Filosofia do Direito

Análise do filme O nome da Rosa

Jean Jacques Annaud

Roteiro original de Umberto Eco

Tendo chegado ao final de minha vida de pecador, meus cabelos agora brancos, preparo-me para deixar aqui meu testemunho dos maravilhosos e dos
terríveis eventos que testemunhei na juventude, no final do ano de 1327. Que Deus me conceda sabedoria e graça, para ser um cronista fiel dos
acontecimentos ocorridos num remoto mosteiro no obscuro norte da Itália. Um mosteiro cujo nome parece mesmo agora clemente e prudente omitir. (Locução
inicial do filme O Nome da Rosa).

Não é a primeira vez que assisto a O nome da Rosa, mas admito que diferente de outras obras que, depois de anos, reli ou revi, essa não perdeu
nada de seu encanto.  Na época, meu enfoque era a Filosofia, a rosa como o conhecimento cativo dentro da biblioteca secreta. Hoje posso dizer que o
direito me chama mais a atenção.

Apesar de ser um assunto bem recentemente assimilado por mim, não me passa mais irrelevante obras que suscitam a relação entre ius civilis, ius commune, ius canonicus, transição de modelos políticos entre as idades Média e Moderna, redução das fontes do direito, retomada do
poder pelo Príncipe, positivismo jurídico (que, na interpretação de Santo Agostinho, muito observado na época, dizia ser o direito positivado nas
Sagradas Escrituras).

Faz-se através da obra uma ácida crítica à Igreja, percebível desde as primeiras cenas do filme no momento em que mestre Guilherme, chegando aos
arredores do mosteiro, observa que, no alto da construção, abre-se periodicamente um portão de ferro, por onde os monges jogam fora os restos de
alimentos da abadia. No pé da montanha, várias pessoas ficam esperando os restos de comida cair do céu, ou melhor, do alto do mosteiro. Noutros termos,
diz à plateia mestre Guilherme em sua fala: “outra generosa doação da Igreja aos pobres!” (18º minuto de projeção).

O nome da Rosa sugere um ambiente no qual as contradições, oposições, querelas e inquisições, no início do século XIV, justificam ações humanas, as virtudes e os
crimes dos personagens, monges copistas de uma abadia cuja maior riqueza é o conhecimento de sua biblioteca. Para os personagens, a discussão entre o
essencial e o particular, o espiritual e a realidade material, o poder secular e a insurreição, os conceitos e as palavras que entranham pelo mundo
numa teia de inter-relações das mais conflituosas. A representação, a palavra e o texto escrito passam a ter uma importância vital na organização da
abadia, gestando o microcosmo do narrador.

Frei Guilherme de Baskerville é um franciscano que chega acompanhado de um jovem noviço da ordem de São Bento, Adso de Melk a uma abadia beneditina dos
Alpes Italianos. A época é 1327.

Como serão conhecidas no final, as mortes no mosteiro têm alguma (mas não total) motivação sexual, mas o que estaria matando mesmo os religiosos era o
veneno que algumas páginas de certos livros “proibidos” tinham em suas extremidades. Era costume dos monges, ao lerem os textos, molharem os dedos com
a língua para que melhor pudessem folhear as escrituras. Nesse ato, sem querer, envenenavam-se e morriam. As páginas estavam envenenadas para que
certos livros valiosos não fossem jamais lidos.

Dentre os livros que se queria esconder, estaria uma provável edição do Livro II da Poética de Aristóteles. Essa situação faz menção ao fato de
que a Igreja, naquele momento histórico, tentando manter apenas sob o conhecimento de alguns as obras de grande sabedoria. Limitava-se o acesso a tais
obras e, mesmo restrito o acesso, os que as liam eram lentamente mortos pela ação do veneno nas bordas das páginas.

Era fácil para a Igreja manter esse poder ideológico ficando na mente das pessoas, uma vez que ela não deixava espaço para tais pensarem a respeito.
Isso significaria que quem o fizesse estaria confabulando com o Diabo, em detrimento de Deus, logo, os indivíduos eram domados pelo temor. Também
ficava difícil para a população discernir intelectualidade e por na prática seu senso crítico, pois não havia escola para civis, só para os padres;
mesmo porque este conhecimento da Antiguidade era transposto para livros e ficava aprisionado nas bibliotecas dos mosteiros da Idade Média pala Igreja.

Bernardo Gui, no filme de Jean Jacques Annaud, aparece no minuto 66 de projeção, numa delegação papal de inquisidores que veem ao mosteiro para tentar
desvendar o mistério das mortes, o qual Guilherme está prestes a esclarecer.

Venerável Irmão, (pergunta William a Jorge) há muitos livros que falam de comédia. Por que este lhe inspira tanto temor? Porque é de Aristóteles. (no
minuto 116 de projeção, Adso, Willian e Jorge, na batalha final na biblioteca-labirinto, em busca do livro II da Poética de Aristóteles, a que trata da
comédia).

Quem era ela? Quem era essa criatura que, rosa como a aurora, era fascinante como a lua, radiante como o sol, terrível como um exército pronto para
lutar. (narração do velho Adso, em torno do minuto 45, relembrando quando em sua juventude, encontrou-se sexualmente na cozinha com uma jovem que
também tinha prazeres com vários monges).

A denominação da obra O Nome da Rosa, é interessante, pois, a partir da epígrafe acima, de um lado, pode-se entender que a jovem da qual
fala-nos Adso, é uma alegoria da Igreja medieval e conservadora, que ao mesmo tempo em que é tentadora, é bela e é fascinante e também está pronta para
destruir. Por outro lado, entende-se também que, na verdade, a falta de modalização no título, possa ver apenas um jogo de linguagem, um dos labirintos
poéticos que o autor oferece ao leitor-expectador. Emprega-se nele a paralipse – para que, no curso da história, o título da obra se transforme em
pergunta na cabeça da plateia: quem ou que, afinal, é a rosa? É a Igreja, é o Livro II de A Poética do Aristóteles, é a mulher em si?

Creio que o que mais salta ao destaque é o contexto histórico em que a obra é desenhada e dele não pode ser dissociada ser perda de identidade
relevante. O despontar do Renascimento traz o ressurgir anseios da humanidade, o resgate do Clássico, a descanonização. É uma obra de carga metafórica
intensa; busca com o empirismo de Guilherme, as lições de Adso, o receio do bibliotecário, a mística da moça e a inquisição de Gui entender qual a
verdadeira rosa do cenário, do conhecimento, do direito e da nossa interpretação.

* Gisele Witte, Acadêmica de Direito da UFSC, Estagiária no Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Gabinete Des. João Batista Góes Ulysséa, Segunda
Câmara de Direito Comercial, Organizadora do VI Congresso de Direito da UFSC

Como citar e referenciar este artigo:
WITTE, Gisele. Análise do filme O nome da Rosa. Florianópolis: Portal Jurídico Investidura, 2011. Disponível em: https://investidura.com.br/resenhas/filosofiadoreito/analise-do-filme-o-nome-da-rosa/ Acesso em: 29 mar. 2024