Direito do Consumidor

Modelo de Ação Civil Pública com pedido de Tutela Antecipada – tarifa social de energia elétrica

EXMO. SR. DR. JUIZ DA ….. VARA DA JUSTIÇA FEDERAL DA CIRCUNSCRIÇÃO DE …..

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelo Procurador da República signatário, no exercício de suas atribuições constitucionais e legais vem, com fulcro nos Artigos 127 e 129 da Constituição Federal; Artigos 3.º, 5.º e 21 da Lei nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública); Artigo 6.º, inciso VII, alíneas “a” e “d” da Lei Complementar nº 75/93; Artigos 81 e 82 da Lei n° 8.072/90; e Artigos 282 e seguintes do Código de Processo Civil, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA

em face de

Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), na pessoa de seu Diretor-Geral, com endereço à ………….e ……, na pessoa de seu Presidente, com endereço no …….., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

PRELIMINARMENTE

Da legitimidade Ativa do Ministério Público Federal Através da presente ação civil pública exerce o Ministério Público Federal a defesa de direitos individuais homogêneos de relevante caráter social, por abrangerem interesse atinente a universo extenso de hipossuficientes, bem como à própria política energética nacional, que se pauta pelo incentivo ao baixo consumo de energia, de forma a evitar a sobrecarga do sistema. Conforme a lição de Hugo Nigro Mazzilli, verbis:

“…os chamados interesses individuais homogêneos, em sentido lato, na verdade não deixam de ser também interesses coletivos. Encontram-se reunidos por essa categoria de interesses os integrantes determinados ou determináveis de um grupo, categoria ou classe de pessoas que compartilham prejuízos oriundos das mesmas circunstâncias de fato.

“Esse, aliás, é o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, que acolheu o seguinte voto do eminente Ministro Maurício Corrêa, verbis:

No entanto, ao editar-se o Código de Defesa do Consumidor, pelo seu artigo 81, inciso 111, uma outra subespécie de direitos coletivos foi instituída, dessa feita, com a denominação dos chamados interesses ou direitos individuais homogêneos assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Por tal disposição vê-se que se cuida de uma nova conceituação no terreno dos interesses coletivos, sendo certo que esse é apenas um nomem iuris atípico da espécie direitos coletivos. Donde se extrai que interesses homogêneos, em verdade, não se constituem como tertium genus, mas sim como mera modalidade peculiar, que tanto pode ser encaixada na circunferência dos interesses difusos quanto na dos coletivos. (….)

Quer se afirme na espécie interesses coletivos ou particulares ou particularmente interesses homogêneos, strictu sensu, ambos estão nitidamente cingidos a uma mesma relação jurídica-base e nascidos de uma mesma origem comum, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque incluem grupos, que conquanto atinjam as pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais, no sentido do alcance da ação civil pública, posto que sua concepção finalística destina-se à proteção do grupo.

Não está, como o visto, defendendo o Ministério Público subjetivamente o indivíduo como tal, mas sim a pessoa enquanto integrante desse grupo. Vejo dessa forma, que me permita o acórdão impugnado, gritante equívoco ao recusar a legitimidade do postulante, porque estaria a defender interesses fora da ação definidora de sua competência.

No caso, agiu o Parquet em defesa do grupo, tal como definido no Código Nacional do Consumidor (Artigo 81, incisos II e III) e pela Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), cujo artigo 25, inciso IV, letra ” a”, autoriza como titular da ação, dentre muitos, para a proteção de outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos.” (grifos no original, RE163.23l-SP, in Informativo STF n° 62, p. 3/4)

Assim, o grande número de interessados, o reflexo social preponderante do tema e a origem comum do interesse em foco, autoriza, e mais que isso, recomenda que a defesa desses direitos se dê por meio coletivo. Rodolfo de Camargo Mancuso diz, verbis:

“…nos direitos individuais homogêneos, é o fato circunstancial de derivarem de origem comum que lhes confere coalizão, agregação e portanto uniformidade, qualidade essa que, aliada ao expressivo número de sujeitos concernentes, recomenda o ajuizamento da ação em modalidade coletiva.

“A legitimação ativa do Ministério Público para defesa dos interesses individuais homogêneos funda-se na Lei de Ação Civil Pública (Artigos 5º e 21) e no Código de Defesa do Consumidor (Artigo 82) e na própria Constituição Federal, em seu Artigo 127, caput, notadamente ao se referir aos interesses sociais.

O Artigo 21 da Lei nº 7.347/85 dispõe, verbis: “Art-21- Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.

“Houve, portanto, extensão expressa do alcance da ação civil pública à defesa dos interesses e direitos individuais homogêneos ou sociais. Além da legitimidade conferida pelos dispositivos supramencionados, a Lei Complementar n.º 75/93, dispõe em seu Artigo 6.º, verbis:”Art.6º- Compete ao Ministério Público da União: (…) VII- promover o inquérito civil público e a ação civil pública para:

a) proteção dos direitos constitucionais;

b) outros direitos individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.

“É preciso ressaltar, ainda, que a sociedade, como um todo, anseia por instrumentos processuais eficazes para a defesa de direitos, especialmente quando o Poder Público, direta ou indiretamente se encontra na posição de violador desses direitos, transformando, assim, a ação civil pública no mais eficiente instrumento de acesso à Justiça em tais casos.”

O Ministério Público, como exposto, tem, por determinação constitucional, a missão de representar a sociedade perante o Poder Judiciário por via da ação civil pública, levando-lhe as causas de projeção social de forma coletiva, o que torna concreto o acesso à justiça, impedindo uma pulverização de ações versando sobre o mesmo objeto, com o risco inerente de decisões conflitantes.

Esse é o entendimento de nosso E. Superior Tribunal de Justiça em recente acórdão proferido no Mandado de Segurança nº 5.187-DF (97/0027182-0), que teve como Relator o Ministro Humberto Gomes de Barros, cuja ementa a seguir se transcreve, verbis:

“I- As ações coletivas foram concebidas em homenagem ao princípio da economia processual. O abandono do velho individualismo que domina o direito processual é um imperativo do mundo moderno. Através dela, com apenas uma decisão, o Poder Judiciário resolve controvérsia que demandaria uma infinidade de sentenças individuais. Isto faz o Judiciário mais ágil. de outro lado, a substituição do indivíduo pela coletividade torna possível o acesso dos marginais econômicos à função jurisdicional. Em a permitindo, o Poder Judiciário aproxima-se da democracia.

II- (…).”

DO MÉRITO

A ………….., empresa concessionária de energia elétrica em quase todo o interior do Estado de São Paulo, utilizava a prática estampada nas Portarias do DNAEE de n°s 437 e 470, ambas de novembro de 1.995, impondo a aplicação de tarifas diferenciadas para cobrança de energia elétrica de imóveis residenciais. O Critério para inclusão do consumidor como beneficiário da Tarifa Residencial Baixa Renda, era definido no § 2°, da Portaria n.º 470/95, como sendo o daqueles cujo consumo mensal não superasse a marca de 220 KWh. Tal critério teve como origem a Portaria n.º 922 do DNAEE, de 28 de julho de 1.993, que dispunha, verbis:

“RESOLVE: Art-1º-Determinar aos concessionários de serviço público de distribuição de energia elétrica que elaborem estudos com vistas a definir suas políticas tarifárias para atendimento de consumidores residenciais de baixa renda, os quais deverão ser submetidos ao DNAEE no prazo de 30 (trinta) dias da data da publicação desta Portaria:

§ 1º- Na formulação dessas políticas os concessionários devem considerar o oferecimento de vantagem tarifária ao consumo mínimo essencial, entendendo-se como tal aquele necessário a propiciar o mínimo de conforto, como iluminação, conservação de alimentos, acesso a informações e lazer; (…)”.

No dia 03 de novembro de 1.995, foi editada a Portaria n.º 437 do DNAEE, que abriu prazo para que as concessionárias apresentassem propostas de novos requisitos para adequação dos consumidores à Tarifa Residencial de Baixa Renda. Com fulcro em tal dispositivo, a CPFL enviou o Ofício nº 041/P (doc. anexo) sugerindo o seguinte, verbis:

“Parágrafo único …propõe-se como limite para o respectivo enquadramento, o potencial elétrico disponibilizado ao consumidor máximo de 4KW, considerando a seguinte cesta básica de eletricidade de uma residência, com a utilização descrita a seguir: Iluminação: 4 lâmpadas de 60 W = 240 W Utilização considerada: cinquenta por cento ligada 4 horas por dia Ferro Elétrico: modelo básico = 1.000W Utilização considerada: 1h por semana = 4 h/mês Televisor: potência média = 100WUtilização considerada: 6h/dia = 180h/mês Geladeira: modelo médio (10 a 300 l) = 300W (placa)Potência solicitada 200W Utilização considerada: 7h/dia = 210 h/mês Chuveiro: tipo básico – potência mínima 2.400W Utilização considerada: 4 pessoas = 12.5 h/mês” O mencionado estudo técnico motivou a edição da Portaria n.º 261 do DNAEE, de 16 de julho de 1.996, somente implementada sob os auspícios da sucessora (do DNAEE) Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

Tal portaria, que resultou de consulta específica da interessada CPFL, alterou os requisitos para que determinada unidade consumidora se enquadrasse na subclasse Residencial Baixa Renda, passando a ser exigível para tanto, que os consumidores atendessem de forma cumulativa às seguintes condições: a) ligação monofásica; b) consumo máximo mensal, por unidade consumidora, de 220 KWh; c) capacidade instalada de até 4.000 watts, ou seja, que a soma de potência dos eletrodomésticos da residência não ultrapassasse tal limite.

Assim, passou a concessionária de um critério de classificação cujo requisito único se vinculava ao consumo mensal, ampliando a restrição, quanto aos requisitos “a” e “c” supra elencados. O critério adicional implementado pelo item “a”, ou seja, ligação obrigatoriamente monofásica, tem como único objetivo reduzir o universo de consumidores beneficiados, não guardando relação lógica com a necessidade de se impor limite de consumo aos usuários, vez que já estando implementada a ligação bifásica, não acarretaria, a sua manutenção, nenhum ônus adicional para a empresa concessionária, e tampouco implicaria aumento de consumo. Inadequado também se apresenta o incremento restritivo do item “c”, que objetiva excluir todos os consumidores que porventura estivessem classificados na referida subclasse, transformando tal divisão em mera demagogia jurídica, vez que inatingível em termos práticos.

Ora, uma geladeira não pode ficar ligada somente 07h/dia, sob pena de deterioração dos alimentos armazenados, o que demonstra que o intuito das rés, inserido na portaria atacada, foi de inviabilizar o acesso do consumidor carente a tal benefício. Neste sentido é importante ressaltar a perícia técnica solicitada pelo Ministério Público Estadual (docs. anexos), que concluiu que a potência instalada de uma residência de baixa renda (três cômodos – quarto, cozinha, banheiro -), poderia variar entre 4.100VA e 8.700VA. Tal variação decorreria da utilização na residência, de um chuveiro de 2.500W, o que implicaria uma capacidade instalada de 4.100VA. Em caso de utilização do chuveiro de 5.500 VA, mais ferro elétrico e máquina de lavar, tal potência instalada seria de 8.700 VA. Cumpre ressaltar que o chuveiro de 2.500W não esquenta o suficiente para tornar o banho confortável, sendo utilizado em regiões de clima quente, o que não vem a ser o caso do Estado de São Paulo, que possui inverno caracterizado por baixas temperaturas.

Portanto, mesmo que o consumidor que mora em casa de três cômodos, toma banho frio, não possui sequer máquina de lavar roupa e ferro elétrico, não se enquadra na subclasse “consumidor baixa renda”.

Assim, por tal critério, baixa renda virou o equivalente à miserabilidade, à privação de necessidades básicas do homem moderno, tais como: tomar banho em condições minimamente confortáveis, acondicionar alimentos em geladeira, passar roupas etc. Por outro lado, a implantação da referida modificação se deu com a inversão do ônus da prova, ou seja, o consumidor de baixa renda foi, subitamente, privado de tal benefício, cabendo ao mesmo provar que atendia aos novos requisitos.

Enquanto tal prova não for efetuada e aceita pela concessionária, arca o referido consumidor com a tarifa majorada. O atual critério, como se verá, baseia-se em dados abstratos e nebulosos, já que leva em conta conceitos vagos e imprecisos como “capacidade instalada” e “perfil de consumo”, elementos que, por tais características, somente beneficiam à empresa concessionária.

Sendo assim, os referidos atos, traduzidos pela emissão e implementação da Portaria n.º 261, de 16 de julho de 1.996, trazendo como consequência a perda pelos usuários, da condição de consumidores beneficiados pela tarifa de baixa renda, em seus efeitos potenciais e concretos, implicam ofensa a diversos dispositivos legais, constitucionais e, até mesmo, morais, conforme se demonstrará no presente trabalho.

Da Prática Abusiva A lei n.º 8.078/90 confere ao usuário o direito de não ser enganado, protegendo-o das práticas abusivas de uma forma ampla em seu Artigo 39 que dispõe que “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços dentre outras práticas abusivas…”, passando a elencar em seguida, em seus incisos, diversos exemplos das chamadas condutas ou práticas abusivas, que se configuram como atos em desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor. No conceito de Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, verbis:

“As práticas abusivas manifestam-se através de uma série de atividades, pré e pós-contratuais, assim como propriamente contratuais, contra os quais o consumidor não tem defesas, ou, se as tem, não se sente habilitado ou incentivado a exercê-las.

“Mas deve ser lembrado que, embora o Artigo 39 supramencionado arrole exemplos de práticas abusivas, diante do vasto campo existente de condutas potencialmente prejudiciais ao consumidor, o Código de Defesa do Consumidor, em diversos dispositivos esparsos, regra outras práticas abusivas, sob a forma de cláusulas que se perfazem com estas práticas. Reza o Artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, verbis:

“Art.51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV- estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade; Assim, vê-se que a implementação da Portaria nº 261/96 configura prática abusiva quando estabelece condição iníqua ao usuário, sob a forma de exigência aos pretensos consumidores de baixa renda, do requisito da “capacidade instalada”, cujo cumprimento é infactível, negando aos usuários aquela livre escolha que, de modo viável se lhe apresentava.

Atentou-se, por via da modificação em lume, contra a equidade e a boa-fé objetiva que devem nortear as relações de consumo.

Violação do Artigo 51, incisos III, X, XIII, do Código de Defesa do Consumidor. Houve ainda, de forma indireta, aumento das tarifas, diante da exclusão da quase totalidade dos usuários, cujo consumo estava inserido na concepção da Tarifa de Baixa Renda, acarretando um aumento considerável nos lucros auferidos pela concessionária na prestação de serviços públicos, sem a correspondente contraprestação de vantagem adicional, o que provocou súbito desequilíbrio na relação de consumo. Tal fato configura conduta abusiva por parte da empresa concessionária, vez que a retirada do desconto da forma como se deu, impondo um aumento variável de R$ 8,33 a R$ 11,33 sobre as contas dos usuários, implica variação injustificada de preço, de forma unilateral, traduzindo-se em desequilíbrio qualificado pela excessiva onerosidade gerada ao consumidor, em detrimento dos dispositivos contidos no Artigo 51, incisos III, X, e XIII do Código de Defesa do Consumidor.

Violação ao Artigo 51, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor. O comunicado da CPFL de implementação da referida portaria viola as normas de Direito do Consumidor, quando inverte o ônus da prova em detrimento do usuário (docs. anexos). O mesmo Artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, em seu inciso VI, dispõe, verbis: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:(…)VI- estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor.” Ou seja, a empresa concessionária é que tem que provar qualquer mudança ou critério e a adequação do consumidor a este, quando tais fatos acarretem ônus ao consumidor. O que ocorreu foi que a empresa passou ao usuário o encargo de comprovar se este era ou não consumidor de baixa renda. A princípio, nos termos da notificação, ninguém se enquadrava, devendo tal fato ser comprovado para que houvesse a adequação.

Da Publicidade Enganosa Nos termos do Artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, verbis: “Art.37 – É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. (…)

§ 3º- Para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.” Para configuração da publicidade enganosa basta a potencialidade de que o consumidor seja levado a erro, pouco importando se este tenha sido realmente enganado. Há que ser feita uma valoração em abstrato para caracterização da publicidade enganosa, já que basta a mera capacidade de indução a erro. No caso em tela, a empresa concessionária, ao fazer aos usuários a comunicação da existência da Tarifa Baixa Renda, cunhada em fim social, especificando os requisitos para enquadramento nela, induz os consumidores a erro, na medida em que anuncia serviço cuja tarifa é reduzida, mas que por suas próprias condições se mostra inacessível aos usuários, nisto configurando-se a publicidade enganosa. Houve também, no mesmo comunicado da CPFL, omissão sobre os critérios que ocasionaram a mudança de perfil dos usuários, impondo-lhes, de maneira unilateral um aumento de tarifas, sob a argumentação de que a unidade consumidora respectiva se achava fora dos parâmetros de desconto.

O comunicado assim dispõe, de forma peremptória e sem direito à argumentação:

“…sua residência se encontra em desacordo com o estabelecido na portaria federal. O seu perfil de consumo e a análise da última Pesquisa de Posse de Eletrodomésticos e Hábitos de consumo realizada pela Eletrobrás indicam que seu imóvel ultrapassou o limite de 4.000 watts de potência total instalada.” Ou seja, que pesquisa é essa que quantificou a potência instalada de cada consumidor, se a própria CPFL encaminhou formulários em seguida aos usuários para que fosse analisada a capacidade instalada de cada unidade consumidora? Se a capacidade já havia sido constatada, ocasionando, inclusive a perda da condição de consumidor de baixa renda, a comunicação veiculou informação falsa, induzindo a erro os consumidores, diante daquela situação já plenamente configurada. Mais uma prova de que benefício anteriormente concedido estava de fato eliminado, não se coadunando, contudo, com a propaganda que continuava sendo veiculada a respeito.

O direito comparado nos ensina, verbis:

“Uma publicidade pode, por exemplo, ser completamente correta e ainda assim ser enganosa, seja porque informação importante foi deixada de fora, seja porque seu esquema é tal que vem a fazer com que o consumidor entenda mal aquilo que se está realmente dizendo. É, em síntese, o conceito de enganosidade, e não de falsidade, que é essencial aqui.” A notificação da concessionária engana porque faz com que o usuário entenda mal os critérios e a classificação, levando-o a erro quanto à sua real situação. A propaganda enganosa provoca distorções no processo decisório do consumidor, levando-o, desta forma, a adquirir produtos e serviços que, se estivesse melhor informado, possivelmente não o faria. Mas no caso vertente surge uma agravante insuperável, dado que o consumidor não pode optar por não se utilizar do serviço correlato.

Da Ilegalidade e da Inconstitucionalidade da Portaria nº 261/96 do DNAEE. São objetivos da República Federativa do Brasil, previstos no Artigo 3º, III e IV, da Constituição Federal, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem comum, sem discriminações. O princípio da igualdade, hodiernamente, desborda da simplicidade conceitual da igualdade formal, passando a ser considerado no seu conteúdo material.A ssim, a igualdade é alcançada, quando a lei observa nos critérios de discrímen com que trata os desiguais os princípios contidos no ordenamento constitucional.

O mestre português J. J. Gomes Canotilho leciona, verbis:

“Ser igual perante a lei não significa apenas aplicação igual da lei.” Dessa forma, o legislador deve tratar desigualmente os desiguais, no intuito de diminuição das desigualdades. Esse o fim a ser perseguido na busca da tão falada igualdade material. A existência de desigualdades é que motiva o princípio da igualdade. A lei geral e abstrata que incide em todos de forma igual, não atentando para a desigualdade dos indivíduos e dos grupos, acaba causando maior desigualdade e levando à injustiça, em contraposição à busca de uma justiça formal, levando à sua inconstitucionalidade.

Por outro lado, o Artigo 170 da Constituição Federal dispõe, verbis:

“Art.170- A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)VII- redução das desigualdades regionais e sociais;” (grifei).As normas que anteriormente ditavam o requisito único, de consumo mensal de 220KWh, para fins de enquadramento na condição de consumidor de baixa renda, atendiam perfeitamente tais princípios constitucionais, vez que buscavam a redução de desigualdades sociais, por meio de tratamento desigual a consumidores desiguais. Como toda legislação infraconstitucional tem de estar perfeitamente adequada aos ditames da Magna Carta, conforme a consagrada “Teoria da Construção Escalonada do Ordenamento Jurídico”, elaborada por Hans Kelsen, chegamos à conclusão que os dispositivos (Artigos 6º, § 1º e 13) da Lei nº 8.987/95, que regulam a política tarifária dos serviços concedidos à iniciativa privada, preservam e consagram tais princípios constitucionais.

Sobre tal teoria (Pirâmide de Kelsen) nos ensina Noberto Bobbio, verbis:

“Há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores. Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima, chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior, e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento e, ainda, devido à presença, num ordenamento jurídico, de normas superiores e inferiores, ele tem uma estrutura hierárquica. As normas de um ordenamento são dispostas em ordem hierárquica.” Porquanto, as normas previstas nos Artigos 6.º, § 1º e 13 da Lei n.º 8.987/95, somente podem ser interpretadas de forma a consagrarem os mencionados princípios constitucionais.

O Artigo 1.º, Parágrafo único, da Portaria n.º 261/96, assim determina, verbis:

“Art.1º-…Parágrafo único- São consideradas enquadráveis na subclasse Residencial Baixa Renda as unidades consumidoras da classe residencial que atendam cumulativamente as seguintes condições: ligação monofásica; capacidade instalada de até 4,0 Kw; consumo até 220 KWh/mês e características de utilização objeto de norma específica da concessionária, conforme consta no Processo em referência.” Com todos esses requisitos a chamada tarifa baixa renda, cuja finalidade é notadamente social, torna o benefício inatingível. Se levarmos em conta a pesquisa feita a pedido do Ministério Público Estadual, pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, mesmo uma família de baixa renda que more em habitação de três cômodos, se possuir eletrodomésticos comuns à maioria dos domicílios da região sudeste e as condições mínimas de instalação residencial (nos termos da Norma Brasileira NBR 5410) terá sua potência instalada no patamar de 4100 watts, apenas se possuir chuveiro de 2500 watts, como recomendado pela CPFL. Deve ser lembrado que um chuveiro de 2500 watts não se mostra eficiente para aquecer a temperatura da água em níveis suficientes para proporcionar o chamado conforto térmico (de 38°C a 40°C), já que consegue elevar a temperatura ambiente no máximo em 10,6°C e segundo pesquisa realizada, dos diversos chuveiros existentes no mercado de consumo à venda, somente uma marca situa-se no limite de 2700 watts de potência. Assim, nos dias de inverno, o chuveiro de 2500 watts não esquenta a água o suficiente. Logo, os critérios adotados pela CPFL e autorizados pela ANEEL, para classificar os usuários de baixa renda, condenam aqueles que quiserem beneficiar-se de tal tarifa, se conseguirem situar-se em níveis tão baixos de consumo, a tomarem banho frio no inverno, pois até mesmo o chuveiro que não esquenta água já não lhes é mais permitido usar.

Aos menos favorecidos, além de todas as demais vicissitudes que sofrem, se impõe, então, o banho frio. Se é assim, para quê o chuveiro ?

Será ele também desprezível ?

A situação criada pela Agência Reguladora e implementada pela CPFL, viola frontalmente o princípio da igualdade, já que discrimina de forma injusta, usando critérios de discrímen duvidosos em sua aplicação, e em desconformidade com a finalidade da norma.

Assim, o critério adotado não se mostra idôneo ao enquadramento ou não de determinado usuário no perfil de consumidor de baixa renda, inviabilizando o benefício da tarifa social.

Portanto, que por meio dos subterfúgios inseridos na referida portaria, a Agência Reguladora Estatal autorizou, e a CPFL implementou, a violação de todas as normas hierarquicamente superiores que disciplinam a matéria, ou seja, os Artigos 6.º, § 1º e 13, da Lei n.º 8.987/95 e, principalmente os Artigos 5.º, caput e 170, inciso IV, da Constituição Federal, vez que implicou o fim do benefício elaborado com o intuito de, por meio de tratamento diferenciado, buscar-se a redução das desigualdades sociais.

3.3) Violação ao interesse nacional da busca de consumo racional de energia Em detrimento de toda uma política nacional de consumo racional de energia, a Agência Estatal normatizou e a empresa concessionária de serviço público, ………….., implementou os atuais critérios ora atacados. O critério anterior, que se baseava no consumo de cada uma das unidades, estimulava a que os consumidores usassem a energia de forma racionalizada, já que deste uso consciente dependia a classificação como beneficiários da tarifa reduzida. O atual critério só beneficia a própria empresa, já que o intuito social da tarifa reduzida tornou-se inócuo diante das condições excludentes adotadas, ocasionando um lucro bem maior à concessionária.

Deve ser lembrado o conceito de serviço público, que nas palavras de Hely Lopes Meirelles, verbis:

“é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer às necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado.”

Todo o procedimento que envolve a concessão destes serviços e o próprio contrato em si, dirigem-se sempre ao mesmo objetivo: a prestação indireta dos serviços públicos em conformidade com os princípios constitucionais e administrativos.

A Administração Pública deve exigir de quem presta os serviços públicos, por meio da concessão, a observância dos princípios da permanência, da generalidade, da eficiência, da modicidade e da cortesia. O princípio da modicidade, que impõe que sejam estabelecidas tarifas razoáveis aos consumidores, está sendo conspurcado em sua essência, maculando a busca do interesse público que deve nortear a prestação do serviço público, mesmo que sob a forma de serviço concedido.

A empresa concessionária está sobrepujando seus interesses financeiros ao interesse público, em detrimento de seus usuários e de toda a nação, no sentido de que, ao inviabilizar a tarifa de baixa renda, estimula o consumo. Vejamos o seguinte exemplo: determinada família se beneficiava da Tarifa Diferenciada, vez que mantinha seu consumo abaixo do limite de 220 KWh/mês.

Porém, com a combatida alteração, passou a não mais se beneficiar dela, vez que possui, em sua residência, capacidade instalada superior a 4.000 watts. Ora, a partir desta alteração, acaba-se o estímulo ao baixo consumo, vez que tal família, que certamente não irá abrir mão de tomar banho em condições mínimas de conforto, estará definitivamente fora do alcance da tarifa diferenciada, e não se verá estimulada a consumir menos. Não podemos deixar de ressaltar que a reformulação do modelo energético nacional é por demais recente.

Embora a iniciativa privada tenha entrado maciçamente no setor, cabe ainda ao Estado, no entanto, a fiscalização e regulamentação por meio de sua Agência, no caso a ANEEL. Pois, se de um lado temos as grandes corporações, que têm como fim precípuo o lucro, do outro, temos o consumidor, que legitimamente quer fazer uso do seu direito de acesso a tarifas módicas e a serviços de qualidade.

No meio desta relação situa-se o Estado, que tem como obrigação evitar que o sistema se inviabilize por meio de demanda excessiva, bem como evitar que as empresas concessionárias se locupletem às custas do consumidor, ao desrespeitarem os princípios que norteiam a ordem econômica. Impede-se assim, que se viole princípio basilar do nosso direito civil, que veda o enriquecimento sem causa. Note-se que em tal setor, até o presente momento, a concorrência, princípio básico do capitalismo insculpido em nossa Constituição Federal, não se fez presente.

Cumpre-nos fazer o seguinte questionamento: a guerreada portaria encontra-se em sintonia com o papel que caberia ao Estado neste modelo?

Parece-nos que não. É que ao acolher integralmente solicitação delineada pela empresa concessionária, dando-lhe, superficialmente, o contorno de legalidade, desrespeitou acintosamente o cidadão consumidor, bem como atingiu o interesse nacional ao acabar com incentivo à limitação do consumo.

Estamos, portanto, diante de ato da Agência Estatal que, esquecendo-se de sua posição de imparcialidade, beneficia empresa privada em detrimento do cidadão e do interesse nacional.

DOS PEDIDOS

Concebeu-se a antecipação da tutela jurisdicional para o atendimento de dois aspectos: um técnico-processual no intuito de se acabar com as cautelares satisfativas, que estavam sendo usadas de forma abusiva no ordenamento jurídico anterior; outro, eminentemente processual, de se proporcionar correta tutela de urgência.

O eminente professor Cândido Rangel Dinamarco traduz a alma do novo instituto, verbis:

“O novo art. 273 do Código de Processo Civil, ao instituir de modo explícito e generalizado a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, veio com o objetivo de ser uma arma poderosíssima contra os males corrosivos do tempo no processo”.

Elenca a lei as condições para a antecipação da tutela:

a) prova inequívoca dos fatos,

b) verossimilhança da alegação; e

c) fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. No caso em tela, todos os requisitos necessários ao deferimento da tutela antecipada encontram-se presentes.

Os fatos são incontroversos, vez que públicos e notórios, e no mais, se trata de matéria estritamente de direito. A verossimilhança da alegação é patente, em face das razões acima expostas, que demonstram a inconstitucionalidade e consequente ilegalidade da Portaria em questão.

Quanto ao risco de dano irreparável, a demora na concessão da tutela imporia maiores sacrifícios àqueles que mais necessitam, que são os usuários de baixa renda, que se acham alijados de usufruir da tarifa reduzida, com o risco iminente de situação generalizada de inadimplência (com o consequente corte do fornecimento do serviço), bem como implicaria significativa ameaça ao sistema energético nacional, vez que desestimulando-se a contenção do consumo residencial às vésperas da entrada do inverno — período em que tal consumo aumenta em face da utilização de aquecedores, dos dias mais curtos e dos banhos quentes – contribuir-se-ia para a ocorrência de “apagões” derivados da sobrecarga do sistema.

Façamos uma breve dissertação sobre o correto entendimento da expressão “prova inequívoca”, para que se torne inquestionável o cabimento da medida que ora se postula.

Para tanto, socorre-nos a lição de Cândido Rangel Dinamarco, verbis:

“O art.273 condiciona a antecipação da tutela à existência de prova inequívoca suficiente para que o juiz se convença da verossimilhança da alegação a dar peso ao sentimento literal do texto. Seria difícil interpretá-lo satisfatoriamente porque prova inequívoca é prova tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, infundindo no espírito do Juiz o sentimento de certeza e não mera verossimilhança. Convencer-se da verossimilhança, ao contrário, não poderia significar mais do que imbuir-se do sentimento de que a realidade fática pode ser como descreve o autor. Aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias contidas no art. 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança), chega-se ao conceito de probabilidade, portador de maior segurança do que a mera verossimilhança.”

Assim, para a concessão da tutela antecipada basta o meio termo entre “prova inequívoca” e a “mera verossimilhança”: a probabilidade, em que os motivos convergentes à aceitação de determinada situação suplantam os divergentes, sendo o que ocorre na hipótese vertente.

Em vista do exposto, requer-se que seja declarada a aduzida ilegalidade/inconstitucionalidade da Portaria n.º 261/96, impondo-se às rés a obrigação de fazer, consistente em retornar os consumidores, de todos os municípios abrangidos pela CPFL e de competência desta Subseção Judiciária de …………../SP , ao enquadramento na “Tarifa de Baixa Renda”, pelos critérios anteriormente adotados, ou seja, consumo mensal não superior a 220 KWh.

Requer, também, que em caso de descumprimento, seja cominada multa mensal de R$ 500,00 (quinhentos reais), a cada ré, por consumidor lesado.

Tais valores deverão ser encaminhados ao Fundo de Reconstituição dos interesses supraindividuais lesados, criado pelo Artigo 13 da Lei nº 7.347/85.

5) Dos Pedidos Principais Requer-se, também, a citação das rés, nas pessoas de seus representantes legais, para responderem à presente ação, que ao final deverá ser julgada procedente, com vistas a:

a) confirmação da tutela antecipada requerida;

b) declaração da inconstitucionalidade/ilegalidade da Portaria nº ……., e condenação das rés, impondo-lhes a obrigação de fazer, consistente em retornar os consumidores, de todos os municípios abrangidos pela CPFL e de competência desta Subseção Judiciária de …………../…., ao enquadramento na “Tarifa de Baixa Renda”, pelos critérios anteriormente adotados, ou seja, consumo mensal não superior a 220 KWh; d) condenação das rés nos ônus da sucumbência;

e Pede-se, finalmente, que em caso de descumprimento, seja cominada multa mensal de R$ 500,00 (quinhentos reais), a cada ré, por consumidor lesado.

Tais valores deverão ser encaminhados ao Fundo de Reconstituição dos interesses supraindividuais lesados, criado pelo Artigo 13 da Lei n° 7.347/85.

Protesta-se provar o alegado por todos os meios de prova permitidos em Direito.

Dá-se à causa o valor de R$ …..

Pede Deferimento.

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

[Assinatura]

Como citar e referenciar este artigo:
MODELO,. Modelo de Ação Civil Pública com pedido de Tutela Antecipada – tarifa social de energia elétrica. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/modelos/direito-do-consumidor-modelos/modelo-de-acao-civil-publica-com-pedido-de-tutela-antecipada-tarifa-social-de-energia-eletrica/ Acesso em: 19 abr. 2024