História do Direito

Fundamentos de História do Direito – Wolkmer – Ver. 3

WOLKMER, Antônio
Carlos (org.). Fundamentos de História
do Direito.
2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

CAPÍTULO II

DIREITOS E SOCIEDADE NO ORIENTE ANTIGO: MESOPOTÂMIA E EGITO

Não é possível
separar a modificação da sociedade e a
evolução do direito. Não há direito fora da sociedade. E não há sociedade fora
da história. “[…] Nikolas Luhmann classifica três grandes grupos de
manifestações do direito – que ele denomina ‘estilos’ – ao longo da história:
(1) o direito arcaico, característica dos povos sem escrita; (2) o direito
antigo, que surge com as primeiras civilizações urbanas e (3) o direito
moderno, próprio das sociedades posteriores às Revoluções Francesa e Americana”
(p. 33)

“Pode-se
ilustrar a transição das formas arcaicas de sociedade para as primeiras
civilizações da Antiguidade mediante três fatores históricos: (1) surgimento
das cidades; (2) a invenção e domínio da escrita e (3) o advento do comércio,
e da moeda metálica.”(p. 34)

A síntese desses
três elementos – cidades, escrita, comércio –
representa a derrocada de uma sociedade fechada, organizada em tribos ou
clãs, com pouca diferenciação papéis sociais e fortemente influenciada, no
plano das mentalidades, por aspectos místicos ou religiosos. Há, nessas
sociedades arcaicas, um direito ainda incipiente, bastante concreto,
cognoscível apenas pelo costume e que se confunde com a própria religião.

Mas, aos poucos, vai se
construindo uma nova sociedade -urbana, aberta a trocas materiais e intercâmbio
de experiências políticas, mais dinâmica e completa – que demandará um novo
direito. As primeiras manifestações desse novo tipo de sociedade ocorrem na
Mesopotâmia e no Egito.

“As civilizações ora estudadas fornecem um
raro exemplo de simultaneidade do tempo histórico: elas são construídas de forma
lenta, mas a finalização do processo de mudança dá-se no mesmo período”(p.37)

“[…] os
mesopotâmicos e egipícios formaram suas civilizações em torno dos rios Tigre,
Eufrates e Nilo. Tal circunstancia permite, por óbvio, a existência de solo
propício à agricultura, bem como a navegação fluvial, essencial para o
transporte de mercadorias e sofisticação do comércio. E todos esses fatores
contribuem para um crescimento mais acelerado da população dessas sociedades
bem como um maior desenvolvimento político e econômico.”(p. 39)

“Enquanto no
Egito o faraó simbolizava o triunfo de uma ordem divina inabalável sobre as
forças do caos, na Mesopotâmia a monarquia representava a luta de uma ordem
humana, com todas as suas ansiedades e fragilidades, para se integrar ao
Universo”(p. 40). A principal característica comum da organização política das
civilizações aqui analisadas consiste no fato de que ambas desenvolveram a
monarquia como forma de governo. As diferenças, entretanto, nesse terreno, são
muito mais evidentes.

“A primeira
dessas distinções diz respeito à dicotomia fragmentação/unidade do poder
político. No Egito, desde a consolidação da unificação dos reinos do Sul e
Norte (c. 3100 ªC.) até o final dos períodos de predomínio persa (525-404 ªC. e
343-332 ªC.) e início da dominação romana (303 ªC.), consolidou-se uma
monarquia unificada, com um poder central bastante definido, titularizado pelo
faraó, e com uma capital instalada em determinadas cidade do reino”(p. 40-41)

Evidentemente, a
experiência política na Mesopotâmia era diversa; desde seus primórdios, essa
civilização optou pela fundação de cidades com alto grau de independência. Cada
cidade tinha seu governante, seus órgãos políticos, e, muitas vezes, seu
próprio exército. É nítido, então, o contraste entre unidade do exército do
poder político, no antigo Egito, e a fragmentação desse poder entre várias
cidade da Mesopotâmia.

“Uma segunda
distinção deve ser citada, e diz respeito ao papel conferido aos soberanos. No
Egito, a concepção de que um monarca não era um simples representante divino na
Terra. Ele era o próprio deus. Trata-se do fenômeno intitulado teofania.”(p.42)

De modo
absolutamente contrário a monarquia, nas cidades do Tigre e Eufrates, assumiu
um caráter mais humano. O rei era, tão somente, um representante de deus na
Terra. E, nesse contexto, estava também submetido a limitações e contingências
típicas de qualquer ser humano.

O Egito era rico
em vários materiais mas pobre em
madeira, que era importado do Líbano. Na Mesopotâmia havia carência de minerais
e o solo apresentava problemas quanto à dificuldade de drenagem e de contenção
do avanço da vegetação desértica. As cidades da Mesopotâmia dependiam do
comércio em grau sensivelmente superior ao Egito, o que terá reflexos no
desenvolvimento do direito privado nessas duas civilizações.

“[…] as
sociedades mesopotâmica e egípicia, em face de seu caráter urbano e comercial,
passaram a desenvolver um grau de complexidade que exigia a vigência de um
direito mais abstrato do que o simples costume ou tradição religiosa. Era
necessário um conjunto de leis escritas que desse previsibilidade às ações no
campo privado, que estipulasse algum tipo de tribunal ou juiz para resolver
controvérsias e que fosse inteiramente seguido em toda a extensão do reino o qual
se destinava. […] O que deve ser observado, contudo, é que uma característica
do direito arcaico ainda produziu efeitos nessas civilizações urbanas: as
normas de direito tinham sua justificação no principio de revelação
divina.”(p.44)

“[…] A configuração
do direito, no alvorecer da Antiguidade, reflete o estado de maturidade
política e institucional da época.”(p.45). O primeiro desses “códigos” da
antiga Mesopotâmia surge no período compreendido entre 2140 e 2004 ªC., na
região da Suméria. A queda do império acádico veio com a recuperação da
hegemonia suméria, através da refundação do primeiro império, agora com sede na
cidade de Ur. É nesse momento que surge o primeiro documento escrito da
história do direito.

O fundador desse
novo império na Suméria é o rei Ur-Nammu. Ele promulga o código de Ur-Nammu. A
estrutura geral desse Código pode ser descrita como um meio-termo entre o
direito fortemente concreto das sociedades arcaicas e as formas abstratas e
gerais que caracterizam o direito moderno.As normas ostentam o perfil de
costumes reduzidos a escritos ou, então, de decisões anteriormente proferidas
em algum caso concreto. As normas que subsistiram ligam-se predominantemente ao
domínio do direito penal, mas é possível vislumbrar a importância […] concedida
pelas cidades da Mesopotâmia às penas pecuniárias.

“Outros dois
códigos surgem na Mesopotâmia em data anterior à célebre legislação de
Hammurabi. Na cidade de Isin, na Suméria, foi encontrado o Código de
Lipit-Ishtar […] que contém um prólogo, epílogo, e 37 artigos. O Código de
Esnunna […] traz uma simbiose entre matérias civil e penal que caracterizará
o Código de Hammurabi. O documento de Esnunna já contempla institutos conexos à
responsabilidade civil, ao direito de família e à responsabilização de donos de
animais por lesões corporais seguidas de morte.”(p.47)

“Estava
preparado, então, o terreno para a promulgação do Código de Hammurabi. Ele é
composto por 282 artigos, dispostos em cerca de 3600 linhas de texto, que
tratam de quase todos os aspectos ligados à dinâmica da sociedade babilônica,
desde penas definidas com precisão de detalhes, até institutos de direito
privado, passando, ainda, por uma rigorosa regulamentação do domínio
econômico.”(p. 48)

Mesmo no período
de maior centralização do poder político, não se formou, nas cidades da
Mesopotâmia, uma estrutura burocrático-profisssional nos moldes existentes no
Egito antigo. Havia, isso sim, funcionários do palácio real e sacerdotes
locais, que auxiliavam o soberano na aplicação do direito. Mas, em regra, os
juízes eram nomeados pelo próprio monarca, que poderia, igualmente ser instado
para decidir, em grau de recurso, determinada causa existente no reino. Ao lado
da justiça das cidades e da dos templos, existe em justiça real cujos representantes
são nomeados elo rei. Ainda mais, Hammurabi oferece a todos a possibilidade de
apelo ao rei ou ao seu ministro supremo.

“[…] Nenhum texto legal do período
antigo do Egito chegou ao conhecimento do homem moderno. Há, contudo, excertos
de contratos, testamentos, decisões judiciais e atos administrativos […] que
permitem inferir alguns aspectos da experiência egípcia no campo do
direito.”(p.51)

Os egípcios
acreditavam numa lei reguladora e organizadora dos sistemas de coisas, numa
noção de eterna ordem das coisas e do Universo, a maat, que gozou no
Egito faraônico de enorme popularidade e importância na estruturação e
funcionamento da própria realeza. Podemos afirmar que é o elemento basilar do
Estado.

“A aplicação do
direito estava subordinada, então, à incidência de um critério digno de
justiça. A conclusão que daí decorre é evidente: ao faraó”(p. 52). Convém
ressaltar, por derradeiro, que a jurisdição era titularizada pelo faraó, que
poderia, a seu critério, delegar funcionários especializados para a tarefa de
decidir questões concretas.

CAPÍTULO III – O DIREITO GREGO ANTIGO

1. INTRODUÇÃO

O estudo da
Grécia antiga é um tanto atenocêntrica, pois foi em Atenas que a democracia e o
direito melhor se desenvolveram na península grega. O desenvolvimento do
direito grego deve muito ao surgimento da escrita, pois foi a partir dela que
puderam ser codificados as leis e sua posterior divulgação nos muros da cidade.
Drácon e Sólon foram dois legisladores gregos importantes, o primeiro forneceu
a Atenas seu primeiro código de leis e o segundo retifica tal código. Vale
ressaltar a crítica feita a democracia grega, já que alguns dizem que ela era
uma democracia escravagista, pois dos 300 mil habitantes, 30 mil eram cidadãos
e entre 100 e 150 mil eram escravos.

2. A
ESCRITA GREGA

S. C. Todd
afirma que “O Direto é uma das poucas
áreas de práticas sociais na qual os antigos gregos não tiveram influência
significante nas sociedades subseqüentes”.
Pg. 64. Talvez pelos gregos
terem sido mais estudados por filósofos ou pelo fato de que os estudiosos
romanisticos permanecerem fechados em si. “Pode
se afirmar que não há como ter um sistema jurídico plenamente estabelecido sem
um sistema de escrita
“. Pg. 65. Pois direito e escrita estão demasiado
relacionados. “Assim, para melhor
entender o direito grego, é apropriado aprofundar-se na história da escrita,
particularmente porque direito e escrita se confundem com a própria historia da
civilização grega”.
Pg. 66.

Uma grande
contribuição grega para a escrita foi a criação das vogais, por isso muitas
palavras gregas são iniciadas com vogais. Embora a civilização grega tenha sido
baluarte da democracia, filosofia, teatro e da escrita fonética o direito grego
ficou obscurecido. “A primeira (teoria) é
a recusa do grego em aceitar a profissionalização do direito e da figura do
advogado, que quando existia, não podia receber pagamento. A segunda é a de que
preferia falar a escrever”.
Pg. 68. Platão achava que os livros eram
conhecimentos mortos, pois jamais poderiam ser inquiridos. O direito grego é de
tradição retórica e não escrita. Vale ressaltar que na época na havia a mesma
facilidade de se escrever como há hoje, os objetos de escrita eram mais
rudimentares e raros, e isso influenciou no pouco desenvolvido direito escrito.

3. A
LEI GREGA ESCRITA COMO INSTRUMENTO DE PODER

Antes do século
VII a.C não havia leis escritas na Grécia, mas “em determinado ponto da historia, começou a exigir leis escritas para
assegurar melhor justiça por parte dos juízes”.
Pg. 70. “O propósito seria o de remover o conteúdo
das leis do controle de um grupo restrito de pessoas e colocá-lo em lugar
aberto, acessível a todos”
Pg. 71. “Embora
mais tarde, como foi o caso de Atenas, as reformas introduzidas no sistema
legal tenham aumentado o poder do povo, inicialmente as leis visavam a
beneficiar a pólis e dessa forma fortalecer o controle do grupo que dominava a
cidade, fosse ele qual fosse, e, principalmente, as leis inicialmente eram
essencialmente aristocráticas. Devem-se a Sólon (594 a.C.) as primeiras
iniciativas de democratização das leis”.
Pg. 71. Com intuito de evitar
agitações e perturbações, muitas cidades buscaram na escrita uma forma de
controle e persuasão, pois a medida que as cidades cresciam, tornou-se
necessário a criação de um conjunto oficial de leis escritas, divulgadas aos
olhos de todos. As leis escritas tinham o intuito de confirmar a sua
autoridade. Marcel Dettienne conclui que “Isto
demonstra que a importância das inscrições publicas na cidade antiga era mais
para assegurar uma presença do que para ser lida”.
Pg. 73

4. O
DIREITO GREGO ANTIGO

Dracon em 620 a.C. já dividiu os
homicídios em involuntário, voluntário e legítima defesa. Zeluco fixou penas
para certas ofensas, uma espécie de predecessor do nosso direito penal. As leis
de Sólon estipulavam multas para o estupre, roubo, difamação e calúnia. Na área
da família encontramos leis a respeito do casamento, sucessão, herança, adoção,
legitimidade de filhos, escravos, cidadania, comportamento feminino em público.
As leis públicas fixavam deveres políticos dos cidadãos, atividades religiosas,
economia, finanças, vendas, alugueis, processo legislativo, construção de
navios, dívidas, relações intra-cidades. Os gregos já possuíam uma distinção
clara entre lei substancial e lei processual. “Enquanto a primeira é o próprio fim que a administração da justiça
busca, a lei processual trata dos meios e dos instrumentos pelos quais o fim
deve ser atingido regulando a conduta e as relações dos tribunais e dos
litigantes com respeito à litigação em si, enquanto que a primeira determina a
conduta e as relações com respeito aos assuntos litigados”
Pg. 76.

A prova de que
o direito processual grego era evoluído é o sistema de arbitragem privada e
arbitragem pública.

5.
A
RETÓRICA GREGA COMO INSTRUMENTO DE
PERSUASÃO JURÍDICA

Na Grécia
antiga cabia à pessoa lesada ou a seu representante legal tomar a palavra e faz
a citação na audiência, não poderia haver o auxílio de um advogado.

A lei ateniense era essencialmente retórica.
Não havia advogados, juízes, promotores públicos, apenas dois litigantes
dirigindo-se a centenas de jurados”
Pg. 79

Esse é um dos
motivos pelos quais os gregos não influenciaram o direito contemporâneo. Porém
para Douglas MacDowell o júri popular é uma invenção ateniense.

O julgamento resumia-se a um exercício de
retórica e persuasão. Cabia ao litigante convencer a maior parte de jurados e
para isso valia-se de todos os truques possíveis. O mais comum, e que passou a
ser uma das grandes características do direito greto, foi o uso de logógrafos,
escritores profissionais de discursos forenses. Podemos considerá-los como um
dos primeiros advogados da história.”
Pg. 82. “Os logógrafos escreviam para seus clientes um discurso que este último
deveria recitar como se fosse sua a autoria”.
Pg. 83

6. AS
INSTITUIÇÕES GREGAS

Os órgãos do governo

A Assembléia era composta por todos os
cidadãos acima de 20 anos e de posse de seus direitos políticos”.
Pg. 85 ” O Conselho, composto de 500 cidadãos (50
para cada tribo), com idade acima de 30 anos e escolhidos por sorteio a partir
de candidatura prévia, era renovado a cada ano”
Pg. 85. ” Os estrategos foram instituídos em numero de
dez, sendo eleitos pela Assembléia….Tinham como atividades principais o
comando do exercito, distribuição do imposto de guerra, dirigir a polícia de
Atenas e a defesa nacional… Embora, pela sua origem, suas atividades
estivessem mais associadas com a guerra, fora, aos poucos ampliando suas
funções e acabaram substituindo os arcontes como verdadeiros chefes do poder
executivo”
Pg. 86. Os magistrados eram sorteados dentre os candidatos
eleitos, renovados anualmente e não podiam ser reeleitos, impedindo a
continuidade política.

Resumidamente:

O Conselho
-> Examina, prepara as leis, controla.

A Assembléia
-> Delibera, decide, elege e julga.

Os Estrategos
-> Administram a guerra, distribuem os impostos, dirigem a polícia.

Os Magistrados
-> Instruem os processos, ocupam-se dos cultos, exercem as funções
municiapais.

CAPITULO V

DIREITO ROMANO CLASSICO: SEUS INSTITUTOS
JURIDICOS E SEU LEGADO.

A idéia de modo
produção, desenvolvida por Karl Marx, nos faz constatar que no Império Romano o
modo de produção era escravista e o desenvolvimento econômico era baseado nas
grandes propriedades cujos donos eram os membros da aristocracia patrícia, que
dominavam o restante da população romana, composta por pobres, livres plebeus,
clientes e escravos. A sociedade romana, por ser demasiadamente desigual e
conter muitos conflitos de classe, criou instituições políticas e jurídicas
diferente das outras conhecidas; portanto, o direito romano pode ser
considerado:

Um universo jurídico
construído por formas peculiares de controle social, mantidas pela força
coativa e pela persuasão de um universo cultural construído por uma religião,
uma moral e filosofia típicas daquela civilização da Antiguidade Clássica.
(p.115)

Uma das características desse direito
romano era a legalidade de algumas praticas que mais tarde foram consideradas
ilegais, como a contracepção, o aborto e o abandono de filhos legítimos, que
era causado pela miséria de uns e a política matrimonial de outros.

O direito civil
beneficiava os mais fortes, ou seja, a classe dominante é que poderia utilizar
mais a seu favor o direito material (civil) de Roma. Não existia a coação
pública, que era capaz de impor a sanção penal de forma organizada e
centralizada, alem disso as citações eram feitas pelas próprias partes. O
casamento romano era disciplinado pelo direito privado, que era informal e
oral.

A importância
desse direito romano pode ser justificada pelo fato de que ele perdurou durante
mais de doze séculos de evolução e continuar vivo em algumas instituições liberais
individualistas contemporâneas, principalmente naquelas que correspondem ao
direito de propriedade e ao direito das obrigações. Como exemplos podemos citar
diversos tipos de contratos, como a compra e venda, o penhor e a hipoteca.

Uma das maiores
expressões desse direito foi o Código de Justiniano, que após a compilação de
quatro livros: Institutas (manual
escolar), Pandectas (reunião das constituições promulgadas após Justiniano), Digesta (compilação dos iura) e Codex (compilação das Leges), feita por uma comissão de
juristas a serviço do Império Romano do Oriente; foi chamado de Corpus Júri
Civilis por Denis Godefroid.

Os períodos em
que o Império Romano é dividido historicamente serve também para delimitar os
períodos que se divide a historia jurídica desse Império. A primeira fase é
chamada Período da Realeza, a segunda é o Período da Republica, seguido pelo
Período do Principado e por fim, o Período do Baixo Império. No primeiro
período, é onde se encontra a origem romana, contada através da lenda de Rômulo
e Remo. Nessa fase surgiram algumas instituições político-juridicas com caráter
extremamente teológico. O rei assume uma “monarquia vitalícia”, exercendo
várias funções concomitantemente, como a chefia política, jurídica religiosa e
militar.

Ele contava, entre outros assessores, com os
juízes e os magistrados, que exerciam funções judiciárias; e com pontífices,
que exerciam função religiosa. Além disso, o rei contava com uma espécie de
Conselho, o Senado; e com os comícios curiatos. O direito era considerado
costumeiro e os pontífices possuíam o monopólio sobre a jurisprudência.

Na Republica, as
magistraturas começaram a obter mais destaque, e com elas os cônsules, que eram
magistraturas vitalícias, comandantes do exército, encarregados da segurança
pública e eram administradores da justiça criminal. Criou-se a magistratura da
ditadura, que durava seis meses e mais tarde, com a Lex Licinia de Magistratibus, os plebeus ganharam o direito de ser
cônsules, e de exercer outras magistraturas, como exemplos podem ser citados a
ditadura (magistratura dos tempos de guerra), a censura (magistratura
encarregada do recenseamento) e a pretura urbana (aplicavam o direito civil
romano aos romanos e estrangeiros). As fontes do direito romano durante a
Republica eram: o costume, a lei e os editos dos magistrados.

Durante essa fase
ocorreu um grande progresso econômico, alguns problemas e desentendimentos
sociais e conquistas territoriais, que fizeram com que a passagem para o
Império fosse inevitável. No período do Império se destacam o imperador Octávio, cujo poder não era limitado
pela lei, e alguns dos maiores jurisconsultos e criadores da “ciência jurídica
da romana”, como Sálvio Juliano,
Papiniano, Ulpiano
e Modestino,
entre outros.

O último período,
o Baixo Império, é caracterizado principalmente pela ocorrência da
cristianização do Império, alem da fonte de criação do direito passar a ser a
constituição imperial. É dessa época que datam os primeiros esforços para a
reunião da legislação em um só documento.

Enquanto a
legislação não era compilada, os magistrados julgavam segundo as tradições que
só eles conheciam, o que deixava descontentes os plebeus que reclamavam a
elaboração das leis escritas. Esse fato levou à publicação da Lei das XII
Tábuas, que foi elaborada por uma comissão de magistrados, encarregados de
pesquisar as leis de Sólon.

A Tábua I
referia-se ao chamamento a juízo, a segunda estabelecia o prazo para
comparecimento a juízo; a Tábua III determinava a execução no caso de confissão
de divida; a quarta tratava do poder paterno e do direito de família; a Tábua V
referia-se à tutela hereditária e a VI à propriedade e à posse, era considerada
uma grande base do direito civil; a Tábua VII tratava do direito relativo aos
edifícios e às terras, alguns dos preceitos relativos a esse direito aparecem
em nosso Código Civil, como o uso nocivo das propriedades, das árvores
limítrofes, entre outros.

Os romanos foram
pioneiros na fixação da propriedade privada, considerada perpétua e sagrada,
porém, ela nunca teve caráter ilimitado e absoluto. No período clássico, o
direito de propriedade se intensificou; havendo dois tipos de proprietário: o
quiritário e o bonitário. A quiritária exigia a existência concomitante de três
requisitos: fundo romano, proprietário romano e a aquisição de acordo com o
direito civil. Havia também duas categorias de pessoas, as físicas e as
jurídicas, para essa última era exigido que o cidadão fosse romano, livre e ser
independente.

No campo do
direito das obrigações, os romanos foram responsáveis pela indenização
pecuniária, em detrimento da privação da vida ou do patrimônio. Havia as
interpolações, constituídas como fórmulas de atualização do direito romano; os
compiladores executavam substituições nos fragmentos dos jurisconsultos. O direito
romano foi muito influenciado pelo cristianismo, especialmente no que concerne
ao direito de família.

Com a queda do
mundo romano, causada entre outros fatores, pelo colapso da economia
escravagista e a guerra civil interna;

A necessidade de
sobrevivência e defesa militar e a ausência de governo e de legiões romanas
tornaram possível e necessária a instituição de um sistema senhorial, no qual
encontramos s origens do que mais tarde veio a se chamado de feudalismo.
(p.140)

Desse processo de
decadência surgiu uma nova estrutura jurídica, econômica, política, cultural, o
feudalismo. Nesse período a dominância foi do Direito Canônico. Porém, com o
renascimento comercial criou-se a necessidade da criação de um direito privado
moderno, adaptado às exigências do direito civil e comercial surgidos. Nesse ambiente, na Alemanha, ocorreu a
penetração do direito romano.

A aceitação desse
direito na Europa se caracterizou pelo renascimento da jurisprudência, a
organização das diversas fontes do direito (direito romano, canônico e locais),
a unidade quanto aos métodos científicos empregados pelos juristas e quanto ao
ensino jurídico e por fim, a difusão de uma literatura especializada, em latim.
A partir da incorporação de postulados formalistas do direito romano, o direito
ocidental adquiriu o caráter dedutivo, que lhe é característico até os dias de
hoje.

CAPITULO VII:

O DIREITO ROMANO E SEU RESSURGIMENTO NO
FINAL DA IDADE MÉDIA

Durante a época
em que Roma era gerida pelo governo da Realeza, e também, posteriormente,
durante o início da república, o Direito presente era chamado de primitivo, ou
arcaico. Constituía em um Direito basicamente consuetudinário, uma vez que os
habitantes ainda se constituíam sob clãs, e não possuíam domínio vasto da
escrita. Nessa época, o direito confundia-se muito com religião, até porque
eram os sacerdotes aqueles que conheciam e espalhavam as leis. É nesse espaço
temporal que irá surgir a famosa “Lei das XII tábuas” que tinham como base a
resolução de conflitos entre patrícios e plebeus.

Um período mais tarde, aparece o que
conhecemos por direito clássico, desenvolvido no apogeu de Roma, sendo esse
laico e individualista, com fontes legislativas mais apuradas que outrora
visto. Aqui surgem os juristas propriamente, o corpo de profissionais
especializados, capazes de fazer uso correto das leis, ao mesmo tempo em que a
legislação passa a desempenhar papel importante. Importante destacar também as
codificações, a sistematização e organização do direito e suas instituições por
todo o domínio romano, além da utilização da jurisprudência e dos editos dos
magistrados.

O último período, que compreende o direito
pós-clássico, teve parte durante a decadência econômica e política de Roma.
Esse direito teve como mérito apenas manter o que já tinha sido construído
durante o período clássico.

Cabe aqui ressaltar que, mesmo com a
decadência e posterior extinção do Império Romano Ocidental, a influência
Romana pelo território europeu, não se extinguiu. Durante a era medieval,
percebemos que a atividade legislativa consolidada, exercida em Roma, perde
valor. Esta se desmembra em poderes judiciais cabíveis apenas aos senhores
feudais, em suas relações de suserania-vassalagem. Retoma-se o direito
consuetudinário, e principalmente o recurso à Deus para obter-se justiça. A
única forma de direito escrita, coesa e unitária era a do direito canônico,
aplicada pela Igreja Católica.

Após um grande período de esquecimento, o
direito romano retorna aos fatos nas mãos de juristas europeus.

A cultura romana
estava arraigada por todo o continente europeu, e isto acabou por influenciar
os povos que ali se instalavam. Os germânicos assimilaram, de certa maneira, os
elementos de uma civilização que indubitavelmente era mais avançada que a sua.
Muitas cidades foram criadas devido à expansão do império, e estas, mesmo após
o desaparecimento do .império, continuaram adotando diversos costumes, práticas
e ensinamentos romanos.

O mercantilismo
exigiu uma nova estrutura jurídica, mais adequada as novas relações econômicas
emergentes. Era preciso um direito estável e universal, para garantir as
operações comerciais, e ao mesmo tempo, um sistema legal que possibilitasse a
atividade mercantil em detrimento dos valores de ordem moral dos ensinamentos
feudais. O direito romano conseguia reunir todas essas características, sendo,
portanto, a melhor hipótese para se implantar, na época.

A retomada da
jurisprudência clássica não atendia somente aos interesses econômicos da classe
mercantil, mas, sobretudo, correspondia às expectativas de uma nobreza
duvidável. O Estado Monárquico
absolutista encontra no direito romano um poderoso instrumento de centralização
política e administrativa, em que a liberdade outorgada aos agentes econômicos
privados é contrabalançada pelo poder arbitrário da autoridade pública.

O surgimento da
burocracia, conforme Max Weber, é que irá abrigar o direito romano, devido á
praticas como precisão, rapidez, hierarquização, especialização, etc.

CAPÍTULO VIII

A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA DOGMÁTICA
JURÍDICO-CANÔNICA MEDIEVAL

De forma
resumida pode-se dizer que um dos maiores legados da igreja Católica para o
direito ocidental moderno foi a dogmática. Essa forma de conceber o direito se
baseia na elaboração de um discurso que legitima a imposição da verdade a
partir de um lugar de saber inquestionável, uma verdade absoluta. A dogmática
foi essencial para a construção de um elemento de controle e manipulação
social, principalmente através do sistema jurídico.

A Igreja Católica pode ser vista
como a responsável pela junção das várias características sociais diferentes em
um novo regime: o regime feudal. Todo esse processo foi necessário para
realizar o projeto de dominação e imposição de um modelo de pensamento através
da teologia. Para a fundamentação desse projeto o uso de justificativas
racionais na interpretação da verdade era constante e eficaz.

Ao analisar os feudos pode-se
perceber que cada um deles possuía uma estrutura econômica, jurídica, social,
cultural, moral e política, logo, seria muito importante a presença de uma
liderança carismática, para dar fim a qualquer tipo de litígio. Para encarnar a
figura carismática e estabelecer uma crença foi instituído o Papa como
representante do carisma de Cristo. Dessa forma a Igreja Católica é comparável
a um grande senhor Feudal, pois possui grandes extensões de terra, domínio
sobre os seus vassalos (povo) e ainda um líder carismático (Papa).

Com o crescimento da influência
Católica e a ausência de um sistema jurídico organizado vários litígios
passaram a ser decididos através do poder de decisão dos tribunais canônicos
com o uso dos cânones (regras jurídico-sagradas que determinam o modo de
resolver as questões). A partir de então o direito começou a passar por um processo
de sacralização, que ocorreu ao longo da Idade Média. Toda a produção
intelectual jurídica foi monopolizada pelos mosteiros da Igreja, que criou os
cânones com o objetivo de restringir tanto as perguntas como também as
respostas, tudo deveria ser simplesmente aceito como um dogma, uma verdade
sagrada. A Santa Inquisição vem para comprovar os objetivos de repressão e
dominação da estrutura social, utilizando toda a tecnologia disponível para
torturar e controlar os possíveis revoltosos.

O direito canônico dava
justificativa legal para excluir os que não compartilhavam da mesma crença que
os Católicos, punindo-os de diversas maneiras. O dogmatismo representou o
principal fundamento para a expansão da Igreja Católica, colocando suas
verdades acima de qualquer contestação, controlando a sociedade e utilizando a
figura carismática do Papa para que o povo pudesse ser mais facilmente
manipulado.

CAPÍTULO IX:

ASPECTOS HISTÓRICOS, POLÍTICOS E LEGAIS DA
INQUISIÇÃO
.

Para legalizar a
grande cruzada religiosa empreendida pela Igreja Católica contra os hereges,
nos séculos XII e XIII ocorreram mudanças no direito penal, como novas regras
para o processo, aliadas a reintrodução da tortura como meio de extrair a
confissão; o que fez da Inquisição uma operação essencialmente jurídica.

O cristianismo
tornou-se a religião oficial do Estado após o Edito de Tolerância de Milão, transformando a Igreja em uma de suas
principais instituições, e no período da Baixa Idade Média obteve seu apogeu.
Teve inicio então a Inquisição, criada para combater toda forma de contestação
aos dogmas da Igreja, ou seja, as heresias. No início, consistia na
identificação, julgamento e condenação dos indivíduos culpados, feitos pelos
membros do clero, mas no início da Idade Moderna era dividida entre Tribunais
Eclesiásticos e Seculares. A condenação era constituída por castigos como a
execução na fogueira, banimento, trabalho nas galeras dos navios e o confisco
dos bens.

Mantida a
“aparência” de que a Inquisição era de caráter unicamente religioso, na
realidade ela se revelou extremamente política, adquirindo um aspecto muito
mais violento. O direito canônico desempenhou um importante papel durante a
Idade Média; obtendo influência nas legislações da Europa ocidental, através
dos Tribunais Eclesiásticos. Esse tribunal tinha funções penais, como julgar e
processar todas as pessoas que praticassem alguma infração contra a religião,
bem como a usura e o adultério, criando até mesmo jurisdição sobre tais crimes.

No sistema
acusatório, a ação penal só poderia ser feita por uma pessoa privada, que
constituísse a parte prejudicada, resultando na abertura de um processo contra
a pessoa acusada. Em caso de duvida, era utilizado um método irracional, recorrendo-se
a intervenção divina; o método mais utilizado era o ordálio, que causava a
utilização de modos bárbaros para a determinação da culpa ou inocência. Esse
sistema apresentava serias deficiências como o fato de tornar os crimes ocultos
difíceis de serem julgados, de ser um risco para a pessoa do acusador, que era
acusado em caso de inocência do acusado.

O processo por
inquérito veio substituir o processo acusatório no século XIII, atribuindo ao
juízo humano um papel essencial. O sistema penal foi modificado, através da
influência da Igreja, o que tornou muito mais eficiente o combate aos crimes de
heresia. Com esse processo, o acusador não possuía nenhuma responsabilidade no
caso de inocência do réu, e os oficiais do tribunal poderiam intimar um suspeito
com base em quaisquer informações.

Além disso,
ocorreu a oficialização de todas as etapas do processo judicial, o juiz deixou
de ser imparcial e o processo criminal, até a sentença, permanecia
secreto. As evidências do crime eram
investigadas mediante regras cuidadosamente formuladas, o que dava um caráter
de racionalidade ao processo de inquérito e fazia com que os padrões de prova
fossem muito rigorosos. Essas se dividiam em diretas, indiretas, manifestas,
imperfeitas, plenas, indícios próximos ou longínquos; a principal delas era a
confissão.

A grande
importância dada à confissão explica o meio utilizado pelos juízes para
obtê-la: a tortura. A Igreja, que a
condenava anteriormente, consentiu-a com a Bula do Papa Inocêncio IV. Após a
confissão, vinha a condenação e em seguida a execução da pena. Havia a
possibilidade da apelação, porém a maioria dos condenados não conhecia esse
recurso. Após a morte, os bens da pessoa eram confiscados e dificilmente os
parentes do condenado escapavam dos processos.

CAPÍTULO XI:

DA “INVASÃO” DA AMÉRICA AOS SISTEMAS
PENAIS DE HOJE:

O DISCURSO DA “INFERIORIDADE” LATINO –
AMERICANA.

O eurocentrismo
constitui o entendimento de que todos os avanços que ela representa constituem
o resultado de um desenvolvimento do europeu, sem considerar a existência da
África, América ou Ásia. Com a viagem de Cristóvão Colombo, a Europa tornou-se
o centro do mundo; explorador da América Latina, sob a desculpa do “mito
sacrifical”. Os índios foram considerados inferiores, sendo obrigados a se
converterem à religião católica, e caso se negassem eram forçados a isso
através da escravidão, pelo sistema chamado encomiendas.

O primeiro grande
conquistador foi Hernán Cortez, que explorou e destruiu o povo asteca através
de três estratégias; a primeira foi utilizando guerras e massacres, a segunda
foi o uso da escravidão e a terceira, mesmo de maneira inconsciente foi a
transmissão de doenças. Esse descaso pelos índios e o maltrato causou um debate
entre Bartolomé de las Casas e Juan Gines de Sepúlveda, chamado de disputa de
Valladolid.

Sepúlveda
defendia a noção de inferioridade dos índios, afirmando que eles estavam na
metade do caminho entre animais e homens pelo fato de não conhecerem a
propriedade privada nem a herança pessoal. Por isso era defensor da “guerra
justa”. Já Bartolomé era contrario a essa idéia, dizendo que os índios eram
fiéis, ao contrário dos espanhóis, por estes comandarem as “guerras justas” e
as encomiendas. Ele é considerado o
primeiro defensor dos direitos humanos da América Latina e afirmava que a
dominação deveria ser feita respeitando os direitos naturais dos índios.

Cortez e seus
compatriotas, ao chegar aos domínios do povo asteca, os deixaram confusos, pois
eles ficaram em duvida de sua procedência, acreditando em três possibilidades:
1) de serem humanos (considerada a menos possível); 2) de serem deuses (a mais
provável e racionalmente aceita), associando Cortez a Quetzacóatl, um príncipe que fora expulso por eles e prometera
voltar; 3) de representarem o fim do “quinto sol”. Com o desenvolvimento dos
fatos, foi comprovada a primeira suspeita. Eles foram explorados, e para evitar
males maiores simularam obediência, garantindo assim sua sobrevivência.

Foi desenvolvida
uma classificação dos “rostos” da América Latina, sendo o primeiro o dos
índios, cuja exploração já foi relatada; o segundo rosto é o do negro; o
terceiro é o do mestiço, que não possuem uma personalidade cultural e racional
definida; o quarto é o do crioulo, que é o filho branco de um europeu com uma
índia; o quinto rosto é o dos camponeses, que foram explorados com a formação
dos Estados Nacionais; e por fim, o sexto é o dos operários, surgido com a
revolução industrial.

O nosso sistema
penal possui uma base teórica apoiada na “ideologia da defesa social”, que pode
ser comprovada pelos princípios da legitimidade, do bem e do mal, da
finalidade, da igualdade e do interesse social. Segundo Raúl Zaffaroni,
sofremos três tipos de colonialismo, o primeiro foi o mercantil, o segundo foi
o industrial ou neocolonialismo e o terceiro é o atual chamado de
tecnocolonialismo. No primeiro, o sistema escravagista, foi característico, no
segundo, os sistemas penais foram os principais instrumento de controle do
genocídio, como por exemplo, o uso abusivo de armamento permitido, a violência
contra os presos, etc.

CAPÍTULO XII:

O DIREITO NO BRASIL COLONIAL

As bases
culturais e jurídicas do Brasil colonial foram impostas por uma vontade
monolítica. Os elementos que formaram a cultura e o direito tiveram origem de
três etnias: os portugueses brancos, índios e negros. Os indígenas não
contribuíram muito para a formação do direito, assim como os negros, ao
contrario dos portugueses, que impuseram o direito português, determinando as
bases da formação jurídica nacional; sendo instituído até mesmo um período
nacional do direito português.

A primeira fase
desse período é caracterizada pelas leis de caráter geral e os forais,
considerados: “miniaturas de constituições políticas durante a Idade Media”
(p.336). Com a instituição dos governos gerais, o Poder Judiciário e o direito
foram profundamente modificados. Surgiram as ordenações, que eram uma
compilação das leis gerais; as três maiores foram: as Ordenações Afonsinas
(1466), as Ordenações Manuelinas (1521) e as Ordenações Filipinas (1603), que
vigoraram até a publicação do nosso Código Civil Nacional. As ordenações
contavam com livros que versavam sobre o Direito dos Eclesiásticos, o Direito
Civil, Comercial e Penal, entre outros.

Na antiga
organização judiciária, o ouvidor-geral era a autoridade maior. A administração
da justiça era realizada por operadores jurídicos, como os juízes ordinários,
juízes de fora, de vintena, de órfãos, etc. e seus auxiliares, os escrivães do
publico e notas, os tabeliães judiciais, os alcaides, meirinhos, etc. O
primeiro Tribunal da Relação na Bahia
foi criado em 1587, seguido pelo Tribunal de Relação do Rio de Janeiro.

O Poder
Judiciário era composto por meio de burocracia e relações pessoais. Os
magistrados não faziam parte da nobreza, e era seu desejo se tornar parte dela.
A justiça, do ponto de vista de Gregório de Matos, era “vendida, injusta e
tornada bastarda”; contrariando a finalidade do direito nacional de representar
os interesses do bem comum da coletividade e influenciando o modelo jurídico
atual.

CAPITULO XIII:

INSTITUIÇÕES, RETÓRICA E BACHARELISMO NO BRASI

Analisando os aspectos jurídicos brasileiros
e tentando traçar paralelos históricos com o fenômeno do bacharelismo, devemos
nos fiar no fato de que o Brasil foi concebido a partir dos ímpetos portugueses
por expandir seus mercados, bem como busca por metais preciosos.

É na estruturação
do Reino Português que se encontram as raízes da experiência portuguesa do
Estado Patrimonial. Falta-nos, ainda hoje, um Estado racional e despersonalizado,
decorrendo daí, a distinção precária entre o público e o privado, a
precariedade da segurança do indivíduo perante as possibilidades de atuação
estatal.

A
colonização do novo mundo teve como objetivo a exploração mercantil e a
experiência das quinze capitanias hereditárias colocou seus donatários em
funções típicas do Estado (arrecadação de tributos, fundação de vilas,
monopólio da justiça, etc.), tudo em nome D’el Rei, como convém o
patrimonialismo, a esse aspecto ainda somou-se, uma outra característica
fundamental para a formação da sociedade e da cultura brasileiras: a economia
baseada na exploração do trabalho escravo, contradizendo as teorias do
liberalismo econômico, com base na mão-de-obra assalariada

Tal dado
histórico faz-nos perceber o favorecimento a um processo de exclusão e
discriminação social, o que levou à aristocratização por meio da farda ou da
beca, sendo acentuada a participação dos bacharéis nos movimentos
abolicionistas.

O
ensino superior nacional resumiu-se, até a fuga da família real para o Brasil,
às experiências jesuíticas da Companhia de Jesus, dando ênfase à retórica e
privilegiando poucos autores, mormente Aristóteles e São Tomás de Aquino. Sendo
que os estudos superiores só podiam ser realizados na Europa, tendo como destino
quase que exclusivo a Universidade de Coimbra para os filhos da elite colonial
brasileira.

Com a vinda da
família real para o Brasil, em 1808, colocou-se com ordem do dia transformar a
colônia em lugar apropriado para a instalação da Corte, no entanto isso não
suscitou de imediato a preocupação com a formação de quadros para ocupar os
quadros e funções do Estado, pois para facilitar a dependência da Colônia, a
formação Coimbrã consistiu em um eficiente método de controle ideológico, sendo
preocupação do ensino superior da época a formação militar e às outras áreas
consideradas técnicas.

Foi somente em 1827, já declarada a
independência e tendo em vista os primeiros passos para a formação de um Estado
Nacional, que se verificou a implantação dos cursos jurídicos no Brasil. Olinda
(posteriormente transferido para Recife) e São Paulo com início das atividades
no ano seguinte tiveram seu quadro docente quase completo por professores
portugueses. Dessa forma, as faculdades
de São Paulo e Recife foram os centros responsáveis pela formação ideológica da
elite dirigente, homogênea na medida do possível, que deveria consolidar o
projeto de Estado Nacional.

Entende-se por bacharelismo a situação em que
predominam os bacharéis na vida política e cultural do país. Os bacharéis,
guiados pelos ideais da Revolução Francesa, estiveram metidos em praticamente
todos os grandes acontecimentos políticos da história brasileira.

Segundo Gilberto Freyre, ninguém mais
bacharel que D. Pedro II, que, durante seu reinado, cercou-se de bacharéis na
condução dos negócios do Estado. Em termos de legislação nacional de maior
envergadura, foram produzidos o Código Penal, o Código de Processo Criminal, o
Código Comercial e o Regulamento 737.

Não houve, na cultura brasileira, a efetiva
conformação do Estado às idéias liberais, mas uma incorporação daqueles
elementos à estrutura estabelecida, dando ensejo a uma contradição entre o
discurso e a prática, o que se verifica até os dias de hoje.

A incorporação desses elementos se fez de cima
para baixo, sob a inspiração de idéias trazidas de outros países,
desconsiderando as condições históricas e culturais em que foram engendrados.
Foi fácil discursar e escrever sobre esses ideais, mas muito mais difícil
incorporar uma prática cotidiana nova. Assim, foi fácil defender o liberalismo
e a democracia na imprensa e na tribuna, sem modifgicar a substância do estado
patrimonialista.

O bacharelismo manifestou-se amplamente fora
dos gabinetes políticos, notadamente na produção literária e jornalística, com
o domínio convincente tanto da gramática quanto da estilística. O exercício da
atividade jornalística era norma de engajamento para a atividade política,
fomentando o desenvolvimento de uma imprensa fortemente influenciada pelas
idéias liberais.

CAPÍTULO XIV

O ESCRAVO ANTE A LEI CIVIL E A LEI PENAL
NO IMPÉRIO

Primeiramente devemos destacar que os
chamados escravos libertos faziam parte dos cidadãos ativos, já não gozando do
mesmo direito os simples escravos, considerados habitantes não cidadãos. A
cidadania poderia ser concedida aos alforriados. Para que fosse concedida,
exigia – se a comprovação de renda.

No
período imperial houve muitos debates na Assembléia Constituinte acerca de
concessão de cidadania aos alforriados e sobre a distinção dos habitantes do
nosso país( índios, negro, brancos-cidadãos ). Vários deputados se manifestaram
contra ou a favor das resoluções, surgindo por conseguinte, diversas
contradições filosóficas e jurídicas entre as várias fontes de direito e tendo
como fonte subsidiárias os Direitos Romano e Canônico.

A
Escravidão brasileira originou-se do tráfico negreiro lícito e ilícito e do
próprio nascimento de crianças de mães escravas. Ilícito pois após a data de 07
de novembro de 1830, o tráfico passa a
ser proibido. Isso não quer dizer que não houve. Dessa maneira a origem da
escravidão restringiu-se ao nascimento. Até a Lei do Ventre Livre, os filhos de
escravos, escravos eram, exceto no caso de as crianças serem filhas do Senhor.
Para chegar ao fim da escravidão havia apenas três formas: morte, alforria e a
lei. Mesmo sendo alforriado, o escravo poderia ter sua carta de alforria
anulada. Ao Estado era concedido o poder de alforriar gratuitamente os
“escravos da nação”, mas para isso teria que ser votado numa Assembléia Geral.

O escravo frente a lei civil ao mesmo tempo
era coisa e pessoa. Não possuía direitos civis, nem políticos. Dessa forma não
podia contratar, tutelar, testemunhar, constituir família(só uniões de fato).
As uniões eram oriundas do direito romano, mas moderadas pelo direito canônico.
Vários institutos da lei civil eram aplicados aos escravos, como exemplo:
hipoteca, anticrese, penhor, condomínio, usucapião, usufruto.

Um escravo em condomínio se fosse alforriado,
todos os demais cotistas deveriam receber uma indenização. O usufruto do
escravo permitia ao usufrutuário utilizar seus serviços e beneficiar-se das
rendas produzidas. Era permitido também o usucapião do escravo, sendo o prazo
de três anos, não sendo permitido o próprio escravo se usucapiar (isso era
ilegal).

Na lei penal a condição de escravo era uma
agravante. Como podemos ver, nesse caso, o escravo respondia por seus atos,
sendo dessa maneira imputável. A Insurreição era considerado o mais grave
delito que um escravo poderia cometer. A legislação penal imperial negava ao
senhor do escravo o direito de vida e morte sobre o escravo, só sendo permitido
castigos, e esses castigos não poderiam exceder cinqüenta açoites por dia. O
escravo sofria também violências como a tortura, marcas a ferro quente entre
outras. Se o fato criminoso do escravos causara danos civis, seu senhor deveria
indenizar o ofendido. O Código de Processo Criminal passou a restringir a
locomoção dos escravos, mesmos acompanhados de seus senhores, para impedir as
insurreições.

CAPÍTULO XIX

ASPECTOS
HISTÓRICOS, POLÍTICOS E LEGAIS DA INQUISIÇÃO

No século XII, como resposta à heresia albigense, o papa
Inocêncio III organizou uma cruzada contra esta comunidade. No entanto, não foi
muito eficaz. A Inquisição oficializou-se em 1231, no papado de Gregório IX. Os
inquisidores eram franciscanos ou dominicanos, nomeados diretamente pelo papa.

As mudanças ocorridas no Direito durante a Idade Média foram
importantíssimas para que a Inquisição adquirisse um caráter tão polêmico e se
alastrasse por toda a Europa Ocidental e até por suas colônias. Tudo isso
utilizando a influência da Igreja sobre o poder temporal, para tentar eliminar
opositores tanto de questões religiosas quanto de questões políticas.

Se formos ver os séculos em que a Inquisição funcionou (XVI,
XVII,e XVIII) pode-se dizer que apesar da rivalidade; a nobreza, a coroa e o
clero tinham interesse em manter a Inquisição porque garantiam o regime
tradicional e o sistema seguinte sem deixar ameaçadas suas posições ou
privilégios.

A Inquisição
teve início no período da Baixa Idade Média, quando o poder eclesiástico
atingiu o seu apogeu e precisou evitar a contestação dos dogmas da Igreja
Católica. Mas ela agiu de forma mais violenta após as crises sociais e
econômicas do final da Idade Média, quando os detentores do poder estavam com
medo de a sociedade criar rebeliões e desordens. Como nessa fase a Inquisição
já se apresentava em sua versão moderna, que além de ser mais violenta,
apresentava uma grande ação política,
ela acabava atuando também conforme os objetivos dos politicamente poderosos.

Todo esse
contexto foi essencial para que o direito canônico apresentasse significativa
influência sobre o direito laico, pois aquele era um direito escrito e
formalizado, e “se constituía objeto de vários estudos doutrinais e tinha sido
sistematizado antes que o laico”, além disso, devido à íntima relação entre
Igreja e Estado, o alargamento do poder jurisdicional dos Tribunais
Eclesiásticos, que inicialmente se restringia aos membros e autoridades do
clero católico, mais tarde estendeu-se aos leigos.

A estrutura
constitucional que mais auxiliou a Inquisição foi a ocorrida no sistema penal.
Primeiramente, utilizava-se o processo acusatório, no qual “a ação penal só
poderia ser desencadeada por uma pessoa privada, que seria a parte prejudicada
ou seu representante. A acusação era pública e feita sob juramento […] Em
caso de dúvida, a determinação da culpa ou inocência era feita de modo
irracional, recorrendo-se à intervenção divina para que fornecesse algum sinal
contra ou a favor do acusado”. Para isso, utilizavam o ordálio (espécie de
testes, provas pelas quais o acusado deveria passar, sendo julgado conforme o
resultado delas), os duelos judiciais e a compurgação (inocentava-se o acusado
através da obtenção de um número considerável de testemunhas que jurassem a
honestidade do acusado). Portanto “a atuação do juiz era somente a de árbitro
imparcial, que orientava todo o processo, mas nunca julgava o acusado. O papel
do promotor era desempenhado pelo próprio acusador, que seria julgado caso o
réu provasse a sua inocência”.

Tudo isso mostra
como o processo acusatório era deficiente, sendo ineficaz no combate à
criminalidade. O que levou a sua substituição pelo processo de inquirição (inquisitio).
Nesse, “o desencadeamento da ação penal ainda poderia ser feito pela acusação
privada, mas o acusador não tinha nenhuma responsabilidade em caso de inocência
do réu. A denúncia também poderia ser feita por habitantes de uma comunidade
inteira. Os oficiais do tribunal poderiam intimar um suspeito de crime com base
em informações por eles mesmos obtidas”. O sistema penal se mostrou mais
racional, ocorreu a “oficialização de todas as etapas do processo judicial a
partir da apresentação da denúncia. “O juiz […] e os demais oficiais do
tribunal assumiam a investigação dos crimes e determinavam a culpabilidade ou
não do réu, tudo registrado por escrito. Como elucida Michel Foucault, o
processo criminal, até a sentença, permanecia secreto, não apenas para o
público, como também para o acusado, […] a forma secreta e escrita do
processo conferia o poder de estabelecer a verdade, aos juízes e profissionais
do direito […]. Mas, apesar do segredo, o estabelecimento da verdade obedecia
a certas normas”. As evidências do crime eram investigadas e avaliadas mediante
regras meticulosamente formuladas, o que dava ao processo por inquérito o
caráter de racionalidade, que fazia com que os padrões de prova fossem
extremamente rigorosos.

Mas a prova
mais forte, a ponto de prescindir de outras, era a confissão, pois esta “era o
assentimento do próprio acusado em relação à culpabilidade no crime a ele
imputado […]. A enorme importância dada à confissão explica o meio utilizado
pelos juízes e inquisidores para obtê-la: a tortura”. E após a Igreja autorizar
o seu uso, ela foi aprimorada e intensificada, sendo usada indiscriminadamente.
“Após a confissão, vinha a condenação e, em seguida, a execução da pena”, feita
em público. Sendo que os bens da pessoa executada eram todos confiscados.

Todas essas características mostraram-se muito eficazes na caça aos
hereges, e facilitaram o julgamento de todos os crimes, tornando o crime uma
ofensa ao Estado (“vingança pública”) e impulsionando a Inquisição a atingir
grandes dimensões.

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Como citar e referenciar este artigo:
ANÔNIMO,. Fundamentos de História do Direito – Wolkmer – Ver. 3. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/historia-do-direito-resumos/fundamentoshsitoriadto/ Acesso em: 28 mar. 2024