OAB/ES

OAB-ES repudia declarações racistas de professor universitário

05 | 11 | 2014

OAB-ES repudia declarações racistas de professor universitário

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Espírito Santo (OAB-ES) repudiou as declarações feitas pelo professor de Economia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Manoel Luiz Malagutti, de que “se tivesse que escolher entre dois médicos com o mesmo currículo, um branco e um negro, escolheria ser tratado por um branco”. Malagutti fez esta afirmativa em sala de aula, na última segunda-feira (03), reafirmada em entrevistas concedidas à imprensa capixaba.

“Esse discurso desborda para além da violência, porque ele comete o crime de injúria racial, previsto no Artigo 140 do Código Penal, quando perante um auditório de alunos em que metade da turma é cotista, e parte, cotista negra, ele ofende a dignidade dessas pessoas. Mais além, em um discurso com um viés discriminatório étnico-racial de forma generalizada, ele atinge toda população negra, o que configura crime de racismo”, disse o presidente da Comissão de Igualdade Racial da Seccional, o advogado José Roberto Andrade.

“Lamentavelmente a posição do professor não é isolada. O discurso representa um segmento da sociedade. Muitas pessoas não concordam com a forma de inclusão que tem sido feita nos últimos anos no Brasil, por meio das ações afirmativas, que é uma política governamental discriminatória de fato, mas é o que chamamos de discriminação positiva, para incluir. Ou seja, você pega um segmento marginalizado, economicamente desfavorecido historicamente, e cria igualdade de acesso e oportunidade. São políticas que existem para reparação dessa injustiça”, enfatizou.

O presidente da Comissão salientou que “ao falar que as pessoas mais pobres, pela sua origem, serão necessariamente alunos com deficiências de aprendizagem na universidade, o professor traz várias desinformações”. “Primeiro, do ponto de vista estatístico. O aluno da cota precisa passar por um processo de seleção e pontuar para ingressar na universidade. Segundo, estatisticamente os alunos cotistas possuem rendimentos acima da média. Do ponto de vista da qualificação, depois de profissionais lançados no mercado, não há nenhuma estatística a amparar o discurso do professor, dizendo que esses alunos cotistas são mais desqualificados. Então, sob todos os aspectos, o discurso deste professor traz uma carga de preconceito e carga pejorativa muito grande.”

José Roberto Andrade ressaltou: “Eu entrei na universidade na década de 80, em um sistema pré-cotas. Então, eu estaria no que ele chama de margem de erro. Eu não me considero uma margem de erro e me sinto tão ofendido em minha dignidade quanto o desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, Willian Silva, que é negro e representou contra ele.”

A Ordem vai acompanhar o procedimento administrativo de sindicância na Ouvidoria da universidade e o procedimento judicial, porque os alunos representaram contra o professor na delegacia de Polícia Civil.

Afastamento

Testemunhas das declarações feitas pelo professor Manoel Luiz Malaguti, os estudantes do segundo período de Ciências Sociais não terão mais que assistir às aulas dele.
A reitoria da Ufes decidiu que ele não dará mais aulas a essa turma. O motivo é a garantia da integridade física e psicológica tanto do professor quanto dos estudantes.

Além disso, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Cepe) recomendou à sindicância aberta para apurar as declarações do professor que ele seja afastado de todas as atividades que realiza na Ufes. “Recebemos estudantes chorando e vimos que não há condições de haver aula com aquele professor”, contou Ethel Maciel, vice-reitora da Ufes.

O reitor Reinaldo Centoducate ponderou que isso ainda precisa ser mais bem analisado, já que seria necessário conseguir substitutos para todas as turmas em que Malaguti dá aulas.

Em entrevista concedida ao portal Gazetaonline, o professor admitiu algumas das afirmações: “No meio de uma discussão sobre cotas e sobre o sistema educacional, eu coloquei que se tivesse que escolher entre dois médicos, um branco e um negro com o mesmo currículo, escolheria um branco.”

A comissão da sindicância tem 30 dias para concluir a apuração, mas o reitor Centoducate acredita que o prazo seja menor porque o professor confirmou em entrevistas algumas de suas declarações. O resultado da sindicância será usado para abertura de um inquérito administrativo, que terá prazo de 90 dias para ser concluído. O relatório então será encaminhado para a reitoria, que decidirá qual a possível punição ao professor.

Para que sua decisão não seja questionada, o reitor preferiu não opinar sobre a situação, mas afastou da universidade qualquer intenção discriminatória. “Não compactuamos com qualquer tipo de discriminação. Repudiamos qualquer ação discriminatória”, garantiu Centoducate.

As punições ao professor podem ser advertência oral, advertência na ficha funcional, suspensão e exoneração. O professor já respondeu a quatro processos administrativos, com punições que variaram de multa a suspensão por 30 dias.

O Ministério Público Federal abriu procedimento para apurar caso e professor será alvo de investigação criminal. O procurador da República Ercias Rodrigues de Sousa solicitou que a Ufes apresente informações sobre o professor, sobre a lista de presença dos alunos e a cópia da representação contra Malaguti.

“A partir daí vamos ouvir os alunos que presenciaram o fato e também o professor”, declarou o procurador da República, em texto divulgado pelo MPF/ES.

O procedimento do Ministério Público Federal foi instaurado após representação apresentada pelo desembargador Willian Silva. “Ele deveria ficar calado. A cada vez que ele fala, está piorando a situação dele porque ele continua ratificando a posição preconceituosa dele, a posição racista, nazista, segregacionista dele”, disse o desembargador, em entrevista à Rádio CBN Vitória.

Um servidor público federal, indignado com as declarações de Malaguti, encaminhou também à Procuradoria da República no Estado uma representação criminal contra o professor da Ufes. Escrivão especial da Polícia Federal, Marcos Valério Lima Barbosa diz que sentiu-se ofendido em sua dignidade humana e discriminado como cidadão negro. Formado em Direito, ele afirma que o professor praticou crime de injúria racial. “É um absurdo. Hitler começou assim”, diz Barbosa, referindo-se a Malaguti.

Cotistas

Com relação às afirmações do professor Manoel Luiz Malaguti de que estudantes cotistas têm desempenho inferior ao de outros universitários, o reitor da Ufes afirmou: “Ele está equivocado. Na média, os estudantes que entram sem cotas são equivalentes ao de cotas.”
Pesquisa realizada de 2008 a 2011 mostrou que estudantes cotistas e não cotistas possuem desempenho similares. O levantamento considerou desempenho de todos os alunos de 72 cursos. A Ufes adota reserva de vagas desde 2007.

“Em 60% desses cursos os estudantes cotistas tiveram desempenho igual ou superior ao de não cotistas”, afirma Maria Auxiliadora Corassa, pró-reitora de Graduação. “O fato de ser cotista, não é determinante para o desempenho”, ressaltou a pró-reitora.

O professor disse que é preciso diminuir o nível das aulas para atender a estudantes negros cotistas. “Eles têm muito mais dificuldades de acompanhar determinadas exposições”, disse em entrevista publicada no jornal A Gazeta.

O reitor da Ufes garantiu que a universidade presta assistência aos universitários e dá condições de estudo a eles. “R$ 14 milhões por ano, de verba federal, são investidos em assistência estudantil. Além disso, colocamos mais R$ 10 milhões. Recebem assistência 4.132 estudantes. Desses, 555 são negros”, detalhou o reitor. Entre as ajudas estão auxílio transporte, moradia permanente, alimentação e auxílio língua estrangeira.

Indignação

As declarações do professor ecoaram entre estudantes, principalmente cotistas. “Até hoje, as pessoas do gueto são discriminadas. Sou muito a favor da política de cotas”, afirma Bruno Lima dos Santos, 18, morador de Cariacica e estudante de Geografia na Ufes.

“O que ele disse é um absurdo. Nunca vou ter coragem de estudar com um professor que me ache menos capaz do que um colega branco”, disse o estudante Jorge Malta, 22 anos. A estudante Ester Dias, 22, completa: “Antigamente, as universidades eram brancas. Agora, felizmente, não é mais assim. Sou a favor das cotas”.  

 
Com informações do site Gazetaonline

Fonte: OAB/ES

Como citar e referenciar este artigo:
NOTÍCIAS,. OAB-ES repudia declarações racistas de professor universitário. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/noticias/oabes/oab-es-repudia-declaracoes-racistas-de-professor-universitario/ Acesso em: 25 abr. 2024