Direito Ambiental

Competências Ambientais

Por Otávio Minatto*

 COMPETÊNCIAS AMBIENTAIS

Introdução

O presente trabalho tem como tema as questões inerentes às competências ambientais. Cada divisão das competências é demonstrada separadamente, analisando-se seus conceitos e suas características. Estuda-se, aqui, tanto a compreensão de cada tipo de competência quanto à sua natureza (executiva, administrativa e legislativa), como em relação à sua extensão (exclusiva, privativas, comuns, suplementares e concorrentes). O trabalho mostra como cada modalidade dá-se para os diversos entes públicos, indicando os dispositivos constitucionais que legalizam cada competência ambiental.
 

3. COMPETÊNCIAS AMBIENTAIS

3.1 Competências ambientais na Constituição Federal de 1988: aspectos gerais
 

A Constituição Federal estabeleceu diversas esferas governamentais, com atribuições e poderes diferentes. Esta sistematização foi feita através da “enumeração dos poderes da União, com poderes remanescentes para os Estados, e poderes definidos indicativamente para os Municípios”[1]. Importante ressaltar que a divisão foi feita pelos princípios gerais constitucionais, não havendo nenhuma especificação por ser de matéria ambiental.

Para entender-se o significado de competência, é necessário salientar o que é este poder atribuído aos entes públicos separadamente. José Afonso da Silva define poder como sendo uma “porção de matéria que a Constituição distribui entre as entidades autônomas e que passa a compor seu campo de atuação governamental, sua área de competência”[2]. Competência é, então, as modalidades do poder exercido com o propósito de realizar suas funções. São os seus limites e objetivos. “Competências ambientais pode ser compreendida como a congregação das atribuições juridicamente conferidas a um determinado nível de governo visando à emissão das suas decisões no cumprimento do dever de defender e preservar o meio ambiente”[3].
 

3.1.1 Classificação das competências ambientais

A classificação das competências é feita através de duas ópticas: em relação à sua natureza e à sua extensão.
 
Quanto à natureza, podem ser executivas, administrativas ou legislativas. As executivas determinam as diretrizes, estratégias ou políticas de exercer o poder relacionado ao meio ambiente. Já as administrativas, incidem sobre os aspectos de implementação e fiscalização das medidas protetivas e preventivas ao meio ambiente. É o caráter de polícia. Finalmente, as legislativas cuidam das possibilidades de cada ente para legislar sobre questões que dizem respeito ao assunto.
 

Quanto à sua extensão, podem ser exclusivas, privativas, comuns, concorrentes ou suplementares, dependendo a quem cabe o seu exercício. As exclusivas são aquelas inerentes a somente um ente, excluindo os demais. As privativas também têm caráter exclusivo, porém pode ter seu poder delegado a outro. É a suplementariedade. A competência comum, também classificada como cumulativa ou paralela, é aquela que é de dever de todos os entes, igualitariamente. Concorrente é quando diferentes entes podem definir de diversas formas a atuação quanto a um procedimento, sendo que a fixação da União é superior e, por isso, deve ser respeitada pelos demais entes. Por fim, a suplementar é a que permite que entes subsidiados ao ente maior (União) criem regras pormenores para preencher o que a União, propositalmente, não regulou.

É fundamental ressaltar que uma classificação não exclui a outra, sendo que uma acrescenta à outra. Através da tabela a seguir, percebe-se essa complementação:
 

 

 

Existe ainda uma outra divisão das competências levando em consideração como estão presentes na constituição. As enumeradas são aquelas que expressamente encontram-se no texto constitucional. Já as chamadas remanescentes são aquelas que não se encontram e que, justamente por esse fato, são “jogadas” de um ente para outro como se fosse um resíduo.

Para finalizar o assunto da classificação, é interessante apresentar a visão de alguns autores de que a competência exclusiva e a privativa seriam idênticas, apresentando apenas distinção terminológica. Esta visão está completamente equivocada, pois “enquanto as competências privativas podem ser delegadas, as exclusivas devem ser exercidas em sua integridade por um único ente da Federação”[4]. Verifica-se que esta distinção acontece na medida em que somente a União possui competência enumerada de delegação. Os outros entes não, possuindo, no máximo, competências exclusivas. Por isso é impossibilidade de unir as duas classificações.
 
3.1.2 Reparação das competências ambientais entre os entes federativos
 

3.1.2.1 União

3.1.2.1.1 Competência executiva exclusiva
 

O artigo 21, incisos IX, XVIII, XIX, XX e XXIII, indica quais são as competências executivas exclusivas da União. É importante ressaltar que em tais competências a União deve sempre observar com precisão a atuação do interesse nacional.

É de competência executiva exclusiva da União: elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social; planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações; instituir um sistema nacional de gerenciamento de recursos híbridos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso; instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos; e explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer o monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos princípios e condições estabelecidos pela própria Constituição[5].
 

3.1.2.1.1 Competência legislativa privativa

O artigo 22 da Constituição determina que a União deve legislar sobre: águas e energia; jazidas, minas e outros recursos minerais; e atividades nucleares de qualquer natureza[6]. Porém, quando houver Lei Complementar que assim estabeleça, os Estados também poderão legislar sobre esses assuntos. É a regra da delegação. Mesmo sendo dever da União zelar pelo meio ambiente, os Estados, Municípios e o Distrito Federal, como entes públicos, também devem se guiar pelo mesmo norte.
 

3.1.2.2 Estados

3.1.2.2.1 Competência executiva exclusiva
 

A Constituição não enumera as competências executivas exclusivas dos Estados, somente as dos Municípios e da União. A competência que lhe sobra é a remanescente, ou seja, aquelas que não foram designadas para outro ente público. “Assim sendo, toda matéria que não for de competência federal ou municipal será, de forma residual, competência estadual” [7].

A Constituição ainda dispõe aos Estados o poder de explorar diretamente, através de concessão, os serviços de gás canalizado e instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamento de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum[8].
 

3.1.2.2.1 Competência legislativa exclusiva

Da mesma forma que se dá a competência executiva exclusiva dos Estados, seguem as competências legislativas. Isto é, cabe ao Estado legislar tudo aquilo que a Constituição não atribuiu aos Municípios ou à União.
 

3.1.2.3 Municípios

3.1.2.3.1 Competência executiva exclusiva
 

São poucas as competências executivas exclusivas dos Municípios. Uma delas é promover o adequado ordenamento territorial, o que deve ser feito mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano[9]. Essa competência é feita em conjunto com a da União de executar planos elaborados para a ordenação do território regional. É ainda dever do Município proteger o patrimônio histórico-cultural local com observância da legislação e da ação fiscalizadora da União e dos Estados[10].

3.1.2.3.2 Competência legislativa exclusiva
 

O artigo 30, inciso I da Constituição estabelece que é competência municipal legislar sobre assuntos de interesse local. Entretanto, a expressão interesse local, substituindo a que desde então vigorava nas constituições anteriores (peculiar interesse), causou grandes questionamentos doutrinários, pois vários autores viram que a essência do dispositivo se perdeu face à confusão criada. Na medida em que existe interesse local, existiriam da mesma forma interesse estadual e federal, figuras evidentemente errôneas.

Vladimir Freitas levanta alguns questionamentos: “(…) qual o assunto ambiental de interesse federal ou estadual que não interessa à comunidade? Então, raciocinando em sentido contrário, tudo é do interesse local e, portanto, da competência municipal?”[11]. Por essa interpretação, que a expressão mal posta nos permite fazer, o município seria capaz de legislar sobre todos os assuntos ambientais que desse por importante. É evidente que não foi essa a intenção do dispositivo legal.
 

Contudo, uma visão oposta também não é cabível. A competência do Município não pode ser excessivamente restrita. Concordar que os questionamentos de Freitas são corretos e que, por isso, ao Município não cabe legislar tudo não significa dizer que a ele não cabe nada. Deve-se buscar por uma predominância de interesse. Essa predominância é o que propõe Paulo Machado, ao lecionar que “caberá aos Municípios legislar sobre todas aquelas matérias em que seu interesse prevalece sobre os interesses da União e dos Estados”[12].

3.1.2.3.3 Competência legislativa suplementar
 

A Constituição possibilita aos Municípios preencher lacunas de normas estaduais ou federais ou adapta-las ao contexto local. A suplementação envolve tanto o próprio caráter supletivo, que é o de erradicar as lacunas, como o complementar, que é o de detalhar as normas existentes.

A suplementação municipal não se dá de forma extensiva, no entanto. Ela observa certos limites. Um deles é o de que as normas municipais não podem ser menos restritivas ou menos protetoras que as estaduais ou federais. Isto porque, se assim fossem, existiriam casos em que a legislação superior puniria, mas como a legislação local é mais branda, não ocorreria nenhuma sanção. Como as leis estaduais ou federais devem preexistir às municipais, tal suposição não pode dar-se por real.
 

Outro limite à competência legislativa suplementar municipal é que os Municípios podem criar normas sobre assuntos que não existem nas esferas superiores. A função suplementar é de adaptar a legislação federal ou estadual e não há como adaptar algo que não existe. Por isso, caso o município tenha a necessidade de normatizar alguma situação que não possa adaptar das leis superiores, o que lhe cabe é recorrer para outros instrumentos jurídicos, como a analogia, os costumes, os princípios gerais do direito, etc.

3.1.2.4 União, Estados e Distrito Federal
 

3.1.2.4.1 Competência legislativa concorrente

O artigo 24 da Constituição estabelece como sendo competência concorrente entre União, Estados e Distrito federal legislar sobre: florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; proteção do patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagísticos; e responsabilidade por dano ao meio ambiente e bens e direitos de valor artísticos, estético, histórico, turístico e paisagísticos.
 

A concorrência entre os entes observa uma ordem estabelecida pela própria Constituição. Não seria uma hierarquização, mas sim separação entre os focos da atuação de cada ente. À União, cabe estabelecer normas gerais. Tais normas têm caráter abstrato e genérico, nunca se referindo sobre casos em concreto. Sua função é justamente estabelecer os princípios fundamentais. Já aos Estados e ao Distrito Federal, cabem as normas específicas. Elas definem os casos concretos, atendendo as peculiaridades de cada região.

Contudo, pode ocorrer, em alguns casos, um conflito de normas. Isto se dá quando é impossível estabelecer se o assunto é de norma geral ou específica e, por isso, é normatizado por mais de um ente. Nesses casos aplica-se o princípio do in dubio pro natura, ou seja, na dúvida, o “interesse” da natureza é preservado. Na prática, isto significa que predomina a regra mais restritiva, pois assim não há risco da natureza ser prejudicada por uma norma mais branda.
 

3.1.2.5. União, Estados, Distrito Federal e Municípios

3.1.2.5.1 Competência administrativa comum
 

O artigo 23 da Constituição estabelece como sendo dever da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de forma cooperativa: proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico e cultural; proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; preservar as florestas, a fauna e a flora; e, por fim, registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos híbridos e minerais em seus territórios.

O artigo 23 ainda institui que: as normas de cooperação entre os entes federativos deverão ser fixadas por Lei Complementar. Porém, até hoje tal lei não foi promulgada, nem projetos concretos foram estudados. O estabelecimento de tal legislação é urgente, pois existem muitas dúvidas e conflitos sobre os limites de competência de cada um. Com o dever é de todos, acaba ocorrendo um “círculo de delegação”, no qual um ente responsabiliza o outro e ninguém quer assumir a responsabilidade. A generalização da competência exclui a individualização de todos.
 

Alguns autores, no entanto, tentam estabelecer princípios para preencher a lacuna deixada pela inexistência da legislação requerida, tentando tornar possível a administração comum. Paulo José leite Farias[13] defende a utilização dos princípios da subsidiaridade, ao lado do princípio da predominância do interesse. Segundo tais, a responsabilidade é dos entes menores, sendo os superiores acionados somente na impossibilidade daqueles de cumprir de maneira eficiente a competência. Heraldo Garcia Vitta[14] entende que cada ente deve atuar respeitando os limites de competência legislativa de cada um. No entanto, esses limites poderiam ser quebrados nos casos em que um ente não pune certo agressor que desrespeita veementemente a legislação estatuída pelo próprio ente. Nesses casos, ente diverso poderia cumprir a competência utilizando de legislação alheia à sua. Os dois posicionamentos são diferentes, porém ambos buscam a mesma coisa: a efetivação da competência administrativa comum.

 
* Acadêmico de Direito na UFSC. Colunista do Portal Jurídico Investidura nas áreas de Direito Penal e Direito Ambiental.
 

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[1] FERREIRA, Heline Sivini. Competências Ambientais, pp. 203.

[2] SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. pp. 71-72.

[3] FERREIRA, Heline Sivini. Competências Ambientais, pp. 204.

[4] FERREIRA, Heline Sivini. Competências Ambientais, pp. 206.

[5] Constituição da República, art. 21, incs. IX; XVIII; XIX; XX; XXIII.

[6] Constituição da República, art. 22, incs. IV, XII e XXVI.

[7] FERREIRA, Heline Sivini. Competências Ambientais, pp. 209.

[8] Constituição da República, art. 25, §§ 2º e 3º.

[9] Constituição da República, art. 30, inc. VIII.

[10] Constituição da República, art. 30, inc. IX.

[11] FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. Pp. 61-63.

 [12] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro.

[13] FARIAS, Paulo José Leite

[14] VITTA, Heraldo Garcia. Da divisão de competências das pessoas políticas e meio ambiente.

Como citar e referenciar este artigo:
MINATTO, Otávio. Competências Ambientais. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2008. Disponível em: https://investidura.com.br/resumos/direito-ambiental/competencias-ambientais/ Acesso em: 28 mar. 2024