser intimada para suspender imediatamente suas atividades, a empresa ré permaneceu atuando ilegalmente no ramo de alimentação por alguns meses, por certo, auferindo lucros. Logo, a entender-se pela ilegalidade da imposição da multa, estaremos, em última análise, endossando um injustificável enriquecimento ilícito por parte da recorrente, situação que deve ser sempre repelida pelo direito. Recurso especial não conhecido’. (Resp 159643/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, Rel. p/ Acórdão Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 23.11.2005, DJ 27.11.2006 p. 272)

É oportuno, ainda, anotar que o art. 461 do Código de Processo Civil autoriza o julgador a impor multa diária para que seja efetivada a obrigação de fazer ou não fazer estabelecida na decisão judicial.

No mesmo sentido: REsps. 521.184 e 692.323, Rel. Min. Gomes de Barros e Eliana Calmon, unânimes, DJU de 6.12.2004 e 30.5.2005.

Dessa forma, verifica-se que restou justificada a aplicação da multa imposta nos termos fixados, aplicável, por analogia, o verbete n. 83 desta colenda Corte, que determina: ‘Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida’.

Assim sendo, nega-se provimento ao agravo, nos termos do RISTJ, artigo 34, incisos VII e XVIII.”

Não se faz merecedor de qualquer reparo o decisum ora impugnado.

É entendimento assente desta Corte Superior que a decisão que manda excluir do cadastro de proteção ao crédito o nome do devedor, por tratar de obrigação de fazer, admite a fixação de multa diária por seu descumprimento. Neste particular, faz-se oportuna a colação, à guisa de exemplo, de recentíssimo precedente:

“COMINAÇÃO DE ASTREINTE NA DECISÃO QUE DETERMINA A EXCLUSÃO DO CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. POSSIBILIDADE. OBRIGAÇÃO DE FAZER. VALOR. RAZOABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO NO STJ. SÚMULA 7. – Possível a cominação de multa na decisão que manda excluir do cadastro de proteção ao crédito o nome do devedor por se tratar de obrigação de fazer. – A revisão do valor da multa, em recurso especial, é excepcional e está condicionada à ocorrência de condenações exageradamente altas, ou baixas, que maltratem a razoabilidade. Fora desses casos, incide a Súmula 7, a impedir o conhecimento do recurso.” (AgRg no Ag n.º 856.775/RS, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, DJU de 31/10/2007). (AgRg no Ag nº 658.626 (2005/0024436-9 – 17/11/2008) Rel. Min. Carlos Fernando Mathias. J. em 04/11/2008).

 

Extrai-se do magnífico decisório, que a instituição de penalidade financeira tem fundamento legal, e possui o condão de viabilizar a aplicação e observância prática dos provimentos e determinações judiciais, o que afasta a pretendida feição excessiva ou desproporcional do munus.

 

Em magnífica conclusão acerca do tema, NELSON NERY JÚNIOR leciona que:

 

Deve ser imposta a multa, de ofício ou a requerimento da parte. O valor deve ser significativamente alto, justamente porque tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o valor em quantia alta, pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-lo a cumprir a obrigação na forma específica. A multa é apenas inibitória. Deve ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir a obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve sentir ser preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o alto valor da multa fixada pelo Juiz (in Comentários ao Código de Processo Civil. 7. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 782-783).

 

Este ensinamento, muito adequado à espécie, derroga em definitivo o argumento insistentemente deduzido pela agravante.

 

Aliás, o quantum, exequendo, de aproximadamente R$ 100.000,00 (cem mil reais), correspondente a pouco mais de 0,08% (oito centésimos por cento) do lucro quido da VIVO S/A. no 1º (primeiro) trimestre de 2009, que foi de R$ 123.500.000,00 (cento e vinte e três milhões e quinhentos mil reais – disponível em <http://br.noticias.yahoo.com/s/08052009/25/tecnologia-vivo-lucro-liquido-sobe-26.html> acesso nesta data).

 

Não há dúvida, portanto, que a reiterada e caprichosa resistência à determinação do juízo a quo enseja a manutenção da penalidade no nível fixado, visto que nem mesmo assim, revelou-se capaz de evitar o descumprimento da ordem, indicativo de que não infligiu o pretendido temor.

 

No mesmo indicativo, vejo como inadequado o deferimento do efeito suspensivo, visto que, a liberação do valor já constritado, diante de tão significativo rendimento líquido revela-se incapaz de ocasionar dano grave ou de difícil reparação.

 

Por fim, quanto à pretendida conversão da obrigação em perdas e danos, constato que a inicial da impugnação à execução de sentença sequer menciona a tese (fls. 294/299), de modo que a presente via tampouco se revela profícua à análise da pretensão, sob pena de supressão de instância.

 

III – Ante o exposto, com fundamento nos artigos 527, inc. I, e 557, caput, ambos do CPC, conheço do presente recurso, mas, todavia, em razão da absoluta ausência de adequação e lastro jurídico das teses apresentadas pela VIVO S/A., nego-lhe provimento, mantendo inalterada a decisão de primeiro grau.

 

Intimem-se.     

 

Comunique-se ao Juízo a quo.

 

Após, arquivem-se.

 

Florianópolis, 03 de julho de 2009.

 

 

 

 

 

 

Luiz Fernando Boller

RELATOR

Como citar e referenciar este artigo:
TJ/SC,. Agravo de Instrumento n. 2009.019334-0, da Capital, Rel. Des. Luiz Fernando Boller. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2009. Disponível em: https://investidura.com.br/jurisprudencias/tjsc/agravo-de-instrumento-n-2009019334-0-da-capital-rel-des-luiz-fernando-boller/ Acesso em: 20 abr. 2024