Teoria do Direito

Doutrina do direito – Kant

KANT, Emmanuel. Doutrina do direito. São Paulo: Ícone, 1993. p. 44-49, 149-175, 190-203.

Introdução à Teoria do Direito

 

A – Que é o direito como ciência

 

1.         “ O conjunto das leis suscetíveis de uma legislação exterior se chama teoria do direito” (p. 44)

2.         A ciência do direito positivo é o estudo do conjunto das normas positivadas.

3.         A ciência do direito justo é aquela que, além de preocupar-se com o conhecimento da legislação exterior, preocupa-se também com o contexto social em que ela está inserida.

 

 

B – Que é direito em si?

 

1.         O direito, resumidamente, é aquilo que prescreve as leis de determinado lugar ou tempo.

2.         Para distinguir o que é justo do injusto deve-se abandonar os princípios empíricos e buscar somente na razão tal juízo.

3.         Assim, Kant afirma que a ciência empírica do Direito pode parecer, a primeira vista, muito bela, mas possui um defeito grave, falta-lhe inteligência.

4.         A noção de direito relativo a uma obrigação corresponde às práticas de uma pessoa com outra enquanto suas ações como fatos possam ter influência sobre outras ações. Vale lembrar que a obrigação de se sujeitar ao direito não limita a liberdade, pois só é realmente livre aquele que se submete à lei da razão.

 

 

C – Princípio universal do Direito

 

 

1.         “ É justa toda ação que por si, ou por sua máxima, não constitui um obstáculo à conformidade da liberdade do arbítrio de todos com a liberdade de cada um segundo leis universais.” (p.46)

2.         A moral exige que as ações dos homens estejam em conformidade com o direito, de modo que a liberdade de cada um possa subsistir com a liberdade dos demais.

3.         A lei universal do direito, apesar de impor que o livre uso do arbítrio não prejudique a liberdade dos demais, não limita por si só toda a liberdade dos homens. É livre o arbítrio de cada um escolher como agir dentro das leis.

 

 

D – O direito é inseparável da faculdade de obrigar

 

1.         Tudo o que é injusto contraria a liberdade, segundo leis gerais.” (p.47)

2.         A faculdade de obrigar é inseparável do direito, pois o uso da própria liberdade pode constituir um obstáculo à liberdade do próximo, e segundo as leis gerais isto é injusto. Logo a faculdade de obrigar é um instrumento coercitivo para que se faça valer o direto.

 

 

E – O direito estrito pode também ser representado como a possibilidade de uma obrigação mútua, universal, conforme com a liberdade de todos segundo leis gerais

 

1.         O objeto do direito é referente aos atos exteriores, ou seja, as ações humanas.

2.         O direito estrito está apoiado no princípio da possibilidade de uma força exterior conciliável com a liberdade de todos, segundo leis gerais.

3.         A força que se estende a todos pode subsistir com a liberdade geral, pois ela é a única capaz de sujeitar toda a sociedade ao direito, assim também garantindo a liberdade geral.

4.         Desta forma, seria ineficaz a existência de leis sem que houvesse a possibilidade de coagir a população ao seu cumprimento. Assim, o direito e a faculdade de obrigar são a mesma coisa.

5.         A lei de uma obrigação mútua que se conforma necessariamente com a liberdade de todos é a construção de uma noção do direito, ou seja, sua exposição numa intuição pura a priori.

6.         O fundamento para a construção do direito, a priori, é a noção de uma obrigação igual, mútua, universal, em conformidade com a noção de direito e submetida a uma regra geral.

 

 

Direito Público – Seção I

 

Do direito de cidadania

 

1.         O direito público é um sistema de leis para um povo que necessita de um estado jurídico que o reúna sob uma influência única – de uma Constituição. Ele unifica essas pessoas de modo a subordiná-las a um certo conjunto de normas.

2.         Povo é uma multidão de homens que reunidos sob uma lei única exercem, uns sobre os outros, influência mútua.

3.         “ Este estado de relação mútua dos particulares reunidos num povo chama-se estado civil; e o todo desse estado em relação aos próprios membros chama-se cidade.” (p. 149)

4.         “ A cidade, por causa de sua forma (encontrando-se unidos os cidadãos por interesse comum de se manter no estado jurídico) chama-se num sentido mais amplo de coisa pública.” (p. 149)

5.         Um povo com relação a outro se chama nação, devido a sua pretensão à união hereditária.

6.         O direito das nações é dividido em: direito das gentes e direito cosmopolítico ou de cidadão de mundo.

 

7.         “ Certamente não tomamos da experiência que os homens tenham por máxima a violência e que sua maldade os leve inevitavelmente a se fazer guerra antes de haver constituído um poder legislativo exterior.” (p. 150)

8.         Não se pode pensar que a maldade dos homens os leva inevitavelmente a se fazer à guerra, entretanto a idéia racional a priori de um estado não-jurídico é da total falta de segurança contra a violência.

9.         O primeiro princípio que deve ser decretado, se o homem não quer renunciar a todas as suas noções de direito, é o seguinte: “É preciso sair do estado natural, no qual cada um age em função de seus próprios caprichos, e convencionar com todos os demais em submeter-se a uma limitação exterior, publicamente acordada, determinada pela lei, e assim entrar em um estado civil”. (p. 150)

10.       O estado de natureza é caracterizado não por injustiça, mas como um estado de justiça negativa, carente de um ordenamento jurídico e de autoridades que façam valer esse direito. E a passagem desse estado para uma sociedade juridicamente organizada não é uma necessidade, mas sim um dever.

11.       No estado civil se dão as condições necessárias para a execução da lei natural da conformidade com a justiça distributiva, pois ele tem as leis que as garantem.

12.       A cidade em Idéia é aquela que segue os moldes dos princípios do direito puro, caracterizada por leis que surgem espontaneamente da vontade geral e não por via de disposição legislativa.

13.       Os poderes encerrados em uma cidade são: o poder soberano, na pessoa do legislador; o poder executivo, na pessoa do governador; e o poder judicial, na pessoa do juiz.

 

14.       “Os membros reunidos de tal sociedade para legislação, chamam-se cidadãos” (p. 153) e possuem atributos jurídicos: a liberdade legal não obedecer a nenhuma outra lei além daquelas que a tenham dado seu sufrágio, igualdade civil e o atributo da independência civil.

15.       Os membros ativos são aqueles que dependem tão-somente da sua própria vontade (proprietários e funcionários do governo), são os únicos que podem participar da formação das leis.

16.       Já os cidadãos passivos são aqueles que dependem de outros, como os empregados. Os passivos não participam da formação do estado, são simplesmente associados civis.

17.       A dependência dos cidadãos não é oposta ao princípio da liberdade.

18.       Nem o é, no da igualdade. As leis não privilegiam e nem prejudicam nenhum segmento da sociedade: todos são iguais perante a lei e nenhuma lei pode contrariar o princípio da liberdade

19.       Os cidadãos passivos podem ainda se elevar à condição ativa na sociedade, bastando apenas trabalhar para atingir tal condição, pois os direitos da liberdade e da igualdade são garantidos para todos, mesmo para os dependentes.

20.       O contrato primitivo é o meio que permite que todos se desprendam de sua liberdade exterior para se subordinar a um ordenamento único, e a partir de então poder cobrá-la como membro de uma república.

21.             Abandona-se a liberdade selvagem, para encontrar a liberdade legal. Desta maneira, uma sociedade juridicamente organizada não sacrifica parte da liberdade, mas sim conquista direitos.

 

22.       Os três poderes na cidade se complementam entre si para a organização perfeita da constituição do Estado. Um poder não pode usurpar a função do outro. Assim, a vontade do legislador é irrepreensível, a do poder executivo é irresistível e a sentença do juiz supremo é sem apelação.

23.       “O governador do Estado é a pessoa (moral ou física) que está investida do poder executivo. É o agente do Estado: institui os magistrados, dá ao povo as regras segundo as quais cada um pode adquirir ou conservar alguma coisa no estado conforme a lei” (p.156)

24.       O legislador é aquele que possui a incumbência de fazer as leis, ele dita os princípios gerais para o povo.

25.       Os juízes são cidadãos livremente eleitos e que funcionam como representantes do povo para julgar às controvérsias.

26.       Enfim, a cidade conserva-se livre e autônoma através dos poderes: legislativo, executivo e judiciário. Apesar da reunião desses poderes representar a salvação do estado, isso não significa que represente a felicidade dos cidadãos, uma vez que ela pode ser encontrada até mesmo em governos despóticos ou ainda no próprio estado de natureza. É o imperativo categórico da razão que obriga a aspirar um estado de direito.

 

 

Dos efeitos jurídicos que derivam da natureza da associação civil

 

1.         A origem do poder supremo não está no âmbito de discussão do povo. Este não deve raciocinar sobre sua origem, devendo somente respeitá-la. Não pode nem deve julgar de outra maneira senão daquela que agrade ao poder soberano existente;

2.         O questionamento sobre a existência ou não do contrato primitivo não deve ser feito, já que se estaria automaticamente questionando a autoridade do soberano, o que não passa de uma investigação vã, porém perigosa para o Estado.

3.         Não pode haver nenhum artigo na constituição que conceda o direito do súdito de se opor ao soberano, pois aquele que reprime deve ter pelo menos o poder daquele que é reprimido. Como o soberano acumula mais poderes que os súditos, não é possível contrariá-lo.

4.         O povo suporta o poder do soberano porque o Estado jurídico somente se dá pela submissão à vontade legislativa. Não permitindo assim rebeliões nem sedições contra a pessoa do soberano, mesmo ocorrendo abusos de poder.

5.         Uma alteração na constituição pública só pode ocorrer, quando necessária, “através do próprio soberano, por meio de uma reforma e não por meio do povo; não deve ser feita, pois, pela revolução”. (p. 162)

6.         Reúne-se a fim de conservar a sociedade, que se submete ao poder público interno, já que os membros dessa sociedade não são suficientes para a manutenção do Estado.

7.         O direito do soberano tem por objetivo a manutenção dos salários através da distribuição dos empregos, a conservação da dignidade dos súditos, e o direito de punir.

8.         Em um estado homem nenhum pode carecer de toda dignidade, pois teria ao menos a dignidade de cidadão, dado que dignidade é a faculdade de estar sujeito apenas a uma lei da razão, está associada à responsabilidade de cada um. Conclui-se então que a ausência de cidadania implica a ausência de dignidade.

9.          Ninguém, por meio de contrato, pode obrigar-se a uma dependência pela qual deixe de ser uma pessoa; porque somente na qualidade de tal pessoa pode-se contratar.” (p. 174)

 

 

Seção II

 

Do direito das gentes

 

1.         Os elementos do direito das gentes são: que as cidades e os Estados estão naturalmente num estado não jurídico, e que tal estado é de guerra e que os estado devem se sentir obrigados a deixar essa situação para formar uma sociedade juridicamente organizada. Faz necessária a criação de um pacto internacional, de modo que se regule a ação o dos diferentes povos, porém tais pactos não devem se sobrepor a carta magna de uma nação.

2.         A lesão ativa ocorre quando um povo se sente prejudicado, faz a guerra, buscando a sustentação do seu direito pela força.

3.         “O direito depois da guerra, isto é, no momento do tratado de paz e com relação às conseqüências desse tratado de paz, consiste no seguinte: o vencedor impõe as condições sob as quais costumam ser celebrados os tratados e a paz com os vencidos, e não as condições que poderiam resultar de não sei que direito fundado na lesão pela qual entendia ter sido atingido, porém apoiado principalmente em sua força.” (p. 197)

4.         O direito da paz é o direito a neutralidade, em caso de guerra próxima, a garantia de se sentir seguro após um acordo de paz, a aliança entre vários estados para a defesa comum sem objetivo de engrandecimento exterior.

5.         O fim último de todo o direito das gentes é a paz perpétua.

 

 

 

Seção III

 

1.         Kant define a idéia racional de uma comunidade pacífica e perpétua como um princípio de direito, visto que a natureza colocou todos sob o mesmo espaço, do qual ninguém é dono, mas em que todos são convidados a viver.

2.         O direito cosmopolítico é a convivência pacífica de todos os povos em torno de leis universais.

 

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Como citar e referenciar este artigo:
AMPAS,. Doutrina do direito – Kant. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/teoria-do-direito/doutrinadodir/ Acesso em: 29 mar. 2024