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O juiz invisível

Na iniciativa privada, o profissional que luta pelo incremento da sua remuneração logo obtém o título de empreendedor. Ao magistrado, por sua vez, imputa-se a ideia de que suas necessárias equidade, sabedoria, abdicação, humildade retiram-lhe a faculdade de lutar, não pelo incremento, mas pela preservação de sua remuneração – aviltada, há seis anos, pela insuficiência e, posteriormente, ausência de reajuste.

A posição de não participação na Semana Nacional de Conciliação como forma de protesto contra a desvalorização das carreiras da magistratura não é negativa de jurisdição, tampouco merece o aplauso da sociedade – que é evidentemente lesada diante da suspensão da prestação célere e eficiente realizada cotidianamente pelos magistrados federais e trabalhistas em todo o país. Postura tal revela, isso sim, a visão que a sociedade tem da figura do juiz: um ser invisível. Não tem necessidades, nem contas a pagar, nem pretensões de qualquer ordem; nada lhe é legitimado além do desejo desapegado de prestar a jurisdição do modo mais discreto possível, quase inodoro. Não obstante a capacidade intelectual e técnica, de profissional não se trata. Reclamar salário soa como heresia. Exatamente por isso, somente se lhe percebem a presença quando deixa de atuar. Infelizmente. O impacto da não realização de milhares de audiências de conciliação pelo Brasil afora deve ser visto como um convite à reflexão: Que juiz a sociedade quer ter?

Em tempos de mensalão, em que a cúpula do Poder Judiciário atua de forma televisionada, até o mais distraído cidadão consegue perceber a importância de termos juízes independentes, corajosos, instruídos e verdadeiramente comprometidos com o ideal de justiça. Aliás, ideal esse que tem um alto preço – todo juiz (de carreira, ao menos) é uma pessoa que dedicou muitas e muitas horas de sua vida aos estudos; que vive em um certo grau de isolamento social, posto que está sempre contrariando interesses; e que, por imposição constitucional, abriu mão, definitivamente, de ser um empreendedor, pois, além de juiz, somente poderá exercer um cargo de professor. O sucateamento das carreiras da magistratura já está levando bons profissionais para outras bandas, deixando como legado um Poder Judiciário enfraquecido, despido de sua melhor definição, que é a independência.

A forma como a magistratura vem sendo tratada pela sociedade, pelos poderes Executivo e Legislativo, é o próprio gol contra; contra os legítimos interesses de todos os cidadãos.

Maria Angélica Carrard Benites é juíza federal substituta, Vara do Juizado Federal Previdenciário de Passo
Fundo

Fonte: AJUFE

Como citar e referenciar este artigo:
NOTÍCIAS,. O juiz invisível. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2012. Disponível em: https://investidura.com.br/noticias/ajufe/o-juiz-invisivel/ Acesso em: 19 abr. 2024