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STF – ADI 1.221-5 RJ

Supremo Tribunal Federal

COORD. DE ANÁLISE DE JURISPRUDÊNCIA D.J. 31.10.2003

09/10/2003                          EMENTÁRIO N° 2.130-1                               TRIBUNAL PLENO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.221-5 RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO

REQUERENTE: PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA                                                           

REQUERIDO: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

EMENTA:                                 CONSTITUCIONAL.        MUNICÍPIO.      SERVIÇO FUNERÁRIO. C.F., art. 30, V.

I.                                – Os serviços funerários constituem serviços municipais, dado que dizem respeito com necessidades imediatas do Município. C.F., art. 30, V.

II.                            – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por decisão unânime, julgar procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade do inciso V do artigo 13 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e da Lei nº 2.007, de 08 de julho de 1992, do mesmo Estado. Votou o Presidente. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Nelson Jobim, Marco Aurélio e Maurício Corrêa.

Brasília, 09 de outubro de 2003.

SEPÚLVEDA PERTENCE – PRESIDENTE

CARLOS VELLOSO – RELATOR

 


AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 1. 221-5 RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO

REQUERENTE: PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

REQUERIDO:       ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

RELATÓRIO

O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, com fundamento no art. 103, VI, da Constituição Federal, propõe ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de suspensão cautelar, do inciso V do art, 13 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, bem como da Lei estadual 2.007, de 08 de julho de 1992, que dispõem sobre a gratuidade de sepultamento e dos procedimentos a ele necessários, inclusive o fornecimento de esquife para os que percebem até um salário mínimo, os desempregados e os reconhecidamente pobres.

As normas impugnadas têm o seguinte teor:

Constituição do Estado do Rio de Janeiro:

“Art. 13São gratuitos para os que perceberem até 1 (um) salário mínimo, os desempregados e para os reconhecidamente pobres, na forma da lei:

(…)

V – o sepultamento e os procedimentos a ele necessários, inclusive o fornecimento de esquife peio concessionário de serviço funerário.”

Lei estadual 2.007, de 08 de julho de 1992:

“Art. Io – Fica obrigatória a impressão do disposto no art. 13 da Constituição Estadual, em todas as vias dos talonários de recibo e notas fiscais dos permissionários de serviços funerários.

§ Io – A impressão de que trata o caput deste artigo deverá ocupar, no mínimo 2/3 (dois terços) do verso dos documentos mencionados, dando-se especial destaque ao inciso V do referido artigo.

Art. 2o – A inobservância do disposto no artigo anterior sujeitará o titular do serviço ou seu substituto legal às seguintes penalidades:

I                         advertência;

II                       – multa diária de no mínimo 100 (UFERJ);

III                          – suspensão temporária de inscrição

estadual;

IV                       cassação da inscrição estadual.

§ Io – A penalização do infrator levará em consideração se o mesmo é reincidente, bem como a gravidade do fato.

§2° – A devolução dos valores recebidos indevidamente pelas permissionárias será feita imediatamente após a constatação da infração e a devida lavratura das penalidades aplicadas.

Art. 3oSão competentes para denunciar as infrações à presente Lei:

a)                       a vítima;

b)                       associações de defesa dos direitos humanos;

c)                       sindicatos, federações ou confederações;

d)                       Ordem dos Advogados do Brasil.

Art. 4o – Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

Sustenta o requerente, em síntese, o seguinte:

a)                        afronta ao art. 30, V, da C.P., dado que compete aos Municípios a organização e prestação, direta ou sob o regime de concessão ou permissão, dos serviços públicos de interesse local;

b)                        entendimento da doutrina e da jurisprudência no sentido de que o serviço funerário é da competência municipal, mormente porque diz respeito a atividades de precípuo interesse local, quais sejam, a confecção de caixões, a organização de velório, o transporte de cadáveres e a administração de cemitérios.

O Supremo Tribunal Federal, em 27.04.95, deferiu o pedido de medida liminar para suspender, até a decisão final da ação, os efeitos do inciso V do art. 13 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e da Lei estadual 2.007/92 (fls. 100/106).

Solicitadas informações (fls. 24 e 26), o Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro as prestou (fls. 28/61), sustentando, em síntese, o seguinte:

a)                          inexistência de afronta à Constituição Federal,porquanto a Constituição Estadual, em seu art. 240, reproduz a norma contida no art. 30, V, da C.F.;

b)                        relevância social da norma. Impugnada, uma vez que o Constituinte Estadual ao estatuir as regras contidas no art. 13, V, exercitou competência que lhe foi atribuída pela Carta Magna, movido por relevante postura humanística, procurando garantir aos indivíduos menos favorecidos um minus de dignidade humana, garantindo-lhes um funeral e sepultamento dignos, valores estes fundamentais para a humanidade e em especial para o cristão” (fl. -34);

c)                        natureza regulamentar da Lei estadual 2.007/92, o que inviabiliza a sua impugnação por meio de ação direta de constitucionalidade.

O então Advogado-Geral da União, Dr„ Geraldo Magela da Cruz Quintão, sustentou, preliminarmente, que “não cabe ação direta de inconstitucionalidade com relação a atos meramente regulamentares, ainda que possuam a forma de leis, porquanto, neste caso, a questão se coloca no plano da legalidade e não da constitucionalidade”, o que obsta o conhecimento da presente ação no que se refere à Lei estadual 2.007/92. No mérito, manifestou-se pela constitucionalidade do inciso V do art. 13 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro (fls. 64/7 1)

 

O eminente Procurador-Geral da República, Prof. Geraldo Brindeiro, opinou pela procedência do pedido de declaração da inconstitucionalidade formulado na presente ação (fls. 73/76).

Instado a se manifestar (fl. 79), o autor informou que todos os dispositivos impugnados permanecem em vigor (fls. 89/98).

Autos conclusos em 26.06.2002.

 

VOTO

O Sr. Ministro CARLOS VELLOSO (Relator): Os serviços funerários constituem, na verdade, serviços municipais, tendo em vista o disposto no art. 30, v, da Constituição: aos Municípios compete “organizar e prestar, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, os serviços de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”. Interesse  local  diz  respeito a  interesse que diz de perto com as necessidades imediatas do Município. E não há dúvida que o serviço funerário diz  respeito com necessidades imediatas do Município. Leciona Hely Lopes Meirelles que o serviço funerário é da competência municipal, por dizer respeito a atividades de precípuo interesse local, quais sejam, a confecção de caixões, a organização de velório, o transporte de cadáveres e a administração de cemitérios”. (Hely Lopes Meirelles, “Direito Municipal Brasileiro”, 10ªed., 1998, atualizada por Izabel Camargo Lopes Monteiro e Célia Marisa Prendes, Malheiros Editores, pág. 339). Esse entendimento é tradicional no Supremo Tribunal Federal, conforme se vê do decidido no RE 49.988/SP, Relator o Ministro Hermes Lima, cujo acórdão está assim ementado:

“EMENTA: Organização de serviços públicos municipais. Entre estes estão os serviços funerários. Os municípios podem, por conveniência coletiva e por lei própria, retirar a atividade dos serviços funerários do comércio comum.” (RTJ 30/155).

Com propriedade, escreve o ilustre Procurador-Geral da República, no parecer de fls. 73/76:

“(…)

6.                                           De fato, em confronto com o art. 30, inciso V, da Constituição Federal, que determina competir aos Municípios organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços de interesse local, o art. 13 da Constituição Estadual, com redação dada pela Lei 2.007/92, estabelece a gratuidade do sepultamento e dos procedimentos a ele necessários, inclusive o fornecimento de esquife pelo concessionário de serviço funerário.

7. Apesar de difícil conceituação, a expressão interesse local (art. 30, inciso V, da CF) funciona como catalizador dos assuntos de competência municipal e refere-se àqueles interesses que dizem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, ainda que venham a gerar reflexos no interesse regional. Nesse contexto, salvo as conhecidas hipóteses de interesse local previstas na Constituição, as demais deverão ser analisadas caso a caso, vislumbrando-se qual o interesse predominante (princípio da predominância do interesse local).

8.                                           Destarte, a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (RE 49988/SP, RTJ 30/155), em consonância com a autorizado magistério de HELY LOPES MEIRELLES, em discussão semelhante a dos presentes dos autos, reconheceu ser competência municipal os serviços funerários por dizer respeito a atividades de princípio interesse local ‘quais sejam, a confecção de caixões, a organização de velório transporte de cadáveres e a administração de cemitérios. As três primeiras podem ser delegadas pela Municipalidade, com ou sem exclusividade, a particulares que se proponham executá-las- mediante concessão ou permissão, como pode o Município realizá-las por suas repartições, autarquias ou entidade paraestatais(in Direito Municipal Brasileiro, Editora Revista dos Tribunais, 3a edição)

9.                                           Logo, forçoso concluir que não há, num exame mais acurado e de cognição exauriente, razão para se modificar o entendimento esposado por esse Excelso Pretório quando do julgamento da medida cautelar.

(…)” (fls. 75/76}.

Do exposto, julgo procedente a ação e declaro a inconstitucionalidade do inciso V do art. 13 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro e da Lei 2,007, de 08.7.92, do mesmo Estado.


PLENÁRIO

EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.221-5

PROCED.: RIO DE JANEIRO

RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO

REQTE.: PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

REQDO.: ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Decisão: O Tribunal julgou procedente a ação direta  para declarar a inconstitucionalidade do inciso V do artigo 13 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, e da Lei nº 2.007, de 08 de julho de 1992, do mesmo Estado. Votou o Presidente. Decisão unânime. Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Nelson Jobim, Marco Aurélio e Mauricio Correa, Presidente.  Presidiu o julgamento o Senhor Ministro Sepúlveda Pertence. Plenário, 09.10.2003.

Presidência do Senhor Ministro Sepúlveda Pertence. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Carlos Velloso, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Cezar Peluso, Carlos Britto e Joaquim Barbosa.

Vice-Procurador-Geral da Republica, Dr. Antônio Fernando Barros e Silva de Souza.

Luiz Tomimatsu

Coordenador

Como citar e referenciar este artigo:
STF,. STF – ADI 1.221-5 RJ. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/jurisprudencias/stf/stf-adi-1221-5-rj/ Acesso em: 29 mar. 2024
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STF – RE 158.676-1 – MG

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