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MPF recomenda retirada de projeto de lei que negocia imóveis públicos em Belo Horizonte

Segundo a recomendação, projeto contém vícios de origem, viola direitos constitucionais e pode acarretar danos ao patrimônio público

01/06/2012

Belo Horizonte. A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), recomendou à Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PBH) a retirada do Projeto de Lei nº 1.698/2011, que tramita na Câmara Municipal, em razão de vícios insanáveis na sua concepção.

Também foi recomendado que a PBH promova ampla discussão pública sobre o estoque de terras municipais e a sua destinação, em cada situação específica, observando a finalidade de uso socialmente justo e ambientalmente sustentável, para garantir o melhor aproveitamento dos imóveis públicos municipais de acordo com o interesse da população de Belo Horizonte.

O Projeto de Lei 1698/2011, aprovado em 1º turno pela Câmara Municipal, pretende desafetar, para venda, 120 imóveis públicos municipais, entre eles, ruas, áreas verdes, lotes vazios, lotes já desapropriados, lotes ocupados pela iniciativa privada para fins comerciais e lotes ocupados por populações de baixa renda, com a remoção forçada dessas famílias.

Segundo o MPF, o projeto padece de vício insanável, porque a exigência legal de motivação de interesse público, na alienação de imóveis da Administração Direta ou Indireta, deve ser indicada caso a caso, não em massa como pretende o PL 1698/2011.

Os próprios motivos alegados pela prefeitura são postos em dúvida pelo Ministério Público Federal. A PBH alega que a finalidade da alienação seria a aquisição de recursos financeiros a serem destinados aos programas municipais de habitação.

Para a procuradora regional dos Direitos do Cidadão, “essa motivação arrecadatória não se confirma diante do reduzido valor atribuído aos imóveis, com preços muito inferiores aos praticados pelo mercado. Além disso, e contraditoriamente, a carência de equipamentos urbanos em Belo Horizonte não se deve à falta de recursos financeiros, passíveis de serem captados por meio de tributos e convênios com o Governo Federal, mas sim à própria falta de estoque de terras públicas urbanas destinadas a esse fim”.

A própria prefeitura, por ocasião do lançamento do Programa Minha Casa, Minha Vida, chegou a anunciar que o baixo número de unidades habitacionais [1.456] produzidas para a população de baixa renda – menor, inclusive, do que as lançadas em Betim, Uberlândia, Uberaba e Juiz de Fora – deveu-se à pouca disponibilidade de terras na capital.

“Portanto, considerando-se que o déficit habitacional atualmente em Belo Horizonte está em torno de 70.000 moradias, fica difícil entender como a PBH possa abrir mão desses bens a pretexto de compor o Fundo Municipal de Habitação”, afirma Silmara Goulart.

Privatização do patrimônio público – Segundo o MPF, a nova ordem jurídico-urbanística brasileira traz um novo paradigma da propriedade e da cidade, superando a visão privatista e liberal do Código Civil de 1916. “Na prática, isso significa que o Poder Público está sujeito aos ditames constitucionais e às normas postas pelo Estatuto da Cidade, entre elas, o dever de gerir a terra pública de forma a garantir o direito a cidades sustentáveis, que é entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”.

De acordo com a PRDC, “o processo de privatização do patrimônio público, mediante a venda de terras municipais para o mercado imoibiliário, frustra a possibilidade de democratização dos espaços de poder e de acesso à terra urbanizada e central para as populações mais vulneráveis, impondo um modelo de periferização da pobreza não mais tolerado pela nova ordem constitucional”.

O MPF chama a atenção para o fato de que o projeto de lei foi elaborado sem exigir qualquer destinação econômico-social do uso das terras, mesmo porque, deixando o imóvel de ser público, não haverá controle por parte da Administração Pública, acerca da destinação dada a esses bens. “É difícil de acreditar que terrenos situados em locais de grande especulação imobiliária possam ser destinados, após passar ao setor privado, a finalidades sociais”, afirma Silmara Goulart.

Ela lembra ainda que é preciso resguardar o patrimônio público, já que, a longo prazo, o que se vê é o gasto de vultosos recursos em processos de desapropriação, para reverter ao Município antigas terras públicas incorporadas indiscriminadamente ao domínio privado. “O contrário também acontece. Há notícia de que entre os terrenos a serem vendidos figuram imóveis desapropriados para a implantação de equipamentos públicos e que, agora, serão postos à venda, para retornarem novamente ao domínio privado”.

Impactos – O MPF também abordou, na recomendação, a falta de estudos prévios sobre os impactos ambientais e urbanísticos da venda indiscriminada dos imóveis públicos localizados em diversos bairros da capital.

“O PL contraria o próprio Plano Diretor e as diretrizes da Política Habitacional de Belo Horizonte e afetará a qualidade de vida da presente e das futuras gerações, ao alienar, de forma indiscriminada, terras públicas essenciais para a implantação de políticas nas diversas áreas de habitação, educação, saúde, assistência social, esporte e lazer, bem como para manutenção da função ambiental da cidade e da qualidade de vida nos centros urbanos”, explica a procuradora da República.

Ela diz que, “diante de todas essas irregularidades, expedimos a Recomendação para resguardar os interesses difusos afetados pelo projeto de lei. É obrigação do Ministério Público agir quando há ameaça à ordem urbanística e ao direito a uma cidade sustentável, conforme art. 1º, VI da Lei 7347/85, incluído pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 2011. No caso da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, o artigo 13 da Lei Complementar 75/93 expressamente nos autoriza, em caso de violação a direitos constitucionais, a notificar os responsáveis para que façam cessar o desrespeito verificado”.

Se a recomendação não for atendida, a PRDC “representará ao poder ou autoridade competente para promover a responsabilidade pela ação ou omissão inconstitucionais” (artigo 14 da LC 75/93), que, no caso, será o Ministério Público Estadual .   

Foi concedido prazo de 10 dias para o prefeito municipal informar se irá atender a recomendação, encaminhada a ele na última quarta-feira, 30/05.   

Clique aqui para ter acesso ao inteiro teor da Recomendação.

Assessoria de Comunicação Social
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Fonte: MPF/MG

Como citar e referenciar este artigo:
NOTÍCIAS,. MPF recomenda retirada de projeto de lei que negocia imóveis públicos em Belo Horizonte. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/noticias/mpfmg/mpf-recomenda-retirada-de-projeto-de-lei-que-negocia-imoveis-publicos-em-belo-horizonte/ Acesso em: 19 abr. 2024