Direito do Consumidor

Modelo de Ação Civil Pública – nulidade de cláusula contratual – construtora

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ….. VARA DA FAZENDA PÚBLICA DE ….., CIRCUNSCRIÇÃO DE …..

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE …………………………, através da Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor desta Comarca, com fundamento no artigo 129, III, da Constituição da República, nos artigos 1º, II, 2º, 3º, 5º caput, 11 e 12 da Lei n.º 7.347, de 24.07.85 (que disciplina a Ação Civil Pública), e nos artigos 6º, VI e VIII, 81, parágrafo único, I e III, 82, I , 83, 84, caput e seus §§ 3º, 4º e 5º e 90 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 11.09.90), e com base no apurado nos autos do Procedimento Administrativo n.º …….., em anexo, propõe a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA c/c AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS e AÇÃO COLETIVA PARA DEFESA DE DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS COM PEDIDO DE LIMINAR

em face de

….., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ….., com sede na Rua ….., n.º ….., Bairro ……, Cidade ….., Estado ….., CEP ….., representada neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). ….., brasileiro (a), (estado civil), profissional da área de ….., portador (a) do CIRG nº ….. e do CPF n.º …. e BANCO …………………. S/A, com sede em ………., na ……….., inscrito no CNPJ sob o número ………., pelos motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

DOS FATOS

Consoante apurado nos anexos autos de Procedimento Administrativo n.º …………………………, a Suplicada (…………………………), por conta da cláusula contratual n.º 21 (ou 25 em outros contratos), hipotecou o Conjunto Habitacional “Edifício …………………………” (Rua ………) ao Suplicado (Banco …………………………), conforme se vê da certidão exarada pelo Registro de Imóveis da 1a Circunscrição de …………………………, sendo certo que, na ocasião, 20 unidades habitacionais já se encontravam quitadas e que, posteriormente, mais 10 adquirentes pagaram todos os débitos existentes em relação as unidades habitacionais compradas e os demais vêm cumprindo religiosamente suas obrigações, pagando, mensalmente, as parcelas que lhes cabem.

Conforme prevê a predita cláusula contratual n.º 21, a hipoteca deveria ter sido levantada no prazo de 180 dias após a concessão do “habite-se”, que se deu em 23 de junho de 1995.

Ocorre que expirado o prazo acima (em 23.12.95), sem o levantamento da hipoteca, a Reclamada solicitou mais dois novos prazos de 90 dias cada um, por duas vezes consecutivas, para cumprir o avençado, com o que concordaram os adquirentes.

Mas esses prazos também escoaram sem que os imóveis ficassem livres do ônus real a eles impostos.

O que tornou impossível aos consumidores de disporem livre e plenamente dos seus bens, não podendo sequer promover a lavratura da escritura pública, como lhes garante a cláusula 35 (ou 39, em alguns contratos).

Solicitada a dar as explicações cabíveis a esta Promotoria de Justiça do Consumidor, a Reclamada admitiu sua inadimplência e solicitou mais 120 dias para cumprir sua obrigação, conforme documento juntado aos autos do supracitado Procedimento Administrativo.

A predita hipoteca foi dada em garantia de um empréstimo em dinheiro feito pela Requerida junto ao Requerido, em ………., no valor de CR$ …………….., com juros mensais de 1,02368%, sendo certo que a quitação do débito deve ser feito em 96 meses (8 anos), com início previsto para o dia 1º de agosto de 1995.

Pelo tempo estipulado, o pagamento da última parcela se dará em agosto de 2003. Para posterior análise da atual situação da Requerida, mister se faz mencionar que só o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios já ingressou com mais de 14 ações civis públicas em face da Requerida, sendo que pelo menos um delas já teve desfecho favorável ao consumidor.

“A obra em construção e o respectivo terreno poderão ser dados em garantia de financiamento pela …………………………, que se obriga a exonerar do gravame a unidade habitacional comprometida, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias após a concessão do ‘habite-se'”.

DO DIREITO

Sobre a Hipoteca entende-se por um direito real sobre a coisa dada em garantia (jus in re). Ou, em outras palavras, hipoteca é a sujeição de bens imóveis, navios ou aeronaves, estradas de ferro, ao pagamento de uma dívida, sem se transferir ao credor a posse do bem gravado.

São elementos essenciais da hipoteca:

a) a dívida (no caso presente, o empréstimo bancário), que uma pessoa física ou jurídica (a devedora) contrai com outra (a outra é o credor. Aqui, o Banco …………………………); e

b) a garantia (os apartamentos em construção), que o devedor (…………………………), ou um terceiro (o consumidor/aderente), oferece para assegurar o pagamento.

Caracterizam, ainda, o instituto da hipoteca, as prerrogativas dos demais direitos reais de garantia: direito de sequela (seguir o bem onde ele se encontrar); direito de preferência (de executar o devedor para saldar seus débitos preferencialmente aos demais credores); indivisibilidade (mesmo que a dívida se tenha fracionado ou já tenha sido resgatada em parte, pode o credor promover a execução em todo volume da garantia); ser direito acessório (a hipoteca pressupõe a existência de um direito de crédito, ao qual está atrelada e subsistirá enquanto o crédito existir).

A hipoteca, como já visto acima, pode recair em imóvel pertencente ao devedor, isto é, de propriedade dele, ou pertencente a terceiro, desde que, neste caso, o senhorio dele venha pessoalmente (ou por procurador) oferecer a garantia dele à obrigação de outrem. Só pode hipotecar quem tem capacidade de alienar o bem a ser dado em garantia (Artigo 1420 do novo Código Civil).

Se por ventura, a hipoteca for constituída por quem não for proprietário, nula ela será, salvo se estiver de boa-fé e adquirir o bem posteriormente ao registro do ônus real (Artigo 1420). Para se hipotecar bem de terceiro, exige-se mandato, sendo que o instrumento procuratório deve conter poderes especiais e expresso para tanto (Art. 661do novo Código Civil).

Nos contratos de hipoteca, quando o(a) devedor(a) ou garante for casado(a), deve também comparecer sua mulher (ou marido), por si (artigo 1647do novo Código Civil; e artigo 17, § 2º, do Decreto-lei 70 de 21/11/1966), ou por procurador com poderes especiais e expressos. Cabe observar, ainda, que “O instrumento particular deve conter designação do Estado, da cidade ou circunscrição civil em que for passado, a data, o nome do outorgante, a individuação de quem seja o outorgado e bem assim o objetivo da outorga, a natureza, a designação e extensão dos poderes conferidos” e que “O reconhecimento da firma no instrumento particular é condição essencial à sua validade, em relação a terceiros”. (Art. 654 do novo Código Civil).

Sobre a Obrigação Contratual “A proposta de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso.” (Artigo 427 do novo Código Civil). “Nos contratos bilaterais nenhum dos contratantes, antes de cumprida sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro” (Artigos 475, 476, 477 também do Novo Código Civil). Washington de Barros Monteiro é claro ao falar sobre a obrigação de fazer:

“Aquilo que as partes, de comum acordo, estipularam e aceitaram, deverá ser fielmente cumprido (pacta sunt servanda), sob pena de execução patrimonial contra o devedor inadimplente. A única derrogação a essa regra é a escusa por caso fortuito ou força maior (Novo Cód. Civil, art. 393). (Curso de Direito Civil, 5º vol., Direito das Obrigações, 2a. parte, Ed. Saraiva, 1989, pág. 09).

Nesse tipo de obrigação, cabe salientar o que dispõe a respeito o Art. 84 do CDC:

“Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

§ 3º – Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao Juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

§ 4º – O Juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

3) Sobre Abusividade de Cláusulas contratuais no CDC, Código de Defesa do Consumidor, no dizer do seu Artigo 1º, estabelece que as normas de proteção e defesa do consumidor são de ordem pública e de interesse social. Já o Artigo 4º, ao traçar os princípios gerais de proteção ao consumidor, estabelece que “A Política Nacional de Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo”.

E o Artigo 6º diz que “São os direitos básicos do consumidor:

IV – a proteção contra métodos comerciais desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas;

VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

X – a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. Dispõe o Artigo 51 que “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor. § 1º – Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual;

III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2º – A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

” Por outro lado, prescreve o Artigo 54, “caput”, e seu § 4º, do CDC: “Artigo 54 – Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

§ 4º – As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

” Há de se levar em conta em tudo isso que as cláusulas contratuais deverão ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor (Artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor).

Sobre o Crime de Estelionato: disposição de coisa alheia como própria E Crime de Falsidade Ideológica: Prevê o artigo 171, § 2º, inciso I, do Código Penal, que quem “dá em garantia coisa alheia como própria”, comete crime de estelionato. Pela Lei 4.591, de 16 de dezembro de 1964, Artigo 32, § 2º, c/c a Lei 6.015, de 31 de dezembro 73, Artigo 167, inciso I, 18, é obrigatório o registro no Registro de Imóveis dos contratos de promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidade autônoma condominial. Mutatis mutandis, a jurisprudência é no sentido de que “Comete, em tese, o delito de estelionato previsto no artigo art. 171, § 2º, inciso I, do CP, aquele que oferece à penhora bem que já não lhe pertencia, dispondo, pois, de coisa alheia como se própria fosse.” (TACRIM-SP – HC – Rel. Denser de Sá – RT 492/356).

O fato de a Requerida não ter levado a registro o contrato de promessa de compra e venda não descaracteriza o crime praticado, dado que se não providenciou o registro quando era obrigada, o fez por má-fé e segundas intenções. Não pode ela alegar a própria torpeza em sua defesa. Damásio, reproduzindo Hungria, e citado por Paulo José da Costa Jr, estipula como características pertinentes ao subtipo:

a) trata de coisas móveis e imóveis;

b) não é necessário a tradição do móveis ou transcrição dos imóveis;

c) se for lavrada a escritura haverá dois crimes: estelionato e falsidade ideológica;

d) a garantia do inciso a hipoteca, o penhor e a anticrese. (In Comentário ao Código Penal, Parte Especial, Vol. II, Ed. Saraiva, 1988, p. 273).5)

A Requerida ao dar ao Banco ………………………… S.A. (segundo Requerido) em garantia hipotecária os bens de todos os compromissários compradores das unidades habitacionais existentes no Edifício …………………………, agiu de forma ilegal e em prejuízo dos consumidores aderentes.

Para fazer o gravame que fez, a ………………………… deveria ter disponibilidade sobre os bens dados em garantia e não o tinha, pois já os havia alienado a terceiros que ou tinham comprido ou vinham cumprindo fielmente as obrigações assumidas. A indisponibilidade aqui advém da não capacidade da ………………………… de alienar mais uma vez o bem já objeto de compromisso de compra e venda. A própria Reclamada demonstra ter consciência da indisponibilidade que tem sobre as unidades habitacionais negociadas, tanto é que prevê, na cláusula 40 (ou 44, dependendo do contrato), que “O Adquirente poderá ceder ou prometer ceder os direitos e obrigações constantes deste contrato, desde que obtida prévia e expressa anuência da …………………………, a quem é assegurado o direito de preferência.

A Requerida só poderá convalidar a hipoteca irregularmente constituída se agir na forma prevista no Artigo 756, parágrafo único, do Código Civil, isto é, se readquirir os bens já alienados. Mesmo que alegue que deu em garantia bem de terceiro porque para isso estava autorizada pela combatida cláusula 21 (ou 25), não logrará êxito em demonstrar tal direito, porquanto não possuía procuração com poderes especiais para realizar tal gravame, como exige a lei, nem tão pouco logrará provar que tal cláusula e o contrato como um todo satisfaçam o exigido do Código Civil, em relação a constituição e validade do contrato perante 3º. Ad Argumentandum tantum, mesmo que se considerasse como procuração com poderes expressos (cláusula 21 ou 25) os contratos firmados, apesar de estarem em flagrante oposição aos princípios norteadores do Código de Defesa do Consumidor, por constituir-se em cláusula-mandato, muitos dos “mandantes” são casados e seus cônjuges não compareceram para dar sua anuência ao oferecimento do bem do casal em garantia real, o que torna sem valor algum o gravame constituído.

DOS PEDIDOS

Ante o exposto, requer-se a nulidade da cláusula contratual de hipoteca, ante medida liminar.

Requer a citação dos réus, para que, querendo, efetuem a defesa no prazo legal.

Requer a aplicação de multa pela má-fé e pelo desrespeito ao consumidor, a ser encaminhada para o fundo de amparo ao consumidor desta comarca.

E, por fim, requer-se a denúncia dos réus nos crimes de estelionato, a ser promovida pelo promotor criminal competente.

Dá-se à causa o valor de R$ …..

Pede Deferimento.

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

[Assinatura]

Como citar e referenciar este artigo:
MODELO,. Modelo de Ação Civil Pública – nulidade de cláusula contratual – construtora. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2014. Disponível em: https://investidura.com.br/modelos/direito-do-consumidor-modelos/modelo-de-acao-civil-publica-nulidade-de-clausula-contratual-construtora/ Acesso em: 17 abr. 2024