MPF/MG

Justiça decreta bloqueio de bens de deputado federal e de oito prefeitos mineiros

Decisão visa garantir ressarcimento aos cofres públicos por danos oriundos de fraudes na aplicação de verbas do Ministério do Turismo

18/12/2012

Governador Valadares. A Justiça Federal de Governador Valadares decretou a indisponibilidade de bens e valores do deputado federal João Lúcio Magalhães Bifano e de seus assessores Mary Rosane da Silva Lanes e Alysson Januário Hudson.

Também estão com bens indisponíveis os prefeitos Edson Alves de Souza (do município de Divino das Laranjeiras), Altamir Severo da Rocha (Tarumirim), Edmilson Valadão de Oliveira (Marilac), Luiz Denis Alves Temponi (Tumiritinga), Aurélio Cezar Donádia Ferreira (Itabirinha), Wanderley Vieira de Souza (São Félix de Minas), Carlos Vinício de Carvalho Soares (Frei Inocêncio) e Ildeu Oliveira e Silva (São José da Safira); os ex-prefeitos Gilcleber Bento de Souza (Alpercata), Walter de Almeida (Coroaci) e Ageu Diniz de Oliveira (Central de Minas); as empresas In-Market Instituto Mineiro de Marketing Ltda, Carlos Henrique dos Santos-ME e Tamma Produções Artísticas Ltda e os empresários Antônio Carlos Alves dos Santos, Carlos Henrique dos Santos, Jairo Cássia Teixeira e Liliane Oliveira Teixeira.

A decisão foi proferida na Ação de Improbidade Administrativa nº 8934-66.2012.4.01.3813, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) em Governador Valadares.

Os fatos que motivaram a ação têm origem em fraudes praticadas com verbas do Ministério do Turismo para a realização de eventos festivos em municípios da região Leste de Minas Gerais. Foram encontradas irregularidades em 19 convênios firmados entre os anos de 2007 e 2009, que, juntos, movimentaram R$ 3.710.650,00.

Segundo a ação, o modus operandi da fraude é similar ao de outros esquemas que envolveram desvio de verbas públicas federais: recursos direcionados por meio de emendas parlamentares, fraudes em licitação e superfaturamento. A diferença é que o novo esquema envolvia a realização de eventos festivos, com a contratação de artistas e bandas de música, numa modalidade de utilização de recursos públicos que não deixa rastros evidentes como os que se encontra, por exemplo, em obras inacabadas.

“Ao que tudo indica, houve uma migração das fraudes para o Ministério do Turismo. Os números, fornecidos pela Controladoria-Geral da União, falam por si sós: em 2007, foram destinados R$ 70.310.000,00 em emendas parlamentares ao Ministério do Turismo; em 2008, R$ 279.655.000,00; e, em 2009, R$ 432.675.000,00. Como se vê, em apenas dois anos, houve um surpreendente aumento de cerca de R$ 360 milhões na destinação de verbas públicas federais, por meio de emendas parlamentares, ao Ministério do Turismo”, informa o procurador da República Bruno Magalhães, autor da ação.

Como se deu a descoberta do novo esquema

A primazia pela descoberta desse “novo” esquema de desvio de recursos públicos federais coube à Procuradoria da República em Governador Valadares.

Em meados de 2008, o procurador da República Zilmar Drumond, então em atuação naquela unidade do MPF, teve conhecimento de que o Município de Central de Minas iria realizar uma licitação para contratar empresa que organizasse um evento chamado Festa do Estudante. O detalhe é que, antes de a própria licitação acontecer, os sete artistas – um deles de visibilidade nacional – já haviam sido contratados e estavam sendo anunciados nos cartazes de divulgação da festa, que estavam sendo distribuídos e traziam inclusive a logomarca da empresa organizadora.

A prova evidente de que a licitação não passava de uma fraude chamou a atenção do MPF, que instaurou procedimento administrativo para investigar o caso e requisitou ao Ministério do Turismo a relação de todos os eventos realizados no ano de 2008 nos municípios situados na área de atribuição da Justiça Federal em Valadares, com a remessa da documentação relativa aos convênios. Foi instaurado um inquérito civil público para cada convênio.

O desenrolar das investigações acabou mostrando que o esquema acontecia em diferentes municípios do estado, com a participação dos mesmos personagens: deputados federais e empresas organizadoras de eventos. Posteriormente, com a entrada em cena da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União, descobriu-se que o esquema das festas com verbas do Ministério do Turismo havia se espalhado por todo o país. Com isso, outras unidades do Ministério Público Federal também começaram a atuar no caso e a investigar o esquema em seus estados.

Falsos contratos de exclusividade – O MPF explica que a execução de um evento festivo envolve a realização de duas atividades distintas: a contratação dos artistas que se apresentarão na festa e a contratação de empresa que ficará responsável pela montagem da estrutura do evento, como palco, iluminação, segurança, etc.

“Fato é que as irregularidades tinham início na própria confecção do Plano de Trabalho que era apresentado, pelo município, ao Ministério do Turismo, para a obtenção da verba”, diz Bruno Magalhães.

Plano de Trabalho é o instrumento por meio do qual o solicitante formula seu pedido de verba, explica em que ou para que ela será aplicada, e especificao todas as etapas ou fases da execução, bem como o plano de aplicação dos recursos financeiros. Para demonstrar que não está pedindo uma quantia desarrazoada, o município solicitante deve juntar orçamentos apresentados por três empresas distintas.

No caso, os planos de trabalho indicavam inclusive os artistas que se apresentariam nos eventos, mas essa indicação não tinha caráter objetivo. Os artistas indicados no Plano de Trabalho eram aqueles com quem já havia sido feita uma negociação prévia, por meio da qual assegurava-se uma tal “carta de exclusividade”.

Essa carta garantia a primeira fraude, que era permitir que a empresa que a detinha fosse contratada pelo procedimento de inexigibilidade de licitação: se essa empresa era a única que detinha os direitos sobre aquele artista, não haveria necessidade de disputa.

“A questão é que as empresas participantes do esquema não empresariavam de verdade os artistas contratados para os eventos. Elas negociavam a chamada carta de exclusividade apenas e unicamente para os dias do evento, inserindo um custo a ser cobrado pela apresentação em valor muito superior ao que seria efetivamente pago ao contratado. No final, a empresa contratada recebia do município os valores superfaturados e pagava, aos artistas, cachês inferiores ao que constava do plano de trabalho”, afirma Bruno Magalhães.

Um aspecto que chamou a atenção é que eram pagos valores muito discrepantes, a um mesmo artista, para apresentar-se em eventos distintos, indicando que, na verdade, os custos lançados nos planos de trabalho estavam relacionados ao valor da emenda a ser direcionada pelo respectivo parlamentar e não ao valor real da contratação.

Os próprios orçamentos apresentados pelas prefeituras para subsidiar o valor lançado no plano de trabalho eram, todos eles, elaborados pelos réus.

Outra frente de atuação consistia na escolha da empresa para a montagem da estrutura do evento e também se dava mediante fraude: os envolvidos escolhiam, previamente, quem seria a empresa vencedora do processo licitatório e cuidavam apenas de simular uma licitação, mediante a participação de empresas fantasmas constituídas em nome de laranjas, apenas para dar aparência de legalidade ao certame e camuflar os atos de improbidade.

“Feito isso, o saldo entre o que era recebido do município pela empresa vencedora da licitação fictícia e o que era efetivamente gasto por ela na realização do objeto do certame – que constituía o lucro da atividade ímproba – era posteriormente repartido entre os integrantes do esquema”, afirma o procurador da República.

Houve casos em que o município realizou uma única licitação para execução de todo o objeto do convênio: uma só empresa ficava responsável pela contratação dos artistas e pela montagem da estrutura do evento. Mas a contratação, também nesses casos, deu-se de forma irregular, com direcionamento da licitação e superfaturamento.

João Magalhães – O MPF destaca o papel exercido, no esquema, pelo deputado federal João Magalhães.

“Em verdade, pode-se afirmar, com convicção, que JOÃO MAGALHÃES BIFANO foi o grande mentor desse esquema e cuidou direta e pessoalmente de sua execução, bem como dele se beneficiou, direta e indiretamente”, afirma a ação.

Essa participação restou comprovada a partir de material colhido durante as investigações realizadas no curso de outra operação, a João de Barro. O relatório elaborado pela Polícia Federal demonstra que o gabinete do deputado federal funcionou com uma verdadeira “central de operação do esquema de desvio de verbas públicas federais decorrentes de emendas destinadas ao Ministério do Turismo”.

Além de escolher os municípios que seriam agraciados com as verbas, ele ainda designou seus assessores para auxiliar os prefeitos na montagem de toda a documentação simulatória destinada a encobrir as fraudes que eram praticadas.

A partir dos dados relativos às emendas parlamentares publicados no site da Câmara dos Deputados, o MPF também chama a atenção para o papel do deputado na própria migração das fraudes para o Ministério do Turismo: em 2004, João Magalhães destinou apenas 50 mil reais à realização de eventos pelo Ministério do Turismo; em 2005, nenhuma verba, sendo que a maioria de suas emendas foram direcionadas a obras de saneamento básico; em 2006, ele destinou 500 mil reais de um total de cinco milhões em emendas em que a maioria destinava-se a obras de saneamento e saúde; em 2007, R$ 1 milhão de um total de 6 milhões também, em sua maioria, destinadas a obras de saneamento básico e saúde; em 2008, R$ 7.890.000,00, de um total de R$ 8 milhões de reais; em 2009, R$ 5.500.000,00; em 2010, R$ 6.800.000,00; em 2011, R$ 2 milhões, de um total de R$ 13 milhões de reais; em 2012, nenhuma verba.

“Como se vê, em 2008, ano em que foi praticada a quase totalidade dos atos de improbidade objeto da ação de improbidade, João Lúcio Magalhães Bifano destinou quase 100% de suas emendas parlamentares à realização de eventos festivos pelo Ministério do Turismo”, lembra o procurador da República.

Para ele, “é incomum que um deputado federal que, poucos anos antes, não destinara nenhuma verba à realização de eventos pelo Ministério do Turismo passe, repentinamente, a destinar praticamente todas as suas emendas parlamentares a esse fim. É igualmente incomum que, passados poucos anos desde essa curiosa conduta, tenha ele retornado ao status quo e não tenha destinado nenhuma verba a esse fim”.

O procurador também ressalta que “os anos em que João Magalhães destinou a maior parte de suas emendas parlamentares às áreas da saúde e a obras de saneamento básico foram justamente aqueles em que houve intensa atuação do grupo envolvido na Máfia das Sanguessugas e na Operação João de Barro”.

Segundo o MPF, foram colhidas provas materiais da participação do deputado no esquema, com documentos que comprovam sua ligação com as empresas organizadoras dos eventos e com a elaboração dos planos de trabalho apresentados pelas prefeituras.

Para o juiz federal que decretou a indisponibilidade de bens, “Os diálogos transcritos na inicial (…) também são indiciários de que a atuação do requerido JOÃO LÚCIO MAGALHÃES BIFANO não se limitava à apresentação de emendas parlamentares para autorização das despesas na lei orçamentária. Indicam que o requerido exercia influência concreta sobre as pessoas responsáveis pela celebração e execução dos convênios pelos quais autorizados, na via administrativa, o repasse dos recursos autorizados no orçamento e a execução das depesas”.

16 dos 19 convênios citados na ação originaram-se de emendas parlamentares de autoria de João Magalhães. Excetuam-se os convênios celebrados pelos municípios de Itabirinha de Mantena e Frei Inocêncio, que decorreram de emendas do deputado federal Carlos Willian de Souza.

Carlos Willian também é réu na ação, mas não teve os bens bloqueados pelo juízo, sob o fundamento de que a prova contra ele menciona convênios diversos dos elencados na ação e o bloqueio dos bens está restrito aos valores superfaturados nos convênios expressamente citados pelo MPF.

Os valores bloqueados totalizam mais de 14 milhões de reais e destinam-se a assegurar o ressarcimento ao erário e o pagamento de multa civil, por cada um dos réus, pela prática dos atos de improbidade.

A Procuradoria da República em Governador Valadares encaminhará à Procuradoria-Geral da República, em razão do foro privilegiado dos deputados federais, representação para análise das medidas criminais eventualmente cabíveis em relação aos fatos.

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Fonte: MPF/MG

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NOTÍCIAS,. Justiça decreta bloqueio de bens de deputado federal e de oito prefeitos mineiros. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/noticias/mpfmg/justica-decreta-bloqueio-de-bens-de-deputado-federal-e-de-oito-prefeitos-mineiros/ Acesso em: 28 mar. 2024